OS MOVIMENTOS SOCIAIS JUVENIS: O QUE SE PASSA NA AMÉRICA LATINA?

XV Coloquio Internacional de Geocrítica Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista Barcelona, 7-12 de mayo de 2018

OS MO

Author Maria do Pilar Eliana Salgado Ávila

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XV Coloquio Internacional de Geocrítica Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista Barcelona, 7-12 de mayo de 2018

OS MOVIMENTOS SOCIAIS JUVENIS: O QUE SE PASSA NA AMÉRICA LATINA? Lara Pires Weissböck Doutoranda em Geografia na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) Guarapuava/PR/Brasil [email protected]

Márcia da Silva Professora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Guarapuava/PR/Brasil [email protected]

Ao longo da história da humanidade, os movimentos sociais sempre representaram os impulsos na busca pela mudança social, originando-se, principalmente, de crises nas condições de vida e desconfiança nas instituições políticas, fazendo com que as pessoas passassem a se envolver em ações coletivas fora dos canais institucionais com o objetivo de buscar a mudança. E esses movimentos, mesmo que representem um risco à manutenção da ordem social, e que muitas vezes têm as instituições políticas expressando suas relações de poder pela intimidação e mesmo o uso da força, faz com que os manifestantes superem o medo e desafiem os poderes construídos (Castells, 2013). Além disso, impulsionados por inconformidades das massas, das crises econômicas, pelo sistema político vigente, e pela arrogância daqueles detentores desses poderes. Partindo deste tema, este estudo dedicou-se a analisar alguns trabalhos desenvolvidos por estudiosos na área dos movimentos sociais juvenis, de 2014 a 2017. A seleção foi realizada através de bancos de dados científicos diversos, não se detendo a uma área específica do conhecimento, a fim de verificar em que medida as pesquisas convergem ou não nas análises acerca do tema. Optou-se por selecionar trabalhos que trataram de movimentos sociais juvenis ocorridos a partir de 2014 e/ou sobre teorias e metodologias atuais para analisar os movimentos sociais, o que tornou, de certa forma, morosa a busca por estes, uma vez que muitas publicações nos anos propostos referiam-se a movimentos sociais e/ou análise das teorias e metodologias ocorridos anteriormente. Buscou-se, inclusive, trabalhos que tratassem do referido tema na América Latina. As pesquisas serão apresentadas de forma resumida em quadros com os seguintes dados: Revista - Qualis; Tipo; Ano de Publicação; Área; Autor(a); Título; Sobre o que trata; Metodologia; e Conclusões. Concomitantemente, a análise dos referidos trabalhos, elencando elementos teóricos e metodológicos que os aproximam, ou não. E mesmo que de áreas distintas, fazer uma tentativa de discutir os conceitos de território e territorialidade, ainda que não estejam explícitos nestas pesquisas, considerando que não tenham sido feitos ou por não

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ser o objetivo do referido trabalho, ou então por ser de uma área que não realiza essas discussões de forma pontual.

De 2014 a 2017: discussões acerca dos movimentos sociais juvenis, suas teorias e metodologias de análise Dos trabalhos selecionados, nove são do Brasil, em que dois trabalhos são de Goiás, um do Rio de Janeiro, um de Porto Alegre, três de São Paulo e dois do Paraná. Um trabalho foi publicado na Argentina e um em Manizales na Colômbia. Para a análise dos trabalhos selecionados sobre o tema dos movimentos sociais juvenis na América Latina, em específico os que trataram daqueles ocorridos entre 2014 a 2017 e/ou sobre teorias e metodologias atuais para analisa-los, foram selecionados dez artigos e uma entrevista. Destes, dois foram publicados em 2015, seis em 2016 e três em 2017. As áreas científicas de estudo são: Economia Política, Educação, Ciências Sociais, Sociologia, Psicologia e Geografia. Na área de Economia Política, a discussão proposta por Costa (2016) se dá a partir da teoria dos Novos Movimentos Sociais (discussões que emergem da Sociologia), debatendo os movimentos rurais e urbanos Latino-Americanos, como os indígenas, camponeses, religiosos, ecológicos e de mulheres. Além disso, trata sobre a apropriação do território, mesmo não discutindo o conceito de território, como nos é comum na Geografia. No quadro 1 é possível verificarmos algumas especificidades do artigo: Quadro 1. Novos Movimentos Sociais na América Latina

