Souza Docca e o processo histórico platino e rio-grandense *
Luiz Henrique Torres (FURG, Brasil)
Um dos enfoques centrais presentes na produção historiográfica de Emílio Fernandes de Souza Docca está relacionado com o sentido da formação histórica platina e rio-grandense e suas interelações políticas. Estes enfoques estão presentes nas abordagens sobre a construção da identidade luso-brasileira no sul do Brasil e na brasilidade que movimentou atores sociais. O espaço platino enquanto fronteira situada entre a formação espanhola e portuguesa, evidenciou para Docca uma tensa relação de conflitos diplomáticos, bélicos e culturais que acabaram por convergir para uma historicidade ligada à metafísica da brasilidade. A interpretação ligada à tendência historiográfica luso-brasileira pode ser desvelada, ao realizarmos o recorte de duas temáticas presentes na produção do autor: as missões jesuítico-guaranis e a guerra do Paraguai. A formação histórica sob o prisma luso-brasileiro foi desenvolvida sistematicamente por vários autores a partir da década de 1920 (TORRES, 1998). Segundo esta visão, a formação riograndense não comporta influências marcantes de origem espanhola ou alheias a lusitanidade. A diretriz foi demonstrar que o Rio Grande do Sul é legitimamente marcado pela formação portuguesa e desde os primórdios foi antagônico aos interesses castelhanos. Com variações na abordagem, dando maior destaque a certos agentes da nacionalidade como os açorianos ou bandeirantes, ou até admitindo a importância das atividades desenvolvidas pela Companhia de Jesus, a linha condutora dos estudos está orientada pelo pressuposto de um vínculo indissociável com a lusitanidade e a exclusão de outras interpretações históricas. Apesar das diferenciadas abordagens, o índio missioneiro foi associado aos interesses espanhóis e anti-lusitanos, resistindo a edificação inexorável do universo luso-brasileiro. Os conflitos platinos são interpretados à luz da expansão civilizatória lusitana que representava a ordem, o equilíbrio social e político, frente ao caos do espaço público das repúblicas platinas. O historiador-militar Emílio Fernandes de Souza Docca (1884-1945), compartilha de uma posição fundamentada no preconceito étnico, acreditando no caráter eminentemente português da formação histórica do Rio Grande do Sul. O lusitanismo leva o autor a afirmar que “somente o português, pelo seu nacionalismo acentuado, pela ausência, em sua mentalidade, de preconceitos raciais, pela sua notável capacidade de resistência e de adaptação: era capaz de formar, como formou, uma nação sob o equador” (Docca, 1939:5). As imposições nativistas e patrióticas nos tornaram um desdobramento da nação lusitana, através de sua índole, de seus usos e costumes, de seu culto e de sua língua. O confronto entre Portugal e Espanha na fixação de fronteiras foi fundamental na formação da sociabilidade, pois foi o inimigo externo que “criou entre os nossos maiores o espírito de solidariedade e que os fez sentir e amar a Pátria”(Docca, 1939:5). Em 1940, Souza Docca publica Gente sul-rio-grandense, onde insiste em dois fatores formadores da nacionalidade: o critério e a cautela utilizadas pelo governo lusitano para povoar o território rio-grandense e o ânimo patriótico e desprendido de sua nobre gente. Essa veia nobre e
patriótica, teve início com os homens que acompanharam Silva Paes na fundação do presídio de Jesus-Maria-José:
foram estes elementos formadores da massa popular rio-grandense, sendo a elite constituída pelos oficiais dessas tropas, pelos estancieiros lá domiciliados antes da ocupação. Esse núcleo foi aumentado pelos elementos portugueses, que para lá afluiu espontaneamente e pelos casais de número (Docca, 1940:654) O espírito militar legado por esses elementos, é um fator de sociabilidade e contribui para a formação da mentalidade brasileira da gente sul-rio-grandense. Os colonizadores lusitanos são robustos, morigerados, econômicos, com verdadeiro culto pela honra e trabalhadores; já os paulistas são dotados de magníficas virtudes e apreciáveis qualidades (Docca, 1940:669-79). Quanto aos açorianos, alia-se a postura de João Borges Fortes no louvor a estes colonizadores. Para Souza Docca, como o elemento predominante era o açoriano “com isso só tivemos a ganhar sob o ponto de vista moral e físico”. As mulheres açorianas “eram em geral belas, esbeltas, virtuosas, inteligentes, de olhos castanhos de extrema vivacidade e de grande meiguice. Muitas eram de tez alvíssima e de olhos azuis, a denunciarem a descendência flamenga dos povoadores dos Açores”. Quanto aos homens “eram afeitos ao trabalho, sem grandes predileções