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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.510.697 - SP (2011/0229492-2) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): T

Author Andreia Mariana Sanches Galindo

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.510.697 - SP (2011/0229492-2) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por RICARDO MALUF, com esteio no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Noticiam os autos que o recorrente ajuizou ação de revisão de cláusula contratual combinada com consignação em pagamento contra UNIMED PAULISTANA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, alegando que as mensalidades do plano de saúde oferecido pela Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (CAASP), conveniada à operadora ré, sofreram reajustes abusivos. Requereu, por isso, a manutenção dos valores originais das contribuições com a incidência do indexador FIPE-SAÚDE a título de correção monetária. O magistrado de primeiro grau, com fulcro no art. 267, VI, do Código de Processo Civil (CPC), julgou extinto o feito sem julgamento de mérito sob o fundamento de ilegitimidade ativa ad causam , visto que "o contrato do autor é coletivo, ou seja, foi firmado entre a CAASP e a ré, e somente elas têm legitimidade para discutir os termos de reajuste do contrato, sob pena de favorecimento do autor em prejuízo aos demais associados do plano coletivo" (fl. 487). Asseverou também que, "Não concordando o autor com a forma de reajuste acordada entre a sua entidade de classe e a ré, cabe ao autor rescindir o contrato e firmar outro que seja mais adequado aos seus interesses e necessidades" (fl. 488). Irresignado, o demandante interpôs apelação, a qual não foi provida. O acórdão recebeu a seguinte ementa: "Apelação Cível. Ação revisional de cláusula contratual cumulada com consignação em pagamento Preliminar de ilegitimidade ativa acolhida - Autor não possui legitimidade para discutir a forma de reajuste de plano de saúde coletivo firmado entre a ré e a CAASP - Manutenção da R. Sentença. Nega-se provimento ao recurso" (fl. 598). Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 626). No especial, o recorrente aponta violação dos arts. 2º, 3º, 6º, VIII, e 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e 267, VI, do Código de Processo Civil (CPC). Aduz, em síntese, que possui legitimidade ativa para ajuizar ação questionando eventuais abusividades e arbitrariedades cometidas pela operadora, mesmo em contrato oriundo de plano de saúde coletivo, pois a defesa dos interesses e direitos dos consumidores pode ser Documento: 48326424 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça exercida em juízo individualmente ou a título coletivo. Acrescenta que os usuários são os financiadores exclusivos das contribuições mensais que custeiam integralmente os serviços de assistência médica, sendo a CAASP mera estipulante do convênio. Sustenta também que "(...) as Cláusulas 13.10 e 13.11 atribuem à Contratada (Unimed Paulistana) a responsabilidade jurídica perante os usuários, eximindo a CAASP de qualquer solidariedade, enfatizando, ademais, que '... a adesão aos planos da CONTRATADA se faz por livre escolha do USUÁRIO' (...). (...) Não se trata, portanto, de um contrato de representação jurídica, mas de mera intermediação da CAASP (na 'genérica condição de estipulante') entre a Unimed e os advogados paulistas. Subsiste, portanto, a legitimidade individual do Recorrente para demandar em juízo contra a operadora do seu plano de saúde. (...) (...) da legitimidade ativa da presente demanda, todos os demais usuários poderão ser beneficiados, pois a adequação da contribuição para o plano de saúde a patamares mais realistas, importaria em justa redução da onerosa mensalidade, outrora majorada abusiva e ilegalmente" (fls. 640/642). Após a apresentação de contrarrazões (fls. 679/685), o especial foi inadmitido na origem (fl. 709), mas, por ter sido provido recurso de agravo, houve a conversão do feito e a devida reautuação. É o relatório.

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.510.697 - SP (2011/0229492-2) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Cinge-se a controvérsia a saber se o usuário de plano de saúde coletivo tem legitimidade ativa para ajuizar, individualmente, ação contra a operadora pretendendo discutir a validade de cláusulas do contrato, em particular a forma de reajuste das mensalidades.

