FRANCISCO CÉSAR DE MIRANDA:

Revista da ASBRAP nº 14

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FRANCISCO CÉSAR DE MIRANDA: IDENTIFICAÇÃO DE UM TRONCO PAULISTANO

Marcelo Meira Amaral Bogaciovas

Resumo: Identificaçã

Author Suzana Leal Bardini

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Revista da ASBRAP nº 14

225

FRANCISCO CÉSAR DE MIRANDA: IDENTIFICAÇÃO DE UM TRONCO PAULISTANO

Marcelo Meira Amaral Bogaciovas

Resumo: Identificação de um tronco paulistano, Francisco César de Miranda, através de um processo de seu filho do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. Contém ainda um breve estudo de uma sesmaria, das primeiras da vila de São Paulo, e que permaneceu mais de 200 anos na família, onde hoje está instalada a Universidade de São Paulo, na capital paulista. Abstract: Identification of a branch in São Paulo, Francisco César de Miranda, through a process of his son of the Lisbon’s Holy Office of the Inquisition. Also contains a brief study of a sesmaria (donation of land), one of the firsts in the village of São Paulo, and which remained in the family for over 200 years, where is now located the University of São Paulo, in the city of São Paulo.

Em fins de 2007 pesquisei em Portugal, em especial no Arquivo da Torre do Tombo (IAN/TT), em Lisboa. Ali resumi os processos da Inquisição dos quais eu tinha notícias que se relacionavam a São Paulo. Um deles, um caso de crime de bigamia, esclareceu a identificação de um tronco paulistano, Francisco César de Miranda. O apelido César me é muito próximo, especialmente porque resolvi prestar uma homenagem a meu trisavô (por duas vias) João Leite de Cerqueira César, legando o sobrenome César a meu filho Rodrigo. Tinha-se como certo, baseado em Pedro Taques, que Francisco César de Miranda era natural de São Paulo, filho do português Francisco de Miranda Tavares e de sua mulher Isabel Pais, esta filha do tronco dos Borges de Cerqueira de São Paulo, Simão Borges.1 Silva Leme acreditava que houve dois Franciscos Césares de Miranda. O primeiro seria paulista, com o apelido final Tavares, filho de Francisco de Miranda Tavares e de Isabel Pais, casado com Ana Peres Leme. O segundo seria português, casado com Ana Peres de Menezes.2 1

NPHG, II, 169.

2

SL, III, 547. Menezes foi má leitura paleográfica de Heredia.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

O que se quer mostrar neste artigo é que, baseado no referido processo, resumido adiante, houve apenas um Francisco César de Miranda. Português, veio para São Paulo viúvo, com um filho, e aqui casou-se segunda vez, com Ana Peres de Heredia, filha de João Martins de Heredia e de Brígida Pais, esta filha do citado Simão Borges (de Cerqueira). Assim, Francisco César não era filho, mas sobrinho, por afinidade, de Francisco de Miranda Tavares. Pouco se sabe sobre João Martins de Heredia.3 Ele ainda vivia em 26 de julho de 1654 na vila de São Paulo, quando em sua casa se fez a abertura do inventário de sua sobrinha (por afinidade) Maria Borges.4 Esta fez testamento, em data inutilizada, em qual instrumento chama o seu tio de João Martinez de Heredia, cujo apelido Martinez, aliado ao sobrenome de sua filha, Ana Peres, faz sugerir que ele fosse espanhol. Houve uma grande dificuldade na elaboração deste artigo, uma vez que há falhas de assentos paroquiais nos livros de batizados, casamentos e de óbitos da vila de São Paulo, no período de interesse. Tampouco foram encontrados os inventários orfanológicos dos casais Francisco César de Miranda- Ana Peres de Heredia e João Martins de Heredia- Brígida Pais.5 Francisco de Miranda Tavares, como já me referi atrás, casou-se cerca de 1631 em São Paulo com Isabel Pais, filha de Simão Borges e de Leonor Leme. Por morte de Francisco de Miranda Tavares, abriu-se inventário de seus bens em 15 de julho de 1642, na vila de São Paulo.6 Entre outros filhos, deixava um de nome Francisco, com 5 anos de idade, pouco mais ou menos. Este deve ser o Francisco (César) de Miranda (Tavares). Desconhece-se seu nome exato, uma vez que seu inventário, visto por Silva Leme, não foi localizado no Arquivo do Estado, devendo estar extraviado. Segundo Silva Leme, casou-se com Maria Dias de Chaves, e faleceu em 1680, tendo tido três filhos de seu casamento. Do inventário de Francisco de Miranda Tavares constou a assinatura de Francisco César de Miranda, o que pode ter confundido Silva Leme e Pedro Taques, imaginando que ele seria Francisco, o filho órfão de Francisco de Miranda Tavares. A assinatura de Francisco César se deu em um recibo, em 1662, em nome de sua mulher Ana Peres, do que o Tavares devia para Leonor Leme, avó de sua mulher. 3

Prefiro falar Heredía, como os castelhanos dizem. Em português costuma-se acentuar, ficando Herédia.

4

Inventários e Testamentos, XLII, pp. 183-186.

5

Agradeço ao amigo H. V. Castro Coelho, também da família César, a discussão conjunta para a compreensão e elaboração deste artigo.

6

Inventários e Testamentos, XIV, pp. 67-90.

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O processo de Manuel César de Miranda7 Manuel César de Miranda foi preso em 7 de abril de 1672 e entregue em 21 de maio de 1673 em Lisboa, aos cárceres da Inquisição. Foi remetido preso, acompanhado de um ofício do Prelado do Rio de Janeiro, o Dr. Francisco da Silveira Dias, datado de 26 de dezembro de 1671, assinado do Rio de Janeiro. Nele constava a denúncia de que Manuel César de Miranda se casara duas vezes, sendo viva a primeira mulher. O crime de bigamia era assunto do Tribunal do Santo Ofício e considerado grave delito. No citado ofício afirmava-se que o réu confessara o crime, como constava do auto de perguntas. No auto de perguntas, processado em 7 de janeiro de 1671 na cidade do Rio de Janeiro, em pousadas do dito prelado, foi ouvido Manuel César de Miranda. Disse ser natural da freguesia de Nossa Senhora do Loreto, onde foi batizado, na cidade de Lisboa, filho de Francisco César de Miranda e de sua primeira mulher (o grifo é meu) Joana Belinque, a qual sendo morta na dita cidade, o dito Francisco César de Miranda viera com ele réu para esta terra (Rio de Janeiro), e nela assistiu alguns anos, e daqui se foi para a vila de São Paulo com o dito seu pai aonde ele réu se casou com Maria da Silva, filha de Miguel Fernandes Edra e de sua mulher Tomásia de Sousa, naturais da mesma vila de São Paulo, e que os recebera com a dita sua mulher o Padre Miguel Veloso, que Deus tem, na capela de Antônio de Sousa, por comissão do vigário da matriz de São Paulo, Domingos Gomes Albernaz, e que com a dita sua mulher vivera todo este tempo, e dela tivera, e tem, duas filhas, e que estando assim casado fora à vila de São Sebastião, distante trinta léguas da vila de São Paulo, e que pousando aí em casa de uma mulher viúva por nome Maria Camacho, tivera comunicação com uma filha sua por nome Clara Cabral, e que prometendo seus parentes para casar com ela, arranjaram o dito casamento, correndo-se os pregões em como ele era viúvo, recebeu a dita Clara Cabral na igreja de São Sebastião por sua mulher. E que, um mês antes do casamento, os parentes de Clara Cabral o levaram à casa do padre vigário de São Sebastião dizendo que o matariam se não se casasse com ela. Casou-se sabendo que sua primeira mulher estava viva e não manifestou essa situação para o padre que o casou. O Padre Domingos Gomes Albernaz, vigário da vila de São Paulo, expediu certidão, em 20 de outubro de 1670, de que publicara por três dias festivos, conforme a praxe, proclamas do casamento de Manuel César de Miranda, filho de Francisco César de Miranda e de Joana Belinque, já defuntos, com Clara Cabral, filha de Luís Cabral de Mesquita e de Maria Camacho, moradores na Ilha de São Sebastião. 7

Processo nº 10.728 do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. In IAN/TT.

