UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA. Leandro Braz da Costa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Leandro Braz da Costa.

FES

Author Bianca Aleixo Canela

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Leandro Braz da Costa.

FESTIVAIS DE MÚSICA EM ÁREA DE SEGURANÇA NACIONAL: A PERIFERIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NA CIDADE DO RIO GRANDE (19701976).

Porto Alegre Outubro de 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Leandro Braz da Costa.

FESTIVAIS DE MÚSICA EM ÁREA DE SEGURANÇA NACIONAL: A PERIFERIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NA CIDADE DO RIO GRANDE (19701976).

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Enrique Serra Padrós.

Porto Alegre Outubro de 2013

Leandro Braz da Costa.

FESTIVAIS DE MÚSICA EM ÁREA DE SEGURANÇA NACIONAL: A PERIFERIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NA CIDADE DO RIO GRANDE (19701976).

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para obtenção do título de Mestre em História.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Enrique Serra Padrós. (Orientador) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Prof. Dr. Cesar Augusto Barcellos Guazelli. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Prof. Dr. Gerson Wasen Fraga. Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS.

Prof. Dr. Alessander Kerber Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

AGRADECIMENTOS Às duas pessoas mais importantes da minha vida: minha companheira Andrea Santorum, pelo apoio incondicional e minha filha Marina da Costa, que mesmo começando a balbuciar suas primeiras palavras, me ensinou e continua me ensinando muito. Ao meu irmão Francisco Cougo (Chico), por abrir as portas da sua casa durante o primeiro ano de idas e vinda entre Porto Alegre e Rio Grande. Aqueles que de diversas formas contribuíram para este trabalho, Willy Cesar, Célio Soares, Maria Amélia Estima (Site Papareia), Ananda Simões, Ticiano Pedroso, Felipe Nóbrega (desde a seleção), Lidiane Friderichs, Leonardo Kantorski, entre tantos outros que não consigo recordar. À minha mãe Maria José e meu irmão Willians. A todos os brasileiros que ao pagarem seus impostos, possibilitaram o repasse de verbas por parte da agência CAPES, financiaram este projeto. Meu pedido de desculpa pelo atraso no término deste trabalho. Ao professor Cesar Guazzelli que não ficou de braços cruzados e conseguiu articular uma forma do PPG fornecer bolsa de estudos a todos os alunos egressos. Ao meu orientador Enrique Padrós. Aos amigos e professores Gerson Fraga, Gizele Zanotto, Márcia Naomi. Professores de verdade! Pai, Dindo e Vó Elvira... Obrigado por tudo! Este trabalho tem muito de cada um de vocês!

Dedico este trabalho à todos os curiosos da nossa música não comercial que foi produzida pelo povo e para o povo, bem como, a todos os artistas que mesmo cerceados tocaram suas produções autorais durante as muitas Ditaduras que existiram no país, especialmente aos músicos, intérpretes e compositores riograndinos... Meu amigos e colegas de palco. Com grande apreço e respeito!

“Infelizmente sua obra está viciada por um defeito muito grave. Sua atitude diante do passado que ele examina com tanto ardor não é nunca a de um homem de ciência; porque o homem de ciência procura conhecer e compreender; ele não julga.” Marc Bloch – L´Histoire, la Guerre, la Résistence.

“... Quem visse, por exemplo, a instalação do golpe militar de 64 refletida nos olhos das pessoas que marcharam com Deus pela democracia, diria que para eles estava nascendo a esperança. Pelo menos, a esperança de que alguns fantasmas não os importunassem a curto prazo. Quem visse as alianças e anéis de ouro caindo nos cestos da campanha pelo bem do Brasil, acharia até que os ricos, afinal, não são tão egoístas assim. Considerado seu sistema de referência, davam o melhor que tinham para que o país entrasse nos trilhos da segurança e do desenvolvimento, binômio que marcaria a nova fase.” Fernando Gabeira – Diário da Crise

“Povo desenvolvido também é povo livre.” Carlos Chagas – Resistir é preciso

RESUMO Este trabalho tem como foco de interpretação histórica a produção musical autoral dos compositores riograndinos destinada à participação em festivais de música realizados ao longo da década de 1970 na cidade do Rio Grande – RS. Neste sentido, balizando a pesquisa em uma abordagem contextual, procuro descrever como os artistas da época, desvinculados dos meios de comunicação, da indústria do disco e do mercado cultural, produziam suas canções, em um ambiente hostil, onde a censura, a repressão e a tortura, foram práticas comuns, e os festivais de música um dos poucos canais de expressão cultural da população local, ainda que sofressem a interferência direta de grupos ligados as elites políticas e econômicas que possuíam interesses bem definidos quanto aos proveitos que estes eventos poderiam reverter. PALAVRAS-CHAVE: festivais de música, música popular, periferia da música popular.

ABSTRACT This work focuses on the historical interpretation of the musical production of composers riograndinos copyright intended participation in music festivals held throughout 1970 in Rio Grande - RS. In this sense, it marks out the research in a contextual approach, I try to describe how the artists of the time, unlinked media, the recording industry and the cultural market, producing their songs in a hostile environment, where censorship, repression and torture, were common practices, and music festivals one of the few channels of cultural expression of the local population, though suffered direct interference from groups linked to political and economic elites who had well-defined interests regarding the income that these events could reverse. KEY WORDS: music festivals, folk music, periphery of folk music.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGDI – Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento AI – Ato Institucional ARENA – Aliança Renovadora Nacional ASN – Área de Segurança Nacional BGV – Bairro Getúlio Vargas (Rio Grande) BNH – Banco Nacional de Habitação COMEP – Comunicação Musical Editora Paulinas CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento CSN – Conselho de Segurança Nacional DAEEI – Diretório Acadêmico da Escola de Engenharia Industrial D.C.D.P – Divisão de Censura de Diversões Públicas DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento DOPS/RS – Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul DSN – Doutrina de Segurança Nacional ESG – Escola Superior de Guerra FERCAPO – Festival Regional da Canção Popular do Paraná FICC – Festival Intercolegial da Canção FIC – Festival Internacional da Canção FUMP – Festival Universitário de Música Popular FURG – Universidade Federal do Rio Grande IAC – Ipiranga Atlético Clube IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional de Previdência Social INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MDB – Movimento Democrático Brasileiro MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização MPB – Música Popular Brasileira MMPB – Moderna Música Popular Brasileira MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho OMB – Ordem dos Músicos do Brasil OSPA – Orquestra Sinfônica de Porto Alegre P. B. – Pedido de Busca

PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S/A PLADERG – Plano de Desenvolvimento de Rio Grande PT – Partido dos Trabalhadores PAEGP - Programa de Ação Econômica do Governo SCP/RS – Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul SERGTUR – Secretaria Riograndina de Turismo SNI – Serviço Nacional de Informações SOPS/RG – Secretaria de Ordem Política e Social do Rio Grande SRGAE – Serviço Riograndino de Água e Esgoto T.C.D.P – Turma de Censura de Diversões Públicas TRE/RS - Tribunal Eleitoral Regional do Rio Grande do Sul UDN – União Democrática Nacional UFPEL – Universidade Federal de Pelotas UGES – União Gaúcha dos Estudantes UNB – Universidade de Brasília URES – União Riograndina dos Estudantes Secundaristas URESE – União Regional dos Estudantes do Estado URG – Universidade do Rio Grande 6° GAC – 6° Grupo de Artilharia de Campanha

SUMÁRIO

Introdução.....................................................................................................................13 1 – A cidade do Rio Grande como cenário. 1. 1 – Desenvolvimento econômico, vigilância e repressão a serviço da legitimação do regime militar nos anos 1970........................................................................................17 1. 2 – A sensação de amparo e a memória coletiva........................................................48 1. 3 – Entre o passado e o presente de Rio Grande e as realizações de Golbery do Couto e Silva: O centenário do “filho ilustre, do “benfeitor” ou do “Satânico Dr. Go”?..........69 2 – Festivais de Música: Algumas reflexões necessárias. 2. 1 – Um breve histórico dos Festivais de Música no Brasil. Adaptações, rupturas e continuidades...................................................................................................................81 2. 2 – Festivais de música em Área de Segurança Nacional: Vigilância, censura, repressão, silenciamentos e utilizações dos eventos musicais. Os interesses, os meios e as finalidades............................................................................................................91 2. 3 – Músicos, intérpretes, compositores e os festivais de música...............................116 3 – Música de Festivais 3. 1 – Construindo canções na periferia da música popular: o testemunho de compositores riograndinos...........................................................................................126 3. 2 – As concepções sociais dos compositores riograndinos: A periferia da música popular brasileira........................................................................................................135 Anexos...........................................................................................................................191

Referências Bibliográficas.......................................................................................231

Introdução Desde a realização do primeiro Festival de Música no Brasil, no limiar do século XX na cidade do Rio de Janeiro, estes eventos foram caracterizados como importantes espaços destinados à exposição, divulgação e estimulo das manifestações culturais vinculadas às práticas musicais, os quais rapidamente obtiveram a adesão dos artistas e o prestigio por parte dos expectadores que interagiam com a produção musical destinada a estes eventos, o que ocasionou sua gradativa disseminação por todo o país. Ao longo de sua trajetória secular de estímulo a produção musical, os Festivais de Música foram idealizados, organizados e promovidos por diversos segmentos da sociedade brasileira que estiveram ligados a companhias teatrais, emissoras de rádio e televisão, gravadoras, movimentos estudantis e sindicais, entre outros, os quais em determinados períodos da história do país, fizeram uso destes eventos motivados por diferentes interesses. Entre os muitos festivais de música realizados até os dias de hoje em nosso país, os mais destacados e pesquisados, ainda são os Festivais de Música da Televisão, que tiveram sua gênese logo após o Golpe Civil-Militar de 1964, promovidos pelas emissoras Excelsior, Record, Rio e Globo entre os anos de 1965 a 19851. Estes afamados eventos, ao mesmo tempo em que revelavam ao público brasileiro uma diversificada gama de intérpretes, compositores e instrumentistas 2, acabaram aproveitados pelos artistas de maior destaque, bem como, pelas gravadoras enquanto espaços ideais para aferir o alcance da relação do público com cada um dos artistas que subiam no palco e apresentavam suas canções. Após transcorrer a década de 1960, na década de 1970, em eventos dessa natureza, houve predomínio da “música denominada jovem, transformando-se em clima do não conformismo, da crítica e agressividade às instituições”3, produção identificada com a sigla MPB (Música Popular Brasileira), que passava por sua fase de consolidação, inserida a uma nova cultura de consumo, ao passo que as imagens de “modernidade”, “liberdade” e “justiça social” impregnaram as canções deste gênero durante a fase mais autoritária do Regime Militar, que incidia o controle, através da vigilância, da repressão e da censura, a todos os setores da vida nacional, incluindo grande parte da atividade de criação musical dos artistas 1

Para consultar a cronologia destes eventos, seus vencedores e a forma como foram organizados, sugiro a leitura de: MELLO, Zuza Homem de. A Era dos Festivais: Uma Parábola. São Paulo: Ed. 34, 2003. 2 Cf. TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: do Gramofone ao Rádio e TV. São Paulo: Ática, 1981, p. 178. 3 NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História. São Paulo, V. 24, n° 47, 2004, p.107.

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brasileiros4, entre as quais é possível citar, por exemplo, as canções Cálice (1973) de Chico Buarque e Gilberto Gil, bem como, Samba da Esperança (1973) de Vinicius de Moraes e Toquinho.5 O mesmo vínculo entre os festivais, os artistas e o meio jovem e universitário ocorreu na Região Sul do Brasil, especificamente na cidade do Rio Grande, no decorrer da década de 1970. Estudantes universitários e secundaristas acrescidos da participação de diversos setores que compunham a sociedade riograndina, promoveram ao longo de sete anos – de 1970 a 1976 – a realização de oito festivais de música, nos quais, respeitadas as devidas proporções, assim como os Festivais da Televisão, foram levados a cabo a imposição da censura, da vigilância e a repressão aos artistas locais. Os cerceamentos impostos aos artistas – músicos, intérpretes e compositores – que desenvolviam suas atividades musicais com o intuito de participaram destes eventos foi reflexo direto do contexto socioeconômico e político vivenciado na época, o qual ficou marcado por um número expressivo de investimentos, promovidos pelo Governo Federal, nas anteriormente estagnadas e depreciadas infraestruturas portuária e industrial, bem como, acrescido do fato de que, logo após o Golpe de 1964, Rio Grande acabou retomando a alcunha de Área de Segurança Nacional (ASN), condição que havia vigorado até o ano de 1951 6, isso porque o Município foi considerado uma região geopolítica estratégica que deveria auxiliar na defesa do litoral brasileiro contra possíveis ameaças. O intervencionismo do Regime que se instalava no poder, fez com que rapidamente fossem levadas a cabo diversas prisões e cassações políticas de eventuais opositores, como a do até então prefeito do município Farydo Salomão7, que foi destituído da administração da cidade e substituído pelo oficial da reserva do Exército o interventor Martiniano de Oliveira, que logo tratou de garantir a manutenção dos espaços políticos para os interesses dos golpistas, através de operações repressivas como as denominadas “Operação Limpeza” e “Operação Gaiola” 8, ambas coordenadas pela Delegacia de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul (DOPS/RS) e que contou com o apoio da Secretaria de Ordem Política e Social 4

Cf. NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira dos anos 70: resistência política e consumo cultural. Participação no IV Congresso de la Rama latinoamericana del IASPM (Cidade do México, abril de 2002), p. 11. 5 Cf. SILVA, Alberto Moby Ribeiro da. A breve e profícua vida do compositor popular Julinho da Adelaide. In: História: Questões & Debates, Editora da UFPR, Curitiba, n. 31, 1999, p. 57. 6 Cf. ALVES, Francisco das Neves. Governo do Prefeito Farydo Salomão. Revista Biblos. Rio Grande: n° 3, 1990, p. 31. 7 Idem ao n° 9, p. 32. 8 Cf. Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 07/04/1964, p. 4.

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do Rio Grande (SOPS/RG), que também desempenhava atividades de espionagem e contraespionagem, através do argumento da suspeição, que permeou diversos segmentos da sociedade da época. Em meio a esse quadro político e social pautado pelo autoritarismo e suas práticas repressivas, adentramos a década de 1970, período que representa um marco na história da cidade, pois foi no decorrer desta década que ocorreu de modo enfático a intervenção do Regime, designada pela realização de inúmeros investimentos econômicos que foram canalizados em proveito de uma das principais potencialidades do Município, ou seja, do seu porto marítimo. Se de modo direto ou indireto o Porto do Rio Grande contribuiu para o desenvolvimento econômico do município, atraindo empresas e indústrias que geraram empregos e aumentaram a arrecadação municipal, refletida sobremaneira em melhorias urbanas que aliciaram grande parte da população e consequentemente legitimaram o regime, em contrapartida, na prática, a manutenção das atividades portuárias e industriais agregadas a ela, serviu de argumento para o recrudescimento das atividades repressivas no município de modo generalizado, o que acabou afetou os eventos culturais realizados in loco, bem como, as atividades desenvolvidas pelos artistas riograndinos. Desta feita, a dinâmica entre a vigilância, a repressão e a imposição da censura aos músicos, intérpretes e compositores riograndinos, no contexto dos festivais de música realizados no decorrer da década de 1970 expõe a problemática central deste trabalho, que se refere às dificuldades encontradas por esses artistas em relação ao cerceamento de suas liberdades individuais e coletivas, o que interferiu em suas atividades de produção autoral direcionada à sua participação nestes eventos musicais como forma de manifestação social e expressão artística, pois, enquanto Área de Segurança Nacional extremamente alinhada aos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, Rio Grande se configurou como um território deveras hostil a qualquer movimento que por ventura pudesse contestar o regime. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo principal investigar parte da produção musical autoral dos compositores que participaram dos festivais de música ao longo da década de 1970 na cidade de Rio Grande, aferindo de que modo e até que ponto suas concepções sociais, expressadas através do conteúdo textual de suas construções musicais, muito 15

identificadas com a produção musical ligada ao gênero da MPB, refletiam a sociedade riograndina e brasileira da época. Para tanto, ao longo do primeiro capítulo procuro apreender o contexto histórico do Município ao longo da década de 1970, através da pesquisa em periódicos, testemunhos obtidos através de entrevistas e da documentação oficial produzida na época, expondo de que forma e quais fatores contribuíram para que, em grande parte, a sociedade riograndina tenha legitimado o Governo golpista, o que deu origem a uma relação de proximidade na qual passado e presente interagem através de memórias em constante embate, sobretudo devido à figura de uma das principais personagens da história recente do país, o riograndino Golbery do Couto e Silva. No segundo capítulo a temática dos festivais de música realizados no Brasil foi abordada enquanto problemática que se insere na discussão da produção musical dos artistas brasileiros destinada a estes eventos. Inicialmente, o breve histórico destes acontecimentos musicais, aponta para a complexidade proveniente das continuidades e rupturas de suas formas de organizacionais, moldadas no decorrer dos anos em razão das motivações e interesses de seus propositores, o que forneceu as bases para, somente então, dissertar sobre o ciclo de festivais de música que ocorreram em Rio Grande ao longo da década de 1970, expondo e analisando a conduta dos principais agentes históricos envolvidos nestes acontecimentos. Por fim, no último capítulo, finalmente analiso o conteúdo textual das canções que foram apresentadas durante a realização dos festivais de música, interpretando o teor destas construções textuais e musicais, com o objetivo de expor as concepções sociais dos compositores riograndinos, bem como, os aspectos referentes à cultura popular da época assinaladas através das manifestações de conformismo ou resistência, acerca dos aspectos socioculturais, políticos e econômicos que orientavam a sociedade da época.

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1 – A cidade do Rio Grande como cenário. 1. 1 – Desenvolvimento econômico, vigilância e repressão a serviço da legitimação do regime militar nos anos de 1970 a 1976. Este item inicial trata de apresentar o contexto histórico da cidade do Rio Grande, entendida como um caso pragmático, que exemplifica de modo evidente a política desenvolvimentista do governo autoritário ao longo da primeira metade da década de 1970, pois esteve afinada aos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) os quais consistiam na afirmativa de que “não há segurança nacional sem desenvolvimento econômico”. A dinâmica entre a segurança e o desenvolvimento econômico foi uma preocupação constante do regime autoritário em todo o Brasil, e Rio Grande enquanto Área de Segurança Nacional (ASN), cidade portuária com localização estratégica para a defesa do litoral brasileiro, acabou se inserindo de modo efetivo nos planos estipulados para o país. Ao recobrar o contexto histórico da cidade, este item busca traçar um panorama de como os investimentos econômicos em setores estratégicos da economia local e as melhorias na infraestrutura urbana, aliados a propaganda política favorável por parte do único periódico que circulou diariamente na cidade até o ano de 1975, fizeram com o que o regime militar rapidamente conseguisse se legitimar, alcançando o apoio de largas parcelas da sociedade riograndina, ao mesmo tempo em que as questões referentes à segurança, principalmente as que visavam combater a “ameaça comunista”, através da intensificação da vigilância, da repressão e das torturas físicas, transformaram a cidade do Rio Grande, em um território hostil a qualquer movimento que por ventura pudesse contestar a intervenção do regime autoritário na cidade. Após o Golpe Civil-Militar de 1964, uma nova concepção acerca da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) surgiu no Brasil, embora gestada desde 1949 através da fundação da Escola Superior de Guerra, recebendo influência da National War College e do Industrial College of the Armed Forces, ambos localizados em Washington,9 bem como, da doutrina francesa da guerre révoluttionnaire introduzida na ESG em 1959 10. A disseminação da DSN foi iniciativa dos Estados Unidos, que a partir da década de 1940, estabeleceram acordos de

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Cf. BICUDO, Hélio. Segurança Nacional ou submissão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 36. Cf. FILHO, João Roberto Martins. Tortura e ideologia: os militares brasileiros e a doutrina da guerre révolutionnaire (1959-1974). In: SANTOS, Cecília Macdowell; TELLES, Edson; TELES, Janaína de Almeida (Orgs.). Desarquivando a Ditadura: Memória e Justiça no Brasil. Volume I – São Paulo: Hucitec, 2009, p. 179. 10

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segurança interamericanos, a fim de aumentarem suas áreas de influência vinculando os militares latino-americanos e solidificando a defesa contra o avanço do comunismo 11. Durante a década de 1960, o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos Robert McNamara acrescentou o tema do desenvolvimento econômico à DSN, o qual repercutiu imediatamente nos países da América Latina 12, tanto que a Escola Superior de Guerra brasileira acabou incorporando em seus manuais a ideia de que “não há Segurança Nacional sem desenvolvimento econômico” 13. Como reflexo da influência dos teóricos norte-americanos e da Escola Superior de Guerra (ESG), na política nacional, o Decreto-Lei N° 1. 135 de 3 de dezembro de 1970, determinava que era da competência do Conselho de Segurança Nacional (CSN), indicar as áreas indispensáveis à segurança nacional e os municípios considerados de seu interesse, estimulando que nessas regiões consideradas estratégicas, fossem estabelecidos investimentos que desenvolvessem as suas potencialidades econômicas, de acordo com os interesses do regime.14 Neste sentido, a cidade do Rio Grande pode ser percebida, como parte dos planos políticos acerca da segurança nacional e desenvolvimento econômico levado a cabo pelo regime em âmbito nacional. Efetivamente, o golpe de 31 de março 1964 acentuou as atividades repressivas15 ao mesmo tempo em que forneceu à cidade a alcunha de Área de

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MCSHERRY, J. Patrice. Los Estados depredadores: la Operación Condor y la guerra encubierta em América Latina. Montevideo: Banda Oriental, 2009, p. 85. 12 Cf. COMBLIN, Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder Militar na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 65. 13 Cf. STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no Regime Militar e militarização das artes. Porto Alegre: Ed. da PUCRS, (Coleção História, vol. 44), 2001, p. 83. 14 Cf. Decreto-Lei N° 1. 135 de 3 de dezembro de 1970. Disponível em: . Acesso em: 27/04/2011. 15 Cf. Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS, 07/04/1964, logo após o golpe a Secretaria de Ordem Política e Social (SOPS/RG) juntamente com o Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul (DOPS/RS), realizaram as operações repressivas denominadas de “Limpeza” e “Gaiola”, com o objetivo de prender qualquer opositor do regime que se instalava no poder. Durante estes episódios, um acontecimento é digno de nota. Ao que tudo indica o Navio Hidrográfico Canopus da Marinha brasileira que estava realizando o mapeamento do Litoral Sul do Brasil, acabou interrompendo suas atividades para servir aos propósitos dos golpistas. Conforme o relato do Capitão da Brigada Militar, o senhor Athaídes de Rodrigues, que consta em seu livro de memórias denominado Agora eu – A revolução de 1964, em Rio Grande, este navio teria sido utilizado como navio-prisão pelas Forças Armadas brasileiras. Athaídes relata em seu livro que foi preso juntamente com outros colegas que não concordavam com a forma antidemocrática da revolução de 1964. Na época o Capitão do Navio Canopus era Maximiano Eduardo da Silva Fonseca. Em Rio Grande existe uma grande avenida que corta o complexo industrial-portuário que recebeu o nome deste capitão como forma de homenageá-lo (Ver imagens nos anexos de números 1 e 2).