Fonte: Elaboração própria

Considera-se importante compreender, mesmo que de forma sucinta, do que se trata a teoria dos Novos Movimentos Sociais, uma vez que outros trabalhos pesquisados também pensam os movimentos sociais juvenis sob a luz desta teoria. Para Mutzenberg (2015), Gohn e Bringel (2014) a teoria dos Novos Movimentos Sociais vão além do conflito de classes, envolvendo questões culturais. Em sua maioria uma postura antiEstado e anti-partidos políticos revolucionários, apresentando uma discussão centrada em 2

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mudanças pontuais, por meio de reformas e não da superação da ordem burguesa que se dá pela revolução. Além disso, parte das explicações: [...] mais conjunturais, localizadas em âmbito político ou dos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes na realidade para observar a política dos novos atores sociais. As categorias básicas desse paradigma são: cultura, identidade, autonomia, subjetividade, atores sociais, cotidiano, representações, interação política etc. Os conceitos e noções analíticas criadas são: identidade coletiva, representações coletivas, micropolítica do poder, política de grupos sociais, solidariedade, redes sociais, impactos das interações políticas etc.1

Costa (2016) pensa os movimentos sociais ligados: [...] as profundas e regressivas consequências das políticas neoliberais adotadas na grande maioria dos países do continente, ainda que em diferentes graus. Esses novos movimentos sociais protagonizaram na região um novo ciclo de protesto. A novidade reside em sua maior magnitude, em sua reconfiguração, muito mais fragmentada em termos sociais e mais localizada em termos setoriais e territoriais do que no passado, e nas novas demandas não necessariamente vinculadas à relação capital e trabalho, mas ligadas à identidade étnicocultural, meio ambiente, direitos universais, educação, saúde, previdência social, habitação, alimentação etc. Daí a presença de organizações indígenas, camponesas, “movimentos sem”, movimentos religiosos, ecológicos e de mulheres, coletivos militantes, ONGs, organizações sociais e juvenis etc.2

Ademais, no que diz respeito ao território, Haesbaert (2005) indica que o território tem a ver “[...] com poder, mas não apenas ao tradicional ‘poder político’. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação” 3. Assim, é possível inferir que o valor simbólico do território é carregado das marcas do “vivido” e do valor de uso, e o valor concreto do território é carregado daquilo que é funcional e vinculado ao valor de troca. A distinção de apropriação e dominação do território, é tratada inclusive por Haesbaert (2004), o qual trata que a apropriação é um processo muito mais simbólico, portanto, com marcas do “vivido” (valor de uso). E o segundo muito mais concreto, funcional e ligado ao valor de troca. Raffestin (1993), ao incitar reflexões acerca do território, busca a diferenciação entre este e o espaço, argumentando que o território é produzido a partir do espaço e conduzido por um ator sintagmático. Ao apropriar-se de um espaço, concreta ou abstratamente, este ator “territorializa” o espaço. Logo, “o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se inscreve num campo de poder”4.

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Gohn, 1997, p. 15. Costa, 2016, p. 15. 3 Haesbaert, 2005, p. 6774-6775. 4 Raffestin, 1993, p. 144. 2

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Portanto, a análise dos artigos que seguem, deve ser realizada sob esta ótica de compreensão sobre o território. Na área da Educação foram selecionados cinco trabalhos, como é possível verificarmos nos quadros 2, 3, 4 e 5: Quadro 2. Movimento de ocupação de escolas públicas-jovens estudantes contra a gestão da escola pública por organizações sociais

