Glicólise e desidrogénase do piruvato

Glicólise e desidrogénase do piruvato; Rui Fontes

Glicólise e desidrogénase do piruvato 1-

O metabolismo energético dos seres vivos pode ser interpr

Author Thalita Galindo Pacheco

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Glicólise e desidrogénase do piruvato; Rui Fontes

Glicólise e desidrogénase do piruvato 1-

O metabolismo energético dos seres vivos pode ser interpretado como um processo no qual os nutrientes são oxidados pelo O2 (catabolismo) gerando a energia necessária para a síntese de ATP (a partir de ADP + Pi) ao mesmo tempo que o ATP formado é hidrolisado (a ADP + Pi) fornecendo a energia utilizada na síntese de múltiplas substâncias (anabolismo), na actividade muscular e na manutenção dos gradientes iónicos. Juntamente com outros mecanismos, a fome é um importante mecanismo homeostático: a ingestão de alimentos fornece ao organismo substâncias cuja oxidação permite manter a concentração de ATP praticamente constante (“estacionária”). Numa determinada célula do organismo a concentração de ATP praticamente não varia, mesmo quando a sua velocidade de hidrólise aumenta porque, quando isto acontece (por exemplo, nas fibras musculares, durante o esforço físico), aumenta igualmente a sua velocidade de síntese (formação de ATP a partir de ADP e Pi). Este aumento da velocidade de síntese de ATP implica um aumento da velocidade do catabolismo: um aumento na velocidade de oxidação dos nutrientes.

2-

A glicólise é uma via metabólica do citoplasma das células (de todas as células) em que a glicose é, num processo exergónico, convertida em piruvato (ou lactato) e se forma, concomitantemente e num processo endergónico, ATP a partir de ADP + Pi. As enzimas da glicólise são, no seu conjunto, “a máquina” que permite a acoplagem dos dois processos.

3-

Na maioria das células do organismo a entrada da glicose do sangue para o citoplasma dá-se a favor do gradiente e o transporte é catalisado por proteínas da membrana que são uniporters. Estes uniporters designam-se por GLUTs e podem ser produtos de genes distintos em órgãos distintos. Nos casos do pólo basal dos enterócitos e nos hepatócitos a concentração de glicose pode, em certas condições, ser mais alta no citoplasma que no sangue: nestas condições o GLUT (nestes casos, o GLUT2) catalisa a saída de glicose da célula. Noutras condições ocorre o inverso e a glicose entra para estas células. No caso dos músculos, porque toda a glicose que entra é imediatamente fosforilada a glicose-6-fosfato (catálise pela hexocínase II1; ver equação 1) e não existem, aqui, enzimas capazes de converter a glicose-6-P em glicose, o gradiente de concentrações favorece sempre a entrada de glicose. Nos músculos, o transporte transmembranar de glicose é catalisado pelo GLUT4 mas o número de transportadores na membrana sarcoplasmática de uma fibra muscular varia consoante o estado hormonal e a actividade contráctil da fibra muscular. O número de moléculas de GLUT4 na membrana sarcoplasmática e, consequentemente, a velocidade com que uma fibra muscular capta a glicose do sangue aumenta quando aumenta a concentração de insulina no sangue ou quando aumenta a actividade contráctil da fibra muscular em questão [1].

4-

As enzimas da glicólise são: a cínase da glicose ou a cínase das hexoses (ver nota 1 e equação 1), a isomérase das fosfohexoses (ver equação 2), a cínase-1 da frutose 6-P (ver equação 3), a aldólase (ver equação 4), a isomérase das trioses-P (ver equação 5), a desidrogénase do gliceraldeído 3-P (ver equação 6), a cínase do 3-fosfoglicerato (ver equação 7), (8) a mútase do fosfoglicerato (ver equação 8), a enólase (ver equação 9) e a cínase do piruvato (ver equação 10). Tal como em todas as vias metabólicas um dos produtos formados pela acção catalítica de uma enzima é substrato de uma outra enzima permitindo compreender que se possa desenhar uma cadeia sequenciada de reacções e que, no seu conjunto, as enzimas da glicólise convertam glicose em piruvato. Se ignorarmos momentaneamente a formação de NADH e o consumo e formação de ATP poderemos escrever a seguinte sequência de transformações: glicose  glicose-6-P  frutose-6-P  frutose-1,6-bisfosfato  (di-hidroxiacetona-P + gliceraldeído-3-P); di-hidroxiacetona-P  gliceraldeído-3-P  1,3-bisfosfoglicerato  3fosfoglicerato  2-fosfoglicerato  fosfoenolpiruvato  piruvato. glicose + ATP  glicose 6-P + ADP glicose-6-P  frutose-6-P