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Segurança Nacional. 16 Em 1968, 21 municípios do Rio Grande do Sul foram considerados Áreas de Segurança Nacional – Alecrim, Bagé, Crissiumal, Dom Pedrito, Erval, Nova Horizontina, Itaqui, Jaguarão, Porto Lucena, Porto Xavier, Quaraí, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Santana do Livramento, São Borja, São Nicolau, Tenente Portela, Três Passos, Tucunduva, Tuparendi e Uruguaiana. A cidade de Rio Grande mais uma vez aparece na lista, devido sua condição portuária e proximidade com os caminhos que levam às fronteiras do Uruguai e Argentina, fazendo inclusive com que o Governo reforçasse o contingente de tropas em seus quartéis. 17 Com forte presença militar na cidade, a sensação de segurança acabou contribuindo para que fosse forjada e aprimorada uma estrutura de legitimação que recebeu o consentimento de grande parte da sua população. Em Rio Grande ao longo da década de 1970, cenário por onde transita esta pesquisa, cidade localizada no Estado Rio Grande do Sul que é composta por cinco distritos18 que somados totalizavam pouco mais de 115 mil habitantes19 que em sua maioria jovens entre as faixas etárias de 4 a 24 anos, e indivíduos considerados de meia idade, dos 30 aos 55 anos 20, em razão das atividades econômicas realizadas na cidade estarem sempre voltadas para as suas potencialidades geográficas21 e o interesse especial por seu porto marítimo, – praticamente desde o início do capitalismo industrial moderno, em um primeiro período de 16

A cidade foi considerada Área de Segurança Nacional, muito antes do golpe de 1964, condição que perdurou até 1951, porém, alguns meses após o março de 1964, acabou retomando tal condição geopolítica. Cf. ALVES, Francisco das Neves. Governo do Prefeito Farydo Salomão. Rio Grande: Revista Biblos, n. 3, 1990, p. 31. 17 Cf. FERNANDES, Ananda Simões. Quando o inimigo ultrapassa a fronteira: As conexões repressivas entre a Ditadura Civil-Militar brasileira e o Uruguai (1964-1973). Dissertação de Mestrado, UFRGS/RS, p. 86-87. 18 1º Distrito: Rio Grande - está subdividido em 1º Sub-distrito: Cidade do Rio Grande e 2º Subdistrito: Balneário Cassino; 2º Distrito: Ilha dos Marinheiros - com sede na Vila do Porto do Rei, abrange a Ilha dos Marinheiros, as ilhas das Pombas, dos Cavalos, da Pólvora, do Leonídio, Caldeirão, Cabras e Constância; 3º Distrito: Povo Novo - com sede na Vila do Povo Novo, ainda abrange as ilhas Torotama, Carneiros, Mosquitos e Martin Coelho; 4º Distrito: Taim - tem como sede a Vila do Taim e sua reserva ecológica, abrangendo as ilhas Grande e Pequena; 5º Distrito: Vila da Quinta - tem como sede a própria Vila da Quinta. 19 Cf. Site da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Documento disponível em: . Consulta realizada em: Consulta realizada em: 14/05/2011 as 19h e 36min. 20 Cf. Dados da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Disponível em: . Consulta realizada em: 14/05/2011 às 19h e 36min. 21 Cf. MOTTA, Adauto Gouveia. Esboço histórico da pesquisa espacial no Brasil. São José dos Campos: INPE, 1986, p. 50 a 53. Em 1966, no Sub-distrito do Balneário Cassino – área litorânea banhada pelo Oceano Atlântico – o projeto denominado de “Missão Eclipse”, comandando pelos EUA com apoio do Brasil, Itália, Holanda, Uruguai e mais 200 cientistas e técnicos de 60 organizações estrangeiras de operação e de pesquisa científica, entre elas o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno – CLBI, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, National Aeronautics and Space Administration – NASA, Comissão Nacional de Atividades Espaciais – CNAE e o Grupo Executivo e de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais – GETEPE, foi a maior operação de lançamentos de foguetes realizadas no país até os dias de hoje, no qual os investimentos realizados pela NASA chegaram ao montante de CR$ 1, 16 bilhões para o custeio da administração do projeto, somados a indenização deixada para a Aeronáutica Brasileira e outras doações materiais. (Ver no anexo de n° 3, imagens 1, 2, 3, 4, 5 e 6)

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1874 a 1910, e posteriormente entre as décadas de 1930 e 1950 (muito em virtude da inauguração da Refinaria de Petróleo Ipiranga em 1936), verificando um retrocesso que perdurou até a década de 1970, quando o „boom‟ do capitalismo contemporâneo eclodiu promovido pelo Governo Civil-Militar e que se estendeu, no Município, até a década de 199022 – a cada novo ciclo de desenvolvimento do capitalismo mundial, lhe foi atribuída uma importante e significativa parcela de responsabilidade na conjuntura do desenvolvimento da Região, do Estado e do país. Inicialmente, os elementos indispensáveis desta proposição constituem-se através da evidência de que, devido a sua condição portuária, a cidade acabou recebendo inúmeros investimentos financeiros que contribuíram para a consecução dos planos de modernização do regime de acordo com o que era uma pretensão enquanto planejamento nacional. O que, de certa forma e até certo ponto, acabou revertido em benesses tanto para a municipalidade quanto para o Estado, pois em Rio Grande em concomitância com o crescimento econômico do país verificado nos primeiros anos da década de 1970,

Mais que profundas modificações na estrutura produtiva ou no padrão de produção, o que ocorreu foi a expansão real do território econômico, com rápida ocupação de “espaços vazios” por empresas multinacionais, empresas privadas nacionais e empresas estatais. Em um primeiro momento, observou-se, basicamente, a recuperação da atividade industrial, através da ocupação de capacidade ociosa acumulada na recessão... Em seguida... os investimentos produtivos adquiriram novo ímpeto, levando à ampliação da capacidade produtiva e à implantação de novas atividades. Assim, o novo ciclo caracterizou-se pelo crescimento, maior integração e diversificação adicional do parque manufatureiro nacional. Além de ganhos de tamanho, houve incrementos qualitativos importantes para a complementação de uma estrutura industrial contemporânea aos padrões vigentes no capitalismo industrial avançado. Essa ampliação

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Ver o estudo que serve como referência para os pesquisadores que dedicam seus esforços de pesquisa na elucidação de problematizações acerca da cidade do Rio Grande entre os séculos XIX e XX. MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2006, Capítulo 2 – O contexto histórico-geográfico da cidade do Rio Grande: a cidade comercial compacta como gênese para o desenvolvimento urbano e fabril. p 63 a 92.

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do espaço econômico possibilitou a compatibilização dos interesses dos três segmentos empresariais, Estado, iniciativa nacional e capital estrangeiro. Na verdade, no intervalo caracterizado pela retomada dos investimentos (grosso modo o triênio 71-73), todos os setores experimentaram ganhos substanciais e vigorosa taxa de acumulação de capital: grandes e pequenos, estrangeiros e nacionais, privados e estatais. 23 Com a criação da Secretaria de Coordenação e Planejamento – SCP/RS, órgão centralizador das decisões do planejamento global da economia gaúcha que propôs juntamente com a PLANISUL S/A – escritório privado de planejamento – a política de industrialização alinhada aos projetos nacionais, surgiu o projeto denominado “Grande Rio Grande (1971-1974)” que tinha como slogan ufanista a frase É tempo de Rio Grande24. A estratégia que consistia em articular a economia do Estado, predominantemente agrícola, que estivera retraída desde 1965, ao programa de crescimento do país, também conhecido como “milagre brasileiro”25 surtiu efeitos rapidamente, principalmente devido à implementação do complexo industrial e portuário 26 de Rio Grande, que possibilitou ampliar a participação da economia gaúcha no cenário econômico nacional. 27 Isso se deu através da substituição do tipo de industrialização que era preponderante na cidade, ou seja, das indústrias de bens duráveis para as indústrias de bens intermediários (fertilizantes, grãos e óleos vegetais) voltados para a importação e exportação, uma vez que, a política econômica do governo Médici, em sua orientação estratégica levada a cabo por Delfin Neto e materializada pelo projeto Brasil Grande Potência, tinha como sua base de apoio o modelo agrícola-exportador.28 Portanto,

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ABRANCHES, Sérgio Henrique. Os despossuídos: crescimento e pobreza no país do milagre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (Brasil: os anos de autoritarismo), 1985, p. 15. 24 O slogan ufanista aparece em uma propaganda de prestação de serviços do Grupo Banrisul. (Ver imagem no anexo de número 3). 25 Cf. TEIXEIRA, Maria Lúcia; VIANNA, Werneck. A administração do milagre: o Conselho Monetário Nacional, 1964-1974. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1987, p. 134-135. No limiar da década de 1970, vivia-se a fase áurea do “milagre brasileiro”, fonte de legitimação de um sistema político fechado que assim ampliava sua capacidade de cooptar dissidentes potenciais e satisfazer as necessidades econômicas e sociais de grupos da elite. 26 Imagem aérea do Superporto do Rio Grande em 1973. (Ver imagem no anexo de número 4) 27 Cf. DALMAZO, Renato. Planejamento Estadual no Rio Grande do Sul – 1959-1974. Ensaios FEE, Porto Alegre, 11 (2), 1991, p. 387. 28 Cf. MACARINI, José Pedro. A política econômica do governo Médici: 1970-1973. Belo Horizonte: Nova Economia, 15 (3), 2005, p. 54.

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[...] criava-se uma grande estrutura com financiamento público e privado para a implantação de uma grande plataforma portuária de importação e exportação, ao mesmo tempo, criavam-se condições para a inauguração de empresas industriais na cidade que acompanhariam tal envergadura portuária [...]29.

Depois de décadas de crises fabris que prejudicaram o desenvolvimento de Rio Grande, o complexo industrial-portuário se apresentava como o grande responsável pela recuperação econômica do município. O pesquisador Marcelo Domingues afirmou que “o porto de Rio Grande foi um dos que mais investimentos recebeu do governo federal tanto nos anos setenta como nos anos oitenta”. 30 Obviamente, grande parte do Rio Grande do Sul que não passava por um bom momento, se beneficiou das operações realizadas nesse complexo, pois os investimentos estatais e privados também fomentaram a ampliação e melhoria das rodovias, com o objetivo de facilitar as exportações – os denominados Corredores de Exportação31 – a tal ponto que, no senso comum da época, originou-se a seguinte frase: “todos os caminhos levam a Rio Grande”. Diante do projeto desenvolvimentista dos governos militares, “com a política de incentivos fiscais, permitindo que as grandes companhias pudessem dispor de recursos públicos para investimentos privados, e de estímulos às exportações” 32, a política portuária é fundamental, basicamente por dois motivos: os portos brasileiros desempenhavam um significativo papel no aspecto geopolítico, bem como, serviram plenamente ao interesse econômico de ampliar o mercado externo. Neste sentido, o porto de Rio Grande e os corredores de exportação que o ligavam ao restante do Estado, constituíam um mecanismo de infraestrutura que confluía com elementos centrais da DSN e defesa da política integracionista do território brasileiro, favorecendo a retórica ufanista que supervalorizava as potencialidades

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MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2006, p. 192-193. 30 DOMINGUES, Marcelo de La Rocha. Superporto de Rio Grande: plano e realidade. Elementos para uma discussão. Dissertação de Mestrado, UFRJ, 1995, p. 8-9. 31 Cf. ALTMAYER, Flávia de Lima & CARNEIRO, Oscar Décio. Cidade do Rio Grande, 270 anos: a mais antiga do Estado. In: Caderno de História N° 33, Rio Grande: Memorial do Rio Grande do Sul, 2007, p. 24. O programa do Governo Federal denominado Corredores de Exportação surgiu da necessidade de estimular as exportações de determinados produtos agrícolas, buscando manter bons índices de crescimento econômico. O Porto de Rio Grande, na condição de único porto marítimo do Estado, foi definido como pólo principal do corredor de exportação do extremo sul. 32 BANDEIRA, Moniz. Cartéis e Desnacionalização. (A experiência brasileira: 1964-1974). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 66.

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nacionais. 33 Desta feita, “uma inabalável fé no progresso do país contagiou segmentos expressivos da sociedade. Estes acreditavam – tal como dizia o slogan ufanista da agência de propaganda do governo – que o Brasil era, de fato, “o país do futuro”.”34 O único periódico que circulou diariamente na “Noiva do Mar”35 – o Jornal Rio Grande foi o porta voz dos setores conservadores municipais, apesar de afirmar-se como apolítico, desenvolveu violenta campanha publicitária contra o governo de João Goulart e a administração municipal de Farydo Salomão 36 – até o ano de 1976, noticiava com euforia a “arrancada rumo ao progresso”, em virtude dos investimentos realizados na cidade.

[...] É o Porto reaparelhando-se para enfrentar a extraordinária movimentação; é o esplendido aprimoramento de nosso setor cultural; é a pecuária que se organiza; é a pesca que se desenvolve num ritmo admirável; é, enfim a economia municipal que se agiganta... Rio Grande, agora tem o que mostrar; e tem o que oferecer... Cada pessoa, cada coisa, tem a sua hora: a nossa chegou... Não podemos perdê-la.37

Em outro trecho retirado do mesmo periódico, novamente reaparece tal afirmação, porém, a linha editorial do jornal faz questão de mencionar também a importância do governo militar e suas ações na região como responsáveis pelo momento de crescimento econômico que transcorria no município. Fica mais fácil entender por que esse foi o único periódico que circulava diariamente, apesar do silenciamento imposto pela censura a grande parte da imprensa brasileira durante a década de 197038.

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Cf. ALVES, Francisco das Neves. Porto e Barra do Rio Grande: História, memória e cultura portuária. Porto Alegre: CORAG, vol. II, 2008, p. 600-601. 34 CORDEIRO, Janaina Martins. Anos de chumbo ou anos de ouro? A memória social sobre o governo Médici. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 22, n° 43, 2009, p. 86. 35 Apelido dado à Rio Grande devido a sua condição geográfica de cidade circundada pelo Oceano Atlântico e Estuário da Lagoa dos Patos. 36 Cf. GANDRA, Edgar Ávila. O cais da resistência: a trajetória do sindicato dos trabalhadores nos serviços portuários de Rio Grande no período de 1959 a 1969. Cruz Alta: UNICRUZ, 1999, p. 85. 37 Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 10/01/1970, p. 1. 38 Cf. GENTILI, Victor. O jornalismo brasileiro do AI-5 a distensão: “milagre econômico”, repressão e censura. Santa Catarina: Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. I, N° 2, 2° Semestre de 2004, p. 91. A imprensa como uma espécie de porta-voz de seu tempo, acompanha as ambivalências do momento. Ora adere ou simplesmente se cala, ora reage, sinalizando para o leitor os acontecimentos, às vezes buscando sua cumplicidade.

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[...] ressaltamos em várias oportunidades o fato de o nosso Porto ter reassumido a sua importância no complexo portuário nacional... Tais melhoramentos são consequência da reformulação política portuária, levada a efeito logo após o movimento regenerador de 31 de Março [...]39.

A propaganda política favorável ao Golpe de 1964 em âmbito local, comum a muitos jornais de diversas partes do país 40, bem como, as posteriores intervenções financeiras no reaparelhamento do Porto41, aliadas ainda ao amplo uso da propaganda política que também enfatizava o crescimento econômico promovido pelo governo Médici em âmbito nacional 42, fez com que grande parte dos riograndinos olhasse com estimado apreço para as diversas ações atribuídas aos militares na cidade. Era comum o periódico local estampar, em sua capa, uma grande imagem do General Médici, exaltando sua figura e seu modo de governo, normalmente imbricadas com as melhorias realizadas no porto, de modo a persuadir os leitores de que com Médici e os militares, Rio grande estava no caminho certo. Em âmbito nacional, a perspectiva otimista acerca da grandeza do país devido ao “milagre brasileiro” 43 e a conquista da Copa do Mundo influenciaram a propaganda política do período.44 Desse modo, este periódico acabou

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Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 16/01/1970, p. 1. Cf. LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2010, p. 129. 41 Cf. ALTMAYER, Flávia de Lima & CARNEIRO, Oscar Décio. Op. Cit., p. 24. Com o reaparelhamento do Porto, foram construídos dois armazéns graneleiros, a dragagem da Barra e do canal de acesso (permitindo a entrada de navios de até 40 pés), a implantação de um novo frigorífico, e a instalação de transbordadores para a descarga das embarcações do tráfego fluvial e marítimo. De 1970 a 1976 o complexo industrial e portuário do Rio Grande contava com a presença de empresas privadas como o terminal graneleiro da COTRIJUI, o de fertilizantes da LUCHSINGER-MANDORIN, as instalações da FERTISUL, da WIGG S/A (pescados), e da SAMRIG (farelo). No Anuário de Portos e Navios de 1976, consta para o Porto do Rio Grande um total de 23 armazéns internos, um externo, dois frigoríficos e um silo. Dentre os terminais aparecem a COTRIJUI (trigo e cereais, que um ano depois inaugura uma fábrica de óleos vegetais – ver imagens no anexo de número 5), Carvão (Parque de Carvão), Contentores (Um píer em construção para terminal de contêineres), Píer Petroleiro (explosivos, inflamáveis, etc), bem como, terminais projetados ou em construção destinados a produtos como fertilizantes e carnes. 42 Cf. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1985, p. 150. 43 GIAMBIAGI, Fábio; VELOSO, Fernando & VILLELA, André. Determinantes do “Milagre” Econômico Brasileiro (1968-1973): Uma Análise Empírica. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, v. 62, n° 2, 2008. Neste estudo, os pesquisadores verificam em que medida o “milagre” decorreu da situação externa favorável, do desempenho de variáveis da política econômica no período 1968-1973 e das reformas institucionais do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) do Governo Castello Branco (1964-1967). 44 Para um melhor aprofundamento sobre o assunto ver especialmente o capítulo 5, intitulado A propaganda da ditadura na obra de FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 121 a 147. 40

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contribuindo para que os riograndinos entendessem que a exploração das potencialidades da cidade auxiliava no crescimento do país, o que acentuava o bairrismo e, ao mesmo tempo, o sentimento de fazer parte, de pertencer ao projeto nacional de um país que estava dando certo. Pode-se considerar a manifestação do Presidente como um “clímax” desta revolução experimentada por Rio Grande, desde a segunda metade do ano passado, em que despontou a aurora do desenvolvimento,

ansiosamente

esperado

por

gerações

de

batalhadores, que tiveram a coragem de permanecer aqui, no campo da luta, confiantes num futuro que tardou a chegar, mas já se vislumbram dos mais brilhantes.45

A relação desse periódico com as forças armadas foi tão amistosa, que em 1993, poucos anos de seu falecimento, seu ex-gerente foi agraciado com a Medalha “Mérito Tamandaré”, honraria concedida aqueles que tenham prestado relevantes serviços na divulgação ou no fortalecimento das tradições da Marinha, honrando seus feitos ou realçando seus vultos históricos.46 A Universidade Federal do Rio Grande (URG) também ilustra muito bem a relação de interesse entre os riograndinos, a iniciativa privada local e o regime. 47 Antes mesmo de ser fundada em agosto de 1969 – desde 1953 através do esforço da indústria, comércio e Prefeitura Municipal atuava de modo privado como Escola de Engenharia Industrial48 – em janeiro de 1969, Arthur da Costa e Silva esteve em Rio Grande49, no Teatro Sete de Setembro, onde foi paraninfo de duas turmas recém formadas. A comitiva presidencial presente no evento era composta pelo Governador do Estado, Peracchi Barcelos, o chefe da Casa Militar da Presidência, Jaime Portela, o Ministro dos Transportes Mário Andreazza e o interventor federal, Armando Cattani. Este último relatou a um repórter do jornal Diário Popular da 45

Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 02/03/1970, p. 2. Disponível em: Consulta realizada em 02/01/2010 as 00h34min. 47 Em 1966, a Ipiranga através da Refinaria do Rio Grande, efetuou uma doação no valor de 100 milhões de cruzeiros, garantindo assim a construção da Faculdade de Medicina da URG. Cf. MARTINS, Denise. Ipiranga: A trajetória de uma refinaria em Rio Grande (RS). Rumo à consolidação de um grupo empresarial. Dissertação de Mestrado em História, PUC/RS, 2008, p. 107. 48 Cf. ALMEIDA, Ivety Ribes de Almeida. Engenharias e Ciências Exatas. In: ALVES, Francisco das Neves (org.). Fundação Universidade Federal do Rio Grande: 35 anos a serviço da comunidade. Rio Grande: Ed. da FURG, 2004, p. 14 a 16. 49 Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 02/01/1970, p. 2. 46

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cidade de Pelotas, que a vinda de Costa e Silva a Rio Grande não tinha como objetivo somente paraninfar a turma de 1968, mas sim, de anunciar a criação da URG 50, o que acabou acontecendo alguns meses depois, através do decreto-lei 774, que oficializou sua fundação, facilitada pelo AI-5 que dava plenos poderes a Costa e Silva. 51 Em outras palavras, a fundação da Instituição está diretamente ligada à ditadura, ou seja, a criação da URG acabou ocorrendo sob a tutela do regime militar.52 O aumento dos investimentos, do número de vagas e da contratação de professores para educação superior, com Médici a frente do governo53, fez com que a URG – hoje FURG – ampliasse sua participação junto aos setores da indústria local 54, através da capacitação de mão-de-obra especializada e do aporte técnico, devido à abertura de novos cursos de graduação. Desta forma, muitos jovens recém-formados não precisariam mais deixar a cidade, como de costume, em busca de trabalho, pois existiam oportunidades de emprego em suas áreas de atuação. Essa era uma reivindicação antiga da população riograndina e dos estudantes55 que pretendiam permanecer na cidade e investirem sua formação in loco. Logo, a euforia dos estudantes em relação à criação, inicialmente dos cursos de engenharia e posteriormente da URG era muito grande, afinal, como a existência de mão-de-obra treinada para suprir as necessidades de modernização da economia brasileira era extremamente escassa, possuir uma formação, quase sempre, oportunizava aos profissionais uma excelente remuneração, que em muitos casos, era superior à de categorias equivalente em países mais desenvolvidos.56 Isso talvez possa justificar, em parte, a proximidade que o movimento estudantil e a União Rio-Grandina dos Estudantes Secundaristas (URES) mantiveram ao longo dos anos em relação ao regime. 50

Cf. MAGALHÃES, Mário Osorio. Engenharia, Rio Grande: História & algumas histórias. Pelotas: Ed. Armazém Literário, 1997, p. 38. 51 Decreto-Lei 774 – 20 de agosto de 1969. In: Universidade Federal do Rio Grande. FURG 40 Anos: revelando seus espaços. Rio Grande: Editora da FURG, p. 20. 52 Cf. KANTORSKI, Leonardo Prado. Expurgos de Docentes na Lógica da Doutrina de Segurança Nacional: O caso da FURG (1969-1977). Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPEL/RS, 2011, p. 65-66. 53 Cf. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 282. 54 Cf. FRIDERICHS, Lidiane Elizabete. Saindo dos Trilhos: Os ferroviários riograndinos durante a Ditadura Civil-Militar (1960-1970). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, 2013, p. 57. O Município de Rio Grande possuía certo ritmo/movimento operário, contando com diferentes espaços fabris, bem como, Vilas e Bairros constituídos basicamente por trabalhadores que deixaram marcas históricas no tecido social da cidade. 55 A União Rio-Grandina dos Estudantes Secundários (URES) foi fundada em 22 de agosto de 1954. Pouco tempo depois, os estudantes secundaristas dos cursos „Clássico‟ e „Científico‟ trataram de organizar uma passeata realizada no centro comercial da cidade, na qual reivindicavam a criação de uma escola de ensino superior. (Ver imagem no anexo de número 6) 56 Cf. MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. A Economia e a Abertura Política: Bases para um Novo Pacto social. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981, p. 19.

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O movimento estudantil desenvolvido pela URES foi muito identificado com a política do partido da base governamental. Através das atividades que desenvolveu, a URES projetou politicamente suas lideranças, fazendo com que muitos deles, ocupassem diversas Secretarias Municipais e cadeiras no Legislativo. O processo de renovação das elites políticas locais, em grande medida foi de responsabilidade do senhor Renato Tubino Lempek, que foi presidente da URES no ano de 1971 e fundador do ARENA Jovem Municipal. Ao aceitar o convite do Interventor Cid Scarone Vieira para ser candidato a vereador, Renato Lempek acabou eleito aos dezenove anos em 1972, permanecendo no cargo por dez anos. A partir da liderança de Lempek e seus sucessores, a URES despontou como uma das mais importantes organizações estudantis do Rio Grande do Sul57.

Fundei a ARENA Jovem no município o partido era velho e arcaico o qual demos sangue novo com bons e jovens companheiros. Da equipe fizeram parte, jovens como Luiz Francisco Spotorno e Clóvis Ramos que depois mudaram de rumo e se filiaram ao PT. O primeiro hoje vereador e o segundo ex-vereador. Tínhamos um prefeito, que mesmo sendo militar, apostava nos jovens, apoiava todas as nossas iniciativas [...]58

O apoio do Interventor ao movimento estudantil alinhado ao ARENA, fez com que em 1975, Cid Scarone ao transferir o cargo a Rubens Emil Corrêa, recebesse o reconhecimento e a homenagem das lideranças da URES 59. A simpatia mutua entre a URES e o Executivo Municipal, também se fez sentir em relação aos principais personagens da política nacional da época. Ao que tudo indica, algumas lideranças da URES fizeram questão de demonstrar seu apoio incondicional ao Regime, dando a impressão de que todo o movimento estudantil riograndino compactuava, ou deveria compactuar com suas diretrizes partidárias.60

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Cf. Documentário sobre os 50 anos da União Rio-Grandina dos Estudantes. Pesquisa, produção e apresentação: Willy Cesar. Gravado nos Estúdios da Rádio Universidade FM, em julho de 2003. 58 Entrevista cedida por e-mail em 22/02/2011. 59 Cf. Jornal A UNIÃO – Órgão Oficial da União Rio-Grandina dos Estudantes. (Edição Extraordinária): Rio Grande – RS; agosto de 2003, p. 3. 60 Encontro entre as lideranças da URES e os Generais-Presidentes. 1) Emilio Garrastazu Médici e Clóvis Primo, presidente da URES em 1974, saúdam a população riograndina. 2) Renato Tubino Lempek, Paulo Renato Cuchiara (presidente em duas gestões, 1968-1969) e Ernesto Geisel. (Ver imagens no anexo de número 7)

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Fazendo uso deste partidarismo, a URES atuou em diversas frentes sócio-culturais, e realizou muitas atividades voltadas aos estudantes riograndinos, entre elas destaco: o incentivo às artes cênicas (em 1976 o Grupo de Teatro Cacilda Becker, da Escola Juvenal Miller, representando a URES vence o 2° Festival Estadual de Teatro com a peça „As aventuras espaciais de Luizinho e Jujuba‟, sob a direção de André Loureiro) 61, práticas esportivas (em 1973, a URES sediou a olimpíada estadual de âmbito estudantil e, em 1975, a delegação riograndina conquistou o troféu olímpico em Caxias do Sul) e a realização dos Festivais Intercolegiais da Canção – FICC, nos anos de 1972, 73, 75 e 76.62 Ainda merece ser destacada nesta conjuntura, a atuação de uma das figuras mais ilustres da cidade, porta-voz dos anseios de grande parte da população riograndina, que gozava de enorme influência no círculo do poder da época. Conforme entrevista cedida por um oficial da reserva, Golbery do Couto e Silva participava ativamente do planejamento e execução dos projetos municipais. O oficial também afirmou que Golbery enviava com frequência grandes remessas de dinheiro para Prefeitura Municipal; “era só pedir que o dinheiro chegava, às vezes demorava um pouquinho, mas sempre chegava”. 63 Demonstrando enorme descontentamento, o oficial ainda ressaltou que uma boa parcela do dinheiro que chegava acabava sempre indo parar no bolso de um, ou outro, indivíduo corrupto que integrava a administração municipal. A generosidade de Golbery do Couto e Silva com a cidade e seus conterrâneos, fica ainda mais evidente no depoimento prestado pelo então presidente da União Regional dos Estudantes do Estado (URESE) e atualmente professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande, o senhor Péricles Antônio Fernandes Gonçalves. Segundo ele, os estudantes secundaristas realizaram inúmeras passeatas em prol da criação de uma universidade em Rio Grande, inclusive, chegaram a levar comitivas até Brasília, no sentido de contatar Golbery para que agilizasse o processo de criação da instituição de ensino. Péricles também testemunhou que “havia certa reação contrária, porque segundo o pensamento da época, era muito complicado criar uma nova Universidade Federal a cinquenta 61

Cf. Jornal A UNIÃO – Órgão Oficial da União Rio-Grandina dos Estudantes. (Edição Extraordinária): Rio Grande – RS; agosto de 2003, p. 4. 62 Cf. Jornal A UNIÃO – Órgão Oficial da União Rio-Grandina dos Estudantes. (Edição Extraordinária): Rio Grande – RS; agosto de 1994, p. 2-3. 63 Entrevista cedida em 11/08/2010. Uma das exigências do depoente foi que seu testemunho permanecesse no anonimato. Segundo o entrevistado, a atuação de Golbery do Couto e Silva se deu quando ele ocupava o posto de sargento do exército na administração dos interventores Ten. Cel. Cid Scarone Vieira e Rubens Emil Correia, ou seja, ao longo de toda a década de 1970.

