REVISÃO DA LITERATURA

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Princípios Neuromusculares na Odontologia, Trajetória de Fechamento Habitual Coincidente com a Trajetória de Fechamento Neuromu

Author Helena Ferretti Macedo

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REVISÃO DA LITERATURA

Princípios Neuromusculares na Odontologia, Trajetória de Fechamento Habitual Coincidente com a Trajetória de Fechamento Neuromuscular Neuromuscular Principles in Dentistry, Habitual Trajectory Coincident with the Neuromuscular Trajectory Lidia Graciela YAVICH* YAVICH, L.G. Princípios neuromusculares na Odontologia, trajetória de fechamento habitual coincidente com a trajetória de fechamento neuromuscular. JBA, Curitiba, v.2, n.6, p.101-111, abr./jun. 2002.

O principal objetivo de qualquer terapia na Odontologia é tratar os três componentes do sistema estomatognático para criar um ambiente em que exista uma função sinérgica dos dentes, a articulação temporomandibular e o sistema neuromuscular. Quando o sistema esquelético está em desarmonia com o sistema neuromuscular, os músculos do rosto e mandíbula ficam numa posição de tensão não natural, tanto em repouso quanto em dinâmica. Quando a mandíbula precisa entortar-se ou fazer movimentos de torque para conseguir juntar os dentes, os músculos são colocados em um estado de contração constante, provocando espasmos musculares. PALAVRAS-CHAVE: Trajetória habitual; Trajetória neuromuscular; Posição de repouso.

INTRODUÇÃO

A trajetória de fechamento é o percurso realizado durante o deslocamento da mandíbula, quando esta passa de sua posição de repouso (PRM) à posição de oclusão habitual. Essa trajetória é o resultado dos diversos vetores de contração muscular, os quais determinam uma linha de deslocamento mandibular, que leva a mandíbula a uma posição de contato com seu antagonista. Esse eixo ou trajetória de fechamento deve coincidir com os padrões neuromusculares que a originam, já que, não sendo assim, estaríamos em presença de uma discrepância oclusoneuromuscular, que trará desequilíbrios funcionais correlacionados, tanto locais quanto a distância (LEARRETA, por editar). Utilizando um cinesiógrafo computadorizado K6 (Diagnostic Sistem da Myotronics-Noromed) ou Bio-Pack (Bioresearch), é possível reconstruir os movimentos mandibulares nos três planos espaciais. Na Figura 1 a trajetória neuromuscular medida após a desprogramação com

* Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial; Curso de patologias das articulações temporomandibulares com o Professor Dr. Jorge A. Learreta, Diretor da Especialização em Patologias da Articulação Temporomandibular/Universidade Católica de Salta-Argentina; Membro da F.O.R (Foundation for Orthodontic Research); Palestrante convidada no Curso de Especialização de disfunção da Articulação Temporomandibular/Universidade Católica de Salta – Argentina; Rua Casimiro de Abreu, 1146, Bela Vista CEP 90420-000, Porto Alegre, RS; e-mail: [email protected]

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o Tens (estimulação neural transcutânea) não coincide com a trajetória habitual, tendo uma discrepância no sentido sagital, frontal e vertical. A trajetória habitual é posterior à trajetória neuromuscular. É importante ter claro que o preço desta acomodação sempre vai ser pago pelos músculos, dentes ou

articulação. Estes instrumentos permitem-nos avaliar os movimentos de abertura, fechamento, oclusão, lateralidade, assim como a posição de repouso e as funções de deglutição e mastigação. A perda do suporte vertical dentário freqüentemente resulta em uma deflexão posterior da mandíbula e em uma perda da dimensão vertical.

1- Posição de Repouso Mandibular (PRM) 2- oclusão habitual 3-trajetória habitual 4- trajetória neuromuscular 5- oclusão miocêntrica FIGURA 1: Registro sagital e frontal com cinesiógrafo K6 Diagnostic Sistem (JANKELSON).

FIGURA 2: Registro da Posição de Repouso Mandibular (PRM). 102

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FIGURA 3: Início da trajetória habitual.

FIGURA 4: Trajetória habitual.