(1) (2)

1

O reconhecimento recente da estrutura primária das diferentes isoenzimas que, nos mamíferos, são capazes de catalisar a fosforilação da glicose motivou uma mudança na nomenclatura das isoenzimas com esta actividade catalítica. Os estudos funcionais já haviam demonstrado, há mais de 50 anos, que havia, pelo menos, duas isoenzimas com esta actividade que foram, então, designadas por cínase da glicose (mais específica para a glicose e existindo no fígado, rim e células  dos ilhéus pancreáticos) e por cínase das hexoses (existe noutras células e é menos específica aceitando também a frutose como substrato). Actualmente a cínase da glicose também é designada por hexocínase IV. A actividade da cínase das hexoses é, sabe-se hoje, partilhada por três hexocínases diferentes designadas de hexocínases I, II e III.

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frutose-6-P + ATP  frutose-1,6-bisfosfato + ADP frutose-1,6-bisfosfato  gliceraldeído-3-P + di-hidroxiacetona-P di-hidroxiacetona-P  gliceraldeído-3-P gliceraldeído-3-P + Pi + NAD+  1,3-bisfosfoglicerato + NADH 1,3-bisfosfoglicerato + ADP  3-fosfoglicerato + ATP 3-fosfoglicerato  2-fosfoglicerato 2-fosfoglicerato  fosfoenolpiruvato + H2O fosfoenolpiruvato + ADP  piruvato + ATP

(3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10)

5-

A aldólase (ver equação 4) é a enzima da glicólise que catalisa a cisão (lise) da molécula de frutose-1,6bisfosfato (6C) em gliceraldeído-3-P (3C) e di-hidroxiacetona-P (3C). A transformação da dihidroxiacetona-P em gliceraldeído-3-P (ver equação 5) e a posterior transformação deste composto em piruvato (3C; ver equações 6-10) permite compreender que uma molécula de glicose (6C) dê origem a duas de piruvato (2  3C). Antes da lise da frutose-1,6-bisfosfato duas moléculas de ATP servem como substratos dadores de fosfato em reacções de fosfotransferência catalisadas pelas cínases da glicose e da frutose-6-P (ver equações 1 e 3). Depois da lise da frutose-1,6-bisfosfato ocorre a formação de ATP em duas reacções de fosfotransferência em que o substrato aceitador é o ADP e os substratos dadores são o 1,3-bisfosfoglicerato (cínase do 3-fosfoglicerato; ver equação 7) e o fosfoenolpiruvato (cínase do piruvato; ver equação 10). As reacções de formação de ATP a partir de ADP através de reacções de fosfotransferência designam-se, comummente, de “fosforilações ao nível do substrato” (por contraponto com à “fosforilação oxidativa” mitocondrial). Também já depois da lise da frutose 1,6bisfosfato ocorre a redução do NAD+ (e consequente formação do NADH) numa reacção em que, concomitantemente com a reacção de oxiredução ocorre a adição de fosfato inorgânico (Pi): esta reacção é a catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-P (ver equação 6).

6-

O somatório das reacções envolvidas na formação do piruvato a partir de glicose pode ser expressa pela seguinte equação: glicose (C6H12O6) + 2NAD+ + 2ADP + 2Pi  2 ác. pirúvico (C3H4O3) + 2NADH + 2ATP + 2H2O

(11)

A energia libertada no processo de cisão e oxidação de um mole de glicose por dois moles de NAD+ permite a formação de 2 moles de ATP (a partir de ADP e Pi). O processo oxidativo envolve dois pares de electrões que são cedidos pela glicose (que se oxida a piruvato) e aceites por dois NAD+ (que se reduzem a NADH). 7-