pelo serviço das armas, o que, entretanto, não impediu que fossem excelentes soldados disciplinados e valentes” (Docca, 1954:.823). É no horizonte geográfico da Capitania que todos os valores morais e virtudes destes açorianos puderam expressar-se em plenitude. O tipo sul-rio-grandense é constituído, além dos açorianos, pelos brasileiros de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Posteriormente, houve a “preciosa contribuição do sangue alemão e cinqüenta anos depois foi o elemento ariano reforçado pela contribuição italiana, apreciável pelo número e pela qualidade” (Docca, 1954: 82). Destaca com satisfação que o coeficiente ariano da população é calculada em 85%. O indígena é utilizado como um referencial de comparativo para demonstrar a completa inferioridade do negro, afinal, o autor legitima o caráter ariano da formação étnica rio-grandense afirmando que o sangue indígena mesmo não tendo atingido o coeficiente verificado no nordeste do Brasil, foi no Rio Grande do Sul superior ao do negro, “a prova disso temo-la no fato de que em nosso estado o número de caboclos é mais elevado que o de mulatos”(Docca, 1954: 80). Enquanto o negro é corrupto e sensual, o índio possui qualidades que o diferenciam daquele, como o trabalho e o espírito de liberdade. O negro na condição de escravo, está 1
resignado ao trabalho forçado e a apatia pela liberdade. Ao contrário, o índio defendia sua liberdade sendo classificado pelo Autor em dois grupos principais: os charruas e minuanos, guerreiros que contribuíram como mão-de-obra nas estâncias; tapes, cuja docilidade permitiu sua catequese pelos jesuítas, porém, para infelicidade desses índios, defenderam interesse anti-lusitanos: Os habitantes primitivos do Rio Grande do Sul como o indígena americano em geral, salientavam-se pela altivez e daí a dificuldade, a repugnância com que se *
Professor no Departamento de Biblioteconomia e História da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Doutor em História do Brasil. 1 O comentário ligado a apatia e a resignação do negro, não encontra respaldo na historiografia recente do escravismo. Como exemplo ver: Anais do I Simpósio Gaúcho sobre Escravidão Negra. Estudos ibero-americanos. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, v. XVI, nº 1-2, 1991.
integravam na civilização dos invasores, a quem olhavam sempre como intrusos. Tinham os charruas e minuanos entranhado amor as lides campeiras e um verdadeiro culto pela vida livre, independente. Como conseqüência disso, a facilidade com que se agregaram as estâncias: primeiro, arredios, taciturnos e depois, especialmente a partir de seus filhos aí nascidos, alegres e mais comunicativos com os seus colegas de outras raças dotados, porém, ainda de desconfianças e sumamente reservados. Sobrepujavam ao negro em qualidades morais. Não aceitavam o servilismo com resignação. Como trabalhadores não eram, pelo menos no Rio Grande do Sul provaram não o serem, inferiores ao negro, como acreditavam alguns dos nossos sociólogos. O esplendor das Missões Orientais, onde foi pela primeira vez fundido o ferro no Brasil e onde os únicos operários eram os indígenas, prova a capacidade destes para o trabalho em geral! A vida intensa de nossas estâncias, em progresso crescente, cujos peões eram quase em sua totalidade indígenas ou seus descendentes, atestam o labor profícuo desses obreiros constantes e prestimosos de nosso progresso (Docca, 1954:79). Enquanto na estância o indígena é instrumento do progresso, nas missões ele contribui para a desorganização do universo lusitano, o qual constitui na única possibilidade colonizatória. Apesar de acreditar que o regime adotado pelos jesuítas é o melhor para reduzir o selvagem americano e integrá-lo na civilização, Souza Docca afirma que os jesuítas eram espanhóis e o índio missioneiro reproduzia esses interesses anti-portugueses. Quanto aos jesuítas, denuncia a obsessão pelo enriquecimento da Ordem e o desejo desmedido do predomínio desta. Os padres, pretenderam formar um Estado independente isolando os índios da civilização. “Muito contribuiu para isso o governo espanhol, dando-lhes autorização para fundarem aldeamentos de aborígenes isentos das autoridades civis e militares” (Docca, 1954: 44-5). O autor desconhece que as missões devem obediência ao rei da Espanha, ao Papa e a autoridades administrativas coloniais. Essa informação está divulgada na obra de Carlos Teschauer em 1918. Utilizando conceitos como Estado à parte e regime comunista puro, Docca faz uma série de observações sem fundamento frente a experiência histórica missioneira. A mentalidade dos aborígenes aldeados pelos missionários nos