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Manuel César permaneceu preso na cidade do Rio de Janeiro por mais de um ano. Sabendo que não teria como fugir das garras da Inquisição, ou por medo de ser morto pelos parentes de suas duas mulheres, pediu que fosse remetido para a cidade de Lisboa na primeira embarcação. Foi embarcado na nau São José, de bandeira francesa, da qual era capitão o francês Antônio Beton. Chegando a Lisboa, em princípios de abril de 1672, por ver que as pessoas da dita embarcação estavam dormindo, conseguiu se livrar dos grilhões que o prendiam à embarcação, e se lançou ao mar, sem ser visto, e a nado chegou à terra, e se encaminhou diretamente a São Roque, sendo meia noite, aonde não lhe quiseram abrir a porta naquela hora, e daí passou ao Colégio de Santo Antão, onde esteve até pela manhã do dia seguinte nu, absolutamente sem roupa nenhuma, sem lhe quererem também abrir a porta, e depois de amanhecer, vindo a ela o porteiro, ele pediu que chamassem o reitor, e estando em sua presença lhe deu conta de como vinha do Rio de Janeiro preso, e remetido pelo vigário geral à Inquisição, e na noite do dia anterior fugira do navio, e manifestou vontade de apresentar-se à Mesa do Santo Ofício. O reitor do Colégio chamou um familiar do Santo Ofício, que o acompanhou até os cárceres da Inquisição. Como dissera mais tarde, Manuel César procurou primeiramente os jesuítas porque havia estudado no colégio da citada ordem na cidade do Rio de Janeiro. Logo depois de ser preso, em 22 de abril de 1672, nos estaos8 e casa do Despacho da Santa Inquisição, no período da manhã, perante o Sr. Inquisidor Pedro Mexia de Magalhães, por pedir Mesa, apareceu um homem que viera preso do Rio de Janeiro. Confessou... ... “chamar-se Manuel César de Miranda que disse ser cristão-velho, que vivia de sua fazenda, casado primeira vez com Maria da Silva, cristã-velha, e segunda vez com Clara de Sousa (sic) outrossim cristãvelha, natural desta cidade, e morador na Ilha de São Sebastião do Rio de Janeiro (sic), de vinte e oito anos de idade, e sendo admoestado”... “disse que haverá vinte e dous anos, pouco mais ou menos, se embarcou desta cidade para o Rio de Janeiro, onde estava seu pai, com o qual se passou à vila de São Paulo, e sendo ainda vivo o dito seu pai haverá quinze anos se contratou para casar na mesma vila com Maria da Silva cristã-velha, filha de Domingos da Silva, lavrador, e de Maria de Freitas, e corridos os banhos, e feitas as mais diligências necessárias, se receberam na igreja matriz da mesma vila em presença do vigário Miguel Veloso, já defunto e de João Delgado, lavrador, e Ana Furtado, que foram padrinhos, e de outras muitas pessoas”. 8

Estaos eram os paços antigos d’El-Rei no rossio de Lisboa e que serviram para designar os paços da Inquisição de Lisboa, Évora e Coimbra.

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Continuando sua confissão, disse que depois de recebidos, se recolheram em umas casas, onde fizeram vida marital e tiveram três filhos, e no dia da ascensão do ano de 1670 se apartou da dita sua mulher por dúvidas que teve com alguns de seus parentes, e se passou à Ilha de São Sebastião da Capitania de São Paulo, e nele se afeiçoou a Clara de Sousa, cristã-velha, filha de Luís Cabral, que era escrivão, já falecido, e de Maria Camacho, sendo solteira, e que publicando que era viúvo, porque na mesma vila havia pessoas que sabiam que ele era casado na vila de São Paulo, mandou correr banhos na dita vila, donde vieram sem impedimento, porque os correu o Vigário Domingos Gomes Albernaz, que havia pouco tempo era vigário na dita igreja. Ele se recebeu na Ilha de São Sebastião, na ermida dos religiosos de São Francisco, que está fora da dita ilha, em 28 de novembro de 1670, na presença de Frei Basílio, presidente da Congregação de São Francisco, por comissão do Vigário Manuel Gomes Pereira, de Francisco Corrêa, ourives, e de Isabel de Pina, que foram seus padrinhos. Havia abandonado a primeira mulher seis meses antes, viva, e não tinha informações de que fosse morta. Com a segunda mulher teve vida marital apenas por dezessete dias até ser preso por ordem do Vigário Geral da Capitania de São Paulo. Era certamente um preso pouco convencional, dono de um dom incomum. A história de sua vida assemelha-se a uma novela. Apesar da mais estreita vigilância, conseguia sair dos cárceres, andava pelos corredores e conversava com os outros presos. Apenas em 17 de agosto de 1672 foi ouvido novamente. Inquirido pelo Sr. Inquisidor Pedro Mexia de Magalhães, disse que seu primeiro casamento se dera na capela de Antônio de Sousa, que dista 12 léguas da vila de São Paulo, onde sua noiva vivia, e ... ... “ser estilo da terra fazerem-se os recebimentos nas capelas onde vivem os contraentes, quando estão distantes da vila, e daí a oito dias veio com a dita sua mulher tomar as bênçãos à matriz da vila, na qual não há outra freguesia, e que o Padre Miguel Veloso vigário encomendado da dita igreja os recebeu, e deu as bênçãos.” Nesta segunda sessão disse que, por temor ao Prelado do Rio de Janeiro, que era particular amigo de seu pai, confessara ao religioso sua condição de bígamo. Ainda na cidade do Rio de Janeiro, estando preso na cadeia da mesma cidade, vindo para ela preso Paulo Temudo, da vila de São Paulo, aonde sua primeira mulher fora moradora, lhe disse o dito Paulo Temudo que a dita sua mulher era viva, e o mesmo lhe disse Fernão Pais, da mesma vila, e ele réu tinha uma carta sua que trouxe Francisco da Costa, mestre de um barco. Não quis comprometer as testemunhas que asseveraram que fosse viúvo, quando se casou segunda vez. Nunca falara aos parentes de sua segunda mulher que fosse casado, com medo de ser morto por eles.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

Após duas sessões, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, em 28 de novembro de 1673, entendeu que o processo estava em condições de ser finalizado. Não apenas pelo crime ter sido cometido em terra tão remota, como era São Paulo, o que dificultava a ouvida de mais testemunhas, como pelo réu ter confessado seu crime e não haver dúvidas a respeito, mas principalmente pelo fato de estar próximo o auto-da-fé. Na sessão de genealogia, no dia seguinte, perante o mesmo Inquisidor Pedro Mexia, o réu declarou o que segue. “Disse que ele se chama Manuel César de Miranda, cristão-velho, que não tem ofício, natural desta cidade (*de Lisboa), e morador na Ilha de São Sebastião – e que seus pais são defuntos, e se chamaram Francisco César de Miranda, que foi capitão mor na vila de Santos, e Joana Belinque naturais, e moradores desta cidade – e que seus avós são outrossim defuntos, e se chamaram os paternos Afonso de Miranda, e Andreza Dias naturais e moradores de Sesimbra, e os maternos Francisco Belinque que foi cônsul dos franceses natural de Toulon Reino da França, e de Margarida Paula natural desta cidade, e nela moradores.” Afirmou que fora crismado na igreja de Santa Catarina do Monte Sinai.9 Sabia ler e escrever, Gramática e Filosofia, tinha ordens menores, e disse que nunca saíra fora do Reino. [Obviamente que o Brasil fazia parte do Reino…] Foi submetido a novos interrogatórios em 29 e em 31 de novembro de 1673. Admoestado, antes do libelo, em 2 de dezembro seguinte. Não apresentou defesa. Assim, em Mesa, depois de vistos os autos, deliberou-se que o réu fosse ao auto público da fé na forma costumada e que nele ouvisse sua sentença e que fizesse abjuração de leve suspeito na fé, e que fosse açoutado pelas ruas públicas da cidade de Lisboa citra sanguinis effusionem (sem derramamento de sangue) e degredado para as galés de Sua Magestade por tempo de sete anos, tendo penitências espirituais e instrução ordinária, e ainda que deveria pagar as custas. O Conselho Geral do Santo Ofício, em Mesa, em 5 de dezembro, ratificou a decisão da Mesa do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. Sua sentença foi publicada no auto-da-fé que se realizou em um domingo, no dia 10 de dezembro de 1673, estando presentes Suas Altezas, os senhores do Conselho Geral, os senhores inquisidores, deputados, e mais ministros, oficiais da Inquisição, o Núncio, muitos bispos, o Cabido da cidade de Lisboa, muitos religiosos e grande parte do povo. A partir deste momento é que o seu processo torna-se assaz interessante. Réu confesso, em nenhum momento procurou justificar seus erros. Mas, ser açoutado era uma infâmia que sua vaidade não poderia suportar. Desta maneira, 9

Informação duvidosa. Não seria normal ter sido crismado tão criança.