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quilômetros de uma outra,” – fazendo referência a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) – “porque na verdade havia, com algumas exceções uma Universidade Federal por Estado, e o Rio Grande do Sul já tinha três.” O entrevistado conclui que o fato de Rio Grande receber uma instituição de ensino superior, diante do contexto brasileiro da época foi “algo meio inédito”64. Além de ter contribuído decisivamente para que Rio Grande e os riograndinos obtivessem a tão almejada instituição de ensino superior, Golbery continuou auxiliando no crescimento da Universidade ao longo dos anos. Como afirma o professor Péricles Antônio:

A participação foi bem efetiva! Isso se estendeu até bem depois, os favorecimentos para a Universidade. Eu fui Superintendente de Extensão e Chefe de Gabinete da gestão Pedone [Reitor Fernando Lopes Pedone], e nesta gestão a ligação entre o Reitor daqui era quase que diária, no sentido de conseguir verba, de conseguir apoio... Muitas coisas foram conseguidas por conta desse relacionamento.65

O trecho mostrado a seguir, extraído de um telegrama oficial da Prefeitura Municipal, endereçado a Golbery, que foi enviado pelo Reitor da URG em 1979 corrobora o testemunho anteriormente exposto: “Voltamos presença a Vossa Excelência após ter sido discutido o orçamento da URG, a fim de solicitar seu vivo empenho, no sentido de que seja aprovada a solicitação Cr$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de cruzeiros) via orçamentária”. 66 Em 1976, o então deputado federal Nelson Marchezan, juntamente com Renato Tubino Lempek, Paulo Renato Cuchiara e Carlos Alberto Badejo (ex-presidente da URES em 1964), viajaram até Brasília para um encontro particular com Golbery. 67 Neste encontro foi formalizado o pedido de federalização da URG, o que garantiria a gratuidade do ensino superior na cidade, o que acabou ocorrendo no mesmo ano.

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Entrevista cedida em 11/01/2011. Idem ao n° 64. 66 Telegrama Oficial Municipal de 19/06/1979. Era comum na época a utilização de abreviaturas nas palavras que compunham o conteúdo dos telegramas. Optei em não citar a forma abreviada na qual as palavras se encontram, mesmo assim, respeitei todas as palavras, a construção e a coesão textual originais do telegrama. (Ver imagem do documento no anexo número 8). 67 Encontro entre Golbery do Couto e Silva, o deputado federal Nelson Marchezan, Renato Tubino Lempek, Carlos Alberto Badejo e Paulo Renato Cuchiara. (Ver imagem no anexo número 9) 65

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Buscar apoio através da influência que Golbery possuía, talvez tenha se caracterizado como uma prática comum da administração municipal e da URG, tendo em vista, a finalidade de preservar e investir ainda mais em tudo o que já tinha sido feito, e assim, estreitar a relação de ambas com a população riograndina, e consequentemente com o regime autoritário. Uma das ações mais mirabolantes de Golbery em Rio Grande, diz respeito ao seu envolvimento no projeto de construção do canal adutor da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), que deveria levar água até o complexo industrial-portuário, colocado em atividade logo após receber a anteriormente mencionada série de investimentos do governo federal. O projeto de construção do canal adutor, que deveria captar água do Canal São Gonçalo68, curiosamente não passou pela votação na Câmara dos Vereadores que o rejeitou. Péricles Antônio relata o modo como o interventor Cid Scarone Vieira e Golbery do Couto e Silva resolveram esse inconveniente que retardou o início das obras: [...] o Coronel Cid telefonou pro Golbery... O Golbery num „canetaço‟ fechou a Câmara... O Prefeito por decreto passou pra Corsan... Imediatamente um dia depois foi reaberta a Câmara, mas já tinha passado [o projeto], e por conta disso foi construído o canal adutor. Foi por conta da criação do Super Porto e do Distrito Industrial que havia necessidade de água para as indústrias que vinham se instalar e nós não teríamos condições de fazer. Eu não sei se o meio foi certo, a forma foi certa, o método foi certo, só que senão tivesse acontecido isso, nós teríamos tido um problema sério com água em Rio Grande. 69 O “canetaço” de Golbery do Couto e Silva, metáfora utilizada pelo entrevistado para aludir à imposição de uma portaria ministerial que fechou a Câmara e consequentemente 68

O São Gonçalo é uma divisa natural entre as cidades do Rio Grande e Pelotas. Uma via fluvial que liga a Lagoa Mirim e a Lagoa dos Patos, e tem como seu principal afluente o Rio Piratini. 69 Entrevista cedida em 11/01/2011. Cf. DOMINGUES, Marcelo de La Rocha. Op. Cit., p. 19. Para o Superporto, o Distrito Industrial e os Corredores de Exportação no Estado, foram aplicados mais de quatro bilhões de dólares. Em relação ao investimento especificamente no setor secundário, de empresas de fertilizantes e de óleo de soja, as cifras chegaram ao valor de 365 milhões de dólares, acrescido da quantia de 500 milhões de dólares para infraestrutura que abrigaria estas empresas. Nos terminais destinados ao armazenamento de grãos, containers, óleos vegetais, produtos químicos e petroquímicos, assim como carga geral foi investidos 129 milhões de dólares. Somados os investimentos, que ainda abrangeram; rodovias, energia elétrica, estruturas ferroviárias, telecomunicações, abastecimento de água e desapropriações, chegam ao montante de 3.041,80 milhões de dólares.

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vetou a decisão dos vereadores70 da cidade, fornecendo plenos poderes ao executivo municipal e total autonomia decisória sobre o projeto de captação de água que deveria suprir as necessidades do complexo industrial-portuário, indica que não houve limites para alcançar os níveis de desenvolvimento propostos pelo Governo Federal em Rio Grande. Em realidade, conforme a cobertura jornalística realizada pelo O Peixeiro 71 havia muita dificuldade de captação dos recursos necessários à construção do canal adutor, orçado em 15 milhões de cruzeiros. Reconhecendo a importância da obra para as futuras instalações do complexo industrial-portuário, o interventor Cid Scarone Vieira, determinou como prioridade a busca de recursos internos ou externos, destinados à execução do planejamento 72, que em outros termos também visava à implantação da infraestrutura da Zona Industrial, financiada pelo Banco Mundial na ordem de 50 milhões de dólares 73. O problema de captação de água para o pleno funcionamento do porto marítimo e das indústrias, – melhorias na qualidade de vida da população riograndina, através da captação, tratamento e distribuição de água, não foi destaque nas páginas deste semanário – começou a ser solucionado logo após uma reunião entre o interventor Cid Scarone e o ainda não nomeado Governador do Estado, o senhor Euclides Triches. Nesta reunião, que contou com a presença do engenheiro Francisco Martins Bastos (superintendente técnico e presidente da Refinaria de Petróleo Ipiranga em Rio Grande), ficou estabelecida a garantia de apoio financeiro por parte do Governo do Estado, com relação à verba que faltava para a execução da primeira fase do projeto São Gonçalo. 74 Após conseguir o apoio financeiro do Governo do

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Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 23/03/1976, p. 2. Quase quatro anos depois do término das obras da CORSAN, o vereador Athaydes Rodrigues (MDB) solicitava „vistas‟ aos termos dos convênios firmados entre a Prefeitura e a contratada. No mesmo trecho, o vereador Washington Ballester de Sá Freitas (ARENA), afirmou que “quando tomou conta em Rio Grande, a CORSAN estava quase falida, e um dos que poderia perder o emprego com isso era parente do então governador Euclides Triches”. O vereador Athaydes de Rodrigues considerou que “a imposição da CORSAN a Rio Grande teve caráter de exemplo. Era preciso que uma cidade aceitasse a Companhia para que outras a seguissem, pois as cidades maiores não estavam interessadas em seus serviços.” 71 Este semanário, assim como o Jornal Rio Grande, apoiava toda e qualquer iniciativa do Governo Federal, bem como, realizava homenagens aos presidentes ditadores brasileiros e até mesmo de países vizinhos. Por ocasião da inauguração da pavimentação da BR 471, em maio de 1970, O Peixeiro prensou uma edição especial denominada “Nossa Homenagem” em comemoração ao encontro dos ditadores Emílio Garrastazu Médici e Jorge Pacheco Areco. (Ver imagens no anexo de número 10). 72 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 24/01/1971, p. 11. 73 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 28/06/1970, p. 7. 74 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 21/02/1971, p. 11.

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Estado, o Executivo Municipal tratou de ultimar as negociações com a CORSAN. A seguir, exponho como O Peixeiro 75 noticiou as últimas tratativas:

Após cerca de 9 horas de debates, foram finalmente superadas as divergências entre as pretensões de Rio Grande e as cláusulas de convênio-padrão que aquele órgão estadual pretendia impor ao Executivo rio-grandino. As partes irão agora proceder à redação final da minuta que será submetida à Câmara Municipal, ao Governo do Estado e à Direção do BNH, organismo que financiará as obras de abastecimento à Cidade, ao Distrito Industrial e ao Superporto.76

O canal adutor começou a ser construído com ajuda do Governo do Estado e financiamento do Banco Nacional da Habitação (BNH), pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), no mesmo ano em que Emílio Garrastazu Médici 77 visitou as obras do terminal de carga e descarga de grãos da empresa Cotrijuí. 78 Tudo leva a crer que entre as divergências existentes nas cláusulas de convênio-padrão, esteja a principal motivação de Golbery do Couto e Silva 79 para o fechamento da Câmara Municipal, pois em outro trecho do artigo citado anteriormente consta que: A administração e a exploração 75

Apesar de apoiar abertamente os planos desenvolvimentistas do Governo Federal, nesta época, O Peixeiro foi um órgão de imprensa que esporadicamente buscou denunciar as contradições sócio-econômicas existentes em Rio Grande. Uma matéria de capa do dia 24/09/1972 com imagens que mostravam a miserabilidade na qual viviam alguns riograndinos, na margem da Lagoa dos Patos residindo em palafitas, denominada “Rio Grande – Superporto. De quem é a culpa: É minha? É sua? Será nossa? Será deles?” denunciava: “Os clichês mostram “in natura” e sem quaisquer distorções, a negra verdade em que soçobram punhados de famílias marginalizadas, ignoradas pela ufania do progresso.” A linha editorial deste semanário parecia defender a ideia de que o progresso era necessário, mas não a qualquer preço, pois as melhorias deveriam vir acompanhadas da responsabilidade social. (Ver imagens nos anexos de número 11). 76 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 14/11/1971, p. 10. 77 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 10/03/1974, p. 1. Emílio Garrastazu Médici esteve novamente em Rio Grande, antes de ser sucedido por Ernesto Geisel, inaugurando o terminal de cereais do Porto. Segundo este semanário o “Presidente da Nação... recebeu do povo riograndino a recepção calorosa de quem agradece, pelo muito de transformação e progresso recebidos pelo município em sua gestão.” Explicitamente, as frequentes visitas de Médici, inspecionado ou inaugurando obras consideradas de extrema relevância para o desenvolvimento do país, contribuíam para aumentar os laços de afinidade da população riograndina com o regime autoritário. 78 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 22/10/1972, p. 3. 79 Cf. COUGO, Francisco Alcides Jr. Golbery e a Cidade Surreal: O embate entre mídia hegemônica e “mídia alternativa informal”. Trabalho de especialização apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Ética, Educação e Direitos Humanos – da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2013, p. 17. Cinco meses após a morte de Golbery, no dia 05 de fevereiro de 1988, o então prefeito de Rio Grande, Rubens Emil Correa, condecorou postumamente o general com a Ordem de Silva Paes, mais alta comenda citadina. Rubens Emil Correa justificou assim tal homenagem: Considerando que o agraciado, durante os longos anos em que esteve ligado ao Governo Federal e mesmo depois disso, procurou ajudar sobremaneira no desenvolvimento da terra que lhe serviu de berço, num esforço muito superior às meras obrigações e cargos que ocupou, tendo sempre, em vida, recusado agradecimentos e homenagens.

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industrial do sistema de abastecimento de água da cidade-marítima, como já foi dito, continuarão sob a responsabilidade do Serviço Riograndino de Água e Esgoto – SRGAE.80 Ao confrontar as informações fornecidas por Péricles Antônio com o conteúdo dos artigos de O Peixeiro, foi possível especular que o projeto de construção do canal adutor não passava pela aprovação da Câmara de Vereadores, provavelmente porque os edis pretendiam que a manutenção dos serviços de distribuição de água na cidade, ficassem a cargo do Serviço Riograndino de Água e Esgoto. O projeto não passava pela Câmara porque a maioria que compunha o Legislativo não aceitava que, após o término das obras, a CORSAN explorasse os serviços de água e esgoto do município. Esta especulação ganha contornos verossímeis, devido iniciativa do interventor municipal, que extinguiu a SRGAE, e, em seguida cedeu os direitos de exploração dos serviços, bem como, todo o patrimônio da SRGAE para a CORSAN. 81 A administração municipal da cidade entre os anos de 1970 a 1975, que por ser Área de Segurança Nacional, esteve a cargo do então intendente nomeado pelo governador do Estado com prévia autorização do Presidente da República 82, foi de responsabilidade do Ten. Cel. do Exército Cid Scarone Vieira, que possuía ampla simpatia dos riograndinos, sobretudo porque, nos quase cinco anos que esteve à frente do executivo, investiu na pavimentação de ruas e avenidas, limpeza de praças, jardins e melhorou a iluminação pública, além de ter colocado em dia os salários do funcionalismo público municipal, tudo isso através da intervenção direta do governo federal. 83 Scarone ainda foi presidente da Associação dos Municípios da Zona Sul e devido a sua atuação, tanto no município quanto fora dele, recebeu da Rádio Tupancí de Pelotas, o prêmio Personalidade do Ano da Zona Sul do Estado. 84 A continuação das obras de melhoria da infraestrutura urbana85 e a prática recorrente da propaganda de seu governo e da cidade tornavam o interventor Cid Scarone uma espécie 80

O Peixeiro: Rio Grande – RS; 14/11/1971, p. 10. Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 21/01/1973, p. 1. 82 Cf. ASSIS, José Carlos de. Os Mandarins da República: anatomia dos escândalos na administração pública, 1968-84. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 14. 83 Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 02/01/1970, p. 1. 84 Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 04/01/1970, p. 1. 85 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 03/02/1974, p. 3. O Secretário Municipal de Coordenação e Planejamento viajou até Brasília, a fim de entregar a documentação que faltava, para que o Banco do Brasil liberasse um empréstimo no valor de Cr$ 9.528.000,00. Este montante foi dividido em quatro partes, respectivamente, para cada uma das quatro etapas das obras que abrangeram a drenagem de ruas, construção de galerias pluviais, pavimentação de ruas, construção de abrigos para usuários de transporte coletivo e ampliação da rede de iluminação pública. 81

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de celebridade, tanto em Rio Grande quanto em outros municípios da Região. Nem mesmo as denúncias de corrupção contra seus assessores, conseguiram abalar a credibilidade do interventor municipal. 86 Em seu governo foi confeccionado um folheto colorido de divulgação do município, com o objetivo de atrair turistas e novos investidores. 87 Após a confecção dos 20.000 folhetos, financiados pela iniciativa privada, um funcionário público municipal foi designado para efetuar a distribuição por diversas partes do País. Em sua viagem de trabalho, o funcionário cedeu entrevistas em emissoras de rádio e televisão como a Record e a TV Cultura. Nem o famoso animador Abelardo Barbosa, vulgo Chacrinha, escapou de receber um folheto promocional da “Noiva do Mar”.88 Também com o objetivo de atrair turistas para conhecerem o “único porto marítimo do Estado, a maior praia do Atlântico Sul e o maior parque industrial-pesqueiro do Brasil” foi financiada pela Ipiranga e Arrieche-Pinturas a colocação de um painel de divulgação dos atrativos da cidade na BR 271, fixado no entroncamento da estrada que leva ao Uruguai. Com o mesmo objetivo dos panfletos e do painel, foi levada a frente à proposta cinematográfica de divulgação da cidade. O filme sobre as potencialidades da “Noiva do Mar”, que deveria ser exibido em cadeia nacional de cinemas e TVs, custaria aos cofres da Prefeitura Municipal a quantia de Cr$ 30.000,00. Valor que, apesar de considerado baixo, até mesmo pelo editorial de O Peixeiro, a Prefeitura não tinha para pagar.89 Depois de pronto, o documentário de 13 minutos, foi exibido nas salas de cinema da cidade e enviado aos circuitos cinematográficos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. 90 Ainda que Cid Scarone possuísse amplo reconhecimento e influência política dentro e fora do município, nem sempre suas ações gozavam de unanimidade. Não concordando com o destino da distribuição das rendas públicas, que em boa parte seriam aplicadas em obras de caráter puramente político, a bancada de oposição do Legislativo, promoveu uma intensa manifestação contrária, referente ao Plano de Desenvolvimento de Rio Grande (PLADERG), 86

Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 18/03/1973, p. 1 e 5. Foi enviada ao Secretário do Interior e Justiça, uma carta denúncia contendo várias acusações a administração de Cid Scarone. O conteúdo da matéria publicada por este semanário, afirma que o próprio interventor solicitou que fosse realizada ampla investigação na Prefeitura Municipal, o que acabou sendo feito através de uma comissão de confiança do Governador do Estado, que depois de apurar detalhadamente os fatos, nada encontrou de irregular. Infelizmente, não consta nenhum registro deste acontecimento em toda a documentação pesquisada que pertencia a Secretaria de Ordem Política e Social do Rio Grande – SOPS/RG. 87 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 01/02/1970, p. 7. 88 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 14/03/1971, p. 6. 89 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 31/01/1971, p. 12. 90 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 19/12/1971, p. 5.

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que estabelecia a execução de tarefas dentro do triênio 1970-1972.91 Apesar de toda a manifestação o Plano acabou sendo executado como fora proposto pelo Executivo. O Jornal Rio Grande noticiou assim a manifestação:

Embora haja harmonia entre o Legislativo e o Executivo, também nota-se que, nem sempre tem sido muito pacifica a solução dos problemas municipais... A distribuição das rendas públicas, entretanto, tem gerado algumas batalhas parlamentares, o que de resto, é bem característico de uma democracia, onde os problemas de uma comunidade são debatidos em clima de liberdade... Como dissemos no início, o episódio é uma consequência, mesma, do regime democrático e vem ressaltar a existência da Oposição que, em última análise, é governo, funcionando para evitar a possíveis erros ou injustiças. Há a compreensão e o respeito devidos a ambos: situação e oposição.92

Interessante ver o tom de apaziguamento que o Jornal Rio Grande dá a notícia, como se pretendesse acalmar a população e mascarar a atuação da oposição, até mesmo em momentos nos quais, a reação da oposição derivasse de motivações para o bem comum. Como argumento, esse periódico afirmava que esses acontecimentos eram corriqueiros em regimes democráticos e que a oposição, “em última análise”, também é governo. Aparentemente, a cidade passava por um período de prosperidade e de normalidade política e social. Em outro acontecimento que envolveu o edil do MDB, Washington Ballester de Sá Freitas, e sua denúncia na Câmara dos Vereadores, sobre um indivíduo que compunha o grupo de auxiliares do interventor municipal, como sendo um “elemento pernicioso” a sua administração, uma vez que, em função do cargo que ocupava acabou idealizando um “grupo econômico” que “estava se assenhorando de muitas coisas”, foi noticiado pelo Jornal Rio Grande através de uma solicitação ao Executivo Municipal para que tivesse a máxima atenção, no sentido de averiguar a denúncia93.

91

Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 16/01/1970, p. 8. Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 06/01/1970, p. 2. 93 Cf. Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 25/05/1971, p. 1. 92

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Uma Comissão Permanente de Sindicância foi criada pelo interventor Cid Scarone, que convidou o vereador Washington Ballester a prestar maiores esclarecimentos sobre suas declarações. A criação da Comissão de Sindicância foi vista de maneira positiva pelo Jornal Rio Grande, como uma prova evidente de que Cid Scarone pretendia “fazer um governo de portas abertas, doa a quem doer.”94 O vereador após aceitar o convite, afirmou que agiu desta maneira, para evitar que fatos como este pudessem denegrir a administração do Ten. Cel. Cid Scarone. O Jornal Rio Grande tratou de defender o vereador e a administração municipal com as seguintes palavras:

[...] O Dr. Washington Ballester Freitas, que foi dos pregadores da Revolução tal como este jornal, tendo combatido o comunismo numa época em que a tarefa não era fácil como hoje, e muita gente boa se metia em baixo da cama ou entregava com a mão trêmula, as contribuições em dinheiro que a subversão angariava, considera-se em posição muito cômoda para defender os princípios da decência administrativa [...]95

O que a linha editorial do Jornal Rio Grande não sabia ou preferiu omitir, foi que o vereador Washington Ballester vinha sendo investigado pela Secretaria de Ordem Política e Social do Rio Grande – SOPS/RG, por sua participação naquilo que esse órgão entendia como sendo uma “indústria de acidentes em Rio Grande”. Um trecho do resultado da investigação que contém dez páginas expõe assim as atividades de Ballester com os estivadores que trabalhavam no Porto da cidade:

[...] o Dr. Ballester, tem participado da Indústria de Acidentes, como patrono dos segurados do INPS, que trabalham na estiva local. Sabese também que certos empregados da estiva quando faziam uma boa tarefa e recebiam um salário regular, estes procuravam se acidentar, para poderem receber o seguro acidente que era calculado na base do último dia de trabalho [...]96 94

Cf. Jornal Rio Grande: Rio Grande – RS; 29/05/1971, p. 1. Idem ao n° 94. 96 Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.2.505.5.2. Rio Grande, 10/10/1969. 95

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Conforme as fontes da SOPS, o vereador e advogado Washington Ballester foi o responsável e organizador desta indústria de acidentes. Ele cobrava valores diversos para encaminhar ao INPS o pedido de seguro para os trabalhadores da estiva, mesmo sabendo que os acidentes que os impossibilitavam de exercer suas atividades laboriosas eram provocados de modo proposital, causando “vultosos prejuízos ao INPS”97. Além disso, constam nas fontes da SOPS, o fato do vereador ter se “destacado por criar inúmeros problemas para o Executivo Riograndino”, sendo que em novembro de 1971, portanto, seis meses depois de proferir suas denúncias, Washington Ballester foi considerado comunista pelos agentes da SOPS, pois estava em “litígio com o Sr. Prefeito” 98, provavelmente por não ter conseguido provar as acusações proferidas contra os membros que auxiliavam o interventor municipal. Como é possível observar, as denúncias realizadas por esse órgão de imprensa nunca foram contrárias à administração municipal, pois a manutenção do poder político local foi uma preocupação sempre constante do Jornal Rio Grande. Outra característica editorial marcante deste periódico foi o objetivo sempre explícito de em situações problemáticas, tentar minimizá-las através do perigo que os comunistas poderiam representar para a sociedade riograndina, caso tivessem alcançado o poder político, o que acabou sendo evitado graças à “revolução” de 31 de março de 1964. Quando Cid Scarone deixou o cargo para seu sucessor, o senhor Rubens Emil Corrêa, já nos primeiros meses de administração do novo interventor a população manifestava seu descontentamento, como demonstra esse trecho retirado das páginas do Jornal Agora: “O riograndino está preocupado com a aparência da cidade, quer melhor pavimentação e um serviço de limpeza pública mais eficiente”99. O descontentamento da população quanto às melhorias na pavimentação acabaram influenciando o líder da bancada do MDB, vereador Antônio Barros a proferir na Câmara dos Vereadores a seguinte manifestação, que apontava falhas da administração do interventor que

97

Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.2.505.5.2. Rio Grande, 19/09/1971, folha 1. 98 Idem ao n° 97, fls. 1 e 2. 99 Jornal Agora: Rio Grande – RS; 15/08/1975, p. 7.