Sete Povos, “era profundamente jesuítica, isto é, adstrita aos interesses da Ordem e, entre interesses estava a simpatia pela Espanha e ódio a Portugal” (Docca, 1940:678). A presença de jesuítas e espanhóis não passou de uma “influência exótica” , insistindo que o Rio Grande do Sul “não nasceu castelhano e não teve, por isso, origem espanhola” (Docca, 1940: 677). Sintetizando as posições do autor sobre a presença missioneira, é possível destacar três aspectos: a) a ação civilizadora dos jesuítas na região missioneira e o progresso que introduziram, não contribuiu para a formação social nem foi útil ao desenvolvimento cultural e econômico; b) a obra dos jesuítas e a política de Castela, contrários ao predomínio português e a formação da sociedade rio-grandense, obrigou os colonizadores a se unirem para a defesa comum firmando um bloco homogêneo e sólido; c) a população rio-grandense não teve origem nas missões fundadas pelos jesuítas e, sim nas estâncias estabelecidas ao longo do litoral, por lusitanos e brasileiros que daí se estenderam para o centro do território pela Lagoa dos Patos, rio Jacuí e nos acampamentos que deram origem a muitas cidades. Em torno desses estabelecimentos gravitava o espírito português, o nacionalismo brasileiro,
o amor e a defesa dos pagos, enquanto, nas missões orientais, predominava o espírito jesuítico, pregando simpatia à Espanha e ódio a Portugal (Docca, 1954: 134-6). O confronto de interesses entre Portugal e Espanha, é o elemento definidor da incorporação ou descartamento da população indígena e missioneira da história rio-grandense. Os índios das missões são apreciados na condição de representantes dos interesses espanhóis, devendo ser combatidos para garantir a lusitanidade; os charruas, são caracterizados como indomáveis, altivos e orgulhosos, não submetendo-se a catequese jesuítica de orientação espanhola e, com o surgimento das estâncias, foram espontaneamente se agregando e incorporando pelo cruzamento a população fronteiriça (Docca, 1954: 76). Portanto, os charruas teriam contribuído para a supremacia do sangue ariano. A estância ocupa um papel central na ordem da sociedade colonial enquanto centro de econômico e social, disciplinando e solidarizando os membros da sociedade em formação. É na estância que se constitui o patriciado rio-grandense, o grupo dirigente que se impõe pela ascendência moral num clima de liberdade e democracia na prática das lides campeiras (Docca, 1954:131-2). Este clima de liberdade e democracia que configura o patriciado rio-grandense não regia o cotidiano dos vizinhos platinos. O caos gerado pelas atividades caudilhescas é analisado por Docca no livro Causas da Guerra com o Paraguai. Conforme José Paulo Ribeiro que redigiu o prefácio deste estudo sobre o conflito de 1865, Souza Docca “põe em relevo as causas capitais que forçaram o governo imperial aceitar a luta. Nem outra poderia ser a conduta do governo de então. Sistematizando a ordem documental, analisando as provas consistentes dos documentos e informações que perduraram, a questão vem elucidada, e o autor, por sua vez chega a feliz conclusão de seus raciocínios demonstrando, à luz da verdade histórica, não ter sido o governo imperial o provocador da guerra com o Paraguai, nem tão pouco o responsável”. (Docca, 1919: 10). Para José Paulo Ribeiro, Souza Docca em seu estudo, comprovou que o Brasil promoveu, com o extermínio do tirano Solano Lopez, uma purificação de suas inspirações belicosas pois depois da luta terminada o Paraguai, “tornou-se uma república livre, emancipada do jugo dos déspotas que a infelicitava. Pela conduta do governo monárquico triunfante, mostrando-se magnânimo para com a república vencida, concorrendo para a reconstrução, organização e soberania da mesma, conclui-se que ele obedeceu ao curso das causas que o impeliram a castigar o ousado provocador, mas colocando a aludida república ao lado das suas irmãs livres, no concerto do progresso e da cultura das nações sul-americanas (...) O Brasil Império contribuiu eficazmente, para o desaparecimento de duas tiranias que flagelavam duas nacionalidades da América Latina”. (Docca, 1919: 11-12). A guerra do Paraguai surge como uma lição de civismo, como um exemplo moral aos demais povos americanos pois o melhor serviço que “podemos prestar a nossa pátria ao registrar-lhe os acontecimentos, é o fazer de animo seguro e à luz serena e brilhante da verdade, que como um sol radioso e lindo deve iluminar sempre a consciência de quem escreve, para que assim possa, sem preocupações subalternas, mostrar aos que estudam e transmitir à posteridade a essência dos acontecimentos”.(Docca, 1919:2-3).