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no dia imediato ao auto-da-fé, 11 de dezembro, quando assinou abjuração de leve e termo de segredo, entrou com auto de embargos a fim de se não executar nele a pena de açoutes a que fora condenado. Segue sua defesa: “Provará que o Réu foi condenado por sentença em pena de galés e açoutes pelo crime de bigamia com o qual não incorreu em infâmia tal que haja de perder o privilégio que lhe está concedido à sua nobreza. E assim se lhe deve comutar a pena vil em que foi condenado. “Porquanto “Provará que o Réu é filho legítimo de Francisco César de Miranda capitão mor que foi das Capitanias de São Vicente no Estado do Brasil e no exercício do dito posto faleceu comunicando ao Réu a nobreza que com o dito posto adquiriu e por ele lhe tocava e assim não se deve executar no réu pena que induza infâmia. “Provará que a nobreza do pai do réu não consistia somente no posto que ocupou, mas também lhe tocava por ser fidalgo de geração descendente de Vasco Fernandes César, ainda que por bastardia, pelo que não deve ser sujeito à execução de pena vil o réu como filho que é daquele pai e descendente da mesma linha nobre que nele se continuou. “Provará que além das cousas de nobreza que ao réu pertencem por filho de seu pai, lhe toca também gozar do privilégio de nobreza pelo grau que teve de Mestre em Artes no Colégio do Rio de Janeiro do Brasil, o qual em tudo se equipara ao grau de Doutor e por tal se reporta e haver sido capitão de infantaria nas capitanias de São Vicente e São Paulo no Estado do Brasil.” Nomeava, para prova de seus artigos, os testemunhos de: 

Conde de São Lourenço, morador nesta cidade, a Santa Catarina do Monte Sinai [tratava-se de Luís de Melo da Silva];



João de Mello, senhor de Belas, irmão do anterior;



D. Madalena da Silva, que foi condessa de São Lourenço, mãe do dito conde;



Padre Frei Mauro da Trindade, religioso do Convento de São Bento dos negros, procurador que é na cidade de Lisboa, da cidade do Rio de Janeiro;



Salvador Corrêa de Sá, morador na cidade de Lisboa, defronte de Nossa Senhora dos Remédios [foi governador da Repartição Sul do Brasil];



Martim Corrêa, seu filho [Martim Corrêa foi o 1º Visconde de Asseca];

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Padre João Pimenta, religioso da Companhia de Jesus, assistente no Colégio de Santo Antão da cidade de Lisboa;



Padre Luís Pessoa, religioso da mesma Companhia de Jesus, que assiste na cidade de Lisboa, na casa de São Roque.

O Promotor do Tribunal do Santo Ofício contradisse os embargos do suplicante, da forma que segue: 

... “porque a nobreza que alega, em razão do cargo, que articula teve seu pai, dado que assim fosse, não se acha expressa na Ord. lb. 5 ttº 139 onde se exceptuam as pessoas que são relevadas de pena vil”;



... “porque isto, que descendesse de pessoa ilustre, sendo por bastardia, como articula, não podia gozar do privilégio da nobreza da tal pessoa nem os bastardos se podem chamar agnados, cognados, ou da família de seus ascendentes”. “E tanto é isto assim que ainda no azo que o réu descendesse de filho natural não gozava da nobreza”.



... “porque sendo o réu Bacharel, como articula, ou Mestre em Artes, no Rio de Janeiro, é certo que não teve o grau de Mestre em Artes por universidade aprovada e até agora ninguém disse havia universidade no Rio de Janeiro e se quando foi [religioso] da Companhia teve essa denominação com o hábito a perdeu; e antes se pode argüir contra o réu de ser expulso de tal religião, o que não fora se nele se conhecera nobreza alguma, ou bons costumes para a conservar, requisito necessário para se um homem poder chamar nobre. Além de que o réu pelo crime que cometeu ficou conforme a dito infame, e sujeito a pena vil ainda que tivera maior nobreza do que articula”.

Ouvida a defesa e a promotoria, a Mesa do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, após aprovação do Conselho Geral, entendeu que deveriam ouvir testemunhas para prova do réu. Ouviram-se apenas duas, curiosamente não relacionadas pela defesa, em 30 de janeiro de 1674 em Lisboa, nos estaos e Casa do Despacho da Santa Inquisição: 

Maria Corrêa, solteira, filha de Roque Francisco, que foi sapateiro, natural e moradora da cidade de Lisboa, a Santa Catarina do Monte Sinai, a qual disse ser cristã-velha, de 40 anos de idade, não sabia escrever. Disse que conheceu muito bem a Francisco César de Miranda, que foi morador na cidade de Lisboa, não sabe de onde é natural, por haver sido sua criada, e como tal sabia que ele era tido e havido por nobre, e como tal se tratava, vivendo de suas fazendas, que tinha na banda d’além, e que outrossim conheceu a Bartolomeu Álvares, tio do dito Francisco César de Miranda, o qual era cavaleiro professo do hábito de Santiago;

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Ana Corrêa, solteira, filha de Gaspar Antunes, que vivia de sua fazenda, natural e moradora da cidade de Lisboa, na rua do Sol, cristã-velha, de 40 anos de idade. Disse que conheceu muito bem a Francisco César de Miranda, natural de Sesimbra pelo ver muitas vezes em casa de sua irmã Luiza de Miranda, com quem ela testemunha tem particular amizade, e que por esta causa sabe que ele era tido, havido e comumente reputado por homem nobre, “e por casar mal tomou o ofício de contratador nesta dita cidade, donde se ausentou para fora do Reino, não sabe para qual parte, e lá ouviu dizer, que fora capitão mor de uma fortaleza”.

Foi transcrita uma certidão, no processo, passada em Lisboa em 20 de dezembro de 1665, por Salvador Corrêa de Sá e Benevides, com o selo de suas armas, alcaide mor da cidade do Rio de Janeiro. Nela ele declarou que quando ele passou para as capitanias de São Vicente e São Paulo, neles achou a ... “Manuel César de Miranda, casado com uma filha do Capitão Fernão Camargo, dos mais principais daquela capitania, e tão aparentado nela, que representando-me como tinha casado sua filha com o dito Manuel César, assim que por esta causa como por seus serviços, talento, e préstimo, de que seria naquela capitania, onde ordinariamente há alterações, o elegi por capitão de infantaria e ordenança daquela vila, encomendando-lhe, e à grande parentela de sua mulher a quietação, e obediência aos ministros”.10 Manuel César acabou vencendo a pendenga judicial contra a ironia do promotor do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. Em 8 de fevereiro de 1674, pareceu a todos os votos “que se lhe devia comutar em 8 anos de degredo para a Ilha de São Tomé; mas que antes de se executar este assento seja com os mesmos embargos levado ao Conselho Geral na forma do Regimento”. Essa decisão foi ratificada pela Mesa do Conselho Geral no dia seguinte. Em 10 de fevereiro de 1674 assinou termo de ida e penitência. A seu pedido, em 9 de março seguinte, a Mesa do Conselho Geral aprovou que sua pena fosse comutada para a Índia ou para o Maranhão. Ainda permanecia preso. Outros documentos sobre Francisco César de Miranda O Governador Geral da Repartição do Sul, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, em 8 de fevereiro de 1661, fez mercê a Francisco da Costa Pacheco, 10

Esse casamento não se conhece em São Paulo. Talvez tivesse ficado noivo de alguma filha de Fernão de Camargo, homem principal da vila de São Paulo.

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proprietário do ofício de escrivão dos órfãos da vila de São Paulo, de transferir o ofício para Francisco César de Miranda, morador na vila de São Paulo, “durante o tempo de sua vida dele dito Francisco César”. Em 5 de março Francisco César prestou juramento na câmara da vila de São Paulo. Francisco César foi capitão da aldeia dos Pinheiros, na cidade de São Paulo. Em 1º de outubro de 1664, na qualidade de capitão da citada aldeia, recebeu queixas dos índios por arbitrariedades que teria cometido contra eles.11 Serviu o cargo de vereador da vila de São Paulo no ano de 1663.12 Há documentos que mostram que exerceu a atividade de escrivão dos órfãos da vila de São Paulo, até, pelo menos, o ano de 1665. Já não o era em 1668, quando exercia o cargo João Viegas Jorte Moniz. A família Belinque Comentando, certa vez, as minhas pesquisas em Portugal com o amigo, Professor MS. Paulo Valadares, este se lembrara de ter lido algo sobre os Belinques. Alguns dias depois enviou-me um artigo do grande pesquisador português, o Dr. Luís de Bivar Guerra, que tratava de um antepassado do primeiro ministro francês Pierre Mendès France (1907-1982), Luís Mendes de França, que fora primeira vez casado com uma senhora da família Belinque, de cuja qual família Bivar Guerra teria mais dados e que inclusive os pretendia publicar. Pierre Mendès, conforme solicitara a Bivar Guerra, apenas sabia que era descendente, por varonia, de um tal de Luís Mendes de França, natural de Lisboa. Após buscas nos processos do Santo Ofício existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Bivar Guerra descobriu que o lisboeta Luís Mendes de França fora preso pelo Tribunal por judaísmo.13 Pelo processo respectivo, deduziu que nascera cerca de 1641 em Lisboa, e que seus pais tinham parte de sangue cristão-novo. Era filho de Francisco Mendes (de França), ourives de ouro, cognominado o ruivo, e de Antônia Freire (que estivera presa pela Inquisição em 1654, também por judaísmo14); neto paterno do Dr. Luís Mendes de França; neto materno de Gonçalo da Costa Nolano, ourives de ofício, cristão-velho. O Dr. 11

Atas da Câmara de São Paulo, volume VI, anexo, p. 244-246; Registro Geral da Câmara de São Paulo, volume III, p. 387.

12

Atas da Câmara de São Paulo, volume VI, anexo, p. 297.

13

Processo nº 1.232 do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa.

14

Processo nº 4.325 do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. Esteve presa de outubro de 1654 a outubro de 1656. Antônia Freire nasceu cerca de 1619 em Lisboa.