Fonte: Elaboração própria

Balsino e Freitas (2017), assim como Costa (2016), fazem uma abordagem a partir da teoria dos Novos Movimentos Sociais, no entanto, sem adentrar às especificidades tratadas por Costa (2016) no que tange as discussões sobre os sistemas políticos e econômicos e em que medida estes influenciam a emergência de movimentos sociais. O foco de Balsino e Freitas (2017) está na análise dos movimentos de ocupação em instituições escolares por jovens alunos, e ao caracterizar este grupo é possível que remetamos estas discussões ao que discutese em Geografia como sendo as territorialidades. E quando pensamos no conceito de territorialidade, nos interessa refleti-lo a partir de quatro níveis correlatos: a) como relações sociais, identidades, diferenças, redes, malhas, nós, desigualdades e conflitualidades; b) como apropriação do espaço geográfico, concreta e simbolicamente, implicando dominações e delimitações precisas ou não; c) como comportamentos, objetivos, metas, desejos e necessidades e, por fim, d) como práticas espacio-temporais, pluridimensionais, efetivadas nas relações sociedade-natureza, ou seja, relações sociais dos homens entre si (de poder) e com a natureza exterior por meio dos mediadores materiais (técnicas, tecnologias, instrumentos, máquinas...) e imateriais (conhecimentos, saberes, ideologias...). A territorialidade é processual e relacional ao mesmo tempo5.

Para Balsino e Freitas (2017), os jovens que participaram de movimentos de ocupação nas escolas, tinham em comum a oposição rigorosa às políticas governamentais e que a apropriação do espaço, mesmo que simbolicamente em alguns momentos, os faziam ter a sensação de tomada de poder de um espaço vivido. Há uma caracterização desses jovens segundo idade, condição econômica e cultural. Indicam que há uma nova forma de como ocorrem os movimentos sociais juvenis, em que apontam “[...] para uma singular estrutura de seu poder de funcionamento, mais flexíveis, móveis, horizontalizadas, sem comando único e 5

Saquet, 2015, p. 107-108.

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centralizador e relativamente autônomas das clássicas organizações da sociedade civil como Sindicatos, ONG’s, Igrejas, Instituições Sociais, Partidos Políticos, dentre outros”6. Ainda na área da Educação, Corti, Corrochano e Silva (2016), como é possível verificar no quadro 3, tratam sobre questões como: redes sociais, que os autores chamam de “espaço virtual”; que as redes sociais, no caso àquelas da internet, foram o ponto de partida para as manifestações nos espaços, como as escolas e as cidades, chamados pelos autores de “espaços reais”. Quadro 3. Movimento de ocupação de escolas públicas-jovens estudantes contra a gestão da escola pública

Fonte: Elaboração própria

Outra questão interessante discutida por Corti, Corrochano e Silva (2016) é no que diz respeito às identidades dos jovens participantes dos movimentos de ocupação, em que verificaram que há uma diferença identitária comparada ao que chamam de “tradicional”, vista como a forma com que as salas de aula e os alunos são dispostos nestes espaços. Consideram que os movimentos de ocupação reinventaram a forma dos jovens se organizarem no espaço escolar, tornando-os ativos no processo de reflexão e produção de uma postura política e autônoma, quando, por exemplo, criavam as próprias regras de convivência e estratégias de atuação. Nestes apontamentos podemos verificar os conceitos de território e territorialidade permearem as discussões, mesmo que indiretamente. De forma mais efetiva, as discussões sobre os movimentos de ocupação por jovens secundaristas no Brasil com as discussões de território e territorialidade foram tratados por Weissböck (2017), pesquisa que será tratada adiante. Também na área da Educação, a entrevista realizada por Fontanella e Campos (2017) com a professora Claudia Mayorga, pesquisadora na área de juventude e participação, trata 6

Balsino e Freitas, 2017, p. 912.