Os eritrócitos são as células mais simples do organismo. Porque não têm mitocôndrias, todo o ATP que hidrolisam (por exemplo, na acção da ATPase do Na+/K+) formando ADP e Pi é reposto na transformação expressa pela equação 11, ou seja, na glicólise. Existe aqui, tal como em todas as células do organismo, um ciclo de formação e hidrólise de ATP onde as concentrações de ATP, ADP e Pi se mantêm estacionárias. A concentração de NAD+ (e NADH) dentro dos eritrócitos é (como em todas as células) muito baixa (estimada em cerca de 78 M [2]) e, na ausência de um mecanismo que permitisse reoxidar o NADH a NAD+, todo o NAD+ do eritrócito se esgotaria em cerca de 1 minuto2. De facto a concentração de NAD+ (e NADH) é estacionária porque cada molécula de NADH que se forma na glicólise é imediatamente oxidada a NAD+ por acção catalítica da desidrogénase do lactato: 2 NADH + 2 ác. pirúvico  2 NAD+ + 2 ác. láctico

(12)

O somatório das equações 11 e 12 e de uma outra (equação 13) que representa todos os processos que no eritrócito hidrolisam ATP à mesma velocidade com que se forma permitem escrever a equação 14. 2 ATP + 2 H2O  2 ADP + 2 Pi glicose (C6H12O6)  2 ác. láctico (C3H6O3)

(13) (14)

Assim, os eritrócitos consomem glicose e libertam continuamente ácido láctico que vai ser metabolizado por outras células do organismo. À glicólise que tem como produto o ácido láctico (= lactato + protão) chama-se glicólise anaeróbia porque não consome oxigénio. A equação 14 mostra que o processo não é globalmente oxidativo: o número de oxidação médio dos carbonos da glicose e do ácido láctico são 2

Temos 2 L de eritrócitos que oxidam 70 mol de glicose por minuto (e reduzem 140 mol de NAD+ no mesmo tempo).

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iguais (em ambos os casos, 0). Nos mamíferos, a única reacção em que o ácido láctico é substrato é a que é catalisada pela desidrogénase do lactato (equação 12), uma enzima que catalisa uma reacção fisiologicamente reversível. Nos órgãos para onde o ácido láctico é exportado (fígado e coração, por exemplo) a única reacção em que o ácido láctico intervém é a que é expressa pela equação 12 mas, agora, desenvolve-se no sentido de formar ácido pirúvico que será depois oxidado nas mitocôndrias desses órgãos ou, eventualmente, sofrer outras transformações. 8-

Ao contrário dos eritrócitos todas as outras células têm mitocôndrias e em condições “normais” o ácido láctico que vertem para o sangue é relativamente escasso. Nestes casos, cada molécula de NADH que se forma durante a glicólise é imediatamente oxidada (ver equação 11), não por acção da desidrogénase do lactato, mas sim pelo O2 na cadeia respiratória das mitocôndrias: 2 NADH + O2  2 NAD+ + 2 H2O

(15)

Desta forma as concentrações de NADH são mantidas baixas na célula ao mesmo tempo que o NAD+ é regenerado. O somatório das equações 11 e 15 (equação 16) expressa a acção conjugada das enzimas da glicólise e da cadeia respiratória, ou seja, a glicólise aeróbia: glicose (C6H12O6) + O2 + 2ADP + 2Pi  2 ác. pirúvico (C3H4O3) + 2ATP + 2H2O 9-

(16)

Em condições geralmente designadas de aerobiose, o ácido pirúvico entra para as mitocôndrias onde, por acção catalítica da desidrogénase do piruvato se converte em acetil-CoA. A reacção catalisada pela desidrogénase do piruvato é fisiologicamente irreversível e é descrita pela equação 17: piruvato + CoA + NAD+  acetil-CoA + CO2 + NADH

(17)

O processo catalítico é frequentemente descrito como uma “oxidação descarboxilativa” porque a par de uma reacção de oxi-redução ocorre uma descarboxilação (saída de CO2) de tal forma que o número de carbonos do resíduo acetilo da acetil-CoA (dois) é menor que o do piruvato (três). Permitindo a oxidação das novas moléculas de ácido pirúvico formadas durante a oxidação da glicose, cada molécula de NADH formada é imediatamente oxidada a NAD+ pelo O2 na cadeia respiratória (ver equação 15). O resíduo acetilo do acetil-CoA é oxidado a CO2 no ciclo de Krebs e neste processo também se formam ATPs. 10-