O conflito no Paraguai foi motivado pela atuação dos homens que se acharam à frente do governo do Estado Oriental do Uruguai de 1861-64 e como “causadores conscientes e incitadores insinuantes”, foram os responsáveis por esse “tremendo e memorável conflito, em que o insano, presumido e ambicioso Francisco Solano Lopez representou um negregado papel, pela maneira satânica e perversa com que se houve para provocar a luta e durante o decurso desta, longo, sangrento e penoso, - e porque foi ao mesmo tempo causador, provocante e autor, deve por isso ser considero como o maior réu do grande crime que foi aquela guerra”. (Docca, 1919, 5). O tirano Solano Lopez e políticos uruguaios foram os provocadores de um conflito que o Império brasileiro buscava evitar, pois a este repugnava a guerra suportando com “estoicismo o gravame de afrontosas vexações. Dessa política de excessiva tolerância, de verdadeira longanimidade, resultou, não nos cansaremos de repetir, sermos considerados pelos nossos vizinhos como um povo sem energia e valor – mas começa porém a guerra e verificam o terrível engano em que viviam, por esquecimento do passado” (Docca, 1919, 103). O Paraguai do tempo de Solano Lopez, é relacionado a um ser vivo destituído de vontade própria: “movia-se ao talante do ditador, cujas ordens cumpria com rigorismo, enfrentando os mais duros sacrifícios, lutando com os maiores obstáculos (...) Essa confiança e dedicação únicas, infinitas, tiveram a virtude de elevar muitas vezes o soldado paraguaio as raias do heroísmo; mas é inegável que tiveram também o poder diabólico de o fazer, outras tantas vezes, descer até a bestialidade.”
Estava
ausente
qualquer
consciência
nacional
pois
Lopez
dominava
“discricionariamente no temporal e espiritual; sua vontade era como um decreto divino que devia ser cumprido a risca, sem vacilações” (Docca, 1919: 195-7). Ao referir-se a influência jesuítica no Paraguai, Docca, ao citar Oneto y Viana, comunga com as idéias deste autor referente aos fatores da mentalidade paraguaia no período do conflito militar. Fatores ligados a tradição jesuítica, a ignorância colonial estendida por todo o território da província ao longo das tiranias de Francia e Carlos Antonio Lopez, as quais haviam rebaixado o nível moral e político dos paraguaios ao ponto desse povo constituir uma miserável nação, que não pensava nem sentia, nem era capaz de um só ato de vontade própria.(Docca, 1919:198). Outro autor citado por Docca para sintetizar sua visão referente a presença missioneira no Paraguai é Martin de Moussy em seu livro Descrição Geográfica e Estatística da República Argentina: “Na época da guerra o Paraguai apresentava o mesmo aspecto em que o deixara as missões jesuíticas. Não era outra coisa que uma imensa comunidade, uma vasta encomienda em a qual Lopez e os seus eram os mayordomos, com a diferença de que os membros da comunidade não eram alimentados, nem vestidos e não tinham parte alguma nos benefícios gerais”. (Docca, 1919:198). Delimitada a imagem do inimigo ligado a belicosidade e a tirania, Docca acredita que não poderia o Brasil deixar de reagir a série de ultrajes recebidos. Assim procedendo os nossos antepassados “cumpriram com um sagrado dever, castigando o inimigo em luta formidável é verdade, mas franca e leal, e por isso nenhum remorso ou arrependimento devemos ter, porque a responsabilidade da guerra, segundo o judicioso conceito de Henrion de Pansey, não recai sobre quem a faz, mas sobre que a torna necessária”. Para ele, o povo que não se levanta para