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tinha recentemente sido substituído: “no final do mandato de Cid Scarone, a pavimentação recebeu um impulso, mas seu caráter foi mais político do que objetivo” 100. Diante das afirmações do vereador Antônio Barros, o vereador líder da ARENA, senhor Antônio Maçada, afirmou que havia aspectos muito mais importantes para serem discutidos na Câmara Municipal, entre eles, questões problemáticas referentes a habitação e o desemprego, bem como, o saneamento básico que possuía uma rede limitadíssima. 101 Ao longo de seu mandato como interventor, Cid Scarone soube conduzir e contornar muito bem os problemas da cidade, sobretudo com ações que visaram transformações paisagísticas, conseguindo assim manter um alto índice de aprovação popular. Scarone além de promover pequenas melhorias visuais, também soube como instigar a autoestima dos riograndinos, talvez por esses motivos ele tenha sido tão festejado enquanto esteve à frente do executivo municipal. O professor Péricles Antônio Fernandes Gonçalves, que trabalhou como Assessor de Relações Públicas da Prefeitura do Rio Grande enquanto Cid Scarone ainda estava à frente do executivo, relatou um acontecimento envolvendo o interventor e um programa organizado pela TV Gaúcha, que ocorreu no Ginásio da Brigada Militar localizado em Porto Alegre. O programa era um concurso no qual, cidades do Estado deveriam apresentar suas potencialidades artístico-culturais diante de um júri que escolheria qual seria a vencedora. Devido à parcialidade dos jurados em favor da cidade adversária, o Ten. Cel. Cid Scarone se levantou da mesa onde estavam as autoridades que prestigiavam as gravações do evento e interrompeu o programa, afirmando que os representantes da cidade do Rio Grande não continuariam as apresentações naquelas condições. Tal atitude de Scarone acabou fazendo com que a direção da TV Gaúcha ficasse preocupada, principalmente pelo fato de ele ser na época, o interventor de uma Área de Segurança Nacional. Tentando se redimir dos acontecimentos a TV Gaúcha:

[...] resolveu trazer para Rio Grande o programa, no ginásio do Atlético Clube Ipiranga, e fizeram a apresentação só de Rio Grande, filmado pela TV Gaúcha... e nesse dia o Cid recebeu uma placa de 100 101

Jornal Agora: Rio Grande – RS; 17/08/1975, p. 6. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 19/08/1975, p. 3.

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prefeito eleito... mesmo sendo interventor... pelo o que ele tinha representado... foi uma época de auge assim dele [...]102.

Atitudes como esta, possivelmente fizeram com que os militares ganhassem ainda mais adeptos. Ao defender a cidade em um concurso de potencialidades artísticas e culturais, o interventor Cid Scarone deixou bem claro que estava disposto a levar adiante qualquer tipo de ação, que visasse o interesse do município e da sua população. Em troca, o reconhecimento dos riograndinos ao interventor foi demonstrado de modo simbólico, através de uma homenagem pública que foi transmitida para todo o Estado, de entrega de uma placa de “prefeito eleito”. Portanto, o contexto político e econômico militarizado das instituições públicas e organizações privadas em virtude dos avanços estruturais em setores importantes da economia local, bem como, da propaganda sempre favorável aos militares, verificável através das páginas do Jornal Rio Grande, demonstram que ao longo da década de 1970, em Rio Grande, existiu uma ampla estrutura de legitimação do regime autoritário que acabou aliciando diversas parcelas da sua população, fazendo com que grande parte da sociedade da época sentisse uma sensação de amparo, proteção, ou até mesmo de apadrinhamento por parte dos militares. Em sua outra face, os focos de oposição ao regime também mantinham algumas atividades na cidade, mesmo com a intensa vigilância e atuação repressiva da Seção de Ordem Política e Social do Rio Grande, que trabalhou em conjunto com a 7ª Delegacia Regional de Polícia Civil, Delegacia de Polícia Federal e 6° Batalhão de Polícia Motorizada, bem como, com a 2ª Seção do 6° Grupamento de Artilharia e Campanha do Exército (6° GAC). Como centro de informação do aparato repressivo em Rio Grande, a SOPS esteve instalada no prédio da Polícia Federal, localizado estrategicamente na entrada da cidade, e sua principal atribuição foi executar a coleta e distribuição de informações visando todos os setores da sociedade riograndina. A SOPS/RG foi responsável por uma abrangente área de atuação, que englobava inúmeras cidades como Pelotas, Jaguarão, Chuí, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte, e esteve subordinada ao Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul 102

Entrevista cedida em 11/01/2011.

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(DOPS/RS). Ambos compunham e interagiam com a “comunidade de informações” 103, que tinha como instância máxima o Serviço Nacional de Informação (SNI)104, que em suas atribuições deveria assessorar o presidente da República na orientação e coordenação das atividades de informação e contrainformação com os governos dos Estados, entidades privadas e administrações municipais, através da coleta, avaliação e integração das informações em proveito das decisões do general-presidente e das recomendações e estudos do Conselho de Segurança Nacional (CSN). 105 As alterações socioeconômicas e culturais, advindas do fluxo migratório em direção ao município, em virtude dos constantes investimentos recebidos in loco, que provocavam a constante geração de empregos, naturalmente deixaram ainda mais complexo o trabalho de vigilância das Agências de Inteligência. Na medida em que o complexo industrial-portuário era ampliado, novas demandas acabavam surgindo. Um bom exemplo é a construção da torre de microondas instalada no centro comercial da cidade, empreendimento que tinha como finalidade, resolver parte dos problemas de comunicação enfrentados pelo setor industrial e comercial do município.106 Inserida no projeto Rota Sul de Comunicações, além da referida torre de microondas, foi construída uma central telefônica com capacidade operacional de 3.000 linhas telefônicas, 107 que interligavam todos os municípios que se encontravam na faixa entre Rio Grande e Porto Alegre. 108 Certamente, a torre de microondas foi uma importante ferramenta, tanto para o empresariado local, quanto para a “comunidade de informações”, que desde então, conseguiu interagir com outras Agências de Inteligência, reforçando e agilizando ainda mais a vigilância ao que identificavam como possíveis focos de subversão. É irônico constatar que a pesquisa realizada através da documentação da SOPS, ou melhor, daquilo que restou da sua documentação, evidencia de modo explícito as intenções e atuações da oposição, sobretudo dos políticos ligados ao MDB, atividades que o Jornal Rio 103

Cf. FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 94. A comunidade de informações era um conceito designador de um modo de atuação que supunha a colaboração e lealdade entre os pares, através de forte sentimento corporativo, do qual faziam parte, civis e militares. 104 Cf. DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 7. ed, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 445. O SNI teve uma ligação muito próxima com o Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, isso corrobora com o fato de que, diante da Doutrina de Segurança Nacional, a coleta de informações se apresenta como um importante aporte para o desenvolvimento econômico. 105 Cf. BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI. O retrato do monstro de cabeça oca. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1989, p. 13. 106 Cf. COSTA, Leandro. A cidade do Rio Grande na primeira metade da década de 1970. Desenvolvimento econômico, vigilância, repressão e legitimação da Ditadura Civil-Militar. In: COSTA, Leandro e FRIDERICHS, Lidiane. Rio Grande Século XX: Olhares Históricos. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária, 2012, p. 127. 107 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 21/06/1970, p. 7. 108 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 27/09/1970, p. 12.

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Grande ocultou ou manipulou conforme o alinhamento das diretrizes políticas do seu corpo editorial, uma vez que, a oposição poderia comprometer a segurança municipal e interferir em seu desenvolvimento econômico, além de denunciar a corrupção de alguns arenistas e consequentemente da administração municipal. Com a inauguração do Jornal Agora em meados de 1975 109, sob a direção de Germano Torrales Leite, o mesmo editor responsável pelo semanário O Peixeiro, a linha editorial deste periódico passou a defender o paradigma da democracia como aglutinador de uma cultura política renovada110. Desde então com orientação política liberal, tratou de noticiar abertamente às manifestações contrárias a base do governo municipal, bem como, todas as demais atividades relacionadas à Câmara de Vereadores, como demonstra o trecho da documentação da SOPS, de cunho “reservado”, intitulada: Recorte do Jornal Agora de 17.09.1976: “... temos acusações dos vereadores do MDB, contra o vereador Érico Martins, atual secretário da agricultura, dizendo que a candidatura deste, estaria sendo patrocinada pela prefeitura municipal”111. Nas articulações políticas do legislativo municipal, não faltaram acusações, troca de ofensas e provocações entre os vereadores da ARENA e do MDB, como demonstra essa circular da SOPS/RG, destinada ao DOPS de Porto Alegre, transcrita do Jornal Agora:

Na sessão da Câmara Municipal do dia 31 de março os vereadores do MDB, retiraram-se maciçamente do plenário, após o pronunciamento de seu líder, o vereador Antonio Sostenes Peres Barros, que após sua palavra, convidou os vereadores de seu partido a se retirarem da sessão, no que foi prontamente atendido. O fato ocorreu devido ao pronunciamento do vereador Antonio de Pinho Maçada, que enalteceu

109

A primeira edição do Jornal Agora foi distribuída em 15 de agosto de 1975. Cabe dizer que, O Peixeiro passou a ser distribuído encartado semanalmente ao Agora, porém, totalmente reformulado, com um formato de revista de variedades (música, cinema, palavras-cruzadas, gastronomia e curiosidades). 110 Cf. NAPOLITANO, Marcos. A imprensa e a “questão democrática” nos anos 70 e 80. In: NAPOLITANO, Marcos. Cultura e poder no Brasil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2002, p. 149. Através das afirmações desse autor, é possível constatar que o Jornal Agora esteve ligado aos segmentos liberais da sociedade brasileira, uma vez que, implicitamente apareciam em suas publicações questões referentes ao “estado de direito”, ou seja, da “normalidade” jurídico-política institucional e dos direitos individuais. 111 Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.5.1147.12.4. Rio Grande, 22/09/1976.

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a revolução de 64, o que foi aceito pelo líder da bancada do MDB, como provocações.112

Na eminência de possíveis eleições para os cargos de prefeito das cidades brasileiras no ano de 1976, os vereadores do MDB começavam a se organizar a fim de pressionar para que os riograndinos pudessem escolher através do voto direto seus representantes ao executivo municipal. O trecho abaixo retirado do Editorial do Jornal Agora dá uma ideia mais aproximada de como o periódico se posicionava diante dos embates políticos no município:

O líder do MDB na Câmara, Antônio Barros, não quer dúvidas a respeito de quem luta para privar o rio-grandino do direito do voto. Ele se pronunciou a respeito, em nome da bancada emedebista. Deseja que fique bem claro que o MDB não votou a favor da proposição de Antônio Maçada [líder da ARENA] no sentido de que toda correspondência saída de Rio Grande leve as inscrições bem claras: ÁREA DE SEGURANÇA E INTERESSE NACIONAL [grifo do Editorial]. Ainda sobre a proposição de Maçada, Barros disse que “só podia ser coisa de militar”.113

Divulgando o posicionamento partidário dos vereadores do MDB, favoráveis às eleições e particularmente interessados que os riograndinos deixassem de ter um prefeitointerventor indicado pelo Governador do Estado com pleno respaldo do General-Presidente, pelo fato de ser Área de Segurança Nacional, o Agora continuou a divulgar de modo enfático as ações dos emedebistas no sentido de garantir as eleições municipais.

O vereador Luiz Alberto Modernell (MDB) usou a tribuna da Câmara... para acusar a bancada da ARENA de fugir de todo e qualquer debate a respeito da inexistência de eleições para prefeito nos municípios considerados como Áreas de Segurança Nacional... Modernell leu uma notícia publicada pelo jornal Estado de São Paulo, dando conta de que fora aprovado por unanimidade na Câmara de 112

Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.5.1141.12.4. Rio Grande, 01/04/1976. 113 Jornal Agora: Rio Grande – RS; 03/10/1975, p. 1.

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Vereadores de Santos [que na época era Área de Segurança Nacional], São Paulo, um projeto criando uma Comissão encarregada de tentar conseguir a volta da autonomia política aquela cidade... Em Santos, disse Modernell, os parlamentares estão unidos para devolver ao povo “a autonomia que foi mutilada após o movimento de 64”, ou seja, o direito de escolher, pelo voto, o chefe do município. Já em Rio Grande, as coisas são diferentes, segundo o vereador, que diz que, cada vez que ouve falar em eleições municipais, “a bancada da ARENA fica petrificada, como se estivesse em frente a um lobisomem”. 114

Além dos embates políticos entre os vereadores da ARENA e do MDB, o que demonstra que as articulações políticas não foram tão harmoniosas e amistosas, como apregoava o Jornal Rio Grande, o Agora passou a chamar a atenção também para os problemas referentes à segurança pública na cidade, alertando sobre os índices alarmantes de criminalidade no município, destinando uma página inteira de conteúdo às ocorrências policias que aconteciam diariamente (assaltos a pedestres, furtos a patrimônio público e privado, roubo de carros, tiroteios, atos de vandalismo, estupros, homicídios, sequestros, abigeatos, tráfico de drogas, entre outros) e cobrando das autoridades competentes a resolução destes problemas. A situação caótica na segurança pública fez com que o Lions Club Cidade do Rio Grande emitisse um ofício ao Ministro da Justiça Armando Falcão, no sentido de que ele pudesse intervir na situação e resolver o problema. 115 Decorridos onze dias, o delegado Luiz Gonzaga Magaldi Cardoso116 anunciou a redução de 80% na criminalidade e nos delitos que vinham ocorrendo, graças às operações “Tranquilidade” e “Preto-e-Branco”, ambas deflagradas pela Polícia Civil. 117 Porém, não tardou para que os índices voltassem a aumentar.118

114

Jornal Agora: Rio Grande – RS; 07/10/1975, p. 2. Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 15/08/1975, p. 3. 116 Em diversos documentos de caráter confidencial, provenientes da SOPS/RG, o nome deste delegado aparece com frequência conduzindo os interrogatórios realizados na 7ª Delegacia Regional de Polícia Civil. 117 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 26/09/1975, p. 10. 118 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 25/11/1975, p. 10. 115

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Ainda que os residuais investimentos, aplicados na realização das obras levadas a frente pela administração do interventor Cid Scarone 119 na infraestrutura do centro urbano e comercial, tenham agradado uma parcela da população carente de realizações sociopolíticas, o novo mandatário do Executivo Municipal, Rubens Emil Corrêa, acabou bastante cobrado em virtude dos muitos problemas deixados pela administração anterior. 120 No âmbito orçamentário, por exemplo, há seis anos o Governo do Estado não repassava as cotas de retorno referentes ao pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e do Imposto de Vendas e Consignações (IVC), e deveria entregar aos cofres da Prefeitura a soma de 2 milhões de cruzeiros.121 Se o centro comercial e urbano apresentava deficiências, em relação aos aglomerados periféricos a situação era ainda pior. Além dos problemas anteriormente mencionados e que foram agravados pela inexistência de ruas calçadas e de uma rede de escoamento pluvial, aponto ainda, a miserabilidade das condições de vida das pessoas que residiam nestas áreas, sem rede de esgoto e água potável para o consumo, muitas famílias viveram em ambientes onde proliferavam inúmeras doenças122. Subsistindo em condições de extrema pobreza, esta parcela da sociedade riograndina ainda tinha que conviver com aumentos na ordem de 60% no transporte coletivo 123, com o preço mais alto praticado em todo o Estado sobre os dois gêneros alimentícios básicos na alimentação dos brasileiros, – o arroz e o feijão 124 – e um serviço de saúde omisso e ineficiente125. Como reflexo das desigualdades sociais, o Município possuíam um alto índice de analfabetismo 126, o que demonstra que apesar da industrialização e dos investimentos recebidos pelo Porto e o complexo industrial, os proventos referentes à exploração das potencialidades do Município, quando eram recebidos pelo Executivo, acabavam não revertidos em benefícios de todos os riograndinos.

119

A União Rio-Grandina dos Estudantes Secundaristas prestou sua homenagem e reconhecimento ao interventor Cid Scarone, quando este deixou o cargo. Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 06/04/1975, p. 4. (Ver imagem no anexo número 12) 120 Jornal Agora: Rio Grande – RS; 30/09/1975, p. 12. Depois de uma forte chuva, diversas ruas do centro e arredores ficaram alagadas. O grande volume de água, além de invadir a moradia de muitas pessoas, fez com que ocorresse a suspensão de algumas linhas do transporte coletivo. (Ver imagens no anexo de número 13) 121 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 29/11/1975, p. 3. 122 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 17/12/1975, p. 1 e 2. O título da matéria é: 500 malocas geram doença e a miséria. Henrique Pancada: uma rua doente e miserável. (Ver imagens no anexo de número 14) 123 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 26/01/1975, p. 1. 124 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 04/10/1975, p. 6. 125 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 06/02/1976, p. 10. 126 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 16/02/1976, p. 2. As informações divulgadas pelo periódico foram obtidas através de uma sindicância realizada pela Comissão Municipal do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, que contabilizou 13 mil analfabetos.

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Desde que entrou em funcionamento, o Agora passou a ser vigiado pelos agentes da SOPS, que o entendiam como um órgão de imprensa ligado a setores da esquerda. Porém, a linha editorial deste periódico, manteve a postura de divulgar os acontecimentos políticos do município, do país e do mundo, com a preocupação de não emitir opiniões explicitamente depreciativas ao Regime ou ao Executivo Municipal, zelando assim pela a manutenção de suas atividades e escapando da censura, imposta a imprensa no ofício de informar a opinião pública ao longo de quase toda a década de 1970127. Destarte, até alguns casos de repressão seguida de abuso de autoridade e uso de violência física, foram veiculados nas páginas do Agora. Como no caso em que cinco pescadores, provavelmente retirando do mar o sustento de suas famílias, foram espancados por policiais militares por estarem pescando, na época do defeso, uma espécie de crustáceo denominado de „siri‟ 128. Ou ainda, a ampla divulgação do caso de repressão aos „mochileiros‟, através da “Operação Hippie”, que consistia na detenção e posterior interrogatório de qualquer indivíduo que portasse mochila 129. O fato de divulgar informações que pudessem interferir na „harmoniosa‟ convivência entre a administração municipal e a oposição – ao menos era no que grande parte da população acreditava – era suficiente para causar desconfiança nos agentes da SOPS, que acabaram vigiando seu conteúdo e os indivíduos que pudessem ter qualquer ligação com este periódico. 130 O serviço de inteligência desenvolvido pelos agentes da SOPS também forneceu subsídios para que a polícia política atuasse a fim de eliminar focos de oposição ao regime e a administração municipal. Em entrevista realizada com um policial civil que atuou ativamente na repressão, este afirmou que a tortura física foi uma prática comum, utilizada como meio de obter confissões ou informações que julgassem importantes. “... recebíamos a informação do SOPS de que fulano de tal era subversivo ou comunista... ficávamos de campana, seguindo o elemento aonde ele fosse... se as informações procedessem prendíamos o cidadão e o levávamos pra delegacia...”.131 127

Cf. MARCONI, Paolo. A Censura Política na Imprensa Brasileira (1968 – 1978). Global Editora: São Paulo, 1980, p. 37-38. Desde o Golpe de 1964 o recém criado SNI, começava a pressionar os proprietários de órgãos de comunicação no sentido de obter a demissão sumária dos jornalistas considerados contestadores da „revolução‟. Porém, foi a partir do AI-5 que a imprensa brasileira, no exercício de informar a população, sofreu toda sorte de violências, das quais a mais evidente foi a censura. 128 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 23/01/1976, p. 3. 129 Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 26/03/1976, p. 2. 130 No resultado da solicitação de informações de origem da SOPS/RG com destino ao 6° Batalhão de Polícia Militar, consta que o investigado em questão, “não possui nenhuma vinculação com o Jornal Agora”. Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.2.841.8.3 Rio Grande, 01/12/1976. 131 Entrevista cedida em 02/04/2009. Quando participou destes acontecimentos, o entrevistado tinha recentemente ingressado como inspetor da Polícia Civil. Em realidade ele permitiu que seu nome fosse citado

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Sob o lema “Segurança e Desenvolvimento”, Médici dá início, em 30 de agosto de 1969, ao governo que representará o período mais absoluto de repressão, violência e supressão das liberdades civis de nossa história republicana. Desenvolve-se um aparato de “órgãos de segurança”, com características de poder autônomo, que levará aos cárceres políticos milhares de cidadãos, transformando a tortura e o assassinato numa rotina.132

Em Rio Grande, a 7ª Delegacia Regional de Polícia Civil possuía celas equipadas com diversos aparatos para a prática da tortura física, entre estas a campainha de choques elétricos e o pau-de-arara. Surras com pedaços de pau ou toalhas molhadas eram muito utilizadas, porém, quando havia urgência em realizar as exigências da SOPS os métodos se intensificavam.

[...] quando o delegado exigia que obtivéssemos rapidamente uma confissão ou uma informação, tínhamos que apertar o cara ainda mais... levávamos o indivíduo vendado e sem roupa lá pra praia do Cassino na madrugada. Daí amarrávamos as mãos e os pés dele com uma corda e entravamos com ele no mar. Afogávamos o cara... contávamos a passagem de seis ou sete ondas e depois retirávamos ele da água. Repetíamos isso várias vezes, até quase ele não aguentar mais. Se mesmo depois disso ele não falasse nada,

nós

eletrocutávamos ele com os fios ligados no dínamo do Opalão133, isso sempre funcionava [...]134

O mesmo policial também afirmou que, pelo fato de Rio Grande ser Área de Segurança Nacional esse tipo de procedimento era necessário, a polícia tinha que agir com firmeza contra os comunistas ou qualquer foco de oposição. Graças à documentação produzida pelos agentes da SOPS/RG, que entendiam que havia subversão e comunismo em

neste trabalho, porém, optei em preservar minha fonte, não o expondo, pois acredito que isso poderia gerar diversos transtornos. 132 Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Editora Vozes, 1985, p. 63. 133 “Opalão” era o apelido dado ao Chevrolet modelo Opala, carro muito usado pela polícia nesta época, por ter bastante espaço interno, um grande porta-malas e ser bastante veloz e estável quanto à dirigibilidade. 134 Idem ao n° 131.

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todas as camadas da sociedade, a utilização da tortura se ampliou até mesmo sobre os crimes comuns como furtos em residências ou no comércio. O policial concluiu com a seguinte frase seus comentários: “Todo o ladrão era comunista ou subversivo”. 135 É evidente que, em âmbito nacional, a coleta de informações através da vigilância, incrementou a repressão e a tortura como meio de promover a segurança interna e a defesa contra as ameaças externas, e, desta forma, garantir os objetivos da segurança nacional, que teoricamente eram ameaçados pelo fantasma do comunismo. Logo, para o historiador, tratar da repressão política é abordar de maneira objetiva a construção do Estado de Segurança Nacional, tentativa política dos governos militares para combater fundamentalmente o que percebiam como perigo interno representado pela ameaça comunista. 136 O perigo interno, também conhecido como inimigo interno conferiu eficiência à DSN, e a indefinição do conceito fez com que toda a população fosse considerada suspeita, controlada, perseguida e eliminada conforme a necessidade. Desta forma, a ditadura brasileira, responsável por disseminar o medo e conferir ao Estado poderes quase ilimitados 137, soube articular muito bem a Doutrina de Segurança Nacional ao desenvolvimento econômico, fazendo com que largas parcelas da sociedade brasileira legitimassem o autoritarismo do regime. Em Rio Grande, a propaganda favorável da imprensa local que destinava seus esforços na formação de uma opinião pública simpática ao regime e em prol da proteção para o desenvolvimento e a consequente ânsia por melhorias de suas condições socioeconômicas, muitos riograndinos passaram a entender e admitir que as ações criminosas do Estado através dos atos de vigilância, repressão e tortura, eram necessárias para que a cidade continuasse crescendo e atraindo ainda mais investimentos. A justificativa assenta-se fundamentalmente no fato de Rio Grande ser considerada Área de Segurança Nacional, cidade portuária e estratégica na defesa do litoral brasileiro, e, portanto, um território sem obstáculos para o desenvolvimento econômico e a segurança nacional. Sendo assim, a dicotomia entre segurança e desenvolvimento econômico acabou marcando profundamente as relações entre a Ditadura Civil-Militar e largas parcelas da sociedade civil da época.