A desidrogénase do piruvato (ver equação 17) é, de facto, um complexo multienzímico composto por 5 tipos diferentes de proteínas que se designam por (E1) desidrogénase do piruvato, (E2) transacetílase do dihidrolipoato, (E3) desidrogénase do dihidrolipoato, (E4) cínase da desidrogénase do piruvato e (E5) fosfátase da desidrogénase do piruvato. Estas proteínas estão organizadas em agregados dentro da mitocôndria. As proteínas E1, E2 e E3 são colectivamente responsáveis pela catálise expressa pela equação 17 e contêm, como grupos prostéticos tiamina-pirofosfato, ácido lipoico e FAD, respectivamente. A cínase da desidrogénase do piruvato (E4; ver equação 18) e a fosfátase da desidrogénase do piruvato (E5; ver equação 19) têm papeis reguladores da actividade catalítica do complexo. Quando a proteína E1 de um dado complexo está na forma desfosforilada este complexo está activo enquanto as formas fosforiladas são inactivas. A cínase da desidrogénase do piruvato catalisa a fosforilação da proteína E1 catalisando a transferência do fosfato  do ATP (ver equação 18) e, consequentemente, inactivando o complexo. A fosfátase da desidrogénase do piruvato catalisa a hidrólise de E1 fosforilada (ver equação 19) e, consequentemente, promove a activação do complexo. ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada  ADP + desidrogénase do piruvato fosforilada desidrogénase do piruvato fosforilada + H2O  desidrogénase do piruvato desfosforilada + Pi

11-

(18) (19)

Num coração normal cada molécula de ácido pirúvico formado durante a oxidação da glicose é imediatamente oxidada formando-se CO2 (ver equações 17 e 15): a glicólise do miocárdio normal é aeróbia. Contudo, em situações em que o fluxo sanguíneo está perturbado (situações de isquemia como o infarto ou angina de peito) o fornecimento de O2 não é suficiente para oxidar todas as moléculas de NADH formadas. Assim, ocorre aumento da concentração intracelular de NADH (e diminuição na de NAD+) que faz com que a reacção catalisada pela desidrogénase do lactato (equação 12) passe a evoluir no sentido da formação de lactato. Ao contrário do que acontece no coração saudável (que oxida ácido láctico), o coração isquémico produz ácido láctico: parte da glicólise do coração isquémico é anaeróbia [3] sendo a equação 14 a que melhor descreve o processo. Uma situação semelhante acontece em tumores sólidos mal irrigados.

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Apesar do seu baixo rendimento “energético” (apenas 2 moles de ATP formadas por mole de glicose cindida), a glicólise anaeróbia tem um papel essencial na sobrevivência dos indivíduos e, em última análise, na sobrevivência das espécies. Nas fibras musculares esqueléticas, em particular nas que são mais pobres em mitocôndrias (fibras musculares brancas), a glicólise pode aumentar explosivamente de velocidade em situações em que a velocidade de hidrólise do ATP aumenta de forma dramática (ao subir a uma árvore, por exemplo). Numa situação deste tipo, embora a velocidade de oxidação do piruvato pela cadeia respiratória aumente, este aumento de velocidade não é suficiente para acompanhar o aumento explosivo da velocidade da glicólise. A actividade da desidrogénase do lactato das fibras musculares permite este aumento explosivo da velocidade da glicólise porque converte o NADH e o ácido pirúvico em NAD+ e ácido láctico (equação 12): em situações deste tipo uma parte substancial do ATP formado na fibra muscular (essencial para manter a sua síntese à mesma velocidade com que se hidrolisa) resulta da glicólise anaeróbia [4-5].