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principalmente sobre questões dos movimentos realizados pelos “jovens excluídos”, como podemos verificar no quadro 4: Quadro 4. Por novas instituições, por uma nova política: o protagonismo dos jovens no Brasil: Entrevista com Claudia Mayorga

Fonte: Elaboração própria

Na entrevista são tratadas questões sobre o que a professora Claudia Mayorga chama de “Juventude dos indignados”, dos “jovens excluídos”, que se unem por uma identidade comum, seja em grupos de Hap, Hip Hop, religiosos, etc. Além disso, que a mobilização desses grupos ocorre pela insatisfação de questões principalmente de seus cotidianos. Além disso, e talvez o mais interessante da entrevista realizada por Fontanella e Campos (2017), esteja no momento em que a entrevistada afirma: Tive oportunidade de conversar com alguns grupos de jovens secundaristas e fiquei impressionada com o nível de politização que demonstraram. O que me chamou atenção foi encontrar justamente o contrário do que a mídia dizia: não era a reprodução de discursos préformatados –que às vezes vemos, por exemplo, dentro de movimentos estudantis nas universidades, os quais reproduzem discursos dos partidos políticos, tais como do PT, do PSTU, do PCN. Nesse contexto das ocupações das escolas, o movimento era muito mais no sentido de politizar a vida cotidiana a partir das próprias experiências, e não a partir de um discurso partidário pré-definido. Os jovens estavam falando de suas experiências, da discriminação e exclusão que vivem cotidianamente nas escolas. Foi muito interessante acompanhar esse processo! No entanto, infelizmente, aconteceu novamente o movimento de desqualificação, a fim de não reconhecer que o que os jovens estavam fazendo ali era uma política da vida cotidiana.7

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Fontanella e Campos, 2017, p. 19.

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Outra pesquisa analisada, na área da Educação, foi a de Baquero, Baquero e Morais (2016), que analisaram dados da pesquisa “Democracia, mídias e capital social: um estudo comparativo de socialização política dos jovens no Sul do Brasil”, desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas sobre América Latina (NUPESAL), buscando examinar qual o papel da internet e de suas redes sociais bem como a comparação dos agentes tradicionais de socialização política. Os dados analisados pelos autores, partindo inclusive da pesquisa realizada pelo NUPESAL, se deu pela metodologia tipo survey e contou: [...] com amostras probabilísticas, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (em maio de 2015, com 690 casos) e em Curitiba, Paraná (em junho de 2016, com 775 casos). Aplicou-se um questionário com 69 perguntas — abertas e fechadas, sendo estas a maioria —, tendo como sujeitos da pesquisa jovens estudantes de escolas públicas e privadas, na faixa etária entre 13 e 24 anos”.8

Trouxe elementos para indicarem algumas questões importantes, algumas já tratadas nas pesquisas supracitadas, como é possível verificar no quadro 5: Quadro 5. Socialização política e internet na construção de uma cultura política juvenil no Sul do Brasil

Fonte: Elaboração própria

A internet como propulsor dos movimentos sociais juvenis e como um espaço de socialização desses jovens, foram questões apontas também por aquelas na área da Educação aqui já tratadas. Outra questão importante indicada foi a de que a família continua sendo importante na referência para a estruturação de valores dos jovens no Sul do Brasil e que há forte descrença nas instituições políticas como um todo.

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Baquero, Baquero e Morais, 2016, p. 992.

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E, o último artigo na área da Educação pesquisado a este estudo, é o de Groppo (2016), que trata sobre a participação política e processos educativos das juventudes universitárias de Minas Gerais, que pode ser verificado no quadro 6: Quadro 6. Juventudes universitárias: participação política e processos educativos em uma universidade do interior de Minas Gerais

Fonte: Elaboração própria

O autor indica que a participação política e os processos educativos deste grupo de jovens se deram com e sem o apoio da universidade em questão, nos mais diversos espaços, públicos e/ou privados da cidade e para além dos tradicionais canais institucionais. Assim como Costa (2016), Balsino e Freitas (2017), Groppo (2016) também faz uma abordagem a partir dos Novos Movimentos Sociais, mas com especificidades distintas: para tratar sobre as novas formas de participação não formais; a articulação entre os níveis micro e macro de participação; as temáticas identitárias (étnico-racial, de gênero, ecológica, cultural, etc.). Para o autor: Tal concepção valoriza sobretudo as novas formas de participação não-formalizada, a quebra da rigidez na divisão entre o público e o privado (publicizando e politizando questões outrora tratadas como tendo apenas “cunho privado”), a articulação entre os níveis micro e macro de participação, as temáticas identitárias (étnico-racial, de gênero, ecológica, cultural etc.) e a atuação cultural ou simbólica nas questões de poder e dominação presentes no cotidiano (tais como racismo, machismo, degradação ambiental etc.). Em geral, esta concepção destaca a informalidade ou a baixa formalidade da participação e dos coletivos auto-organizados, a possibilidade de se formar redes (articulando o micro e o macro), a fluidez da participação e das próprias organizações e a participação em diversas questões e coletivos (a “militância múltipla”).9