“desafrontar os brios ultrajados de sua nacionalidade e garantir e fazer respeitar a integridade do solo pátrio, a vida de seus filhos, a honra de seus lares – é um povo de degenerados, de pusilânimes, que envergonha a espécie humana e que deve desaparecer do concerto universal, assim como não deve figurar no convívio dos homens aquele dentre eles que não tiver hombridade para repelir uma ofensa injuriosa, nem energia para defender a honra de sua esposa, a candura de suas filhas, a pureza de suas irmãs. Quem não sabe defender a pátria é incapaz de defender o lar”. O direito de defesa frente a agressão externa, é um dos mais sagrados dos direitos, e dele usando, “nos levantamos com as armas na mão para repelir a provocação e o ataque simultâneo, vindos do Paraguai, movidos pela ambição e sonhos de conquista de Solano Lopez, fortemente induzido a essa aventura por uma aventureira caprichosa mulher e pelo governo de Montevidéo que, colocando os interesses partidários acima dos deveres pátrios, se abalançou a oferecimentos inomináveis, que muito contribuíram para precipitar o ditador a tomar a resolução temerária de provocar e iniciar criminosamente a guerra”. (Docca, 1919, 224-5). Frente aos fatores que motivaram o conflito, o historiador acredita que a atuação dos agentes externos, cuja formação histórica não estava fundada na solidez do equilíbrio luso-brasileiro, foram os princípios motivadores da eclosão do grave conflito sul-americano que deixou um fundamental legado aos brasileiros: “não temos idolatria por personagem algum, nem nos cegam paixões políticas – acima de tudo colocamos o nosso amor pela verdade e um sincero e fervente mas refletido culto pelos nossos grandes homens” (Docca, 1919: 150). Docca acreditava que a história do Rio Grande do Sul estava diretamente ligada à história militar brasileira. Ele defendeu a intervenção militar na Banda Oriental, acreditando que um povo ainda não de todo integrado na civilização, como os habitantes do atual Uruguai nas primeiras décadas do século XIX, deveriam curvar-se à política expansionista luso-brasileira que expressou um ato legítimo, histórico e moral. Implementava-se a doutrina das fronteiras naturais e justificava-se a intervenção imperialista no Prata. Discordava polemicamente de posturas platinistas e de referenciais separatistas para explicar a formação histórica rio-grandense, como é caso do movimento farroupilha, que é interpretado como brasileiro e não provincial, descaracterizando desta forma as motivações regionais que estariam submetidas pela convergência ao projeto nacional. O historiador “imbuído de sentimentos patrióticos, altamente nacionalistas, respondia àquele momento do Brasil pós-1930, em sua trajetória para uma grande nação. Clamando bem alto a necessidade da unidade, atrelava o Rio Grande do Sul ao Brasil, e desse emergia a história sulina” (GUTFREIND, 1992: 64).
Referências Bibliográficas
DOCCA, Emílio Fernandes de Souza. Causas da Guerra com o Paraguai. Porto Alegre: Americana, 1919. _______. As forças armadas na formação e defesa da nacionalidade. Rio de Janeiro: Oficina do Estabelecimento Central de Material de Intendência, 1939, p. 5. ______. Gente sul-rio-grandense In: Anais do III Congresso Sul-Rio-Grandense de História e Geografia. Porto Alegre: Globo, 1940, vol. II, p. 654. ______. História do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1954, p. 82-83.
GUTFREIND, Ieda. A Historiografia Rio-Grandense. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1992. MOUSSY, Martin de. Descrição Geográfica e Estatística da República Argentina. Buenos Aires: s.n., s.d., vol. III. ONETO Y VIANA. La Diplomacia del Brasil en el Rio de la Plata. Montevidéo, s.n., 1903, p. 22. TORRES, Luiz Henrique. Brasilidade e antagonismo: a tendência historiográfica luso-brasileira (1927-57). Rio Grande: Fundação Universidade do Rio Grande, 1998, p. 140.