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Luís Mendes de França era cristão-velho, inquisidor do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, descendente dos Mendes de Vasconcelos e dos Franças, que se supõem serem descendentes, por bastardia, do Duque de Alençon em França. Luís Mendes de França casou-se em 23 de junho de 1668 em Vila Franca de Xira com Luiza Belinque (ou Bellixq ou Belingue), batizada na freguesia de Santa Catarina da cidade de Lisboa em 1644, filha de Francisco Belinque e de sua mulher Joana Conrado.15 Francisco Belinque, marido que foi de Joana Conrado, faleceu em 2 de janeiro de 1675 na rua dos Paus, freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai (Lº 5º fls. 2), sem testamento; foi sepultado na mesma igreja. Este Francisco Belinque deveria ser irmão (ou eventualmente pai) de Joana Belinque, primeira mulher de Francisco César de Miranda. Ainda casado, Luís Mendes fugiu para La Rochelle, vindo a se casar depois, em 1689 com Maria Vivas, do qual casamento descendia o político francês Pierre Mendès France. Luís Mendes passou para Bordéus em 1694, onde se suicidou no ano seguinte, no mês de agosto. Conforme uma obra de Cândido Teixeira, citada por Bivar Guerra, a mulher de Luís Mendes França, era irmã de Duarte Belinque (ou Belink), pais de Alexandre Belinque, que vivia no Algarve e de Francisco Xavier, que vivia no Brasil. Pesquisando livros de casamentos da freguesia de Santa Catarina da cidade de Lisboa, encontrei apenas um da família Belinque.16 Foi o casamento de Manuel Pereira, natural da cidade de Lisboa, morador na freguesia dos Mártires, com Maria Belinque, também natural da cidade de Lisboa, moradora na dita freguesia de Santa Catarina. Celebrou-se o matrimônio em 15 de maio de 1646. Não foram citados os nomes dos pais dos noivos. Curiosamente, a noiva casouse com procuração, tendo sido seu procurador justamente Francisco César. Genealogia da família César em São Paulo I-

AFONSO DE MIRANDA. Casado com ANDREZA DIAS, naturais e moradores em Sesimbra.17 Segundo depoimento de seu neto Manuel César de Miran-

15

Conforme o citado artigo do Dr. Bivar Guerra, Luís Mendes de França casou-se em 23 de junho de 1668 (livro 5º de mistos, fls. 173-v) em Vila Franca de Xira. Sua mulher Catarina foi batizada em 6 de agosto de 1644 na freguesia de Santa Catarina (Livro 4º, fls. 155-v).

16

Quero agradecer a D. Lídia Sabonas, da Igreja Mórmon, responsável pela pesquisa genealógica da Estaca da Saúde, em São Paulo.

17

Pesquisando livros de Sesimbra, apenas localizei um Afonso de Miranda, “procurador do número nesta vila”, falecido em 11 de outubro de 1621, tendo sido enterrado na igreja da dita vila (fls. 73). Também foi localizado o óbito de uma

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

da, ou Afonso de Miranda ou Andreza Dias era descendente, por bastardia, do fidalgo Vasco Fernandes César.18 Este recebeu carta de brasão de armas em 22 de julho de 1539 do Rei D. João III pelos serviços heróicos praticados em guerra aos mouros.19 Era cavaleiro fidalgo da Casa Real, feitor e guarda mor da carga e descarga da Casa Real da Índia e de todas as suas armadas. Afonso de Miranda e Andreza Dias foram pais de:

II-

1 (II)-

MARIA, batizada em 18 de janeiro de 1607 na igreja de Nossa Senhora da Conceição da vila de Sesimbra (fls. 45-v). Sem mais notícias.

2 (II)-

LUIZA DE MIRANDA. Sem mais notícias.

3 (II)-

FRANCISCO CÉSAR DE MIRANDA, que segue.

FRANCISCO CÉSAR DE MIRANDA nasceu por volta de 1615 na vila de Sesimbra, distrito de Setúbal. De acordo testemunhas ouvidas no processo de seu filho Manuel, Francisco César era irmão de Luiza de Miranda e sobrinho de Bartolomeu Álvares, cavaleiro professo do hábito de Santiago.20 Francisco César casou-se primeira vez, em Lisboa, cerca de 1640, com JOANA BELINQUE, natural de Lisboa, filha de Francisco Belinque, que foi cônsul dos franceses, natural de Toulon, Reino da França, e de Margarida Paula, natural da cidade de Lisboa, onde foram moradores.21

Andreza Dias, em 9 de agosto de 1663, já viúva (fls. 63). Não há elementos para afirmar que se tratam das mesmas pessoas. 18

É uma informação que não pode ser aceita sem reservas. Porém, diante dos rigores do Santo Ofício, e por apresentar testemunhas da primeira nobreza de Portugal, embora não tivessem sido ouvidas, é de se imaginar que Manuel César de Miranda tivesse falado a verdade. Pelo tempo, um dos dois, ou Afonso de Miranda ou sua mulher, seria bisneto do referido Vasco Fernandes César.

19

BAENA, Visconde de Sanches de. Archivo Heráldico-Genealógico. 2ª ed. Porto, 1991. Volume I, p. 589.

20

Nome não constante dos ficheiros da Ordem de Santiago do IAN/TT. Observação: a relação da Ordem é incompleta.

21

Localizei, pesquisando livros de óbitos da freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai da cidade de Lisboa (1652-1674), fls. 97, o óbito de uma Margarida Paula, em 19 de fevereiro de 1669. Era viúva, e foi enterrada no convento dos frades de São Francisco, sendo testamenteiros Máximo de Arruda Seixas e o Padre Francisco Rodrigues Seixas.

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Viúvo, Francisco César de Miranda passou para o Brasil por volta de 1650. Do Rio de Janeiro passou para São Paulo, onde se casou cerca de 1657, provavelmente na Sé, com ANA PERES DE HEREDIA, filha de Juan Martinez de Heredia e de Brígida Pais.22 Esta era filha do português Simão Borges de Cerqueira e de Leonor Leme. Em 20 de outubro de 1670 Francisco César já era falecido, conforme constou dos proclamas de seu filho Manuel César de Miranda. Filho (único?) do primeiro casamento, com Joana Belinque: 1 (III)-

MANUEL CÉSAR DE MIRANDA. Nasceu cerca de 1644 na freguesia de Nossa Senhora do Loreto, cidade de Lisboa, em cuja igreja foi batizado. Estudou no Colégio dos jesuítas da cidade do Rio de Janeiro, onde obteve o título de Mestre em Artes, conforme declarou. Chegou a tomar ordens menores, com hábito, que depois abandonou. Em 1664 era escrivão da vila de São Francisco das Chagas de Taubaté.23 Casou-se (primeira vez), cerca de 1664, ou na matriz da vila de São Paulo, ou na capela de Antônio de Sousa (ignoro onde fica)24, ou em Taubaté, com MARIA DA SILVA, com geração. Para a mesma mulher ele citou duas filiações: que era filha de Domingos da Silva, lavrador, e de Maria de Freitas. Em outra versão, que ela era filha de Miguel Fernandes Edra e de sua mulher Tomásia de Sousa.25 Essa segunda versão fica contraditada ao se verificar os herdeiros de Miguel Fernandes Edra em 1667 em Taubaté: sua filha Maria, de nome completo Maria de Sousa de Barros era casada com o Alferes Luís de Sousa Ferreira, o qual faleceu, também com inventário corrido em Taubaté, no ano de 1674, já viúvo de Maria de Sousa.26

22

SL, III, 546.

23

Inventário de Potência Leite, ano de 1657. In DAESP, da série de inventários não publicados; nº de ordem 481.

24

É possível que essa capela fosse a origem da atual Mairiporã, na grande São Paulo, e que Antônio de Sousa fosse o Capitão Antônio de Sousa Dormundo.

25

Miguel Fernandes Edra era capitão, tendo sido juiz ordinário e dos órfãos no ano de 1655 na vila de Taubaté. Ali faleceu em 1667. Tomásia de Sousa havia falecido em 1656. Vide COELHO, H. V. Castro, Povoadores de S. Paulo – Estêvão Ribeiro. In Revista da ASBRAP nº 9, p. 149.

26

Fontes da Genealogia Paulistana (Silva Leme). Volume II, fls. 139 e 139-v. In ACMSP. Inventário lido por H. V. Castro Coelho no Arquivo Histórico Municipal Dr. Félix Guisard Filho, de Taubaté.

238

Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

Ainda viva sua mulher, recebeu em matrimônio (invalidado depois), em 28 de novembro de 1670, na ermida de S. Francisco da vila de São Sebastião, litoral paulista, com CLARA CABRAL, filha de Luís Cabral de Mesquita e de Maria Camacho, moradores na Ilha de São Sebastião.27 Preso em fins de 1670, por ordem do Vigário Geral da vila de São Paulo, foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu preso mais de um ano. Foi embarcado para Lisboa, tendo sido entregue aos cárceres do Santo Ofício em 7 de abril de 1672 (embora conste do processo a data 21 de maio de 1673). Saiu no auto-da-fé de 10 de dezembro de 1673. Ignoro seu destino final. Filhos do segundo casamento, com Ana Peres, que se descobriu: 1 (III)-

CATARINA DE MIRANDA CÉSAR, que segue.