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De facto, mesmo em repouso, os músculos, sobretudo as fibras musculares brancas, produzem, normalmente, algum lactato mas o exercício físico intensifica marcadamente o processo [5]. Durante o exercício que é costume designar-se de “anaeróbio” a concentração de lactato nas fibras musculares pode aumentar cerca de 30 vezes e é comum afirmar-se que é esta acumulação do ião lactato que provoca a fadiga. Contudo as evidências experimentais demonstram que, embora a concentração de lactato formado endogenamente esteja directamente relacionada com o grau de fadiga, o ião lactato não interfere na actividade contráctil. Como mostra a equação 14, na glicólise anaeróbia uma substância aprótica (a glicose) transforma-se numa outra que emite protões (ác. láctico). O pKa do ácido láctico (4) é mais baixo que o pH do citoplasma das fibras musculares (7) e, por isso, a esmagadora maioria das moléculas de ácido láctico dissocia-se formando o ião lactato e provocando uma descida do pH (de cerca 7 para valores tão baixos quanto 6,5). No esforço muscular contráctil em regime anaeróbio a descida do pH inibe a actividade muscular contráctil e é um dos factores envolvidos no processo de fadiga que impede um sprinter de continuar a correr depois de terminar a sua prova. Durante os processos isquémicos a descida do pH intracelular que ocorre devido à glicólise anaeróbia também contribui para a diminuição da capacidade contráctil e este efeito tem uma enorme importância clínica: no coração isquémico a capacidade de bombeamento está diminuída.

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Pelo menos nos órgãos ditos “excitáveis” (como, por exemplo, o músculo esquelético) a velocidade de hidrólise do ATP pode sofrer variações muito marcadas (no estado de esforço pode ser mais de 100 vezes superior à do estado de repouso) mas, em condições fisiológicas, a velocidade de síntese sobe de forma paralela. Isto só é possível porque a velocidade de consumo de nutrientes, incluindo o de glicose na glicólise (e subsequente oxidação do piruvato pelo O2) também aumenta marcadamente em situações de esforço. Os mecanismos moleculares que, nos mamíferos, permitem explicar estas subidas de velocidade da glicólise são ainda mal compreendidos e, por isso, são actualmente objecto de intensa investigação e especulação [4]. (a) Um dos mecanismos que se crê terem importância nesta adaptação do consumo de glicose às necessidades de ATP já foi referido acima: o esforço muscular contráctil induz o aumento do número de moléculas de GLUT4 na membrana das fibras musculares e o consequente aumento na velocidade da entrada de glicose para essas fibras. Esse aumento dá-se de forma muito rápida porque não implica a síntese de novas moléculas de transportador nos ribossomas mas sim a fusão de vesículas intracelulares que já contêm GLUT4 com a membrana celular. (b) Um outro mecanismo que poderá ser importante na adaptação do consumo de glicose às situações de esforço é o ião Ca2+. Quando uma fibra muscular é excitada pelo seu nervo motor aumenta a concentração citoplasmática e mitocondrial de Ca2+: no caso do citoplasma este aumento pode ser de 100 vezes (de 0,1 M para 10 M) [6]. A fosfátase da desidrogénase do piruvato é o componente do complexo desidrogénase do piruvato que catalisa a sua desfosforilação e a consequente activação do processo de conversão do piruvato em acetil-CoA (ver equação 17). A fosfátase da desidrogénase do piruvato é activada pelo Ca2+ e, consequentemente, quando a concentração de Ca2+ aumenta em resposta ao estímulo nervoso aumenta também a velocidade de oxidação do piruvato a acetil-CoA.

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É comum escrever-se que nas situações fisiológicas em que há aumento do consumo de ATP nas células a sua concentração desce. De facto é possível observar descida da concentração de ATP em condições experimentais que não parecem reflectir situações fisiológicas [3, 7-8]. Actualmente, crê-se que essas descidas são artefactos experimentais ou reflectem condições extremas dificilmente observáveis num ser vivo saudável; no actual estádio do conhecimento pensa-se que, em condições fisiológicas, a concentração de ATP não sofre qualquer variação apreciável dentro das células [7, 9-12]. No entanto, no caso do músculo esquelético, parece poder ocorrer em situações de esforço, aumentos na concentração de