135

Ibidem ao Idem. D‟ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO, Celso. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 7. 137 PADRÓS, Enrique e FERNADES, Ananda Simões. Faz escuro, mas eu canto: os mecanismos repressivos e as lutas de resistência durante os “anos de chumbo” no Rio Grande do Sul. In: PADRÓS, Enrique Serra; BARBOSA, Vânia M.; LOPEZ, Vanessa Albertinence; FERNANDES, Ananda Simões, (Orgs). Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): história e memória. Porto Alegre: Corag, 2009, p. 3441. 136

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A intensificação da vigilância, da repressão e das torturas físicas, transformaram Rio Grande em um território hostil a qualquer movimento que por ventura pudesse contestar a intervenção do regime autoritário que progressivamente acabou de forma direta ou indireta, aliciando, integrando, dominando e (ou) controlando alguns dos principais grupos que compunham e exerciam atividades que influenciavam no cotidiano das relações sociais praticadas no Município. Neste contexto marcado por práticas socioculturais, políticas e econômicas subordinadas às diretrizes do regime autoritário, foram organizados os Festivais de Música que ocorreram da década de 1970 na cidade Município. A atuação do Governo Federal em Rio Grande, intermediada por Golbery do Couto e Silva, foi tão bem recebida por grande parte dos riograndinos, que a legitimação do regime autoritário acabou alcançando patamares expressivos da sociedade da época. Isso fez com que muitos indivíduos atuassem junto aos órgãos de vigilância, realizando inúmeras denúncias contra quaisquer pessoas que, por ventura, pudessem ameaçar a ordem vigente. Neste interim, algumas práticas repressivas e diferentes formas de cerceamentos foram utilizadas com o objetivo de imputar o medo e controlar a sociedade como um todo, cingindo também todas as atividades musicais desenvolvidas pelos artistas riograndinos que acabassem, ou não, considerados opositores do regime. 1. 2 – A Sensação de amparo, a memória coletiva e o cerco aos artistas riograndinos. Como tentei mostrar anteriormente, desenvolvimento econômico e segurança acabaram matizando as relações entre o governo dos militares e largas parcelas da população riograndina ao longo da década de 1970. Com os militares no poder, Rio Grande acabou se transformando em um expoente dos seus planos desenvolvimentistas, além do que, enquanto Área de Segurança Nacional que auxiliava na defesa do litoral brasileiro, a cidade deteve o status de comando das Secretarias de Ordem Política e Social, sendo responsável por todas as articulações e atividades repressivas, de espionagem e de defesa das zonas de fronteiras do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, a análise das fontes utilizadas no capítulo anterior, oferece uma dimensão aproximada do contexto sociocultural, econômico e político da época, no qual a legitimação do governo autoritário se deu, sobretudo através das evidencias anteriormente destacadas, bem como, por uma propaganda política favorável, percebida através das páginas

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do único periódico que circulou diariamente na cidade até meados da década, quando outro órgão de imprensa menos alinhado a Ditadura, começou a disputar seus leitores. Porém, por si só, essas fontes me permitiram somente especular como reagiram os riograndinos diante das constantes transformações pelas quais a cidade passou. Elas não me forneceram subsídios concretos para que seja possível verificar com maior precisão aquilo que, por exemplo, o Jornal Rio Grande, o Jornal Agora ou o semanário O Peixeiro, divulgavam ser os principais anseios da população e como esses anseios frequentemente atendidos pelo governo dos militares em ações conjuntas com determinados segmentos da iniciativa privada, gradativamente acabaram aliciando os riograndinos, fazendo com que, concomitante ao processo de legitimação, acabasse sendo forjado o que denomino de sensação de amparo. Portanto, aprofundando o entendimento sobre o modo como muitos riograndinos entenderam a necessidade de segurança para o desenvolvimento, fatores estes que contribuíram decisivamente para o surgimento da sensação de amparo, que atualmente aparece intrínseca à memória coletiva dos mais variados segmentos da sociedade riograndina, fazendo parte do presente e do passado militarizado da cidade, inicialmente, reuni neste item alguns trechos dos depoimentos de indivíduos que compunham a sociedade da época, com o objetivo de traçar um panorama acerca da visão de grande parte da sociedade civil em relação aos possíveis focos de subversão que poderiam promover ameaças à segurança e ao desenvolvimento da cidade do Rio Grande. Logo em seguida, exponho o testemunho de alguns artistas que foram vigiados e denunciados por muitos indivíduos que compunham a sociedade civil riograndina da época. Neste primeiro momento, este procedimento servirá de base para inserir alguns depoimentos dos artistas riograndinos, destacando alguns dos problemas enfrentados na época, naquilo que diz respeito ao cerceamento de suas liberdades individuais e coletivas, sobretudo devido à vigilância que largas parcelas da sociedade civil acabaram impondo as atividades desempenhadas por estes artistas. Contudo, este item auxiliará nos capítulos posteriores, precisamente quando for trabalhada a imposição da censura e da autocensura no processo de construção das composições autorais dos artistas riograndinos. Antes de expor os trechos dos testemunhos obtidos através do método em história oral, cabe dizer que realizar as entrevistas temáticas, não foi uma tarefa fácil. Organizei uma lista 49

de possíveis entrevistados, que foi confeccionada levando em consideração pessoas que tinham seus nomes citados frequentemente nos periódicos da época, mas além daqueles que já haviam falecido, outros tantos preferiram permanecer em silêncio ou quando finalmente decidiram fornecer seus testemunhos, optaram pela imposição do anonimato, atitude que nem sempre foi exigida por alguns entrevistados. No final de cada uma das entrevistas que realizei, adotei como procedimento padrão, solicitar que cada entrevistado indicasse outro possível entrevistado que também pudesse responder sobre a temática proposta para esse capítulo. Deste modo, a lista acabou ganhando em diversidade de testemunhos e opiniões, pois acabei ouvindo policiais militares, portuários, operários, comerciantes, em fim, pessoas de diversos segmentos sociais da época. Apesar do esforço, esta metodologia se mostrou muito útil, sobretudo para complementar algumas lacunas da contextualização realizada no item anterior. Como no caso do aposentado Luiz Gonzaga Padim Palacios, que trabalhou durante trinta e sete anos na Refinaria de Petróleo Ipiranga. Este trabalhador da indústria do petróleo afirma com convicção que, por causa dos militares que souberam valorizar setores vitais da economia brasileira, no decorrer da década de 1970 ele e muitos outros riograndinos acabaram sendo muito beneficiados:

Eu tava começando a trabalhar naquela época... assinei a minha carteira profissional pela primeira vez com dezesseis pra dezessete anos numa empreiteira dentro da Refinaria. Trabalhei na pá... serviços gerais. Tinha muita oportunidade de emprego naquela época pra quem quisesse trabalha, principalmente nas fábrica que tavam chegando... depois que acabo o meu contrato a Refinaria me efetivou. O salário era muito bom! E ainda por cima, nós ganhava duas bonificação por ano, mais o décimo terceiro. Nós ganhava quinze salário num ano. Luiz Palacios afirma que “antes dos militares, Rio Grande era uma bagunça, a cidade parecia abandonada... tinha um monte de ladrão e de gente na rua... não tinha emprego... com os militares as coisas mudaram bastante.” Ele atribui aos militares à oportunidade de trabalhar em uma empresa de grande porte na época, como foi a Refinaria de Petróleo Ipiranga 138. “Na realidade tava tudo aqui, eles só fizeram as coisas funcionar, antes não funcionava... eles 138

Para maiores informações sobre a Refinaria de Petróleo Ipiranga ver: MARTINS, Denise. Ipiranga: A trajetória de uma Refinaria em Rio Grande (RS). Rumo à consolidação de um grupo empresarial (1930-1967). Dissertação de Mestrado, PUC/RS, 2008.

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gastaram o nosso dinheiro com a gente mesmo, o pessoal sabia reconhecer isso daí.” Nessa última frase o senhor Luiz está se referindo aos investimentos realizados no Porto e a construção do complexo industrial, e como estes investimentos proporcionaram de um modo geral, algumas melhorias a determinados segmentos da população riograndina. O ex-portuário Alzemiro Alves Lobo, também não se privou de manifestar todo o seu saudosismo aos tempos de ditadura militar em nosso país. O senhor Alzemiro Lobo definiu a década de 1970 em Rio Grande com breves frases: “bons tempos” [...] “Parecia até que as coisa brotavam do nada!” [...] “Foram tempos memoráveis, não existia bagunça. No Porto, por exemplo, tinha sempre algum militar ou um policial na volta, de ronda, a gente trabalhava tranquilo, tranquilo!”139. O relato do policial militar aposentado Luís Marques demonstra a atenção destinada ao Porto e todo seu entorno. “A gente tava sempre patrulhando a área portuária... Eu era soldado na época e lembro que o comando tava sempre advertindo a gente pra cuidar a volta do Porto e toma cuidado com alguma possível invasão.”140 A importância da zona portuária foi inquestionável na época. Em ocasiões esporádicas a Marinha brasileira desenvolveu atividades de treinamento, a fim de garantir a normalidade das operações portuárias e a segurança contra quaisquer ameaças que por ventura surgissem. Em 1975, o Jornal Agora estampou em suas páginas a seguinte manchete: “Mil e duzentos marinheiros participam da „Operação Porto Seguro‟, treinamento para testar a inviolabilidade da zona portuária.”141 Além da Polícia Militar e da Marinha, o Exército também inspecionava a área portuária a fim de contribuir com a sua segurança. Ainda criança, a hoje secretaria Jaqueline Figueiredo Acosta, recorda que todos os dias à noite carros do Exército patrulhavam as ruas da cidade, especialmente o Porto e suas adjacências: “Começava a escurecer e o Jipe do Quartel [6° Grupo de Artilharia de Campanha] começava a patrulha... Eles andavam pelas ruas e abordavam as pessoas e pediam documentos... pelo menos a gente sabia que podia andar na rua e dormir tranquila.” 142 Ela também relata que a noite, “era grande a movimentação de pessoas nas proximidades do Porto devido à presença de casas que abrigavam a prática de prostituição”. 139

Entrevista cedida em 14/09/2010. Entrevista cedida em 10/01/2011. 141 Jornal Agora: Rio Grande – RS; 02/10/1975, p. 1. 142 Entrevista cedida em 22/04/2010. 140

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Os meretrícios com música ao vivo, bebidas e muitas mulheres, eram estrategicamente instalados próximo à zona portuária, pois ali aportavam indivíduos de todas as partes do mundo, que depois de permanecerem muitos dias no mar sem companhia feminina, gastavam seus dólares em diversão e sexo. Devido ao fato destas casas noturnas serem frequentadas por todo tipo de pessoas, inclusive de fora do país, a segurança se intensificava ainda mais nas proximidades destes locais. Desde já, é importante mencionar que em todos os testemunhos até agora exposto, questões que envolvem a segurança da cidade e de seus habitantes estiveram sempre presentes nas lembranças dos entrevistados. O mais interessante é que mesmo sem serem perguntados sobre o assunto especifico da segurança, eles sempre acabam levantando questões referentes a ela. Como foi possível verificar, cada um dos entrevistados vivenciou e entendeu de formas diferentes o período no qual, segundo seus relatos, a presença constante dos militares e da polícia nas ruas da cidade, acabou garantindo a tranquilidade dos riograndinos, bem como, o pleno funcionamento das atividades portuárias, tão importantes até os dias de hoje para a economia municipal, do Estado e do país. Em um trabalho que trata da ligação entre memória e identidade social no âmbito das histórias de vida obtidas através da metodologia em historia oral, Michael Pollak elenca entre os três elementos constitutivos da memória individual e coletiva, dois tipos de acontecimentos: os “acontecimentos vividos pessoalmente” e os “acontecimentos vividos por tabela”. Estes últimos, em suma, “são os acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer” 143. Pollak também afirma que os “acontecimentos vividos por tabela”:

[...] São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível saber se participou ou não. Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É perfeitamente possível que por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, 143

Cf. POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 201.

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tão forte que podemos falar em uma memória quase que herdada. De fato... podem existir acontecimentos regionais que traumatizaram tanto, marcaram tanto uma região ou um grupo, que sua memória pode ser transmitida ao longo dos séculos com altíssimo grau de identificação.144

A junção destes dois tipos de acontecimentos, que conforme Pollak representam apenas um entre os três elementos constitutivos da memória individual e coletiva; os acontecimentos vividos pessoalmente e os acontecimentos vividos por tabela, aparecem ambos nos trechos dos testemunhos trabalhados até o momento. Através deles ficou evidente que a construção de uma memória coletiva acerca da década de 1970 na cidade do Rio Grande percorre obrigatoriamente questões que envolveram, na época, preocupações referentes à segurança e ao desenvolvimento econômico do município, que foram percebidas por muitos riograndinos como benfeitorias proporcionadas pelo governo federal. Como já foram expostas no item anterior, as benfeitorias ainda abrangeram a fundação da Universidade do Rio Grande, a construção do complexo industrial, a abertura dos corredores de exportação que direcionavam a safra de grãos do Estado para o Porto da cidade e ainda diversas melhorias na infraestrutura urbana, como por exemplo, a obra do canal adutor da CORSAN que terminou com os problemas de distribuição de água potável no município, ao mesmo tempo em que serviu aos propósitos do complexo industrial-portuário. Não há como negar que estes acontecimentos marcaram profundamente diversos segmentos da sociedade da época, bem como, que a socialização política e histórica que se estende por mais de trinta anos, fez com que muitos outros riograndinos que não viveram o período acabassem consequentemente se identificando com esse passado designado como generoso. Afinal, os espólios desenvolvimentistas dos militares possuem grande relevância para o atual contexto sociocultural e econômico do município. Isso talvez explique, em parte, com muitas limitações e de um modo simplista, porque até os dias de hoje exista uma simpatia muito grande por grande parte da população riograndina em relação aos tempos de ditadura.

144

POLLAK, Michael. Op. Cit., p. 201.

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Retomando as proposições de Michael Pollak acerca da memória, além dos acontecimentos, ele também afirma que a memória é constituída pelos lugares da memória, ou seja:

[...] lugares particularmente ligados a uma lembrança, que pode ser uma lembrança pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cronológico. Pode ser, por exemplo, um lugar de férias na infância, que permaneceu muito forte na lembrança da pessoa, muito marcante, independente da data real em que a vivência se deu [...]145

Com o passar dos anos, o Porto, o complexo industrial e a Universidade Federal do Rio Grande, acabaram se caracterizando como bons exemplos de lugares da memória. Alguns trechos do primeiro capítulo, bem como, os testemunhos expostos anteriormente reforçam a ideia de que estes lugares remetem a inúmeras lembranças muito marcantes, vividas pessoalmente e coletivamente pelos riograndinos ao longo da década de 1970. Concluindo a trilogia de critérios dos elementos constitutivos da memória, Michael Pollak acrescenta que:

[...] a memória é constituída por pessoas, personagens. Aqui também podemos aplicar o mesmo esquema, falar de personagens realmente encontradas no decorrer da vida, de personagens freqüentadas por tabela, indiretamente, mas que, por assim dizer, se transformaram quase que em conhecidas, e ainda de personagens que não pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa [...]146

Se existiu um personagem encontrado e frequentado por tabela na memória dos riograndinos este foi Golbery do Couto e Silva. Suas muitas ações em prol do desenvolvimento de sua terra natal e as ocasiões que esteve em Rio Grande, como em sua visita em agosto de 1976 acompanhando o General-presidente Ernesto Geisel147, expõem sua 145

POLLAK, Michael. Op. Cit., p. 202-203. Idem ao n° 145, p. 145. 147 O documentário de 2007 que contou com apoio da Universidade Federal do Rio Grande, da Refinaria de Petróleo Ipiranga e com a iniciativa da Prefeitura Municipal do Rio Grande, denominado: “Rio Grande, imagens do século XX”, organizado pelo Jornalista Willy Cesar com imagens obtidas pelo cinegrafista Hercules Bozetti, faz um resgate da memória do governo do interventor Rubens Emil Corrêa destacando a visita de Golbery do Couto e Silva e do General-presidente Ernesto Geisel. Nas imagens é possível ver uma multidão de pessoas 146

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figura a condição de um personagem que constitui a memória coletiva de muitos riograndinos, ainda que ele não tenha pertencido ao espaço-tempo de muitas pessoas, pois como conclui Maurice Halbwachs:

[...] a operação da memória não consiste simplesmente em passar de uma lembrança à outra, em razão de suas proximidades, mas, em retornar por meio da reflexão, a um todo sistemático de boas lembranças associadas, por ocasião desta lembrança entre as outras [...]148

As boas lembranças da década de 1970 atribuídas a Golbery e associadas ao desenvolvimento e a segurança do município, fazem com, nos dias de hoje, exista um esforço por parte de algumas instituições privadas, órgãos municipais, federais e da sociedade civil em evidenciar e exaltar as ações deste riograndino, fazendo com que a memória de outrora seja projetada e transmitida com o passar dos anos, o que tem contribuído para que muitas pessoas tenham a sensação de que ele seja um contemporâneo. Desde 1998 a Associação Comercial dos Varejistas do Rio Grande concede anualmente o Troféu Golbery do Couto e Silva a personalidades que, assim como ele, tenham prestado relevantes serviços à comunidade. Segundo o Jornal A Lucta, veículo de comunicação desta Associação, essa homenagem foi criada para “resgatar uma injustiça histórica cometida contra esse riograndino ilustre, que tanto realizou por sua terra natal” 149. No ano de 2008, o homenageado foi o empresário Walter Torre Junior, presidente do Grupo WTorre S/A, empresa que está instalada na cidade trabalhando nas obras do Estaleiro Rio Grande que abrigará o maior Dique Seco 150 da América Latina. Ainda em 2008, o hoje Vereador e Coronel da reserva Augusto Cesar Martins de Oliveira, após pedir um patrocínio da iniciativa privada para que fossem realizadas as obras

aguardando a chegada de ambos a Prefeitura Municipal. (Ver imagem do encontro no interior do prédio da Prefeitura no anexo de número 15.) 148 HALBWACHS, Maurice. Les Cadrex sociaux de la mémoire, Paris. PUF, 1925, p. 94. 149 Cf. Jornal A Lucta: Rio Grande – RS; Dezembro de 2008, n° 45, p. 1. Edição Especial de Aniversário de 120 anos da Associação Comercial dos Varejistas. Disponível em: . Consulta realizada em: 09/05/2010. 150 A estrutura do Estaleiro Rio Grande e o Dique Seco estão sendo utilizadas para a construção de plataformas de petróleo para a PETROBRAS. (Uma mostra da grandiosidade das obras e estruturas pode ser vista no anexo de número 16, imagens 1, 2, 3, 4, 5 e 6). (A imagem do Troféu Golbery do Couto e Silva e o trecho do Jornal A Lucta estão no anexo de número 17).

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de construção do Memorial Militar que hoje está localizado na praça do 6° GAC, – local muito visitado por turistas e utilizado pela população para a prática de esportes – acabou recebendo a solicitação do patrocinador das obras, senhor Ronald Levihson 151, de que uma parte do dinheiro destinado ao Memorial Militar deveria ser destinada a construção de uma homenagem a Golbery do Couto e Silva. O Cel. Augusto Cesar acatou a solicitação do empresário e mandou construir um pequeno monumento em homenagem ao político riograndino152. Nos anos 1970, o riograndino Ronald Levihson foi dono da caderneta de poupança Delfin, na época a maior do país, e que acabou falindo em 1983. Com quase quatro milhões de correntistas, a Delfin acabou afundando em dívidas no valor de 250 milhões de dólares contraídas através do Banco Nacional de Habitação – BNH. Esse foi um dos maiores escândalos financeiros do governo militar, e fez com que a Delfin fosse liquidada e o governo cobrindo o desfalque com os poupadores.153 Atualmente, Ronald Levihson administra uma holding que tem negócios nas áreas de construção civil, agricultura e também controla um escritório de advocacia. Além disso, é proprietário de várias fazendas na Bahia e considerado o maior plantador de soja do oeste do território baiano, 154 e ainda mantém negócios com a educação superior privada no comando da UniverCidade, negócio este que movimenta 10 bilhões de reais por ano.155 Pouco depois, em 2009, o Projeto-de-Lei n° 128/09156 de autoria do Vereador Renato Albuquerque do PMDB, teve como objetivo receber através de doação, um busto de Golbery que será exposto em uma Praça do Município. Até o momento, o Município aguarda a doação do busto para que posteriormente seja definido seu destino. Mais uma vez quem patrocinará a homenagem será o empresário Ronald Levihson. Rememorar Golbery do Couto e Silva e suas ações é relembrar o passado militarizado da sociedade riograndina, no qual o fausto do desenvolvimento e a aparente harmonia social travestida de segurança acabaram corrompendo e aliciando grande parte da população do 151

Cf. Jornal Agora: Rio Grande – RS; 03/04/2011, p. 3. Ronald Levihson foi agraciado com o título de “Riograndino Ilustre” pela Câmara de Comércio do Rio Grande em 01/04/2011. 152 A imagem do monumento em homenagem a Golbery do Couto e Silva está disponível no anexo número 18, imagens 1, 2 e 3. 153 Cf. Revista Veja, Edição 1638, 01/03/2000, p. 100-101. 154 Idem ao n° 153, p. 100-101. 155 Cf. Revista ISTOÉ Dinheiro. Disponível em: . Consulta realizada em 25/10/2010. 156 Disponível em: . Consulta realizada em 11/06/2010.

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Município e ocultando todo o tipo de autoritarismo e abuso de poder, como por exemplo, a repressão política, a vigilância, os casos de tortura física, o cerceamento das liberdades individuais e coletivas e o fechamento da Câmara de Vereadores, este último inclusive, efetuado por Golbery. Depois desta breve incursão acerca do campo da memória e da História, retomo a temática da segurança, afirmando que todos os entrevistados que possuíam afinidade com o modo pelo qual os militares interviram na segurança da cidade ao longo da década de 1970, tinham pleno conhecimento da condição geopolítica de Área de Segurança Nacional atribuída à Rio Grande logo após o golpe de 1964. Em verdade, esse é um dos principais argumentos utilizados por eles para justificar o fato da cidade ter sido tão bem protegida. A propósito, protegida do que? De quem? No decorrer das entrevistas, quando as respostas dos entrevistados acabavam sendo voluntariamente

e

parcialmente

direcionadas

a

questões

referentes

à

segurança,

inevitavelmente a figura do comunismo sempre esteve presente. Muitos dos entrevistados faziam questão de mencionar que a atividade conjunta dos militares e policiais em Rio Grande, garantiu a segurança contra o comunismo. Residir em uma cidade Área de Segurança Nacional, na qual o comunismo dificilmente se infiltraria ou disseminaria suas ideias e práticas criminosas, foi motivo de orgulho para muitos deles.

[...] comunista é comunista. Mas aqui eles não se criavam! Os milico tavam sempre de olho neles. Bagunça aqui não! Tu acha... que eles [os militares – milicos] iam deixa os comunista entra no Porto e faze agitação lá? Com o Porto operando do jeito que operava? Pro pessoal do sindicato já era complicado fazer isso... e olha que tinha um monte de vermelho escondido no sindicato [...]157

A descrição do entrevistado com relação a uma possível interrupção das operações portuárias em decorrência de uma ação entendida como comunista, parecia algo pouco provável de acontecer, pois a presença dos agentes da repressão acabava coibindo as manifestações, inclusive dos membros do sindicato. Qualquer medida que garantisse a operacionalidade do Porto era legitima, afinal, a maior potencialidade econômica do 157

Alzemiro Alves Lobo em entrevista cedida dia 14/09/2010.

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município não podia parar suas atividades. Apesar da segurança, o medo do comunismo foi uma realidade concreta em Rio Grande, e como vimos no capítulo anterior, o Jornal Rio Grande favoreceu muito para que esse medo fosse disseminado entre a sociedade riograndina, fazendo com que largas parcelas da população entendessem e acreditassem que a intervenção militar era necessária e deveria ser constante e enérgica, como fica evidente no depoimento a baixo:

Eles [comunistas] roubavam banco, assaltavam, arrombavam as casa das pessoas pra procurar arma... matavam os militar... Não dava de dar “colher de chá” pra eles não... tinha que baixar o sarrafo neles mesmo! Prende eles tudo! Tu já pensou... o Brasil virar uma União Soviética! Que horror! Tinha que prende eles tudo mesmo. 158

Muitas pessoas acreditavam que a maioria dos delitos cometidos na cidade foram realizados pelos comunistas. Aliás, numa linha de raciocínio muito semelhante a do policial civil que atuou na repressão, exposta no primeiro capítulo, a senhora Jaqueline de Figueiredo Acosta também relaciona a segurança empreendida pelos militares e policiais em Rio Grande em relação às práticas criminais que, como supôs a entrevistada, terem sido praticadas pelos comunistas.