3 (III)-

LUÍS DIAS, batizado em 25 de setembro de 1661 na Sé de São Paulo (Sé, fls. 126 ou 128). Foi citado no testamento de sua irmã Catarina de Miranda.

4 (III)-

SARGENTO MOR JOSÉ MARTINS CÉSAR. Nasceu cerca de 1667 em São Paulo. Casou-se com sua parente ANA LEME DE BRITO, nascida cerca de 1678 na vila de Santana de Parnaíba, filha do português Gonçalo Simões Chassim, e de sua mulher Maria Leme de Brito, com geração.28 José Martins César foi morador na vila de Santana de Parnaíba, sendo juiz ordinário no ano de 1719.29 Ana Leme ainda vivia em 1762 em Parnaíba, quando foi testemunha em um processo de genere et moribus.30 Foram pais, entre outros, de JOÃO MARTINS PEDROSO, casado na Sé de São Paulo em 10 de maio de 1751 com Maria Bueno de Moraes, com geração. No assento deste casamento constou que o avô paterno do noivo era natural de Portugal.

27

Luís Cabral de Mesquita foi sesmeiro na vila de São Sebastião. Sua mulher Maria Camacho em: COELHO, H. V. Castro, Povoadores de S. Paulo – Bartolomeu Camacho, in Revista da ASBRAP nº 13, p. 206.

28

SL, VI, 548.

29

Processo de habilitação de genere et moribus de Bento Leme de Almeida, ano de 1716, fls. 41. In ACMSP.

30

Processo de habilitação de genere et moribus nº 3-20-1885, de Antônio Tavares de Miranda, ano de 1761. In ACMSP.

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III-

239

CATARINA DE MIRANDA CÉSAR. Nasceu na vila de São Paulo, onde foi batizada em 29 de setembro de 1659. Batizado de Catarina: “Aos vinte nove de setembro batizei com licença e pus os Santos óleos a Catarina inocente filha de Francisco César de Miranda, e de Ana Peres de Heredia: padrinhos o Capitão Pedro Vaz de Barros, e Catarina Tavares. Era de 1659 anos. “O Padre João Leite da Silva” Casou-se, cerca de 1684, certamente em São Paulo, com o CAPITÃO DIOGO GONÇALVES MOREIRA, irmão inteiro do Padre Cosme Gonçalves Moreira, filhos de Gaspar Gonçalves Ordonho, natural da vila de Itanhaém e de sua mulher Ana Moreira, falecida em 1692 com inventário na vila de São Paulo, tendo sido sepultada na igreja de Nossa Senhora do Carmo.31 Ana Moreira era bisneta de Jorge Moreira, que recebeu uma sesmaria, juntamente com seu sogro Garcia Rodrigues, passada em 20 de dezembro de 1566 por Pedro Ferraz, loco-tenente do Capitão da Capitania de São Vicente, na vila de São Paulo do Campo. Ambos alegaram que viviam na mencionada vila havia mais de 20 anos e que eram homens casados, com mulheres, filhos e filhas, e que lhes era necessário terras para fazerem suas roças de mantimentos para o sustento de suas famílias.32 Essa sesmaria localizava-se em São Paulo, da banda d’além rio Pinheiros (à época mais conhecido por Jurubatuba), formando um retângulo, tendo por frente o rio Pinheiros e uma légua de terras, e de fundo os ribeirões Pirajussara e Jaguaré. Com a canalização do rio Pinheiros, na década de 30 do século XX, a área foi ampliada e nela está instalada a Universidade de São Paulo (vide esboço na página 254). A região ainda mantém os nomes Butantã e Pirajussara. A sesmaria foi ocupada com lavouras e em suas terras se fez uma morada com três lanços de casas de taipa de pilão com seus corredores, cobertas de telhas, cercado de valos e um engenho de moer cana com casas de taipa de pilão, cobertas de palha. Mesmo depois da morte de Diogo Gonçalves Moreira, Catarina de Miranda César ali vivia de suas lavouras. A viúva vendeu parte do sítio, com 500 braças de terras de testada (300 por escritura de compra e 200 por doação), por meia légua de sertão, em 29 de julho de 1734, por 200$000 (duzentos mil réis), ao filho Inácio Xavier César. Este, em agosto de 1755,

31

SL, VII, 398.

32

A sesmaria foi trasladada na ação cível que Inácio Xavier César moveu contra Francisco Xavier Gonçalves e outros. In DAESP. Autos cíveis. N° de ordem CO 3356. É a mais antiga sesmaria, conhecida, da cidade de São Paulo.

240

Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

doou parte esse sítio aos filhos Antônio Ribeiro de Cerqueira e Rodrigo Xavier Moreira, para patrimônio de habilitação ao sacerdócio de ambos. Em outra parte do sítio ainda viviam dois irmãos de Inácio Xavier: Maria de Cerqueira Pais e Francisco César Moreira. Diogo Gonçalves Moreira viveu em São Paulo com suas lavouras, tendo sido escrivão dos órfãos da vila de São Paulo. Foi provido guarda mor substituto das Minas dos Cataguazes, Minas Gerais, em 13 de janeiro de 1698, pelo Governador Artur de Sá e Menezes, de passagem por São Paulo.33 Diogo faleceu em 23 de março de 1706 em São Paulo, tendo feito testamento (não acostado ao inventário); o auto de seu inventário fez-se em 11 de maio de 1713 em São Paulo.34 Catarina fez testamento em 5 de dezembro de 1733, e codicilo em 20 de fevereiro de 1736, ambos na cidade de São Paulo.35 Aqui faleceu em 26 do mesmo mês e ano. Filhos de Catarina de Miranda César e de seu marido Diogo Gonçalves Moreira (apud SL, VII, pp. 398-427): 1 (IV)- MARIA GOMES, natural da cidade de São Paulo, tendo sido batizada em 3 de agosto de 1687 na Sé. Casou-se em 9 de janeiro de 1702 na Sé de São Paulo com o CAPITÃO JOÃO HENRIQUES DE ALVARENGA, batizado em 21 de novembro de 1662 na vila de Vitória, capitania do Espírito Santo, irmão inteiro do Padre Inácio de Alvarenga, sacerdote do hábito de São Pedro, filhos do Capitão Manuel Henriques, natural da vila de Benavente, bispado de Évora e de Bárbara do Espírito Santo, natural da vila de Vitória; netos paternos de Luís Henriques e de Maria Francisca, naturais e moradores da vila de Benavente, netos maternos de Antônio Lopes Leitão e de Maria de Alvarenga, naturais e moradores da Capitania do Espírito Santo. Com geração. Avós maternos de MANUEL ANTÔNIO PAIS, habilitado de genere et moribus em 1757, em qual processo constam os dados acima.36

33

Códice 78, volume 3 (1697-1702), fls. 8 a 8-v, Cartas dos Governadores do Rio de Janeiro. In Arquivo Nacional [do Rio de Janeiro].

34

Inventário de Diogo Gonçalves Moreira. Série de Inventários do 1º Ofício. Nº de ordem: CO 739. In DAESP.

35

Inventário de Catarina de Miranda. Série de Inventários do 1º Ofício. Nº de ordem: CO 712. In DAESP.

36

Processo nº 1-36-313 de habilitação de genere et moribus de Manuel Antônio Pais. In ACMSP.

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241

2 (IV)- CAPITÃO JÚLIO CÉSAR MOREIRA. Casou-se com MARIA DE FREITAS, com geração. Foram moradores em Minas Gerais, nas minas de Pitangui. 3 (IV)- ANA PERES. Foi a primeira mulher do CORONEL JERÔNIMO PEDROSO DE BARROS, com geração. Em 24 de agosto de 1714 recebeu patente de coronel do regimento que o governador mandou levantar em Pitangui.37 Foi famoso por sua riqueza e um dos chefes dos paulistas na guerra contra os emboabas, em 1709. Três de seus filhos, entre os quais Francisca Peres Moreira, permaneceram em São Paulo, em casa de sua avó materna Catarina de Miranda César, quando seus pais passaram para Minas Gerais. Essa informação é vista no processo de habilitação de Joaquim Machado Ribeiro, neto materno de Francisca Peres Moreira, natural da freguesia de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas do Sabará, bispado de Mariana.38 4 (IV)- MARIA DE CERQUEIRA PAIS, que segue. 5 (IV)- FRANCISCO CÉSAR MOREIRA, antes Francisco Gonçalves Moreira. Batizado em 22 de outubro de 1690 na Sé de São Paulo (fls. 240). Assistiu ao casamento de seu irmão Inácio Xavier César em Pitangui. Casou-se com ISABEL JOÃO MACIEL, natural da freguesia de Santo Amaro, com geração. Francisco ainda vivia no seu sítio dos Pinheiros no ano de 1755, quando serviu de testemunha no processo de justificação do casamento de Catarina Garcia de Freitas, por parte de seus sobrinhos Antônio Ribeiro Cerqueira e Rodrigo Xavier Moreira. 6 (IV)- MARIA LEME. Arrolada no inventário do seu tio, o Padre Cosme Gonçalves Moreira.39 Batizada em 3 de agosto de 1687 na Sé de São Paulo. Casou-se com o TENENTE FRANCISCO BUENO DE CAMARGO, natural de São Paulo.40 Pais, entre outros, de JOSÉ RODRIGUES BUENO, habilitado de genere et moribus em 1751.41 37

Livro nº 9, fls. 143, de Patentes. In Arquivo Público Mineiro.

