(UNIRIO, 2008)
Tristeza de Cronista
A moça viera da cidade para os lados de Botafogo. No ônibus repleto, dois rapazes de pé conversavam, e sua conversa era ouvida por todos os passageiros. (Inconveniente dos hábitos atuais). Eram dois rapazes modernos, bem vestidos, bem nutridos. (Ah! Este excesso de vitaminas e de esportes!). Um não conhecia quase nada da cidade e outro servia-lhe de cicerone. Mostrava-lhe, pois, a avenida e os seus principais edifícios, a Cinelândia, o Obelisco, o Monumento dos Pracinhas, o Museu de Arte Moderna, o Aterro, o mar...
O outro interessava-se logo pelas minúcias: qual o melhor cinema? Quantos pracinhas estão ali? que se pode ver no museu? Mas os ônibus andam tão depressa e caprichosamente que as perguntas e respostas se desencontravam. (Que fôlego humano pode competir com o de um ônibus?).
Quanto ao Pão de Açúcar, o moço não manifestou grande surpresa: já o conhecia de cartões-postais; apenas exprimiu o seu receio de vir o carrinho a enguiçar. Mas o outro combateu com energia tal receio, como se ele mesmo fosse o engenheiro da empresa ou, pelo menos, agente turístico.
Assim chegaram a Botafogo, e a atenção de ambos voltou-se para o Corcovado, porque um dizia: “Quando você vir o Cristo mudar de posição, e ficar de lado e não de frente, como agora, deve tocar a campainha, porque é o lugar de saltar”. O companheiro prestou atenção.
Mas, enquanto não saltava, o cicerone explicou ao companheiro: “Nesta rua há uma casa muito importante. É a casa de Rui Barbosa. Você já ouviu falar nele?” O outro respondeu que sim, porém sem grande convicção.
Mais adiante, o outro insistiu: “É uma casa formidável. Imagine que tudo lá dentro está conforme ele deixou!” O segundo aprovou, balançando a cabeça com muita seriedade e respeito. Mas o primeiro estava empolgado pelo assunto e tornou a perguntar: “Você sabe quem foi Rui Barbosa, não sabe?” O segundo atendeu ao interesse do amigo: “Foi um sambista, não foi?” O primeiro ficou um pouco sem jeito, principalmente porque uns dois passageiros levantaram a cabeça para aquela conversa. Diminuiu um pouco a voz: “Sambista, não”. E tentou explicar. Mas as palavras não lhe ocorriam e ficou por aqui: “Foi... foi uma pessoa muito falada”. O outro não respondeu.
E foi assim que o Cristo do Corcovado mudou de posição sem eles perceberem, e saltaram fora do ponto.
Ora, a moça disse-me; “Você com isso pode fazer uma crônica”. Respondi-lhe: “A crônica já está feita por si mesma. É o retrato deste mundo confuso, destas cabeças desajustadas. Poderão elas ser consertadas? Haverá maneira de se pôr ordem nessa confusão? Há crônicas e crônicas mostrando o caos a que fomos lançados. Adianta alguma coisa escrever para os que não querem resolver?”
A moça ficou triste e suspirou. (Ai, nós todos andamos tristes e suspirando!).

MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.

O tema da crônica se refere à:


a)angústia de observar-se a inconveniência de hábitos atuais.

b)ausência de detalhes e minúcias sobre os locais turísticos do Rio.


c)falta de percepção dos possíveis ângulos de visão do Cristo.

d)divulgação escassa que se tem dado à casa de Rui Barbosa.

e)preocupação com o despreparo cultural de jovens modernos.
Please enter comments
Please enter your name.
Please enter the correct email address.
You must agree before submitting.
More Questions From This User See All
(FADESP, 2010, adaptada) Por mais incrível – e triste! – que possa ser, a foto acima não é uma montagem. Trata-se “apenas” do resultado da falta de consciência humana, que foi clicado, em setembro deste ano, pelo fotógrafo ambiental Chris Jordan. O artista viajou para o Atol Midway, no norte do Oceano Pacífico, e lá – onde o continente mais próximo (e, portanto, o homem) se encontra a, mais ou menos, duas mil milhas de distância – o fotógrafo se deparou com várias carcaças de albatroz em decomposição, que morreram ao ingerir o lixo plástico que flutua ao redor da ilha. São pedaços de rede, isqueiros, sacolas plásticas, tampas de garrafa e mais uma porção de entulhos plásticos que foram atirados no mar e acabaram viajando quilômetros e assassinando as aves, dentro do seu próprio santuário. As imagens – que viraram um ensaio fotográfico em vídeo – chocam e o pior é saber que o fato não é isolado. Segundo o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o plástico é responsável pela morte de mais de um milhão de aves marinhas todos os anos – sem contar todo o resto da fauna aquática, como tartarugas marinhas, tubarões e centenas de espécies de peixes. No ditado popular, uma imagem fala mais do que mil palavras. Quem sabe, agora, com a ajuda de Chris, as pessoas não se conscientizem sobre as consequências de seus atos na natureza. Será? Disponível em: . Acesso em: 08 abr. 2015. Quanto ao fenômeno de coesão, pode-se dizer que: a)a expressão “continente mais próximo” (linha 5) retoma “Atol Midway” (linha 4). b)o pronome “que”, em “que flutua ao redor da ilha” (linhas 7-8), refere-se a “albatroz” (linha 7). c)“apenas”, em “’apenas’ do resultado da falta de consciência’ (linha 2), diz respeito à restrita culpa humana. d)“aves”, em “assassinando as aves, dentro do seu próprio santuário” (linha 11), é um hiperônimo de “albatroz” (linha 7). e)“seus”, em “seus atos na natureza” (linha 19), é uma referência a Chris Jordan.
Responda

Helpful Social

Copyright © 2025 ELIBRARY.TIPS - All rights reserved.