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ADP e AMP [4, 10-11]. Pode parecer estranho que, resultando o ADP da hidrólise do ATP (ATP + H2O  ADP + Pi) e o AMP da conversão do ADP (catálise pela cínase do adenilato; ver equação 20) possam ocorrer aumentos de concentração do ADP e AMP sem que, praticamente, ocorram variações na concentração de ATP. Em repouso a concentração de ATP pode ser cerca de 100 vezes superior à de ADP e cerca de 10000 vezes superior à de AMP [10]. Assim, tendo em conta a reacção de hidrólise do ATP, à descida de 1% na concentração de ATP corresponde a subida para o dobro na concentração de ADP. Por sua vez, tendo em conta o equilíbrio químico da reacção catalisada pela cínase de adenilato (ver equação 20), a uma subida percentual modesta no ADP corresponde uma variação percentual mais marcada no AMP [13]. Quer o AMP quer o ADP são potentes activadores alostéricos de uma das enzimas da glicólise que se pensa ter maior importância na regulação da velocidade da glicólise: a cínase-1 da frutose 6-P (ver equação 3). Curiosamente, um dos substratos desta enzima é o ATP mas, em concentrações fisiológicas, o ATP, para além de se ligar no centro activo, pode também ligar-se ao centro alostérico e inibir a actividade da enzima. A acção activadora do ADP e do AMP resulta da sua capacidade para competir com o ATP pelo centro alostérico da enzima: quando as concentrações de AMP e/ou ADP aumentam substituem o ATP no centro alostérico e impedem a sua acção inibidora. 2 ADP  AMP + ATP

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No que se refere à regulação da glicólise e da desidrogénase do piruvato no fígado destacaríamos o papel da glicemia (concentração de glicose no sangue) e das hormonas insulina e glicagina. Estas hormonas são, respectivamente, sintetizadas nas células  e nas células  dos ilhéus de Langerhans do pâncreas. Quando se ingere uma refeição que contenha glicídeos, a concentração de glicose aumenta no sangue e de forma muito marcada na veia porta; nesta veia, que irriga o fígado, a concentração de glicose pode subir de 4 mM para 14 mM. Este aumento na glicemia provoca aumento da síntese e secreção de insulina e poderá causar descida na de glicagina: de qualquer forma, o aumento da glicemia provoca sempre aumento da razão entre as concentrações de insulina e de glicagina. Quer directamente, quer através das acções destas hormonas (a insulina é activadora da oxidação da glicose e glicagina é inibidora) o aumento da glicemia vai estimular a velocidade de oxidação de glicose no fígado. Quando, pelo contrário, a glicemia baixa o fígado deixa de oxidar glicose (e passa a oxidar ácidos gordos).

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Ao contrário do que acontece nos músculos, a concentração de glicose dentro dos hepatócitos é semelhante à do sangue: o transportador GLUT2 tem grande actividade e permite manter uma situação de “quase equilíbrio” entre as duas faces da membrana. Assim, quando aumenta a concentração de glicose no sangue também aumenta, de forma paralela, a concentração de glicose dentro dos hepatócitos. Quando a glicemia é baixa, grande parte da cínase da glicose (ou hexocínase IV; ver equação 1) está sequestrada dentro do núcleo ligada a uma outra proteína que a inibe. A ligação da glicose ao complexo hexocínase IV- proteína inibidora leva à sua dissociação e à subsequente translocação da hexocínase IV do núcleo para o citoplasma onde inicia a glicólise [14]. O aumento da concentração plasmática da insulina (que acompanha a da glicose) também estimula a glicólise: no fígado, os efeitos activadores da insulina na velocidade da glicólise resultam, pelo menos em parte, da indução da síntese de enzimas chave da glicólise, como a cínase da frutose-6-P e a cínase do piruvato. A insulina, porque reprime a expressão da cínase da desidrogénase do piruvato, também estimula a desidrogénase do piruvato; na ausência da cínase, a desidrogénase do piruvato mantêm-se na forma desfosforilada, a activa [15].

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A glicagina é uma hormona que, no ser humano e em concentrações fisiológicas, exerce os seus efeitos, apenas no fígado; é na membrana celular dos hepatócitos que existem receptores capazes de a reconhecer. O aumento da secreção pancreática de glicagina (células ) quando a glicemia desce faz parte dum mecanismo homeostático que permite poupar glicose no fígado neste estado nutricional; em jejum a glicagina vai fazer diminuir, no fígado, a concentração de uma substância (frutose-2,6-bisfosfato) que é um potente activador alostérico de uma enzima da glicólise: a cínase-1 da frutose 6-P (ver equação 3). Desta forma, a glicagina, diminuindo a actividade desta enzima da glicólise vai, no fígado, diminuir a velocidade de consumo de glicose. A glicagina também induz a inibição da cínase do piruvato hepática, outra enzima da glicólise. O efeito inibidor da glicagina na cínase do piruvato hepática é uma consequência da fosforilação da enzima: a cínase do piruvato hepática é, tal como a desidrogénase do piruvato, inactivada por fosforilação.

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