Tinha lá o seu lado bom, como eu já te falei. A gente ficava tranquila porque era gente de bem. Os comunista sempre conseguiam assaltar alguém na rua ou roubar as casa. Não sei como eles conseguiam. Mas por outro lado, eu lembro que a gente não podia reclama de nada, porque alguém podia pensa que a gente era comunista, daí a coisa podia fica preta pro nosso lado. Quem ia querer nessa época meter a mão com eles [os militares]?159

Através de uma opinião mais ponderada e menos parcial, é possível notar um misto de proteção e medo permeando o relato da senhora Jaqueline de Figueiredo. Seu testemunho indica que em troca da proteção muitos riograndinos abdicavam da sua liberdade de manifestação, pois preferiam o silêncio a se submeterem ao risco de serem considerados 158 159

Idem ao 185. Jaqueline de Figueiredo Acosta em entrevista cedida dia 22/04/2010.

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comunistas, e assim, consequentemente ter problemas com os militares. Havia vontade de manifestar insatisfação, porém o medo acabou privando certas pessoas a levarem a frente suas opiniões. A entrevistada também afirmou que: “Certas coisas [certos assuntos] a gente comentava só entre a gente, em família. Não dava de falar pra outras pessoas.” O comerciante Luciano Conceição da Silva lembra que em 1976 foi denunciado por um colega de trabalho porque, depois de se indignar com a falta de material que o impedia a levar a frente o seu trabalho, fez o seguinte comentário: “tem mais é que ser comunista mesmo.” A atitude do senhor Luciano da Silva, que em um momento de irritação tentou de algum modo ofender seu empregador, acabou tendo consequências quase imediatas. Três dias depois um policial paisano visitou o estabelecimento comercial no qual Luciano trabalhava e lhe convidou a acompanhá-lo até a delegacia da Polícia Federal. Luciano da Silva testemunhou por aproximadamente durante duas horas. Afirmou que não sofreu agressões físicas, mas que os policiais que ouviam seu depoimento foram, muito “ignorantes” com ele.

Eles gritaram comigo, e um deles toda hora vinha e colocava o dedo na minha cara... eu acho até hoje, que eles tavam procurando alguém que trabalhava no comércio e acharam que eu sabia de alguma coisa que pudesse ajudar eles a encontrar o cara comunista.160

No caso citado anteriormente, chama a atenção que as denúncias partem de civis que cobram dos órgãos de repressão uma postura no mínimo investigativa contra outros civis. Além de contar com a proteção dos braços repressivos do Estado, a população também participava da segurança, denunciando aos órgãos competentes qualquer suposto subversivo, através de motivações diversas, mas ao que tudo indica, principalmente por medo. Algumas denúncias mais graves, que supostamente implicavam na relação de civis com tendências ou organizações comunistas, efetuadas por outros civis, acabaram sendo registradas na SOPS/RG e tiveram ampla circulação entre os órgãos de repressão da cidade na época. Como mostra uma carta de 1975, enviada pelo irmão do Juiz da Comarca da Cidade do Rio Grande, endereçada ao delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul – DOPS/RS, na qual o remetente ao longo de dez páginas teceu diversas

160

Luciano Conceição da Silva em entrevista cedida dia 05/04/2010.

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acusações contra seu irmão, sobretudo pelo fato dele ter ligação com os comunistas, porém desta vez, nitidamente motivado pelo sentimento de vingança. 161 Medo, desconfiança, vingança, foram apenas alguns dos inúmeros sentimentos que motivavam as denúncias contra os supostos subversivos comunistas. Estes sentimentos, vividos e experimentados no cotidiano da época pelos entrevistados, um cotidiano marcado pela constante vigilância, inclusive por parte da sociedade civil, acabou estreitando os laços de afinidade com os órgãos de repressão que atuavam em Rio Grande, fazendo com que grandes parcelas da sociedade se sentissem mais seguras e ao mesmo tempo amparadas pelos militares, pois as respectivas denúncias quase sempre acabaram sendo apuradas, por mais absurdas que fossem como comprova a documentação da SOPS/RG. 162 Em suma, acreditavase que a sociedade civil deveria trabalhar em conjunto com as polícias e as forças armadas, em prol da defesa da cidade e do interesse de grande parte de seus habitantes. Ao mesmo tempo em que determinados segmentos da sociedade riograndina se mobilizavam contra as possíveis ameaças, a cidade recebia muitos investimentos do governo federal que foram rapidamente sendo aplicados em áreas estratégicas e de grande potencialidade econômica. Tais investimentos contribuíram com o crescimento econômico do país, do Estado e do município, e proporcionaram algumas melhorias sociais, como por exemplo, novas ofertas de emprego, fazendo com que os riograndinos reforçassem ainda mais a afinidade com os militares, pois passaram a ter convicção de que tudo o que vinha acontecendo na cidade, se dava pelo fato dela ser uma Área de Segurança Nacional, e que, portanto, o desenvolvimento econômico que se apresentava, necessariamente acontecia porque Rio Grande era e devia continuar sendo uma cidade segura e isenta da existência ou influência dos comunistas e seus ideais tão nocivos à política desenvolvimentista do governo federal. Em muitos dos relatos deste capítulo é possível observar que permanece ainda muito presente na lembrança dos entrevistados – os testemunhos são sempre determinantes a este respeito – os dois aspectos elencados como principais responsáveis em forjar o que denomino aqui como sensação de amparo, ou seja, a segurança da cidade e consequentemente a 161

Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.2.663.7.3. Rio Grande, 10/10/1975. 162 A documentação da SOPS/RG está repleta de casos de denúncias realizados pela sociedade civil. Infelizmente, nesta documentação não foram encontrados nenhum caso de denúncia contra os artistas riograndinos.

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segurança de sua população, bem como, a relação direta da segurança com os investimentos financeiros e o desenvolvimento econômico promovido pelo governo federal. Isso fez com que, a construção da memória coletiva em torno dos anos de ditadura civil-militar em Rio Grande, tenha ocorrido, mormente através do binômio segurança e desenvolvimento. Os acontecimentos vividos na época que são rememorados até os dias de hoje abarcam somente o período de prosperidade econômica da década de 1970, pontualmente o que se passou a chamar de “milagre brasileiro”. Eles são relembrados através de homenagens que suscitam comparações implícitas as ações de um dos personagens-chave do golpe de 1964, o riograndino Golbery do Couto e Silva que tanto contribuiu com o desenvolvimento socioeconômico e cultural do Município. Desenvolvimento este que remete diretamente aos lugares da memória como o Porto, o complexo industrial e a Universidade do Rio Grande. Mas tudo isso só foi possível graças à garantia oferecida pelos braços da repressão, com o devido auxílio de largas parcelas da sociedade civil. Ambos vigiaram e controlaram qualquer ameaça aos setores responsáveis em alavancar e gerir o desenvolvimento econômico da cidade, que deveria permanecer no rumo traçado pela política desenvolvimentista do governo militar, profundamente baseada na Doutrina de Segurança Nacional. Daí a sensação de amparo, ou seja, a legitimação do regime através da afeição de grande parte da sociedade civil riograndina balizada no modo pelo qual os militares conduziram a política nacional ao longo da década de 1970 e como isso refletiu enfaticamente na cidade do Rio Grande ao ponto de transformar tão expressivamente o cotidiano de grande parte de sua população, que zelou pelo autoritarismo e a eliminação ou controle de possíveis focos de subversão em prol do desenvolvimento econômico continuado, ou propriamente, pelas melhorias que passaram a alterar favoravelmente suas condições socioeconômicas. Tanto a documentação proveniente da SOPS/RG quanto o relato de civis, comprovam que largas parcelas da sociedade civil riograndina, com medo do comunismo e das atividades consideradas subversivas que poderiam ameaçar o desenvolvimento econômico de Rio Grande, trabalharam em conjunto no sentido de preservar a condição vigente na época. Tais denúncias acabaram recaindo também sobre os músicos, intérpretes e compositores locais, fazendo com que muitos deles acabassem sendo considerados comunistas ou subversivos. Através da sensação de amparo, parcelas da população riograndina se mostraram dispostas em denunciar os artistas aos órgãos de repressão, prejudicando assim não só a 61

ocorrência de eventos musicais na cidade, mas também, a produção autoral musical como um todo, pois, como exponho neste item levando em consideração o depoimento de alguns músicos da época, até mesmo o desenvolvimento de suas atividades mais elementares, acabaram sofrendo com os empecilhos da exacerbada legitimação do regime autoritário em Rio Grande. De qualquer modo, a atenção que a sociedade civil e os órgãos de repressão que atuavam na vigilância contra possíveis ameaças ao regime autoritário direcionavam as atividades de determinados artistas locais, ressalta a importância de alguns destes indivíduos enquanto opositores do regime autoritário, caso contrário, ambos não teriam interesse em vigiá-los, denunciá-los, interrogá-los e em determinadas circunstâncias até mesmo tentar obrigá-los a interromperem suas atividades. A dicotomia entre segurança e desenvolvimento, que forjou a sensação de amparo percebida através da memória coletiva contida no depoimento de indivíduos de variados segmentos da sociedade, de forma pouco mais fidedigna, proporciona vislumbrar qual a postura de grande parte da sociedade civil riograndina em relação ao que consideravam como ameaças à segurança e ao desenvolvimento, bem como, as formas que esperavam que os órgãos de repressão atuassem contra os possíveis focos de subversão existentes em Rio Grande. Como os casos que envolviam denúncias foram muitos comuns na época, tudo aquilo que os delatores entendiam como atividades ou focos de subversão, eram rapidamente comunicados aos agentes da repressão que atuavam na SOPS, e estes tratavam de averiguar todas e quaisquer denúncias. No contexto das práticas musicais, a vigilância por parte da sociedade civil e dos órgãos de repressão, sobretudo dos agentes da Polícia Federal, acabaram causando muitos transtornos aos músicos, intérpretes e compositores riograndinos. O instrumentista Sulivan Mello teve um problema semelhante ao de Luciano Conceição da Silva, porém, com consequências ainda piores. Sulivan estava com mais três colegas de profissão trabalhando em um bar muito movimentado na época quando:

[...] a gente tinha acabado de fazer um intervalo... já tava tocando fazia umas duas horas, duas horas e meia. Um cara grande, bem vestido, pinta de atleta mesmo, me disse que era fiscal da OMB [Ordem dos Músicos do Brasil] e me pediu a carteirinha de músico. Eu era o único que não tinha a bendita carteirinha... bah... que sufoco. Ele venho 62

direto em mim, nem pediu pros outros, parecia que sabia que eu não tinha... O cara me pediu documento perguntou aonde eu morava, se era casado, se tinha filho, quem era meu pai e minha mãe e quase me levou naquele dia mesmo. Não pude mais subir no palco e continuar tocando.163

Aproximadamente uma semana depois de o músico ser flagrado exercendo atividade musical sem carteira da Ordem dos Músicos do Brasil, chegou até sua residência uma intimação para que ele comparecesse na Delegacia da Polícia Federal, a fim de prestar esclarecimentos sobre o ocorrido naquele dia. “Eu até pensei em não ir... tava com medo... Pensei, vou dize pra todo mundo que eu fui chamado, se por um acaso eu não voltar todo mundo vai saber que eu tinha ido lá”.

Cheguei lá, me apresentei e eles me levaram para uma peça que tinha só duas cadeiras e uma mesa com um monte de papel em cima. Eu tava apavorado. Achei que iam me matar (risos)... é sério! Fizeram umas quantas perguntas, queriam saber da minha vida toda... Resultado disso tudo? Fiquei quase dois anos sem tocar. Naquele tempo não era fácil tirar a carteirinha, tinha que sabe lê música. Tive que aprender na marra! Eles me disseram que se me pegassem tocando sem carteirinha de novo eu ia ser preso.164

Sulivan Mello foi considerado suspeito, apenas pelo fato de estar exercendo a profissão de músico sem a carteira profissional da OMB. Anos depois, Sulivan Mello acabou descobrindo através de um amigo que a denúncia teria sido levada até a Delegacia da Polícia Federal por uma pessoa que morava ao lado da casa dele, que frequentava sua casa e conhecia sua rotina diária e toda a sua família. A obrigatoriedade de filiação à Ordem dos músicos do Brasil, também era uma forma de manter um determinado controle sobre as ações dos músicos, que depois de registrados e considerados aptos a exercerem a profissão, deveriam obrigatoriamente apresentar contratos de prestação de serviços e obter liberação por parte da censura para poderem executar cada 163 164

Sulivan Mello em entrevista cedida dia 15/02/2010. Idem ao n° 163.

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uma das músicas que compunham o seu repertório de trabalho. Em suma, os músicos prestavam contas à OMB e aos agentes da Polícia Federal que trabalhavam na Turma de Censura de Diversões Públicas (T.C.D.P). Em relação às visitas constantes dos músicos ao escritório da Polícia Federal, o músico instrumentista e compositor letrista, Dejair Siqueira Claro relata que:

[...] todas as sextas feiras, antes de liberar o baile de sábado, a gente fazia em cinco vias, para o Departamento de Censura Federal... a gente levava lá... e passava lá, eles nos entrevistavam uma hora ali... antes de carimbar... a gente mandava uma via do repertório para a Ordem dos Músicos do Brasil, não... cinco vias... uma pra OMB, uma pro Clube, uma pra nós, uma pra Polícia Federal... e uma pros Direitos Autorais... Então pra saber as músicas que a gente tocava, o Clube pagava direitos autorais e isso ia para o autor... no meio do baile tinha até olheiro... quando... ó... a Polícia Federal entrava, passava, e iam embora... daí diziam: „já foram... pode tocar, ta liberado!‟ Daí nós tocava tudo!165

Dejair Claro comenta também que ao longo das entrevistas, sempre realizadas toda vez que precisavam liberar a lista de músicas que executariam ao longo da noite de trabalho, os agentes perguntavam “o que a gente via e o que não via lá em baixo... eles queriam saber de tudo... muito era de fundo político”. Ao desenvolverem suas atividades em bares, boates e Clubes da cidade, os artistas riograndinos transitavam por diferentes ambientes de socialização. Dos jantares dançantes para casais da alta sociedade riograndina ou bailes de debutantes realizados pelos Clubes mais frequentados do Município, até a área do meretrício próxima a Zona Portuária, através de suas atividades profissionais, estes artistas, de fato, eram vistos pelos agentes da Polícia Federal como possíveis colaboradores, daí os constantes interrogatórios quando da liberação dos seus repertórios de trabalho. A intenção era forçar os artistas, que também eram parte da sociedade civil, a atuarem como informantes dos órgãos de repressão. Ainda em relação à liberação do repertório de trabalho, o instrumentista Ivo Vitória que integrava o Conjunto Bossa Sul menciona que: 165

Dejair Siqueira Claro em entrevista cedida dia 03/11/2011.

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Pegava o repertório, botava todo o repertório numa folha de papel oficio em quatro vias, e ai trazia na Polícia Federal... passava pela censura o repertório que a gente ia tocar no baile... as música são essas aqui... música e autor. Os caras eram muito „cricris‟... Tinha que levar o contrato do Conjunto com a Sociedade... o repertório[...]166

Ivo Vitória ressalta que a postura dos censores diante da lista de música que compunham o repertório era de extremo cuidado com as canções que seriam liberadas para execução, daí a utilização, por parte do músico, do termo „cricri‟, que no jargão popular designa o indivíduo que é extremamente detalhista quanto às exigências e atribuições do seu trabalho. O relato de outro músico que também integrava o Conjunto Bossa Sul, corrobora os testemunhos anteriormente expostos, e ainda expõem a má vontade dos responsáveis pela liberação do repertório de trabalho.

Tinha baile que tinha o censor ali conferindo... Nós tocamos nos Ferroviários, diversas vezes com o censor sentado lá em frente conferindo as músicas... ele levava a lista e conferia os nomes [das músicas]. O cara conhecia... nos pegamos isso aí tchê... bah... olha tchê... pra tu liberar uma lista um repertório, era um chá de banco de no mínimo quatro horas, no mínimo! O repertório tinha sempre que ser liberado dois, três dias antes do baile... não podia ter rasura... na hora de liberar nós sentava tudo junto pra liberar... e era quando eles queriam!167

Integrando a banda The Turtles, Dejair Claro assíduo participante dos festivais de música organizados na cidade, relata que ele e os outros componentes da banda, também tiveram problemas por executarem suas canções autorais, sem autorização dos censores, juntamente com o repertório que fora autorizado.

As músicas de sucesso, a gente tocava. Mas às vezes, ah... essa música eu não ouvi no rádio ou na televisão... tocava assim... poucas músicas próprias durante o baile... As músicas de sucesso todo mundo 166 167

Ivo Vitória em entrevista cedida dia 12/01/2012. Ricardo Albuquerque em entrevista cedida em 12/01/2012.

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conhecia... se tocasse uma música diferente... pô... essa música eu não ouvi no rádio ou na televisão, essa música eu não conheço de quem é... se tivesse algum agente, alguma coisa que eles botavam infiltração em todos os bailes, a ordem, a ordem, a ordem, a ordem, né? Daí eles te chamavam... aconteceu muitas vezes com a gente [de chamarem eles pra interrogatório]... a gente ia pra lá e se fazia de bobo, éramos guris, né! [ironizando]... Pô... nós só tocamos sucessos, corríamos pela tangente... tinha que ser esperto!

O instrumentista, intérprete e compositor Gilberto Medeiros de Oliveira lembra das consequências aos artistas que não cumprissem as determinações da T.C.D.P: “Havia repressão sim... músicos de bandas de bailes por mais de uma vez ouvi falar que foram presos, até porque eram bandas que tocavam as músicas de protesto dá época.”168 A vigilância em torno da execução das canções autorais ou da reprodução copista das canções dos artistas do rádio e da televisão, bem como, a fiscalização imposta ao exercício da profissão de músico sem o porte da carteira de habilitação musical, não constituíram as únicas formas de repressão aos músicos riograndinos.

Outro integrante da banda The Turtles, o instrumentista Luiz

Carlos Fernandez Rivera lembra que “havia um intenso patrulhamento dos órgãos de repressão quanto a comportamentos, roupas e uso de drogas, fato comum entre os músicos da época”169. A preocupação da sociedade civil com as atividades musicais foi manifestada de diversas formas e não esteve somente direcionada aos artistas riograndinos, suas produções autorais que também refletiam seus comportamentos. Uma leitora do semanário O Peixeiro, que assina sua carta com o pseudônimo de “Professora Preocupada”, cobra uma postura da censura em relação a uma das canções do Long Play compacto, lançado pela gravadora Copacabana em 1973, no qual a cantora Elizeth Cardozo interpretava a canção „Eu bebo sim‟: “Até quando a Censura vai continuar deixando circular por aí essa música com uma detestável letra em que se aconselha os jovens a beberem, incutindo em sua mente que muitos dos que não bebem estão morrendo?” 170 Por sua vez, contando ou não com a participação da sociedade civil, a Censura Federal atuava de modo abrangente, porém, utilizando diferentes métodos. Em virtude dos festejos carnavalescos de 1972, o senhor Mougli de Toledo Ribas, 168

Gilberto Medeiros de Oliveira em entrevista cedida em 23/11/2012. Luiz Carlos Fernandez Rivera em entrevista cedida em 06/12/2011. 170 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 14/10/1973, p. 6. 169

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chefe da T.C.D.P, informava através de O Peixeiro, quais atividades concomitantes a festividade necessitavam ser submetidas à censura prévia 171:

a)

– as letras de músicas inéditas, as apresentações de préstitos,

grupos, cordões, ranchos, etc. e estandartes carnavalescos; b)

– as propagandas e anúncios de qualquer natureza quando feitos

em carros alegóricos ou de feição carnavalesca, ou ainda, realizados em trajes característicos ou fora do comum; c)

– a autorização para a realização de bailes e reuniões dançantes

só serão fornecidas às entidades sociais que estiverem devidamente cadastradas nêste serviço; d)

– os componentes dos conjuntos responsáveis pela animação dos

bailes e reuniões dançantes deverão apresentar o cartão de registro fornecido pelo Serviço de Censura. 172

Ainda que, neste caso envolvendo os festejos carnavalescos, as orientações da Censura Federal tenham sido formalizadas e amplamente divulgadas através da imprensa, os agentes que compunham a T.C.D.P também advertiram verbalmente quanto às exigências necessárias às atividades onde houvessem grupos reunidos em torno de manifestações socioculturais realizadas através de motivações musicais e não hesitaram em fazer valer as regras estabelecidas. Estes casos de imposição de censura onde o procedimento aconteceu totalmente de modo verbal, ou seja, através de conversas pouco amistosas entre os censores e os artistas, fez com que, muitos músicos, intérpretes e compositores da época, não tivessem conhecimento de tantos outros cerceamentos impostos aos seus colegas de atividade. Muitos artistas intimidados e cerceados verbalmente pelos agentes da T.C.D.P, acabaram, na época, evitando comentários posteriores em relação a este tipo de experiências. Os testemunhos dos artistas, utilizados neste trabalho, evidenciam o fato de que todos tinham conhecimento da atuação dos órgãos de vigilância e repressão, até mesmo por terem sofrido arbitrariedades, porém, poucos souberam de casos que tenham envolvimento de outros artistas. Sem compartilhar suas experiências, provavelmente em decorrência do receio de 171

Até mesmo as fantasias utilizadas pelos foliões necessitavam de liberação da T.C.D.P, como mostra o ofício contendo a lista nominal de cada um dos participantes do bloco carnavalesco “Canarinhos da Folia”, que participaria dos festejos nos Clubes da cidade. (Ver imagem no anexo de n° 19) 172 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 06/02/1972, p. 4.

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possíveis represálias, alguns artistas riograndinos acabaram coagidos e, encontraram no silêncio, uma forma eficaz de zelar pela continuidade das suas atividades, bem como, da sua própria integridade física e dos demais colegas. Esta série de arbitrariedades sobre determinados artistas riograndinos e suas atividades, fez com que quaisquer espaços destinados às atividades musicais acabassem vistos como possíveis focos de subversão. Até mesmo o espaço doméstico, ou seja, o espaço privado da residência dos artistas se constituiu como um local comprometido diante da vigilância e das denúncias realizadas. Em decorrência da vigilância e dos cerceamentos das liberdades individuais e coletivas destes artistas, a cidade do Rio Grande dos anos 1970, enquanto Área de Segurança Nacional, ponto estratégico de defesa do litoral brasileiro e de relevante importância para os planos desenvolvimentistas do regime autoritário é entendida neste trabalho como um território hostil as manifestações socioculturais proveniente das atividades musicais, as quais, não foram mais cerceadas e reprimidas, possivelmente devido à existência de um histórico secular proveniente de meados do século XIX, que através do prestígio e admiração e apreço que os riograndinos lhes conferiam, acabou fornecendo as bases para a consolidação e continuidade destas práticas que chegaram até a década de 1970, dotadas de muito prestigio por todos os grupos que compunham a sociedade da época. Característica que certamente, foi mais um entre os motivadores e facilitadores que viabilizaram a realização de muitos Festivais de Música no Município. Contudo, é importante dizer que não foram todos os músicos, interpretes e compositores que sofreram com o cerco imposto pela sociedade civil e os órgãos de repressão, bem como, nem todos os eventos ou atividades musicais acabaram extremamente vigiadas ou controladas. Havia uma relativa flexibilidade, que se traduzia variavelmente em função do perfil de determinados artistas e dos organizadores de cada um dos eventos musicais realizados na época. Antes de transcorrer para a abordagem dos Festivais de Música e a produção musical destinada a estes eventos musicais, a fim de demonstrar brevemente os impactos sociais deste passado descrito anteriormente, perceptíveis até os dias de hoje através da fala de algumas pessoas entrevistadas para este trabalho, bem como, apreender parte deste mesmo passado no qual um riograndino foi uma das mais importantes personagens da história recente do país, Golbery do Couto e Silva, que exercendo determinante influência política em todo o território nacional, teceu a construção de uma memória saudosa dos tempos da Ditadura também em 68

sua cidade natal, procuro demonstrar de que forma e até que ponto, políticos, empresários, militares, intelectuais, sociedade civil, em fim, indivíduos que compartilhavam em comum a sensação de amparo caracterizada anteriormente, periodicamente procuram rememorar os tempos de Ditadura no Município com a nítida intenção de sobreposição ou imposição de uma memória histórica conflitante, até mesmo com a recente conjuntura da sociedade riograndina e brasileira que atravessam um novo ciclo do desenvolvimento do Capitalismo. 1. 3 – Entre o passado e o presente do Rio Grande e as „realizações‟ de Golbery do Couto e Silva: O centenário do “filho ilustre”, do “benfeitor” ou do “Satânico Dr. Go”? Como expus no item inicial deste trabalho, ao longo da década de 1970, a cidade do Rio Grande recebeu inúmeros empreendimentos que acabaram beneficiando parcelas consideráveis da sua população e que acabaram atraindo novos contingentes populacionais que migravam em busca de oportunidades de trabalho e qualificação profissional. Entre estes, os mais festejados pelos riograndinos foram os investimentos no complexo industrialportuário, a federalização da Universidade do Rio Grande e a construção do canal adutor da CORSAN. De certa forma, todos os empreendimentos acabaram aliciando largas parcelas da sociedade riograndina a legitimarem o regime autoritário em virtude das benesses provenientes de suas políticas desenvolvimentistas in loco, de tal forma que, acabou sendo forjado o que denominei posteriormente de sensação de amparo, ou seja, o modo como parcelas da sociedade da época, almejando melhorias sócio-econômicas entenderam a necessidade da segurança para o desenvolvimento do município. Dos empreendimentos considerados de extrema relevância para Rio Grande, todos tiveram a efetiva participação de Golbery do Couto e Silva. Na grande maioria das vezes, – aproveitando as potencialidades da cidade – as articulações de Golbery com os altos escalões políticos e a iniciativa privada local, foram decisivas para que determinadas ações acabassem se concretizando. Desta forma, em Rio Grande ao longo da década de 1970, todo o desenvolvimento promovido pela Ditadura Civil- Militar e (ou) iniciativa privada local, nacional ou internacional, acabou atribuído à intermediação de Golbery do Couto e Silva. Isso faz com que, até os dias de hoje, Golbery seja reverenciado por diferentes setores da sociedade riograndina173, que o consideram como o „grande responsável‟ pelas realizações do 173