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TRAJETÓRIAS NÃO COINCIDENTES

FIGURA 5: Registro terminado mostrando a discrepância da trajetória habitual com a neuromuscular.

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B FIGURA 7: Vista oclusal superior e inferior. Note-se o extensivo desgaste das peças dentárias.

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FIGURA 6: Paciente bruxômano, vista frontal, lateral direita e esquerda.

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Ao mesmo tempo, um padrão de fechamento habitual, que é distal à guia neuromuscular de fechamento, convida à sintomatologia, já que os côndilos são deslocados distalmente numa zona do disco articular que não está preparada para carga. Na laminografia inicial (p6), observa-se deslocamento posterior do côndilo mandibular direito na cavidade articular com conseqüente diminuição do espaço articular

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FIGURA 8: Laminografias iniciais do paciente: A original e B colorida.

posterior deste lado quando a mandíbula se encontra em posição de intercuspidação máxima. Notar na ressonância magnética da articulação direita

o deslocamento do côndilo, que está diretamente apoiado no ligamento retrodiscal. O principal objetivo de qualquer terapia na

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FIGURA 9: Ressonância da ATM direita do paciente: A original e B colorida.

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FIGURA 10: Ressonância da ATM esquerda do paciente: A original e B colorida.

Odontologia é tratar os três componentes do sistema estomatognático para criar um ambiente em que exista uma função sinérgica dos dentes, a articulação temporomandibular e o sistema neuromuscular. Sempre se falou da importância do equilíbrio muscular durante a função, mas, na realidade, existem dois momentos nos quais o equilíbrio muscular é fundamental. Um desses momentos ocorre durante as funções orais e o outro, não menos importante, ocorre durante a posição da mandíbula em repouso 106

(LEARRETA, por editar). No passado, a limitação tecnológica restringiu o profissional a protocolos limitados de diagnóstico. A oclusão habitual existente é freqüentemente uma relação da mandíbula para com o crânio, que está muito longe de ser ótima. Portanto, o diagnóstico feito em modelos intercuspidados ou simplesmente em uma cefalometria radiográfica nesta posição é um reflexo da acomodação patológica dos músculos do paciente. É fundamental a reprodutibilidade da posição de

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repouso muscular verdadeira, num estado de mínima atividade muscular (JANKELSON, 1984). Perry reconheceu o potencial de utilizar a posição de

repouso como um diagnóstico referencial. Com a evolução tecnológica, a eletromiografia e a cineseografia podem ser usadas dentro de todo um pro-

ANTES DA ESTIMULAÇÃO TRANSCUTÂNEA

ELETROMIOGRAFIA EM REPOUSO APÓS A ESTIMULAÇÃO TRANSCUTÂNEA

ELETROMIOGRAFIA EM REPOUSO FIGURAS 11 e 12: Registros eletromiográficos do paciente antes e depois do tens.

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tocolo clínico que permite que os profissionais tenham uma referência de diagnóstico nos modelos e na cefalometria desde uma posição neuromuscular de repouso e normalidade temporomandibular. A conseqüência do bruxismo pode incluir desgaste dental excessivo, dores musculares craniofaciais, destruição de trabalhos restauradores, alterações articulares degenerativas, desarranjo do disco articular, hipertrofia muscular, alterações auditivas. Analisando este último parágrafo, precisaríamos nos perguntar se esses sintomas são conseqüências do bruxismo ou algumas das causas iniciadoras, a eterna pergunta: “O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?”. Cada componente do sistema estomatognático tem uma tolerância estrutural específica que pode ser considerada como tolerância fisiológica. A tolerância estrutural é influenciada por fatores como forma anatômica, trauma prévio, assimetrias estruturais, condições locais dos tecidos, bem como por condições sistêmicas. Os dentes, as articulações temporomandibulares e os músculos podem refletir sinais particulares e sintomas relativos a um colapso. O clínico deve identificar as predisposições clínicas e patologias atuais e interceder quando é indicado, antes