38

Processo nº 3-70-1904, de genere et moribus. In ACMSP.

39

Inventário do Padre Cosme Gonçalves Moreira, ano de 1713. Série de inventários não publicados da DAESP. Nº de ordem CO 502. Vários livros foram arrolados entre os bens do Padre Cosme.

40

Vide SL, I, 388. Francisco depois adotou o nome Francisco Bueno Garcia, tendo falecido em 1764 em São Paulo como tenente coronel.

41

Processo nº 1-26-236, de José Rodrigues Bueno. In ACMSP.

242

Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

7 (IV)- JORGE MOREIRA. Já era falecido em 1713, solteiro. 8 (IV)- ÂNGELA MOREIRA. Batizada em 2 de março de 1696 na Sé de São Paulo (fls. 120), seu tio, o Padre Cosme Gonçalves. Faleceu solteira, antes da mãe. Foi beata professa de Nossa Senhora do Carmo. 9 (IV)- INÁCIO XAVIER CÉSAR, batizado em 22 de novembro de 1702 na Sé de São Paulo (fls. 340). Casou-se42 na vila de Pitangui, Minas Gerais, com ESCOLÁSTICA (RIBEIRO) DA SILVA, natural da freguesia de Santo Antônio da Roça Grande, bispado de Mariana, filha de Antônio Ribeiro da Silva, natural da freguesia de Santo Antônio de Barcelinhos, termo da vila de Barcelos e de sua mulher (casados na freguesia de Atibaia, então comarca da cidade de São Paulo) Catarina Garcia de Freitas (esta irmã de Francisco Bueno Garcia).43 Foram pais, entre outros, dos LICENCIADOS ANTÔNIO RIBEIRO DE CERQUEIRA, batizado em 17 de abril de 1732 na Sé de São Paulo, e de RODRIGO XAVIER MOREIRA (nascido em 12 de novembro de 1726 na freguesia da vila de Pitangui, onde foi batizado), habilitados de genere et moribus no ano de 1755 em São Paulo.44 Inácio Xavier César faleceu em 10 de maio de 1761 na cidade de São Paulo, com testamento, tendo sido enterrado na Venerável Ordem Terceira do Carmo.45 Em seu óbito constou sua filiação e naturalidade, bem como a filiação de sua mulher. Por morte de Inácio Xavier se fez auto de inventário em 6 de junho do mesmo ano na cidade de São Paulo.46 Foi declarante a viúva Escolástica da Silva Bueno, também nomeada Escolástica da Silva Ribeiro, que declarou que seu marido faleceu em 9 de maio próximo passado. Inácio Xavier fizera testamento em 25 de abril do mesmo ano, enfermo de cama. Seu filho, o Padre Rodrigo Xa42

Processo nº 11.680, de justificação do casamento, ano de 1755, entre Inácio Xavier César e Escolástica Ribeiro da Silva. In ACMSP.

43

Justificação de casamento de Catarina Garcia de Freitas, por parte de seus netos Antônio Ribeiro Cerqueira e Rodrigo Xavier Moreira. Processo nº 11.674. In ACMSP.

44

Processo de habilitação de genere et moribus nº 1-32-282. In ACMSP.

45

Livro nº 1-2-21, de óbitos da Sé de S. Paulo (1757-1777), fls. 33-v. In ACMSP.

46

Inventário de Inácio Xavier César, ano de 1761. Série de inventários do 1º Ofício. Nº de ordem CO 646. In DAESP.

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243

vier já era falecido, e o Padre Antônio Ribeiro Cerqueira achavase nas Minas do Goiás. Entre os bens de raiz inventariados, uma morada de casas na rua de São Francisco e metade do sítio na paragem chamada Pirajussara, que comprara a sua mãe e que fora originária da sesmaria de Jorge Moreira. A outra metade pertencia ao Padre Antônio Ribeiro de Cerqueira, seu filho. Era senhor de dez escravos. Além do sítio acima referido, Inácio Xavier César havia arrendado aos jesuítas, pagando foro, o sítio denominado Ibitatam (leia-se Butantã), em 4 de junho de 1750, pelo preço de 2 cruzados anuais. Essa informação consta do mesmo processo de Inácio Xavier César contra Francisco Xavier Gonçalves (nota 32). Essas terras aforadas eram originárias da sesmaria de Afonso Sardinha.47 Ficavam contíguas à sesmaria que fora concedida a Jorge Moreira (vide esboço à página 254). IV-

MARIA DE CERQUEIRA PAIS, nascida cerca de 1687 na vila de São Paulo, onde se casou, cerca de 1705, com FRANCISCO LEITE RIBEIRO, irmão inteiro do Capitão Gaspar Corrêa Leite (avô materno de São Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro, de nascimento) e do Familiar do Santo Ofício Capitão José Corrêa Leite.48 Ambos eram filhos do Capitão Pascoal Leite de Miranda, nascido cerca de 1625 em São Paulo, onde faleceu, com inventário, em 1689, e de sua mulher Ana Ribeiro.49 Francisco Leite foi batizado em 27 de agosto de 1673 na Sé de São Paulo, onde faleceu em novembro de 1726, sem testamento. Por sua morte se fez auto de inventário em 3 de dezembro de 1726 na cidade de São Paulo.50 Ente outros bens, foram avaliados um sítio na paragem chamada Crusatovaia (ignoro onde fica), e 24 escravos. O monte mor foi de 4:447$193 (quatro contos, quatrocentos e quarenta e sete mil, cento e novnta e três réis). Em 23 de abril de 1727, da cidade de Salvador, em nome de Sua Magestade o Rei D. João V de Portugal, Marco Fernandes César de Menezes, concedeu provisão para que Maria de Cerqueira, viúva de Francisco

47

PACCE, Maruá Roseny. A propósito da Casa do Bandeirante. In Revista do Arquivo Municipal [de São Paulo] nº 193, 1980, pp. 123-172.

48

Habilitação ao Santo Ofício, maço nº 32, documento nº 514. In IAN/TT.

49

SL, III, 95; VII, 191.

50

Inventário de Francisco Leite Ribeiro, ano de 1726. Série de inventários do 1º Ofício da DAESP. Nº de ordem CO 669.

244

Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

Leite Ribeiro, fosse tutora de seus filhos, visto ser ela “viúva honesta, e tinha siso, e discrição para reger e administrar todos os bens dos ditos seus filhos”. Maria de Cerqueira ainda vivia em 1760 na cidade de São Paulo, de suas lavouras, sempre residindo no seu sítio de Pinheiros.51 Foi ainda arrolada para servir de testemunha do processo de habilitação de genere et moribus de Antônio Álvares Ferreira, mas não chegou a ser ouvida, como os demais, em março de 1762. Não ter sido ouvida poderia significar que já não estaria viva ou estaria incomodada por alguma doença. Maria de Cerqueira foi senhora de uma escrava de nome Páscoa, negra de São Tomé (onde era muito comum a utilização de plantas para a cura de enfermidades), que foi acusada de ter provocado a morte de seus quatro filhos (Ana, Ângela, Diogo e Rita Maria) e de uma nora (Francisca Xavier) por meio de feitiçarias. A filha Isabel Maria teria ficado doente, também vítima de envenenamento e logo depois de findo o processo, veio a falecer. O caso foi julgado pelo Tribunal do Juízo Eclesiástico do Bispado de São Paulo.52 Os autos foram remetidos em 30 de julho de 1750 para o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, onde não foi possível localizar o processo de Páscoa, o que pode indicar que ela já teria falecido. Filhos de Maria de Cerqueira e de Francisco Leite Ribeiro (apud SL, III, 95-112): 1 (V)-

FRANCISCO LEITE RIBEIRO, o moço, que segue.

2 (V)-

ANA DE CERQUEIRA PAIS, ou Ana Ribeiro Leite. Nasceu cerca de 1710 em São Paulo, onde se casou, na Sé, em 1729 com PEDRO DA FONSECA MAGALHÃES, com geração. Entre ambos houve dispensa matrimonial no ano de 1728.53 O orador Pedro da Fonseca era natural da vila de Taubaté, de onde saiu com 2 anos de

51

Ouvida como testemunha em 20 de novembro de 1760 na cidade de São Paulo, no processo de genere et moribus de Bento Ribeiro Neves, nº 3-80-1760. In ACMSP.

52

Processo a ser catalogado de Processos Crimes de São Paulo, ano de 1749, sendo ré a escrava Páscoa, e citada Maria de Cerqueira, senhora da ré. Depositado no ACMSP. Esse documento foi catalogado pelos Professores Jair Mongelli Jr. e Roberto Julio Gava, e descoberto pela Professora Mary Del Priore. Sob sua orientação, suas alunas Maria do Carmo Franceschini Ekman e Rosane Friedrich Camara escreveram um trabalho de aproveitamento para a cadeira História da Cultura em junho de 1994, pela Universidade de São Paulo: “Feitiçaria na São Paulo do século XVIII”.