Golbery do Couto e Silva, comumente recebia convites para visitar sua terra natal, sobretudo em ocasiões que possuíssem quaisquer ligações com o seu passado, como neste caso, em ocasião do septuagésimo aniversário do Colégio Lemos Jr., o qual, o então Ministro Chefe do Gabinete Civil iniciou sua trajetória escolar. (Ver imagem no anexo de número 20)

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passado e por isso em diversas oportunidades sua figura e a relevância de seus feitos são lembrados, comumente através do préstimo de homenagens públicas. 174 Em suma, como já foi dito anteriormente, as iniciativas intencionais de rememorar a figura de Golbery do Couto e Silva, se apresentam como formas de relembrar e exaltar o passado militarizado, de aparente prosperidade econômica e segurança pública, que alavancaram o desenvolvimento do município e promoveram a relativa autonomia de alguns segmentos da sociedade riograndina. Aos propositores destas homenagens, pouco importa se tais melhorias foram promovidas concomitantemente às contradições socioeconômicas ou a atuação dos órgãos de repressão política subordinados ao SNI de Golbery do Couto e Silva175, como o SOPS/RG que promoveu, deliberadamente, prisões arbitrárias e torturas aos indivíduos ou grupos contrários e insatisfeitos com as diretrizes políticas do Executivo e Legislativo Municipal, bem como, do Governo do Estado ou do Governo Federal. Enquanto escrevia neste trabalho o resultado das minhas pesquisas, coincidentemente, no dia 21 de agosto de 2011, se estivesse vivo, Golbery do Couto e Silva completaria cem anos de idade. Além da Academia Riograndina de Letras, que logo tratou de prestar reverência ao riograndino, instituindo o “Ano Acadêmico Golbery do Couto e Silva”, 176 muitas outras manifestações de apreço foram surgindo. O jornalista e escritor Willy Cesar publicou um texto no qual descreveu brevemente a infância de Golbery, seu interesse pela leitura e o „gênio‟ do jovem quanto ao seu excelente rendimento escolar, bem como, seu apoio

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Além da homenagem feita na Praça do 6° GAC e do troféu Ministro Golbery do Couto e Silva entregue anualmente pela Diretoria do Conselho Deliberativo da Associação Comercial dos Varejistas aos empresários de destaque no contexto municipal, em 19 de fevereiro de 2009, a Câmara Municipal aprovou, e foi sancionada pelo Prefeito Municipal Fábio Branco (PMDB) a Lei n° 6. 642, que denominou de Ministro Golbery do Couto e Silva uma importante Avenida de Rio Grande. Disponível em: . Alguns meses depois, em 23 de outubro de 2009, ocorreu na Câmara dos Vereadores a 23° Sessão Solene alusiva aos 40 anos de fundação da Universidade Federal do Rio Grande. Conforme a Ata da Sessão, nesta ocasião, o Presidente da Câmara, Vereador Delamar Correa Mirapalheta, fez questão de destacar que a gratuidade dos cursos oferecidos pela FURG “foi conseguida através de um trabalho da Casa Legislativa, que em Brasília, junto ao então Ministro Chefe da Casa Civil, o Rio-Grandino Golbery do Couto e Silva, contando com a presença de Vereadores como: Adélia Andrino, Athaides Rodrigues, Ayrton Lopes da Silva, Renato Albuquerque, Édes Cunha, Antonio Barros; o nosso atual Consultor Jurídico Dr. Julio Rodrigues, entre outros tantos que buscaram esse benefício aos estudantes”. Disponível em: . Consulta realizada em 23/06/2011. 175 Cf. BAFFA, Ayrton. Op. Cit., p. 17. Espantado com os rumos que tomou o Serviço Nacional de Informações, tamanha sua autoridade, que colocava em xeque as chefias militares, Golbery do Couto e Silva afirmou: “Criei um monstro”. 176 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 12/04/2011, p. 7. (Ver imagem no anexo de número 21).

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nas iniciativas para o desenvolvimento de Rio Grande, enquanto integrou as esferas do poder político da época.177 Na edição posterior do periódico que publicou o texto de Willy Cesar, o colunista Moacyr Rodrigues fez referência ao ato público, marcado no dia em que Golbery completaria seu centenário, de colocação da pedra fundamental do monumento que será erigido em sua homenagem. 178 Segundo este articulista: “em sua vida militar ou como ministro chefe da Casa Civil, no período da ditadura, [Golbery] nunca esqueceu o seu torrão natal, constituindo-se em importante elo de influência para que a Noiva do Mar chegasse ao estágio de desenvolvimento que hoje estamos vivendo.”179 E acrescentou: “Por integrar a equipe que governou o País nos anos da ditadura militar, a figura de Golbery não é apreciada por muitos... Agora, no entanto, a Prefeitura, através do ato marcado para este domingo, resgatará a dívida de gratidão que a comunidade rio-grandina tem para com seu conterrâneo.”

Estas constantes iniciativas de alguns segmentos da sociedade riograndina em rememorar uma das figuras mais representativas, influentes e polêmicas da Ditadura CivilMilitar brasileira, sugerem uma incursão acerca dos desdobramentos referentes às tensões que envolvem as explicitas disputas de memória imbricadas ao passado e ao presente do contexto sócio-político e econômico do Município, uma vez que, as memórias referentes à Ditadura Civil-Militar e a figura de Golbery do Couto e Silva, perpassam dois marcos históricos do desenvolvimento do capitalismo brasileiro refletidos in loco, em virtude das transformações promovidas pelos constantes investimentos realizados pelo Governo Civil-Militar (ARENA) em proveito das potencialidades do Porto marítimo da cidade, bem como, pela atual conjuntura desenvolvimentista levada a cabo pelo Governo Federal (Partido dos Trabalhadores – PT), de investimentos maciços que novamente impulsionam diversos setores econômicos do município em proveito das suas potencialidades portuárias. Os embates entre visões antagônicas acerca dos acontecimentos do passado e do presente acabam fazendo com

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Cf. Willy Cesar em seu artigo publicado no Jornal Agora, intitulado: “Centenário de Golbery”. Disponível em: . Consulta realizada em 20/08/2011. 178 O prefeito Fábio de Oliveira Branco e o major Aldenir Andrade do 6° GAC, no ato público de colocação da pedra fundamental. (Ver imagem no anexo de número 22) 179 Moacyr Rodrigues em sua coluna intitulada: “Dívida de gratidão”. Disponível em: . Consulta realizada em 20/08/2011.

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que ocorram tentativas voluntárias de determinados segmentos da sociedade riograndina, que estiveram alinhados ao Regime, de perpetuarem ou sobrepujarem suas memórias acerca do período, em detrimento das memórias de seus oposicionistas. A fim de aprofundar o diálogo com as fontes orais e os registros escritos utilizados neste trabalho, buscando respostas plausíveis às minhas indagações, que perpassam o passado e o presente das articulações políticas do país, do Estado e particularmente do Município do Rio Grande, faço uso das reflexões teórico-metodológicas que contribuem para a análise da História do Tempo Presente.

[...] a análise do Tempo Presente demanda, mediante pressupostos teóricos, o dimensionamento, a hierarquização, a contextualização, a inserção e a relação dos eventos com o processo histórico. Sua natureza científica da apreensão está garantida se os historiadores que trabalham nesse campo e com essa abordagem consideram as seguintes operações metodológicas: a análise do acontecimento com profundidade histórica; o rigor crítico no trabalho com as fontes; a explicação dos fatos, hierarquizando-os e integrando-os numa perspectiva de processo [...]180

Mediante ao que foi referenciado no trecho à cima, cabe mencionar que inserida na política do Governo Federal de revitalização da indústria naval e exploração dos recursos petrolíferos existentes no país através de perfurações oceânicas na camada terrestre denominada de pré-sal, atualmente Rio Grande passa por um momento exacerbado de desenvolvimento, voltado novamente às suas potencialidades marítimas e portuárias. A partir de 2006, – ano em que as iniciativas desenfreadas de homenagear Golbery do Couto e Silva começaram a serem levadas a cabo por Ronald Levihson, – com o início das obras de instalação do Polo Naval, cuja principal finalidade é a construção e a prestação de reparos em unidades marítimas para a indústria do petróleo, uma nova conjuntura, pautada na necessidade de mão-de-obra e a consequente oferta de milhares de empregos, acabaram ocasionando um inchaço populacional de proporções sem precedentes na cidade. Em decorrência da chegada de inúmeros trabalhadores, alguns acompanhados de seus familiares: 180

PADRÓS, Enrique Serra. História do Tempo Presente, Ditaduras de Segurança Nacional e Arquivos Repressivos. Tempo e Argumento: Florianópolis, v. 1, n. 1, jan./jun. 2009, p. 33.

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[...] Rio Grande está prestes a viver a maior transformação imobiliária de seus 274 anos de história. Com cerca de R$ 7 bilhões em novos projetos navais, em construção e já anunciados, a cidade portuária têm a expectativa de gerar mais de 40 mil empregos nos próximos cinco anos. Atentos à demanda que está por vir e a que já existe - e não encontra espaço na própria cidade para morar - um grupo de pesados investidores pretende aplicar R$ 250 milhões para mudar o município de 200 mil habitantes. 181

Em razão da instalação do Polo Naval também vêm ocorrendo a revitalização das indústrias de bens e serviços existentes na cidade e na região – aumento da rede hoteleira, do número supermercados e do comércio em geral – e a consequente criação de milhares de frentes de emprego indiretos182. Tais alterações de ordem sócio-econômicas podem ser sentidas até mesmo nas cidades vizinhas de Pelotas e São José do Norte. As transformações ainda abrangem projetos e obras que visam alcançar melhorias na infraestrutura e mobilidade urbana, obras em Rodovias Municipais e Estaduais, bem como, a duplicação da Rodovia Federal (BR 392) que liga Rio Grande aos demais municípios e a Capital do Estado. O Polo Naval é, atualmente, “a grande estrela da economia gaúcha”. Segundo Marcus Coester, diretor da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção de Investimento (AGDI), o Polo “é a grande prioridade” porque representa um ciclo econômico em curso, com uma lógica de mercado importante e o protagonismo da Petrobras.183 Há mais de trinta anos após o exacerbado desenvolvimento da primeira metade da década de 1970, – com suas particularidades já expostas nos itens anteriores – o Município novamente retoma a posição de destaque dentro do contexto econômico do Estado e do país, graças à instalação do Polo Naval, que vem sendo determinante para que Rio Grande registre os maiores níveis de desenvolvimento registrados ao longo de sua história. Com vistas ao impacto positivo que o Polo Naval vem causando no Município, – as mudanças são literalmente visíveis – lideranças políticas, intelectuais e empresários ligados à Ditadura, trataram logo de realizar esforços no sentido de mostrar que a atual condição vivenciada pelos 181

Jornal Valor Econômico. Disponível em Consulta realizada em 09/11/2011. 182 Cf. Agência T1. Disponível em: . Consulta realizada em: 04/11/2011. 183 Cf. O Sul 21. Disponível em: . Consulta realizada em: 02/04/2011.

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riograndinos, só está ocorrendo por que Golbery do Couto e Silva deixou de herança à população, toda a estrutura necessária para que isso se tornasse uma realidade. Em todas as manifestações de apoio à homenagem, os defensores utilizavam o mesmo argumento, ou seja, a dívida de gratidão dos riograndinos a Golbery do Couto e Silva, em razão das benesses proporcionadas a Rio Grande por meio de suas articulações políticas:

[...] Golbery do Couto e Silva, rio-grandino de nascimento e que, em sua vida militar ou como ministro chefe da Casa Civil, no período da ditadura, nunca esqueceu o seu torrão natal, constituindo-se em importante elo de influência para que a Noiva do Mar chegasse ao estágio de desenvolvimento que hoje estamos vivendo... Golbery foi, também, um dos responsáveis pela construção do canal adutor da Corsan para a captação de água do São Gonçalo, fato que permitiu ao Rio Grande, além do tranquilo abastecimento à população, preparar o Município para receber grandes indústrias e fortalecer o complexo portuário que hoje vemos, com orgulho, surgir nas areias da Quarta Seção da Barra [...]184

Como pretexto para alcançarem o objetivo de fazerem prevalecer as suas memórias acerca deste passado, cinco anos após as primeiras tentativas de Ronald Levihson, o vereador Renato Espíndola Albuquerque do PMDB, proponente do Projeto-de-Lei n° 128/09 – aprovado na Câmara dos Vereadores desde 2009185 – aproveitando a conveniência da data comemorativa do centenário de nascimento de Golbery, finalmente acabou conseguindo levar a frente o objetivo de erigir em praça pública um monumento ao riograndino ideólogo do Golpe de 1964, pai do SNI, ex-ministro da Ditadura Civil-Militar e um dos principais articuladores da redemocratização brasileira. Segundo as palavras do proponente deste projeto, a homenagem se justifica porque Golbery foi um “ilustre filho”, um “benfeitor”186 de 184

Moacyr Rodrigues em sua coluna intitulada: “Dívida de gratidão”. Disponível em: . Consulta realizada em 20/08/2011. 185 Cf. Ata de Votação Nominal processo n° 2277/09, foram favoráveis os vereadores: Renato Espíndola de Albuquerque – PMDB, Giovane Bastos Moralles – PTB, Thiago Pires Gonçalves – PMDB, José Antônio da Silva – PSDB, Wilson Batista Duarte da Silva – PMDB e Luciane Compiani – PMDB. Absteram-se: Delamar Corrêa Mirapalheta – PDT, Carlos Fialho Mattos – PPS, Alexandre Lindenmeyer – PT, Cláudio Costa – PT e Paulo Renato Gomes – PPS. Votaram contra: Júlio César Martins – PC do B e Luis Francisco Spotorno – PT. 186 Conforme sua participação no programa FM Café da Rádio da Universidade Federal do Rio Grande – FURG FM, em 06/09/2011. Nesta oportunidade, a convite da emissora, debati sobre a intenção de homenagear Golbery do Couto e Silva, com os vereadores Júlio Martins (PC do B), Renato Albuquerque (PMDB) e Augusto Cesar

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Rio Grande. Esta polêmica homenagem acabou merecendo ampla cobertura da imprensa local, bem como, de diversos órgãos da imprensa de todo o país, principalmente através dos jornais disponíveis para leitura que estão hospedados em sítios da rede mundial de computadores. Ao saber das primeiras manifestações contrárias de alguns riograndinos, inclusive da existência de um abaixo-assinado187 em repúdio à realização da homenagem, Renato Albuquerque acabou propondo ao apresentador do Programa FM Café da Rádio FURG FM, a realização de um debate acerca do assunto. Na ocasião o Vereador justificou assim a homenagem:

[...] eu propus esta pauta, pois eu acho que, ela é tão... necessária a discussão... Nós tamos sentindo aí, aqueles que... são contra esta homenagem que Rio Grande vai prestar a um ilustre filho. Eles têm os seus motivos, têm as suas razões, e nós temos por dever... fazer com que a sociedade fique esclarecida e tome conhecimento dos „porquês‟ que levaram, primeiro esse vereador, a propor a homenagem ao general Golbery do Couto e Silva... É muito simples... não tem mistério nenhum, não tem nenhum conteúdo ideológico, não tem nenhum conteúdo de revanchismo, não tem nenhum conteúdo daquele que quer buscar alguma coisa que não foi boa, que possa ter acontecido no passado, pra refrescar a memória ou querer agredir aqueles que são contra, nada disso! Eu recebi um telefonema do diretor e proprietário da rede UniverCidade... Ronald Levihson e ele me ligava, porque era muito amigo do meu pai e sabia que eu era vereador, e disse: Albuquerque... Eu to te ligando porque eu acho que Rio Grande deve uma gratidão ao general Golbery, e o Golbery estará completando cem anos de idade agora neste ano de 2011... e eu gostaria de oferecer a Prefeitura de Rio Grande... um busto... para que Martins de Oliveira (PDT), bem como, com o radialista e apresentador do programa Fabiano Mello da Costa. A entrevista, transmitida ao vivo para toda a cidade do Rio Grande e outras cidades da Região, como Pelotas, Herval, São Lourenço e São José do Norte, assim como, aos ouvintes de diversas partes do Brasil e do mundo via internet, foi gravada pelos técnicos de áudio da emissora e cedida pela direção da Rádio em formato digital. Compõem o arquivo das fontes utilizadas neste trabalho. 187 Idealizado pela historiadora Ana Paula do Amaral, escrito e hospedado no site Petição Pública (www.petiçãopublica.com.br) pelo historiador Francisco Alcides Cougo Júnior, atualmente o abaixo-assinado possui 1862 assinaturas.

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se fosse colocado em praça pública, e aí Rio Grande resgataria esta gratidão para com o general e tudo aquilo que ele fez pra Rio Grande [...]

Evidente que além dos laços familiares e de amizade ou companheirismo que ligam a figura do vereador Renato Albuquerque a Ronald Levihson e a Golbery do Couto e Silva, explícitos em sua fala mansa, seu comprometimento em relação à homenagem possui razões ideológicas e revanchistas. Na apresentação do livro do jornalista e escritor Willy Cesar, edição comemorativa do centenário do Colégio Lemos Júnior, – escola na qual Golbery do Couto e Silva iniciou seus estudos – Ronald Levihson (verdadeiro propositor de todas as recentes homenagens a Golbery do Couto e Silva) destina um parágrafo com apenas cinco linhas ao trabalho que estava apresentando, e logo em seguida, começa a tecer os mais variados elogios a Golbery ao longo de uma página inteira, na qual oferece mais alguns indícios acerca das razões que o motivam a propor a homenagem. A baixo um trecho que oferece uma ideia da admiração de Ronald ao amigo Golbery:

Não poderia deixar de referir-me nesta edição comemorativa... ao mais brilhante aluno de todos os tempos, Golbery do Couto e Silva. Considero o Doutor Gol como um dos mais importantes homens públicos de minha época. Faço minhas as palavras que eruditos amigos escreveram e disseram a seu respeito. Golbery foi um homem de convicção. Da convicção serena própria de quem conhece muito bem o que está fazendo e do que está falando... Vivendo intensamente a oscilante e perigosa segunda metade do século XX, ciente dos possíveis caminhos por onde seu país pudesse enveredar, não vacilou em tomar posição desde cedo. Anticomunista com liderança militar, civil e política, empenhou-se firmemente em conter o que era então pintado como a maré do futuro. Bem sabia de que futuro se tratava, se o país fosse arrastado na direção apontada pelos articulados bolcheviques daqueles tempos no mundo todo... O inesquecível aluno brilhante do Colégio Lemos Jr., o capitão da Força Expedicionária Brasileira na Itália, o professor da Escola Superior de Guerra, o cidadão de família e de vida exemplar, o atuante político de ideias, o 76

ministro do silêncio e das informações de Estado, o orientador de empresas e de desenvolvimento e o conselheiro de inúmeros outros grandes homens do país, foi sempre o mesmo e distinto senhor, cativante dos que o conheceram e enigmático para os que dele apenas ouviram falar.188

O trecho escrito por Ronald Levihson evidencia as razões ideológicas que estão implícitas na homenagem a Golbery do Couto e Silva. Ronald Levihson, Renato Albuquerque, Augusto Cesar Martins (ex-coronel do Exército e atualmente vereador, que homenageou Golbery na praça do 6° GAC) bem como, todos os demais defensores da homenagem que se manifestaram em grande número por meio do Jornal Agora, demonstraram que até os dias de hoje, ainda há na cidade do Rio Grande, uma forte orientação anticomunista, que está impregnada em diversos segmentos da sociedade riograndina. Esta orientação anticomunista, tão evidente através do que denominei anteriormente de sensação de amparo, acabou ganhando força ao longo da década de 1970, sobretudo, devido às realizações atribuídas a Golbery do Couto e Silva. O fato é que, a atual conjuntura de desenvolvimento, observada em Rio Grande, vem sendo promovida graças à política levada a cabo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), obviamente, com o apoio da sua base governamental. Cabe dizer que a cúpula do PT é composta de muitos militantes da esquerda que combateram na época a política desenvolvimentista promovida pela Ditadura Civil-Militar. Logo, na visão dos anticomunistas ligados a Ditadura, uma homenagem a Golbery do Couto e Silva que exalte e rememore o passado militarizado do Município se faz urgente, uma vez que, o PT, ou seja, os comunistas e guerrilheiros de outrora, além de estarem fazendo uso daquilo que tanto criticaram no passado, ao investirem maciçamente no Pólo Naval, ameaçam sobrepujarem o legado deixado, em Rio Grande, pelo governo dos militares. Com o intuito de fazer prevalecer à concepção de que o passado militarizado de investimentos econômicos, levado a cabo pela Ditadura através da figura de Golbery do Couto e Silva, responde por tudo o que vem ocorrendo no presente, bem como, justifica até mesmo as ações arbitrárias contra as ameaças dos subversivos, – até porque, na visão dos defensores da homenagem, caso os comunistas de outrora tivessem alcançado o poder na 188

CESAR, Willy. Centenário do Colégio Lemos Jr: Rio Grande. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 2007, p. 15-16.

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época, nada disso estaria acontecendo hoje em dia – a homenagem a Golbery, expõe o esforço realizado pelos segmentos anticomunistas da sociedade riograndina, na tentativa de sobrepujarem suas memórias acerca do período como os verdadeiros relatos e registros fidedignos da história recente do Município e do país. Aqueles que repudiam a homenagem ao “Satânico Dr. Go”189, um dos ícones antidemocráticos da História brasileira recente, ressaltam que a atuação da Ditadura CivilMilitar em setores estratégicos que impulsionaram o desenvolvimento do Rio Grande, foram promovidos concomitante às sessões de tortura, prisões arbitrárias, desaparecimentos, assassinatos, cerceamentos das liberdades coletivas e individuais, obedecendo a lógica da Doutrina de Segurança Nacional brasileira, que teve entre os seus principais ideólogos Golbery do Couto e Silva. Sendo assim, os grupos contrários a homenagem consideram a iniciativa uma afronta a memória dos indivíduos que se opuseram ao Regime autoritário, ao longo deste processo histórico de desenvolvimento do capitalismo brasileiro pós-1964, sobretudo porque, este período está manchado com o sangue dos que tiveram coragem de combater as elites que compunham o poder político e econômico da época. É impossível menosprezar o fato de que, os investimentos realizados na estrutura portuária do Município ao longo da década de 1970, a abertura e recuperação das rodovias, a federalização do orçamento da Universidade do Rio Grande que tornou o ensino superior gratuito e as obras de canalização de água que garantiram o abastecimento para o consumo e a instalação de algumas indústrias, por exemplo, possuem importância relevante para a atual conjuntura do ciclo econômico que está ocorrendo no município. Neste sentido, é razoável considerar que foi através das diretrizes do Governo Federal ao longo da década de 1970, que Rio Grande acabou alcançando o atual estágio de desenvolvimento? Ao menos, é desta forma que muitos riograndinos entendem este processo histórico que desemboca neste novo e atual ciclo do desenvolvimento do capitalismo brasileiro in loco. Uma enquete realizada através do sítio do Jornal Agora em agosto de 2011, em meio à polêmica envolvendo a homenagem em praça pública a Golbery do Couto e Silva, perguntava aos leitores: “A Prefeitura do Rio Grande vai erigir monumento em homenagem ao general Golbery do Couto e Silva, que foi

189

Para um aprofundamento sobre a atuação de Golbery e a influência de seus principais escritos na política do período, ver: ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. O Satânico Dr. Go: A Ideologia Bonapartista de Golbery do Couto e Silva. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1999.