que colapsos maiores ocorram. A hiperatividade neuromuscular resulta em um anormal uso e posicionamento dos dentes. O objetivo do especialista é restaurar o sistema mastigatório para uma situação de autopreservação. Para isso, um calmo ambiente neuromuscular deve ser criado para não perpetuar a autodestruição. Através de registros eletromiográficos e cineseográficos, é posivel determinar uma relação mandibular miocêntrica, a partir da qual poderemos iniciar nossos procedimentos para reabilitar todo o sistema, dentes, músculos e articulação temporomandibular. É fundamental conhecer a história para não voltar a cometer os mesmos erros. Isso é válido para o diagnóstico, se não entendemos o que aconteceu com o sistema, as mesmas causas que iniciaram a patologia, continuaram os processos destrutivos nas nossas restaurações, ao invés de nos dentes naturais. Estaríamos mudando uma casa para um terreno que não está preparado para dar sustentação a uma construção. Observe-se na articulação temporomandibular direita com uso da ortose construída em cêntrica neuromuscular a descompressão póstero-superior; o côndilo se localiza

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FIGURA 13: Paciente vista frontal, lateral e boca aberta utilizando a ortose.

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FIGURA 14: Laminografias com ortose do paciente: A original e B colorida

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FIGURA 15: Ressonância da ATM direita do paciente: A original e B colorida.

na parte posterior do disco. É importante ressaltar que, neste caso, não se fala de recaptura do disco, mas sim de uma reposição fisiológica dos côndilos mandibulares em equilíbrio com a musculatura, onde a trajetória habitual e neuromuscular são coincidentes. É fundamental ter em conta como evoluem os estados patológicos, um côndilo apoiado nos tecidos retrodiscais é o primeiro passo para uma luxação discal. Dr. Learreta acrescenta que realmente não se trata de uma luxação discal, mas de uma luxação dos ligamentos, já que é o ligamento que luxa. É

importante remetermos ao trabalho editado pelo Journal de Radiologie,1999,v.80,p.1543-1554, Disorders of the temporomandibular joint: value of gradient-echo t1w sequences to evaluate bony change (SARRAT, CHEYNET, CHOSSEGROS, ORTHLIEB, PHILIP, CARRASSET, BAYLE). O trabalho introduz o conceito de desunião côndilo discal em três graus. As mudanças neste caso estão na posição do côndilo. A instrumentação permite medir o estado muscular antes e depois da desprogramação. Permite registrar os

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FIGURA 16: Ressonância da ATM esquerda do paciente: A original e B colorida. 110

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movimentos mandibulares e controlar a nossa terapêutica. Verificando, por exemplo, se a trajetória neuromuscular e a habitual são coincidentes, podemos também medir o espaço livre interoclusal. Permite, além disso, comprovar realmente se a musculatura está trabalhando simetricamente quando necessário e em forma antagônica, de acordo com a tarefa requerida, com o mínimo esforço. Lembremos o fato muito importante de que nesses

casos a dor é só um dos dados que podemos avaliar pelo relato do paciente. Se um dispositivo intrabucal só alivia a compressão, mas não equilibra os músculos em todas as funções do sistema, estaremos trasladando uma patologia dos dentes, por exemplo, para uma placa.

FIGURA 17: Registro cineseográfico com a ortose colocada. Note-se a coincidência da trajetória neuromuscular com a habitual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a partir de um calmo ambiente neuromuscular que devemos iniciar nossos trabalhos restauradores, em todas as especialidades da Odontologia. Novamente, a habilidade de posicionar espacialmen-

te a mandíbula através da medição do comprimento de repouso dos músculos mastigatórios se torna uma premissa fundamental.

YAVICH, L.G. Neuromuscular principles in dentistry, habitual trajectory coincident with the neuromuscular trajectory. JBA, Curitiba, v.2, n.6, p.101-111, abr./jun. 2002.

The ultimate goal of any therapy in dentistry is to treat the three components of the stomatognathic system, to create an environment for the synergistic function of teeth, temporomandibular joints and neuromuscular system. When the skeletal system is in disharmony with the neuromuscular system, the muscles of the face and mandible are in a position of unnatural tension, in rest and in dynamics. When the mandible needs to twist or make torque movements to assemble the teeth together, the muscles are in a constant state of contraction, provoking muscular spasms. KEYWORDS: Habitual trajectory; Neuromuscular trajectory; Rest position.

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