1. Da legitimidade ativa ad causam de usuário de plano de saúde coletivo De início, impende asseverar que o plano de saúde pode se dar em três modalidades distintas de regime, quais sejam, (i) individual ou familiar, (ii) coletivo empresarial e (iii) coletivo por adesão. O plano de saúde individual é aquele em que a pessoa física contrata diretamente com a operadora ou por intermédio de um corretor autorizado. Já o plano de saúde coletivo é aquele contratado por uma empresa, conselho, sindicato ou associação junto à operadora de planos de saúde para oferecer assistência médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas às mencionadas entidades bem como a seus dependentes. Como visto, há dois tipos de contratação de planos de saúde coletivos: o coletivo empresarial, o qual garante a assistência à saúde dos funcionários da empresa contratante em razão do vínculo empregatício ou estatutário, e o coletivo por adesão, contratado por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos e associações profissionais. A legitimidade exigida para o exercício do direito de ação, por outro lado, depende, em regra, da relação jurídica de direito material havida entre as partes; em outras palavras, a ação tem como condição a titularidade de um direito ou interesse juridicamente protegido. A propósito, a seguinte lição de Fredie Didier Jr.: "(...) A todos é garantido o direito constitucional de provocar a atividade jurisdicional. Mas ninguém está autorizado a levar a juízo, de modo eficaz, toda e qualquer pretensão, relacionada a qualquer objeto litigioso. Impõe-se a existência de um vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada, que lhes autorize a gerir o processo em que esta será discutida. Surge, então, a noção de legitimidade ad causam. (...) Essa noção revela os principais aspectos da legitimidade ad causam: a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei ('situação legitimante'; 'esquemas abstratos'; 'modelo ideal', nas expressões Documento: 48326424 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça normalmente usadas pela doutrina); b) é qualidade jurídica que se refere a ambas as partes do processo (autor e réu); c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida - 'toda legitimidade baseia-se em regras de direito material', embora se examine à luz da situação afirmada no instrumento da demanda". (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1, 11ª ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2009, págs. 185-186 - grifou-se) Desse modo, para se aferir a legitimidade ativa ad causam do usuário de plano de saúde coletivo para postular a revisão judicial das cláusulas contratuais, revela-se necessário verificar a natureza jurídica das relações estabelecidas entre os diversos atores nesse contrato: usuários, estipulante e operadora de plano de saúde. Para tanto, faz-se necessário buscar amparo nos institutos do seguro de vida coletivo (art. 801 do Código Civil). Com efeito, apesar de serem contratos distintos, as relações existentes entre as diferentes figuras do plano de saúde coletivo são similares às havidas entre as personagens do seguro de vida em grupo. Sobre o tema, Pedro Alvim assim assinala: "(...) (...) O seguro de vida coletivo apresenta nuances diferentes que lhe dão uma feição própria . De formação mais recente que outros ramos, esse seguro tem muitos aspectos ainda discutidos pela doutrina, na busca de uma configuração jurídica adequada, não só de natureza do próprio contrato, como, principalmente, da pessoa do estipulante. 46.3. Convém examinar as seguintes relações que se estabelecem no contrato: entre o segurador e o grupo de segurados; entre o segurador e o estipulante; finalmente, entre o estipulante e o grupo de segurados. Estas relações não são da mesma natureza jurídica. Sua harmonização em benefício dos interesses que se ligam no contrato tem sido objeto de estudos, mas, na prática, já estão assumindo feições definitivas de resguardo dos interesses do segurador. A vinculação entre o segurador e o grupo segurado é da mesma natureza do seguro de vida individual. Trata-se de uma estipulação a favor de terceiro. O segurador garante o pagamento do seguro aos beneficiários dos segurados que formam o grupo. 46.4 Atentando-se para as relações entre o segurador e o estipulante, o contrato entre eles estabelecido não é uma estipulação a favor de terceiro e, sim, um contrato por conta de terceiro. (...). O estipulante é a principal figura do contrato. Assume perante o segurador a responsabilidade pelo pagamento do prêmio e pelo cumprimento das cláusulas contratuais. (...). 46.5. Resta verificar a ligação entre o estipulante e o grupo segurado. Ele é apenas um intermediário (...). 46.6. O estipulante se vincula ao grupo segurado por um contrato qualquer, estranho ao contrato de seguro. Não representa o segurador perante esse grupo". (ALVIM, Pedro. O Seguro e o Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, Documento: 48326424 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça págs. 200-201 - grifou-se) Depreende-se, assim, que o vínculo jurídico formado entre a operadora e o grupo de usuários caracteriza-se como uma estipulação em favor de terceiro. Por seu turno, a relação havida entre a operadora e o estipulante é similar a um contrato por conta de terceiro. Por fim, para os usuários, o estipulante é apenas um intermediário, um mandatário, não representando a operadora de plano de saúde. Logo, na espécie, para fins de definição da legitimidade ativa ad causam , importa analisar mais profundamente a relação jurídica de direito material mantida entre o usuário e a operadora de plano de saúde coletivo, que, como visto, equipara-se a uma estipulação em favor de terceiro. De acordo com o art. 436, parágrafo único, do Código Civil/2002 (correspondente ao art. 1.098, parágrafo único, do Código Civil/1916), na estipulação em favor de terceiro, tanto o estipulante (promissário) quanto o beneficiário podem exigir do promitente (ou prestador de serviço) o cumprimento da obrigação. Assim, na fase de execução contratual, o terceiro (beneficiário) passa a ser também credor do promitente. Por