a) De que forma o espaço contribui, nesse texto, para o construção do clima da história?
b) O que 
o antigo inquilino tinha esquecido no quarto? Por que esse detalhe impressionou as moças?
c) Identifique a situação inicial e a quebra dessa situação nessa narrativa.
 d) Identifique o clímax (parte culminante do conto em que ocorre um fato de grande tensão), o conflito e sua solução.
e) Nesse conto, quem é narrador da história?
f) O tempo na narrativa é cronológico ou psicologico?


- Deus me livre, tenho nojo de osso. Ainda mais de anão.
(...) No chão, a trilha de formigas mortas era agora uma fita escura que encolheu. Uma formiguinha que escapou da matança passou perto do meu pé, já ia esmagá-Ia quando vi que levava as mãos à cabeça, como uma pessoa desesperada. Deixei-a sumir numa fresta do assoalho.
(...) Às seis horas o despertador disparou veementemente. Travei a campainha. Minha prima dormia com a cabeça coberta. No banheiro, olhei com atenção para as paredes, para o chão de cimento, à procura delas. Não vi nenhuma. Voltei pisando na ponta dos pés e então entreabri as folhas da veneziana. O cheiro suspeito da noite tinha desaparecido. Olhei para o chão: desaparecera também a trilha do exército massacrado. Espiei debaixo da cama e não vi o menor movimento de formigas no caixotinho coberto.
Quando cheguei por volta das sete da noite, minha prima já estava no quarto. (...)
- E as formigas?
- Até agora, nenhuma.
- Você varreu as mortas?
Ela ficou me olhando.
- Não varri nada, estava exausta. Não foi você que varreu?
- Eu?! Quando acordei, não tinha nem sinal de formiga nesse chão, estava certa que antes de deitar você juntou tudo... Mas então quem?!
Ela apertou os olhos estrábicos, ficava estrábica quando se preocupava. (...)
- Elas voltaram.
-Quem?
- As formigas. Só atacam de noite, antes da madrugada. Estão todas aí de novo.
A trilha da véspera, intensa, fechada, seguia o antigo percurso da porta até o caixotinho de ossos por onde subia na mesma formação até desformigar lá dentro. Sem caminho de volta. (...)
- Acordei para fazer pipi, devia ser umas três horas. Na volta senti que no quarto tinha algo mais, está me entendendo? Olhei pro chão e vi a fila dura de formiga, você lembra? Não tinha nenhuma quando chegamos. Fui ver o caixotinho, todas traçando lá dentro, lógico, mas não foi isso o que quase me fez cair pra trás, tem uma coisa mais grave: é que os ossos estão mesmo mudando de posição, eu já desconfiava mas agora estou certa, pouco a pouco
eles estão... estão se organizando.
- Como organizando? (.. .)
- Você lembra, o crânio entre as omoplatas, não
deixei ele assim. Agora é a coluna vertebral que já está quase formada, uma vértebra atrás da outra, cada ossinho tomando seu lugar, alguém do ramo está montando o esqueleto, mais um pouco e... Venha ver!
- Credo, não quero ver nada. Estão colando o anão, é isso?
(...) Dormimos juntas na minha cama. Ela dormia ainda quando saí para a primeira aula. No chão, nem sombra de formiga, mortas e vivas, desapareciam com a luz do dia.
Voltei tarde essa noite, um colega tinha casado e teve festa. (u.)
- Hoje não vou dormir, quero ficar de vigia ela avisou.
O assoalho ainda estava limpo. Me abracei ao urso.
- Estou com medo.
(...)
Tombei na cama, acho que nem respondi. No topo da escada o anão me agarrou pelos pulsos e rodopiou comigo até o quarto, acorda, acorda! Demorei para reconhecer minha prima que me segurava pelos cotovelos. Estava lívida. E vesga.
- Voltaram - ela disse.
(...)
- Estão mesmo montando ele. E rapidamente, entende? O esqueleto está inteiro, só falta o fêmur.
E os ossinhos da mão esquerda, fazem isso num instante. Vamos embora daqui.
- Você está falando sério?
- Vamos embora, já arrumei as malas.
A mesa estava limpa e vazios os armários escancarados.
- Mas sair assim, de madrugada? Podemos sair assim?
- Imediatamente, melhor não esperar que a bruxa acorde.Vamos, levanta.
- E para onde a gente vai?
- Não interessa, depois a gente vê. Vamos, vista isto, temos de sair antes que o anão fique pronto.
Olhei de longe a trilha; nunca elas me pareceram tão rápidas. Calcei os sapatos, descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito?
No céu, as últimas estrelas já empalideciam. Quando encarei a casa, só a janela vazada nos via, o outro olho era penumbra."
TELLES, Lygia Fagundes. Os melhores contos.
São Paulo: Global, 1997.

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