53

Processo de dispensa matrimonial nº 4-3-13, ano de 1728, fls. 66 a 77-v. In ACMSP.

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245

idade para as Minas de Ouro Preto, onde permaneceu por 22 anos, filho do Coronel Pedro da Fonseca Magalhães e de D. Helena do Prado Cabral. 3 (V)-

ÂNGELA RIBEIRO LEITE, nascida cerca de 1713 em São Paulo. Casou-se em 1731 na Sé de São Paulo com o CAPITÃO FERNÃO PAIS DE BARROS, com geração. Ângela faleceu em 7 de junho de 1749 na cidade de São Paulo (Sé, fls. 107-v), sendo seu óbito registrado no dia seguinte. Era freguesa de Araçariguama; fez testamento, e nele pediu para ser sepultada na Venerável Ordem Terceira do Carmo. O Capitão Fernão e Ângela foram moradores na freguesia de São Roque. Por morte de Ângela se fez auto de inventário em 26 de junho de 1749 na vila de Santana de Parnaíba. Ali ficava a maior parte dos bens do casal. Entre eles, um sítio com canaviais e algodoais, com 300 braças de terras de testada e 700 braças de sertão (cerca de 35 alqueires paulistas), adquirido do cunhado de Fernão, André de Sampaio. Este sítio foi avaliado em 600$000. Apesar de muitas dívidas, foi arrolado no inventário de Ângela Ribeiro um grande número de escravos para a época: 81.

4 (V)-

MARIA DE CERQUEIRA LEITE, nascida cerca de 1714 na cidade de São Paulo. Moradora no bairro de Pinheiros no ano de 1789.

5 (V)-

DIOGO RIBEIRO LEITE, nascido cerca de 1716 em São Paulo, onde faleceu em 22 de abril de 1747 (Sé, fls. 79). Casou-se com MARIA DE ARAÚJO FIGUEIRA. Era freguês de Araçariguama, pertencente à vila de Santana de Parnaíba.

6 (V)-

POTÊNCIA ou Potenciana. Nascida cerca de 1717 em São Paulo. Ainda vivia em 1795 na vila de Itu, quando serviu de testemunha no processo de banhos de seu sobrinho Bento Dias de Cerqueira Leite, adiante.

7 (V)-

CUSTÓDIA MARIA (DE CERQUEIRA) LEITE, nascida cerca de 1719 na cidade de São Paulo. Professou na Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência em 8 de dezembro de 1771.54 Faleceu solteira, com inventário, em 1797, na vila de Itu, segundo originais de Silva Leme.55

54

Livro n º 493- Termos de Profissão, fls. 49. In Arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí.

55

In ACMSP.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

8 (V)-

RITA MARIA DE CERQUEIRA, nascida cerca de 1720 na cidade de São Paulo. Já era falecida em 1749.

9 (V)-

ISABEL MARIA LEITE, nascida cerca de 1723 na cidade de São Paulo, onde faleceu em 29 de janeiro de 1751 (Sé, fls. 122). Do seu óbito constou que era natural e moradora em São Paulo, que fez testamento e que foi sepultada na tumba da Ordem Terceira da Penitência. Em 1746 habilitou-se à legítima paterna.56

10 (V)- ANTÔNIA, nascida cerca de 1724 na cidade de São Paulo. Já falecida em 1752. V-

FRANCISCO LEITE RIBEIRO, o moço, nascido cerca de 1707 na cidade de São Paulo.57 Ali se casou, em 1734, na Sé, com FRANCISCA XAVIER DA FONSECA, falecida entre 1738-1749, filha de Manuel da Fonseca Calaça e de Helena Dias de Siqueira. Francisco Leite passou para Cuiabá, onde se casou, cerca de 1750, com MARIA LEITE DE CAMPOS, nascida na vila de Itu, onde foi batizada na igreja matriz em 11 de setembro de 1731, filha de João Antunes Bicudo, natural da vila de Santana de Parnaíba, morador na vila de Cuiabá, e de sua mulher (casados em 1715 em Itu, por procuração) Maria de Arruda Leite, natural da vila de Itu.58 João Antunes Bicudo, também nomeado João Antunes Maciel, teria se habilitado de genere et moribus, segundo Pedro Taques; foi dos primeiros mineiros a descobrir ouro em Cuiabá. Em Cuiabá Francisco Leite e sua segunda mulher, Maria Leite, viveram com grandes dificuldades, advindas do declínio do ciclo de ouro. Ali viviam em grande pobreza quando em Cuiabá surgiram os filhos do seu primeiro matrimônio, José Manuel e Antônio Ribeiro, que para lá foram conhecer o pai. Após alguns anos em Cuiabá, todos retornaram para Itu, entre 1771 e 1775. O acontecimento foi narrado pelo historiador ituano, o Dr. Antônio Augusto da Fonseca, neto de José Manuel da Fonseca Leite.59

56

Inventários do 1º Ofício, processo nº 15.867, ano de 1746, DAESP.

57

Seu assento de batismo já se encontrava perdido em 1808, por ocasião do processo de habilitação de seu neto homônimo.

58

SL, I, 152 e IV, 49; NPHG, II, 208.

59

FONSECA, Antonio Augusto da. Tipos Ituanos. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume II, pp. 320-346. São Paulo: Tipografia Aurora, 1898.

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247

No recenseamento de Itu do ano de 1776, ali constou Francisco Leite Ribeiro, sua mulher e filhos, no bairro de Piraí de baixo, quando o casal e 11 filhos constaram como hóspedes de seu filho primogênito José Manuel da Fonseca Leite, qualificado como senhor de engenho, com 4 agregados e 8 escravos. Posteriormente, Francisco Leite Ribeiro e família constaram dos recenseamentos de Itu, no bairro de Itaim Guaçu, com 3 escravos.60 Francisco Leite faleceu em 20 de setembro de 1784 na vila de Itu, consoante o óbito que segue:61 Francisco Leite Aos vinte dias do mês de setembro de mil setecentos oitenta e quatro anos nesta vila faleceu da vida presente com todos os sacramentos Francisco Leite Ribeiro casado com Maria Leite de idade de setenta anos mais ou menos, foi sepultado no Carmo e foi amortalhado no hábito da ordem por ser terceiro recomendado por mim. O Vigário Manuel da Costa Aranha. Filhos do primeiro casamento de Francisco Leite Ribeiro: 1 (VI)- CAPITÃO JOSÉ MANUEL DA FONSECA LEITE. Nasceu cerca de 1737 na cidade de São Paulo. Casou-se em 1772 em Itu com JOSEFA MARIA DE GÓES, com geração. O Capitão José Manuel faleceu em 14 de fevereiro de 1798 na vila de Itu (matriz, 4º, fls. 119). Havia feito testamento em 20 de dezembro de 1785 em Itu, de própria lavra, notando-se perfeito conhecimento gramatical e bonita letra. Nesse instrumento declarou que era senhor de um engenho de açúcar em Pirapitingui, em terras aforadas aos padres da Companhia de Jesus em Itu.62 2 (VI)- ANTÔNIO RIBEIRO LEITE, habilitado de genere et moribus em 1758, ano em que era morador em Itu.63 Não tomou ordens. Foi professor de Latim, Retórica e Filosofia em Itu, onde faleceu solteiro em 1787. Filhos do segundo casamento de Francisco Leite Ribeiro:

60

Recenseamentos de Itu. In DAESP. Nº de ordem CO 71.

61

Livro nº 3º de óbitos de Itu, fls. 224. In Arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí.

62

Juízos dos Resíduos, ano de 1804. Nº de ordem CO 5487. In DAESP.

63

Processo de genere et moribus nº 1-38-320. In ACMSP.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

3 (VI)- INÁCIA LEITE, nascida cerca de 1751, provavelmente em Cuiabá. Vivia solteira em 1787em Itu, residindo com os pais. 4 (VI)- FRANCISCA XAVIER, nascida cerca de 1753, provavelmente em Cuiabá. Faleceu em 8 de dezembro de 1786 em Itu (fls. 251), solteira. 5 (VI)- TENENTE JOÃO LEITE DE CERQUEIRA. Nasceu cerca de 1756 em Cuiabá, tendo sido batizado na sua igreja matriz. Habilitou-se ao casamento através de um processo de banhos no ano de 1793.64 Pelo referido processo depreende-se que acompanhou seus pais com a idade de 13 anos de Cuiabá para Itu. De Itu foi para São Paulo, onde assentou praça de soldado pago na companhia de cavalaria do Capitão Joaquim José de Macedo Leite, quando contava apenas 14 anos de idade.65 Esta companhia, denominada Companhia do Capitão Macedo, fazia parte da Legião do Sul, que foi formada para promover a desocupação dos espanhóis do território do Rio Grande do Sul.66 Após a paz, retornou para a vila de Itu, onde permaneceu por muitos anos. Em 11 de junho de 1778 recebeu patente de tenente da 1° Regimento de Cavalaria Miliciana da cidade de São Paulo, tendo passado para o regimento de Sorocaba em 3 de outubro de 1803.67 Foi ouvido, em 19 de julho de 1786, na cidade de São Paulo, como testemunha do processo de calúnia de seu primo o Reverendo Antônio Ribeiro de Cerqueira contra o Tenente Inácio Xavier de Almeida Lara, ocasião em que assinou João Leite de Cerqueira César, o mesmo nome que seu neto depois assinaria.