Na área das Ciências Sociais, o artigo Generación Hashtag. Los movimientos juveniles en la era de la web social, de Feixa, Fernández-Planells e Figueras-Maz (2016), estudiosos na área dos movimentos sociais juvenis pelo menos nas últimas três décadas, em especial Carles 9

Groppo, 2016, p. 847-848.

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Feixa, tratam sobre o espaço físico e o espaço virtual como um meio de manifestação, como pode ser analisado no quadro 7: Quadro 7. Generación Hashtag. Los movimientos juveniles en la era de la web social

Fonte: Elaboração própria

Além disso, sobre as identidades juvenis, conceituando-as como @, no momento histórico em que a comunicação online se dava prioritariamente por meio dos e-mails, e hoje, a juventude tratada como #. Há aqui uma aproximação daquilo que discutimos na Geografia como a expressão das territorialidades juvenis. E a territorialidade: [...] efetiva-se em distintas escalas espaciais variando no tempo através das relações de poder, das redes de circulação e comunicação, da dominação, das identidades, entre outras relações sociais realizadas entre sujeitos e entre estes com seu lugar de vida, tanto econômica como política e culturalmente.10

Na Sociologia, foi selecionado o artigo de Moreira e Lajtman (2015), que com a metodologia de uma pesquisa bibliográfica, tratam especificadamente sobre a relação entre o impacto que os atores sociais têm sobre as políticas públicas, como pode ser verificado no quadro 8:

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Saquet, 2009, p. 87.

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Quadro 8. Uruguay: socialmovementsdUringJosemUJica’sgovernment (2010-2015)

Fonte: Elaboração própria

As especificidades discutidas pelos autores são sobre movimentos sociais ocorridos no Uruguai, em que o povo interviu diretamente no processo de consolidação de políticas públicas (2010-2015), seja favorecendo ou colocando obstáculos à esta efetivação. Neste sentido, Moreira e Lajtman (2015) apontam que a participação juvenil, em certos casos, pareceu transbordar os partidos políticos. Sobre a identidade dos jovens participantes dos movimentos sociais tratados neste trabalho, apontam que: são jovens mais politizados e com maior confiança nos canais partidários que impulsionaram as mobilizações em relação aos novos direitos. Nas Ciências Sociais, Oliveira, Ayres, Hansen e Borba (2016) discutiram sobre em que medida a participação online e offline influenciam a participação política dos jovens. Na online, constataram, que há uma maior disponibilidade de participação, e na modalidade offline nas chamadas modalidades não convencionais. A literatura tradicional, que se concentra no comportamento participativo dos cidadãos, classifica as atividades de participação pelo menos em duas frentes. De um lado, as chamadas ações ‘convencionais’, como: participar de discussões políticas, votar, trabalhar em campanhas eleitorais, ser membro ativo de partidos políticos, candidatar-se, ocupar cargos públicos, entre outros (MILBRATH, 1965; VERBA e NIE, 1972). De outro, as ditas formas de engajamento contestatório, ou seja, as atividades participativas vinculadas à

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XV Coloquio Internacional de Geocrítica Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista atuação nos movimentos de protesto, ou ‘formas não convencionais’ que envolvem exemplos como os boicotes, ocupações, abaixo-assinado, manifestações ou passeatas.11

E quando tratam das redes de participação daqueles que já estão engajados nos espaços offline na conduta online, indicam que “[...] por outro lado, a web também é capaz de mobilizar novos atores, principalmente através do [...] acesso a gama diversificada de informação”12. Alguns outros elementos podem ser verificados sobre este trabalho no quadro 9: Quadro 9. Política e juventude: participação política dos jovens do Sul do Brasil