oportuno, cumpre transcrever as seguintes ponderações de Maria Helena Diniz: "(...) Estipulação em favor de terceiro ('pactum in favorem tertii') . A estipulação em favor de terceiro é um contrato estabelecido entre duas pessoas, em que uma (estipulante) convenciona com outra (promitente) certa vantagem patrimonial em proveito de terceiro (beneficiário) alheio à formação do vínculo contratual (...). (...) Exigência do adimplemento da obrigação . O promitente se obriga a beneficiar o terceiro, mas nem por isso se desobriga ante o estipulante, visto que este tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação. Na fase de execução contratual, o terceiro passa a ser credor , podendo exigir o cumprimento da prestação prometida , desde que se sujeite às condições e normas do contrato por ele aceito, enquanto o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. A anuência do terceiro será imprescindível para que o contrato se aperfeiçoe". (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, págs. 376-377 - grifou-se) Ademais, os princípios gerais do contrato amparam ambos, beneficiário e estipulante, de modo que havendo no pacto cláusula abusiva ou ocorrendo fato que o onere excessivamente, não é vedado a nenhum dos envolvidos pedir a revisão da avença, mesmo porque, como cediço, as cláusulas contratuais devem obedecer a lei, a exemplo do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor. Documento: 48326424 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça Desse modo, considerando a relação jurídica de direito material existente entre as partes (estipulação em favor de terceiro), forçoso reconhecer a legitimidade ativa do usuário (beneficiário) de plano de saúde coletivo para figurar no polo ativo de demanda proposta contra a operadora (prestadora de serviço) com o objetivo de revisar cláusulas contratuais reputadas abusivas, não sendo empecilho o fato de a contratação ter sido intermediada por estipulante. Ademais, diante do interesse juridicamente protegido do usuário de plano de saúde, destinatário final dos serviços de assistência a saúde, o exercício do direito de ação não pode ser tolhido, sobretudo se ele busca eliminar eventual vício contratual (cláusula inválida) ou promover o equilíbrio econômico do contrato (discutir os valores e os reajustes de mensalidades). Nesse sentido, vale conferir os seguintes julgados desta Corte Superior: "PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. O beneficiário de plano de saúde, seja por contratação direta, seja por meio de estipulação por terceiros, tem legitimidade para exigir a prestação dos serviços contratados; se o ajuste contiver cláusula abusiva, poderá também contrastá-la, como resultado da premissa de que os contratos não podem contrariar a lei, no caso o Código de Defesa do Consumidor . Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgRg no Ag nº 431.464/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJ 21/11/2005 - grifou-se) "AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DE MENSALIDADE EM RAZÃO DE MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. BENEFICIÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA. CLÁUSULA CONSIDERADA ABUSIVA. 1.- Consoante dispõe o artigo 535 do CPC, destinam-se os Embargos de Declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2.- Ainda que o plano de saúde seja contratado por intermédio de terceiro, que é o estipulante, o beneficiário é o destinatário final do serviço, sendo portanto, parte legítima para figurar no polo ativo de ação que busque discutir a validade das cláusulas do contrato. 3.- Desse modo, considerando que na estipulação em favor de terceiro, tanto o estipulante quanto o beneficiário podem exigir do devedor o cumprimento da obrigação (CC, art. 436, parágrafo único) , não há que se falar, no caso, na necessidade de suspensão do presente feito até o julgamento final da ação proposta pela estipulante em nome de todos os contratados. (...) 5.- Agravo Regimental improvido." (AgRg no REsp nº 1.336.758/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, DJe 4/12/2012 - grifou-se) "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. EXCLUSÃO. DEPENDENTE. EX-CÔNJUGE. RESCISÃO UNILATERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. PERTINENTES NÃO ATACADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 283/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 211/STJ. DEVER DE INDENIZARA REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. Documento: 48326424 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça SÚMULA N.º 7/STJ. 1. 'Ainda que o plano de saúde seja contratado por intermédio de terceiro, que é o estipulante, o beneficiário é o destinatário final do serviço, sendo portanto, parte legítima para figurar no polo ativo de ação que busque discutir a validade das cláusulas do contrato '. (AgRg no REsp 1336758/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 04/12/2012) 2. A reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada no âmbito do recurso especial, a teor do enunciado da Súmula n.º 7 do STJ. 3. A não impugnação de fundamento do acórdão recorrido suficiente para a sua manutenção acarreta o não conhecimento do recurso especial. Incidência, por analogia, da Súmula n.º 283 do STF. 4. O conteúdo normativo do dispositivo supostamente violado não foi objeto de debate no acórdão recorrido, carecendo, portanto, do necessário prequestionamento viabilizador do Recurso Especial. Incidência da Súmula n.º 211/STJ. 5. A reforma do julgado, quanto ao dever de indenizar, demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada no âmbito do recurso especial, a teor do enunciado da Súmula n.º 7 do STJ. 6. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 7. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO." (AgRg no REsp nº 1.355.612/AL, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 23/9/2014 - grifou-se) 2. Do dispositivo Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a legitimidade ativa ad causam do recorrente, devendo os autos retornarem à origem para regular prosseguimento. É o voto.

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