64

Processo de dispensa matrimonial nº 6-38-2.042, fls 17-41. In ACMSP.

65

Conforme se verifica em “Documentos Interessantes”, publicação oficial da DAESP, volume 74, pp. 50 e 122, Francisco Leite Ribeiro, morador em Itu, foi intimado pelo Governador da Capitania de São Paulo, Martim Lopes Lobo de Saldanha, em carta de 16 de agosto de 1775, a mandar dois de seus quatro filhos para a campanha do Rio Grande do Sul. Em outra carta, o mesmo governador, em 14 de setembro do mesmo ano, o elogia por ter mandado dois de seus filhos para ajudar a completar as tropas.

66

Desta companhia foi trombeta o mulato Caetano José da Costa, o Caetaninho, tristemente famoso por ter sido vítima da tirania do Governador Martim Lopes Lobo de Saldanha, cerca de 1781.

67

Livros Mestres dos Regimentos de Infantaria dos Úteis e dos Sertanejos de Itu, nº 270. Nº de ordem: CO 446. In DAESP.

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De Itu passou para a vila de Itapeva de Faxina, onde foi escrivão com provisão de 16 de outubro de 1789. Na vila de Itapeva foi noivo de Isabel de Araújo Filgueira, nascida e batizada em Porto Feliz, freguesa da vila de Itu, filha de Luís de Araújo Coura e de Luzia Pedroso (que também foram moradores em Cuiabá). Isabel casou-se, depois, em 17 de outubro de 1792, na matriz de Itu, com o português Bernardo José Vieira Bessa, natural da Torre de Moncorvo, bispado de Bragança, Portugal. O casamento de Isabel liberou João Leite do compromisso, e ele pode realizar o matrimônio com D. Ana Vitória, como se verifica a seguir. Casou-se em 30 de abril de 1793 na igreja matriz da vila de Santana de Parnaíba (assento lançado nos livros de Araçariguama, onde era freguesa a noiva) com D. ANA VITÓRIA DE OLIVEIRA, nascida na vila de Lages, então Capitania de São Paulo (hoje Estado de Santa Catarina).68 Ali foi batizada em 26 de maio de 1771, filha do Sargento Mor Antônio Rodrigues de Oliveira e de sua mulher Isabel Antônia de Oliveira.69 De 1799 a 1810 consta dos recenseamentos da vila de Porto Feliz, sendo qualificado como senhor de engenho, além de plantar para o gasto de sua casa. No último ano era senhor de 8 escravos.70 Depois constou como administrador do engenho do Capitão José Custódio de Oliveira, ainda em Porto Feliz, de 1812 a 1813. Recebeu uma sesmaria de légua e meia de testada e uma légua de sertão (cerca de 2.700 alqueires paulistas) no distrito da vila de Porto Feliz, na paragem chamada Sapopema, em sociedade com o Ajudante Antônio José de Miranda71, em 16 de agosto de 1808.72

68

Livro nº 10-1-52, de casamentos de Araçariguama. In ACMSP.

69

A biografia do Sargento Mor Antônio Rodrigues de Oliveira encontra-se em BOGACIOVAS, Marcelo Meira Amaral. Antigos proprietários rurais de Lages. In Revista da ASBRAP nº 6, p. 69.

70

Recenseamentos de Porto Feliz. In DAESP. Nº de ordem CO 143 e CO 144.

71

Antônio José de Miranda era sobrinho de sangue do Capitão Mor de Lages Antônio Corrêa Pinto de Macedo. Era casado com uma prima irmã da mulher do Tenente João Leite de Cerqueira.

72

Livro nº 35, fls. 90-v (1ª parte) de Sesmarias, Patentes e Provisões. Nº de ordem CO 374. In DAESP.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

Mais tarde, já em 1815, juntamente com os irmãos Lourenço Leite e Bento Dias, João Leite passou a residir na freguesia de Piracicaba, ainda pertencente à vila de Porto Feliz. Em Piracicaba foi senhor de engenho e ali faleceu em 4 de agosto de 1826, sem testamento. Por sua morte se fez auto de inventário em 12 de setembro de 1826 em Piracicaba, sendo inventariante a viúva D. Ana Vitória de Oliveira. Entre outros bens, foram avaliados uma residência na rua de São José e um engenho de cana-de-açúcar com suas terras, cerca de 120 alqueires paulistas, denominado sítio do Bonsucesso, na beira do rio Piracicaba, em sociedade com o Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão. Também era senhor do sítio denominado do Enxofre, também à beira do rio Piracicaba. Depois de viúva, D. Ana Vitória continuou a residir em Piracicaba como senhora de engenho; ainda vivia em 1837. Com geração.73 6 (VI)- ALFERES LOURENÇO LEITE DE CERQUEIRA. Nasceu cerca de 1758 na vila do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Casou-se em 1788 em Itu com MARIA GERTRUDES DE ARRUDA, nascida em Itu, onde foi batizada em 2 de março de 1772, filha de João Pereira de Magalhães, natural de Baependi, e de Isabel de Arruda, esta nascida em 14 de fevereiro de 1752 em Araçariguama, em cuja freguesia foi batizada em 19 de fevereiro de 1752. Lourenço Leite de Cerqueira e sua mulher professaram na Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, de Itu, em 13 de janeiro de 1792.74 Em 1799 eram senhores de engenho na 1ª companhia da vila de Porto Feliz, com 9 escravos.75 Pais, entre outros, de FRANCISCO LEITE RIBEIRO, batizado em 17 de janeiro de 1789 em Itu, habilitado de genere et moribus em 1808.76 7 (VI)- ANA (LEITE) DE CERQUEIRA, nascida cerca de 1760, provavelmente em Cuiabá. Parece ter falecido solteira. 8 (VI)- ALFERES BENTO DIAS DE CERQUEIRA LEITE. Nasceu cerca de 1762 na vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Casou-se 73

Foram avós paternos de João Leite de Cerqueira César, meu trisavô.

74

Livro n º 493- Termos de Profissão, fls. 49-v. In Arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí.

75

Recenseamentos de Porto Feliz. In DAESP. Nº de ordem CO 143, CO 144, CO 145 e CO 146.

76

Processo nº 2-21-889 de genere et moribus. In ACMSP.

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com sua parente RITA DE CÁSSIA (ou Rita Antônia, conforme Silva Leme) MOREIRA DE OLIVEIRA, nascida cerca de 1775 na vila de Lages, filha de Antônio de Oliveira Bernardes e de Ana Peres Moreira, esta neta de Ana Peres, mulher do Coronel Jerônimo Pedroso de Barros. Com geração. 9 (VI)- MARIA LEITE (DE CERQUEIRA), nascida cerca de 1764, provavelmente em Cuiabá. Parece que faleceu solteira. 10 (VI)- JOAQUIM LEITE DE CERQUEIRA. Nasceu cerca de 1766 em Cuiabá. Lourenço Leite de Cerqueira e sua mulher professaram na Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, de Itu, em 13 de janeiro de 1792.77 Casou-se, com processo de banhos, em 1797, com sua prima MARIA GERTRUDES DE BARROS.78 Esta foi batizada em 3 de maio de 1779 em Sorocaba, onde era freguesa, filha do Sargento Mor Francisco Ribeiro de Moraes Pedroso e de Custódia Celi de Cerqueira. 11 (VI)- CUSTÓDIA (LEITE DE CERQUEIRA), nascida cerca de 1769, provavelmente em Cuiabá. Parece ter falecida solteira. 12 (VI)- GERTRUDES MARIA (LEITE DE CERQUEIRA), nascida cerca de 1771, possivelmente em Itu. Parece ter falecida solteira. 13 (VI)- JOSEFA, batizada em 10 de março de 1776 (fls. 151 do 5º livro) na vila de Itu, onde faleceu em 28 de agosto de 1776 (fls. 128), aos 5 meses de idade.

77

Livro n º 493- Termos de Profissão, fls. 52-v. In Arquivo da Cúria Diocesana de Jundiaí.

78

Processo nº 6-50-2157 de dispensa matrimonial. In ACMSP.

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Francisco César de Miranda: identificação de um tronco paulistano

Esboço da situação geográfica da região do Butantã no século XVI

Observar que a moradia conhecida como Casa do Bandeirante ficava aquém rio Pinheiros, e depois da canalização do mesmo, na década de 30 do século XX, a casa situou-se além rio. Como base de referência, a Praça da Sé (marco zero). Nas terras das sesmarias de Jorge Moreira e de Afonso Sardinha hoje se localiza a Cidade Universitária. As sesmarias tinham por frente um caminho que depois passou a ser estrada geral para Itu (as atuais avenidas Vital Brazil e Corifeu de Azevedo Marques). O Instituto Butantã fica em terras do antigo sítio Butantã (originária da sesmaria de Afonso Sardinha). Para a elaboração deste mapa quero agradecer aos amigos Rodnei Brunete da Cruz e Leandro Antonio de Almeida.

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