Fonte: Elaboração própria

Neste estudo foi constatado que os jovens se preocupam mais com os problemas comunitários, que são mais concretos, segundo eles, do que com os aspectos nacionais, que são mais abstratos. Além disso, que as motivações individuais têm papel importante no engajamento político. Neste sentido, é interessante trazer as reflexões de Albagli (2004) acerca da territorialidade, a qual pode ser compreendida tanto no nível individual quanto no coletivo, em que “[...] no nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável”13 e, no coletivo “a territorialidade torna-se também um meio de regular as interações sociais e reforçar a identidade do grupo ou comunidade”.14 Na área da Psicologia, Mosqueira (2015), a partir de uma pesquisa etnográfica, trata sobre experiências de militância de jovens evangélicos da Argentina. A identidade desses jovens, ligados a questões religiosas são um fator importante para a participação política juvenil, segundo a autora, como pode ser verificado no quadro 10:

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Oliveira et al., 2016, p. 190. Oliveira et al., 2016, p. 193. 13 Albagli, 2004, p. 27. 14 Albagli, 2004, p. 27. 12

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XV Coloquio Internacional de Geocrítica Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista Quadro 10. “Redimir la política”: experiencias de militancia de jóvenes evangélicos de Argentina

Fonte: Elaboração própria

É possível remeter essas discussões ao que Medeiros (2009) trata sobre o território, que "[...] deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer, dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo, afetiva".15 E, na área da Geografia, o artigo selecionado foi o de Weissböck (2017), que trata sobre os movimentos sociais secundaristas de ocupação das escolas no Brasil, a partir de 2015, chamados de Primavera Secundarista. Estes movimentos, segundo a autora, emergiram sem líderes, de forma espontânea e sem partidos ou sindicatos em sua organização. Quadro 11. Territórios da Cidadania. os movimentos sociais juvenis no Brasil

Fonte: Elaboração própria

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Medeiros, 2009, p. 217.

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Segundo as pesquisas realizadas pela autora, desde novembro de 2015: [...] estudantes Brasil afora encabeçaram protestos com o objetivo de denunciar o sucateamento da educação, buscando chamar a atenção da opinião pública, mesmo enfrentando medidas autoritárias das mais diversas instituições políticas e de arte da sociedade civil: ocupando escolas! E concomitantemente, com a realização de rodas de debate, cronograma de atividades diferenciado e disposição para participar das ações autogestionadas, surgiu a Primavera Secundarista, que impulsionou os movimentos de ocupação, e contando com mais de mil escolas mobilizadas no Brasil.16

O foco esteve neste recorte temporal uma vez que compreende que há indícios de que estamos frente a um fenômeno com qualidades diferenciadas, que se intensificaram nos últimos anos tanto nacional quanto internacionalmente. Considera-se que quando versamos sobre movimentos sociais juvenis na atualidade é imprescindível que consigamos analisa-los à luz de teorias que tratem sobre as especificidades do mundo e que esses jovens estão inseridos. Para Pinto (2014), é importante que tenhamos como princípio analítico de “[...] que são movimentos liderados por jovens, que tenderam nas últimas décadas estarem bastante afastados da política”.17 Ao mesmo tempo em que a territorialidade expressa a luta pela manutenção da identidade, e, que: [...] representa uma forma específica de ordenação territorial. Pois uma coisa está imbricada na outra de forma a dar unidade aos contrários que dão movimento ao processo da formação das identidades territoriais. Pois que, o fato de um indivíduo estar num determinado lugar e em um determinado tempo, faz com este mesmo indivíduo participe de redes de sociabilidade que lhe permite construir seus referenciais com o qual ordena o mundo.18

A identidade, neste sentido, não é algo posto, mas um “processo (identificação em curso), que se dá por meio da comunicação com outros atores (diálogo e confronto). A territorialidade é expressão deste processo no cotidiano dos atores sociais”.19 A territorialidade, portanto, é um valor bem particular e que remete à multidimensionalidade de viver o territorial. Considera-se que essas múltiplas dimensões se relacionam ao “vivido” territorial dos sujeitos de uma coletividade e, este “vivido” é mediatizado, simétrica e dissimetricamente, com a exterioridade. A territorialidade pressupõe a alteridade, ou seja, o homem social interage e interdepende do outro. As territorialidades, acima do plano concreto do território, “em escalas capazes de delinear o particular e o individual, apresentam o real e o representado sobre o território, e uma perspectiva sobre a gestão, a organização, a distribuição das práticas das sociedades”.20

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Weissböck, 2017, p. 197. Pinto, 2014, p. 138. 18 Souza e Peron, 2007, p. 135. 19 Souza e Peron, 2007, p. 135. 20 Silva, 2006, p. 150. 17

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Complementarmente, Albagli (2004) afirma que a territorialidade se refere “[...] às relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas – uma localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico”.21 E quando pensamos em coletividade como característica da territorialidade, questão verificada nas pesquisas aqui analisadas, pode-se indicar que: A territorialidade é um fenômeno social que envolve indivíduos que fazem parte do mesmo grupo social e de grupos distintos. Nas territorialidades, há continuidades e descontinuidades no tempo e no espaço; as territorialidades estão intimamente ligadas a cada lugar: elas dãolhe identidades e são influenciadas pelas condições históricas e geográficas de cada lugar.22

Além disso, a territorialidade é condicionada, segundo Albagli (2004), “por normas sociais e valores culturais, que variam de sociedade para sociedade quanto de um período para o outro”.23 Partindo desses mesmos pressupostos, Souza24 afirma que a territorialidade, no singular, remete “a algo extremamente abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é, relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial”, e ainda ao sentimento de “pertencer àquilo que nos pertence”. Neste sentido, é importante que compreendamos que a territorialidade não é sinônimo, para Albagli (2004), de “raízes territoriais” uma vez que é “transportável e dinâmica, como no caso de migrantes que se apropriam de novos territórios e reconstituem suas identidades territoriais em novos espaços”.25 A territorialidade reflete o vivido territorial em suas múltiplas dimensões.

Considerações finais Quando nos detemos a analisar os movimentos sociais juvenis não há como excluí-los a discussão de território e de territorialidade, mesmo que não seja o centro conceitual de dado trabalho. Nas pesquisas selecionadas a este estudo, é possível inferirmos que mesmo sendo de áreas distintas e, portanto, com discussões conceituais características das suas áreas, quando as analisamos sob a luz da ciência Geográfica, é possível vislumbrar os confeitos de território e de territorialidade perpassando as discussões. É imprescindível reforçar que a territorialidade de um jovem é constituída pelo conjunto daquilo que ele vive cotidianamente, seja das relações com o trabalho ou o não-trabalho, com a família, a escola, a igreja, o clube etc. Além disso, há que se compreender esta territorialidade considerando tudo aquilo que a construiu, os lugares em que ela se desenvolve e os ritmos que ela implica. Há o interno à territorialidade e o externo a ela (neste caso o externo como sendo o imposto pelos atores não jovens). 21

Albagli, 2004, p.27. Saquet, 2009, p. 88. 23 Albagli, 2004, p. 29. 24 Souza, 1995, p. 99. 25 Albagli, 2004, p. 29. 22

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Conscientes das especificidades de cada movimento social juvenil, das heterogeneidades e homogeneidades, inclusive no seu interior, considera-se que, independente das especificidades territoriais, dos sistemas econômicos, culturais e políticos dos quais esses movimentos emergem, todos os grupos envolvidos têm em seu interior uma territorialidade política juvenil que os une quando os objetivos são o de manifestar-se em prol de algo que acreditam. Compreende-se que esses jovens vão continuar a lutar, debater, evoluir, e que uma questão relevante a se avaliar é o significado de um dado movimento social no que diz respeito a produtividade histórica e social de sua prática, bem como o efeito sobre os participantes como pessoas e sobre a sociedade que buscaram transformar.

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