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chefe da Casa Civil durante o período da ditadura militar. Qual sua opinião?” 190. O resultado final apontou que 41,41% dos riograndinos eram favoráveis a homenagem e 58,59 contrários. Este equilíbrio é notado ao mesmo tempo em que o atual governo federal investe maciçamente no Município 191, promovendo importantes e significativas transformações na até então, estagnada condição socioeconômica dos riograndinos. De qualquer forma, a estrutura de legitimação da Ditadura Civil-Militar em Rio Grande ao longo da década de 1970, que contou com a contribuição determinante do riograndino Golbery do Couto e Silva, acabou aliciando grande parte de sua população a contribuírem com o projeto desenvolvimentista do Regime, fazendo com que os setores de oposição encontrassem extrema dificuldade de desenvolverem quaisquer ações contestatórias. Fazer oposição em Rio Grande, enquanto Área de Segurança Nacional, condição que foi motivo de orgulho para muitos riograndinos, era fazer oposição ao progresso e ao desenvolvimento que fora promovido pela generosidade dos militares e do riograndino que nunca esqueceu seu torrão natal, condição que vigora exacerbadamente até os dias de hoje, devido ao fato de que, o Executivo Municipal e seus secretários, bem como, grande parte da bancada do Legislativo, sejam ex-integrantes ou simpatizantes do extinto ARENA, que hoje compõem o PMDB local. O passado e o presente demonstram a força e a simpatia que o governo autoritário e antidemocrático da Ditadura Civil-Militar possui em Rio Grande, bem como, o status de “filho ilustre” e “benfeitor” atribuído a Golbery do Couto Silva. Não é por menos que a atual administração e sua bancada de sustentação no Legislativo acumulam consecutivos mandatos à quase duas décadas. Toda esta polêmica envolvendo a homenagem a Golbery do Couto Silva acabou prejudicando o levantamento de fontes orais para este trabalho. Desde que diversos veículos da imprensa local (blogs, jornais, rádio e televisão), do Estado e do país passaram a abordar o tema da Ditadura na cidade do Rio Grande, em razão desta homenagem, gradativamente, a grande maioria das pessoas, que compunham a lista de entrevistados deste trabalho, foram 190

Cf. Jornal Agora. Disponível em: Consulta realizada em: 10/10/2011. Mesmo sem caráter de amostragem científica, os valores ilustram o equilíbrio existente entre àqueles que defendem e os que repudiam a homenagem. 191 Cf. o site Portogente, o Governo Federal havia investido mais de 5 bilhões de Reais no empreendimento. Disponível em: . Consulta realizada em: 20/12/2010. Conforme o site de notícias G1, para atender a demanda gerada pelas descobertas de petróleo na camada do présal, atualmente estima-se que mais 20 bilhões ainda serão investidos no Pólo Naval da cidade do Rio Grande. Disponível em: . Consulta realizada em: 25/03/2012.

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desistindo de fornecer seus testemunhos. Muitos relatos da época se perderam. Este silenciamento voluntário, infelizmente acabou praticado por muitas pessoas, inclusive por diversos artistas e por membros do corpo de jurados dos festivais de música que ocorreram em Rio Grande entre os anos de 1970 a 1976. Prejuízo de pesquisa à parte, no próximo capítulo a temática dos festivais de música começa a ser abordada, inicialmente, através de um histórico de realização destes eventos no país, realizado através de consultas bibliográficas. Como a temática dos festivais no Brasil é pouco abordada, com exceção aos Festivais de Música da Televisão, este próximo item procura apontar, através da bibliografia existente, como estes eventos musicais foram ao longo dos anos, manipulados conforme o interesse de seus idealizadores em determinados períodos da conjuntura histórica do Brasil ou ainda de cidades e Estados específicos.

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2. Festivais de Música: Algumas reflexões necessárias. 2. 1. Um breve histórico dos Festivais de Música no Brasil. Adaptações, rupturas e continuidades. Os festivais de música, inicialmente denominados como concursos de música, tiveram sua gênese no Brasil na cidade do Rio de Janeiro em 1909 192, durante o Período Republicano, cuja duração, abrange o período da Primeira Guerra Mundial 193, que promoveu o fomento das exportações brasileiras aos países beligerantes e fortaleceu o desenvolvimento do setor industrial, introduzindo no país novos padrões de consumo, inclusive a criação do mercado fonográfico no país. 194 Segundo José Ramos Tinhorão, os festivais eram realizados por ocasião do carnaval, onde o público se aglomerava nos teatros, e atuava como jurado, escolhendo a canção vencedora, através do preenchimento de um cupom.195 Se o carnaval, enquanto prática cultural brasileira196 contribui para a realização dos primeiros festivais de música no país, o cenário competitivo em torno da criação e comercialização musical era proveniente do século anterior. 197 Quando em 1899, Chiquinha Gonzaga compunha “Ó abre alas!”, a primeira marchinha de carnaval de sucesso permanente cantada ainda hoje, inaugurou-se uma nova era. A partir do sucesso do Abre Alas, cantado e adaptado mil vezes por todos os cordões198, apareceram os livres atiradores, compositores que escreviam música de carnaval para diversas associações mediante encomenda.”199

192

Cf. TINHORÃO, José Ramos. Música Popular – do Gramofone ao Rádio e TV. São Paulo: Ática, 1981. (Ensaios 69), p. 178. 193 Cf. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 34. 194 Cf. SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO, Nicolau, org., História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, Vol. 3, p. 35-36. 195 TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., p. 177. 196 Ver Roberto da Matta. Carnavais, malandro e heróis. Petrópolis – Rio de Janeiro: VOZES, 1979, p. 41. 197 Cf. TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: Os sons que vêm da rua. São Paulo: Edições Tinhorão, 1976, p. 35. A crescente popularidade da modinha e do lundu-canção, em fins do século XIX, acabou interessando comercialmente os editores de livretos de cordel urbano, fazendo surgir os vendedores de livretos ou de jornais de modinhas. 198 Cf. TINHORÃO, José Ramos. In: Pequena História da Música Popular. São Paulo, Círculo do Livro, 1973, p. 114. Os cordões eram integrados por negros, mestiços e brancos das camadas mais humildes da cidade e se apresentavam como uma massa mais ou menos compacta de fantasiados, que ao som de instrumentos de percussão, tocando e dançando de maneira desorganizada. 199 Cf. MARIZ, Vasco. A canção brasileira: erudita, folclórica, popular. 3ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Coleção Retratos do Brasil, 1977, p. 172. ALVARENGA, Oneyda. Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Editora Globo, 1950, p. 298. KIEFER, Bruno. Música e dança popular: sua influência na música erudita. Porto Alegre, Editora Movimento, 1979, p. 59.

81

O comércio de composições musicais foi uma prática comum no Brasil. Em Minas Gerais, por exemplo, durante o período que compreende o Ciclo do Ouro, no século XVIII, os músicos em sua grande maioria afro-descendentes, profissionalizaram-se de tal forma, que, além de venderem suas composições a um ávido mercado consumidor, organizaram-se de tal forma que constituíram irmandades, como a de Santa Cecília, – padroeira da música – que possuía as atribuições de amparo e organização trabalhista dos músicos mineiros. A concorrência entre os compositores da época favoreceu os tecnicamente mais preparados, servindo de estimulo a tantos outros que almejavam a ampliação dos espaços de trabalho. 200 Se em Minas Gerais, o breve período de exploração do ouro trouxe prosperidade a cidades como Vila Rica e Ouro Preto, onde as elites escravagistas e a Igreja Católica promoveram o incremento das atividades musicais, dando oportunidade aos músicos de desenvolverem composições em troca de remuneração,201 no Rio de Janeiro a então capital do Brasil em 1909, a Belle Époque anunciava a tentativa da elite em melhorar a imagem cultural do país, nesse período em que o entusiasmo e prosperidade capitalista foram evidenciados sob os auspícios do progresso, da urbanização, do crescimento econômico e do grande fluxo de imigrantes estrangeiros que reconfigurou o padrão demográfico e cultural no país. 202 A produção musical acompanhou a efervescência tecnológica e o projeto de industrialização e progresso das sociedades do capitalismo moderno, fazendo com que a música rapidamente alargasse seu alcance enquanto um produto cultural de consumo, graças ao fomento do mercado do disco e do gramofone que adquiriu popularidade entre as décadas de 1920 e 1930 no período do Entre-Guerras, acompanhado simultaneamente pela massificação do rádio, ambos, elementos decisivos para a música brasileira, que foi finalmente exposta ao contato direto da população de diversas partes do país.203 Se as oportunidades de profissionalização e maior campo de trabalho aos músicos, aliados à técnica moderna e à indústria do disco, promoveram significativamente o lazer urbano de diversos segmentos da sociedade, bem como, em certa medida, a socialização da arte e da cultura, foi a “Era do Rádio”204 a grande responsável por realizar a propagação da 200

HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira. TOMO I, Segundo Volume. Editora Bertrand Brasil S. A, Rio de Janeiro – RJ, 1993, p. 133-137. 201 Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque. Op. Cit., p. 139. 202 Cf. SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit., p. 119. 203 Cf. BITTENCOURT, Ezio da Rocha. Da rua ao teatro, os prazeres de uma cidade: sociabilidades e cultura no Brasil Meridional. Rio Grande: Ed. da FURG, 2007, p. 136-137. 204 Cf. VAMPRÉ, Carlos Augusto. Raízes e evolução do rádio e da televisão. Porto Alegre: FEPLAN – RBS, 1979, p. 42.

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música brasileira, que desde então, deslocou os festivais de música para os palcos montados no interior dos estúdios das rádios. A partir de 1935 a curiosidade em torno dos estúdios das rádios fez com que surgisse um novo panorama para a música brasileira. A possibilidade de ouvir música gravada através das ondas radiofônicas passou a não representar a única forma de encontro dos ouvintes com os artistas da nossa música. Novos talentos surgiam nos programas de calouros das décadas de 1940 e 1950, sob a tutela da platéia que assistia o show ao vivo nos estúdios. Essa interação entre público, emissoras de rádio, músicos e indústria do disco fez surgir e acabou consagrando inúmeros intérpretes e compositores profissionais, como Ari Barroso, Haroldo Lobo e Ataulfo Alves.205 Embora a ideia de organizar programas de calouros não fosse originalmente brasileira, pois inicialmente imitou o programa Hora do Amador da rádio de Nova York WHN206, no Brasil, esses programas eram pequenos concursos de música, que foram sofrendo diversas adaptações, impulsionadas pelas melhorias técnicas das emissoras e pela constante projeção do rádio como importante instrumento de comunicação e de propagandas comerciais 207. Os programas de calouros tinham a capacidade de atrair plateias numerosas às emissoras de rádio, onde este público ouvia, assistia e atuava como jurado de todo tipo de pessoa que tentava a sorte na carreira musical, que se apresentava na época, como uma excelente oportunidade de ascensão econômica e social. Segundo João Batista Borges Pereira:

[...] acima do desejo de entretenimento gratuito e do prazer estético, persistem como força canalizadora interesses de categorização social, através da profissionalização numa esfera de atividade onde as perspectivas

de

alta

remuneração

econômica,

de

prestígio,

popularidade e até de glória, se apresentam irresistivelmente tentadoras

para

um

grupo

social

cujas

oportunidades

de

205

Cf. CALABRE, Lia. A era do rádio. 2. Ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 39-40. TINHORÃO. José Ramos. Op. Cit., 1981, p. 57-59. TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., 1973, p. 132-133. 206 Cf. TINHORÃO. José Ramos. Op. Cit., 1981, p. 59. 207 Cf. ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 132.

83

enquadramento na estrutura global, e mesmo ocupacional, têm-se mostrado tradicionalmente tão limitadas. 208

Se o cenário para as apresentações envolvia a participação do público e dos apresentadores, bem como, de intérpretes, compositores e orquestras compostas por numerosos músicos209, esses programas de calouros podem ser apreciados enquanto festivais de música, uma vez que é evidente o deslocamento organizacional e artístico desse encontro entre o povo e a música nesse período que engloba as décadas de 1930, 1940 e 1950, devido à capacidade que as transmissões de rádio demonstraram em projetar variados artistas ao mercado fonográfico. Segundo Lia Calabre, acerca dos “programas de calouros”:

A maior parte dessas apresentações... nas emissoras de rádio era feita em programas de transmissão ao vivo e com presença de auditório. Uma prática comum era o lançamento das músicas... como os sambas e as marchinhas carnavalescas, nesses programas, pois cada composição podia ser testada, verificando-se sua aceitação por parte do público.210

Um novo deslocamento sociocultural destes espaços de divulgação da produção musical voltada ao mercado acabou subtraindo a hegemonia das emissoras de rádio que gradativamente foram impelidas a substituir os astros (intérpretes e compositores) e os programas de auditório pelos serviços de utilidade pública em formato de radiojornalismo 211, pois em meados da década de 1960, com a gênese da consolidação do capitalismo promovido pelo Regime Militar, através da abertura da economia brasileira para o capital estrangeiro 212

208

PEREIRA, João Batista Borges. Cor, profissão e mobilidade – O negro e o radio de São Paulo. São Paulo: Livraria Pioneira Ed., 1967, p. 108-109. 209 Cf. CABRAL, Sérgio. A MPB na Era do Rádio. São Paulo: Moderna (Coleção Polêmica), 1996, p. 17. Para se ter uma ideia, a Rádio Nacional gerava, em 1956, 700 empregos diretos. Eram 17 maestros, 35 violinos, 9 violas, 6 violoncelos, 9 contrabaixos, 7 flautas, 4 oboés, 1 corne inglês, 3 clarinetes, 2 clarones, 17 saxofones, 11 pistons, 9 trombones, 5 baterias, 5 guitarras, 4 pianos, 1 harpa, 1 tuba, 1 bombardino, 1 acordeom e 11 ritmista, além de dois conjuntos do tipo regional (num total de 11 músicos) e 10 solistas individuais, entre os quais alguns dos maiores instrumentistas brasileiros de todos os tempos, como Abel Ferreira (sax e clarinete), Jacó Bitencourt (bandolim), Luís Americano (sax e clarinete), Luperce Miranda (bandolim), Dilermando Reis (violão) e Carolina Cardoso de Menezes (piano). 210 CALABRE, Lia. Op. Cit., 2004, p. 39. 211 Cf. SEPAC – Serviço à Pastoral da Comunicação. Rádio: a arte de falar e ouvir. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 17. 212 STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no Regime Militar e Militarização das Artes. Porto Alegre: EDIPUC/RS, Coleção História 44, 2001, p. 83.

84

que impulsionou o mercado de bens materiais e simbólicos, as emissoras de televisão considerando as potencialidades comerciais da música brasileira, passaram a veicular, com frequência, em suas grades de programação a realização destes eventos musicais. O primeiro festival de música foi transmitido pela TV Record e ocorreu no Guarujá no ano de 1960. Este evento obteve pouca repercussão entre os artistas da época, bem como, por parte do público que o assistiu. Porém, quando em 1965 a TV Excelsior promoveu o I Festival Nacional de MPB, vencido por Edu Lobo e Vinícius de Moraes com a canção Arrastão, daí em diante, o que se observou foi a sucessiva realização destes eventos pelas emissoras de televisão do eixo Rio - São Paulo213, que ao dar cada vez mais destaque aos festivais, gradativamente utilizavam estes eventos, seus artistas e sua produção musical, como fatores determinantes para consolidação da televisão como meio de comunicação de massa no país. 214 Oportunamente, a indústria fonográfica acompanhou o fenômeno televisivo de público que alcançaram estes eventos, e soube aproveitar muito bem suas potencialidades comerciais. O fim do ciclo histórico dos festivais televisivos, que ficou conhecido como “A Era dos Festivais” ou “ciclo dos festivais” ocorreu no ano de 1972, em decorrência do desprestígio e do desinteresse da indústria fonográfica e do público pela MPB. Conforme José Ramos Tinhorão:

[...] o cansaço dos programas de auditório denominados festivais começou a desinteressar o público e, em 1972, deixaria de interessar também às televisões, após o fracasso final do VII Festival Internacional da Canção, apontado pela imprensa como um simples vídeo-teipe dos anteriores.215

A MPB reverteria este quadro decadente, somente três anos mais tarde, em 1975, acompanhando a retomada do crescimento do mercado fonográfico no país e dos investimentos em grandes projetos musicais ligados à televisão e ao mercado de espetáculos, que dinamizaram ainda mais o mercado musical brasileiro. 216

213

Cf. RIBEIRO, Solano. Prepare seu Coração. São Paulo: Geração Editorial, 2002, p. 246-252. Cf. VILARINO, Ramon Casas. A MPB em movimento. Música, festivais e censura. São Paulo: Olho d‟Água, 1999, p. 28. 215 TINHORÃO, José Ramos. Op. Cit., 1981, p. 185. 216 Cf. NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural. Participação no IV Congresso de la Rama latinoamericana del IASPM. México, 2002, p. 8-9. 214

85

No Rio Grande do Sul, por exemplo, em 1970 uma emissora de rádio da cidade de Uruguaiana promoveu o I Festival da Canção Popular da Fronteira. Interessados em inscrever a canção Abichornado217, Júlio Machado da Silva Filho e Colmar Pereira Duarte, acabaram excluídos do festival, pois os organizadores, ao longo do processo de seleção, acabaram classificando a canção como regionalista. Inconformado, Colmar Duarte passou a idealizar um festival que, ao contrário daquele, aceitasse somente canções gaúchas. 218 Após eleger-se presidente do CTG Sinuelo do Pago, Duarte acabou alcançando seu objetivo, e em 1971 organizou a Califórnia da Canção Nativa que ocorreu na cidade de Uruguaiana.

[...] foi o primeiro festival de música oriundo de bases culturais gaúchas a gerar consequências evidentes... Abrangeu pelo menos dois ângulos: o estritamente cultural (ou expressivo da cultura local, através de encontros de assuntos folclórico-culturais, ação intelectual de analistas, críticos, produtores poético-musicais); o outro é a grande festa, que durante cinco dias e noites reunia intelectuais e o povo participante, na cidade de lona (barracas, acampamentos) que vivia enquanto se desenvolvia o programa previsto [...]219

Diretamente relacionada à influência que os festivais da televisão exerciam em todo o país, nos quais compositores como Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, entre outros, faziam uso da canção como meio de ascensão socioeconômica e instrumento político, a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, neste período marcado pela repressão política e o recrudescimento da censura, não por acaso, oferecia aos vencedores o troféu denominado Calhandra de Ouro, inspirado em um pássaro da região que não canta estando em cativeiro. As aspirações de liberdade andavam pari passu com a pluralidade das manifestações artísticas musicais ligadas ao regionalismo urbano sulino ao longo das primeiras quatro edições da Califórnia.

217

Cf. NUNES, Zeno Cardoso. Dicionário de regionalismos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 1996, p. 14. Abichornado é o mesmo que aborrecido, triste, desanimado, envergonhado, magoado, abatido. 218 SANTI, Álvaro. Do Partenon a Califórnia: o nativismo e suas origens. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 53-54. 219 DUARTE, Colmar Pereira. Califórnia da canção nativa: marco de mudanças na cultura gaúcha. Porto Alegre: Movimento, 2001, p. 13.

86

“A Califórnia nasceu dentro de um CTG como poderia ter nascido no Lions, no Rotary ou no Comercial”. Segundo ele [Colmar Pereira Duarte] ainda, “a idéia inicial não era esse radicalismo imposto pelos tradicionalistas, pois na 1ª edição a vencedora levou ao palco instrumentos eletrônicos e os intérpretes usavam smoking”. Devido à interferência do Tradicionalismo, já na 4ª edição o festival entrou em crise, pressionado por músicos e compositores descontentes. Então, a partir da 5ª Califórnia foram instituídas três linhas de manifestações, criadas para abrigar os artistas de expressão mais urbana, que queriam participar deste palco para mostrar seu trabalho, embora sofressem as sanções do regulamento original. 220

Ainda que o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) tenha se apropriado deste expressivo festival de música, estabelecendo normas e alterando algumas de suas características iniciais, estes eventos se caracterizavam como espaços que potencializavam as manifestações socioculturais e corroboravam com as discussões em torno dos problemas sociais de diversas regiões do Rio Grande do Sul, sobretudo utilizando uma musicalidade “comprometida com os temas gaúchos”221 de grande interesse da indústria discográfica222. Devido ao fato de a Califórnia da Canção Nativa coexistir com os festivais da televisão, neste período delineado por cerceamentos impostos pelo Estado brasileiro, de uma forma geral, é possível considerar que, a partir de um determinado momento, apesar das explicitas intenções em diferenciá-los, ambos acabaram estabelecendo algumas ligações, afinal, o regional está atrelado ao nacional e vice-versa. Assim,

[...] de um lado estavam os tradicionalistas, sintonizados às normas do MTG, com uma música ligada aos costumes gaúchos. De outro, surgiram os nativistas, um movimento artístico-musical formado por jovens urbanos preocupados com a renovação estética da música

220

JACKS, Nilda. Mídia nativa: indústria cultural e cultura regional. Porto Alegre, EDUFRGS, 1998, p. 49. MARCON, Fernanda. Música Nativista e Imaginários Gauchescos: sobre cantar opinando. Santa Catarina: Música & Cultura – Revista On-line de Etnomusicologia, n° 5, 2010, p. 6. 222 Cf. JACKS, Nilda. Op. Cit., p. 74-75. Todos os discos da Califórnia foram reeditados para atender a demanda do mercado. 221

87

regional e, em uma época de ditadura militar, como forma de denúncia social. 223

Apesar das interferências, a iniciativa de Colmar Pereira Duarte acabou contribuindo para que surgissem muitos outros eventos musicais semelhantes, como a Tertúlia Musical Nativista, o Festival da Barranca, a Coxilha Nativista, o Musicanto Sul-americano de Nativismo, a Ciranda Teuto-rio-grandense, entre outros. Atualmente, cerca de cinquenta festivais nativistas são realizados todo o ano no Rio Grande do Sul224, todos com muitas potencialidades para futuras pesquisas. É imprescindível destacar que as adaptações, continuidades e rupturas que culminam com o esporádico deslocamento sociocultural dos festivais de música, nitidamente inseridos no esforço de inserção da música popular e suas formas de divulgação ao público frente aos estágios históricos de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Inicialmente com o carnaval e, respectivamente, com a indústria fonográfica (gravadoras), o rádio e a televisão, no decorrer do século XX, e particularmente a partir da década de 1960, estes eventos ocorreram vinculados aos interesses dos diferentes segmentos da iniciativa privada brasileira, que almejava explicitamente massificar a produção musical para explorá-la financeiramente através da crescente indústria cultural. Ainda em relação ao deslocamento sociocultural dos festivais, este acabou prejudicando a relativa autonomia dos expectadores em continuar escolhendo as canções vencedoras e os compositores com os quais eles mais se identificavam. Como foi possível observar anteriormente, desde a sua gênese, o público sempre tinha a oportunidade de atuar como jurado das composições. Com o advento dos Festivais de Televisão, os espectadores passaram de protagonistas a coadjuvantes denominados de júri popular. Ainda que seus organizadores sabidamente não tenham cerceado por completo sua participação, acabaram restringindo-a significativamente, pois as canções passaram a ser avaliadas por um corpo de jurados especializado (júri técnico), que escolhia as vencedoras geralmente levando em consideração o contrato que alguns artistas possuíam com determinadas gravadoras, bem como, algumas tendências ditadas pela indústria fonográfica, vide o coro de vaias após a 223

DIAS, Valton Neto Chaves & RONSINI, Vaneza Veloso Mayora. Mídia e Cultura: o consumo de música regional na constituição da identidade. Anais do IX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, Guarapuava, 2008, p. 6. 224 Cf. MARQUES, Sabrina de Matos. Festivais Nativistas: Patrimônio cultural do Rio Grande do Sul? Anais do XIII Encontro de Pós-Graduação da UFPEL, 2011, p. 2.

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divulgação da escolha dos jurados do III Festival Internacional da Canção de 1968 realizado pela TV Globo, que deu a vitória a canção „Sabiá‟ de Chico Buarque e Tom Jobim, colocando a preferida do público, „Pra não Dizer que não Falei de Flores‟ de Geraldo Vandré na segunda colocação. Portanto, não há como desprezar o fato de que alguns festivais de música realizados no Brasil, acompanhando as inovações técnicas promovidas pela evolução do capitalismo, fizeram com que parte da história da nossa música, produzida ao longo do século XX, esteja diretamente relacionada à massificação da canção em prol da indústria fonográfica e do mercado cultural. Em outras palavras, determinados eventos musicais representam excelentes oportunidades de exploração financeira, sobretudo por que a produção musical brasileira absorvida pelo mercado cultural é um negócio secular extremamente lucrativo, – inclusive enquanto produto de exportação – tanto para determinados artistas (músicos, intérpretes e compositores) como principalmente para a indústria fonográfica. Sob o ponto de vista deste trabalho, os Festivais da Televisão das décadas de 1960 e 1970, bem como, a produção musical inserida em seu contexto, são entendidos como a expressão máxima de reciprocidade entre os interesses financeiros dos artistas (músicos, intérpretes e compositores) e do mercado cultural e indústria do disco. O alcance de público, o sucesso de venda das canções produzidas na época, o papel social dos compositores premiados, e até mesmo o recrudescimento da censura após o AI-5, projetaram de tal forma estes Festivais e seus artistas, que ambos são considerados até os dias de hoje os principais representantes da história da nossa música popular, em virtude da tendência dos intelectuais brasileiros em desenvolverem pesquisas, justificações e interpretações históricas, comumente através da biografia destes artistas ou da análise de suas canções, que foram produzidas ou não com o intuito de participarem destes eventos. Cabe aos pesquisadores despertarem para o fato de que a ocorrência de festivais de música no Brasil é bastante segmentada e abrangente no que diz respeito aos propósitos e resultados que podem ser alcançados através de sua realização, como bem demonstrou a historiadora Kátia Paranhos ao abordar os festivais de música organizados pelos trabalhadores do ABC paulista225. O histórico de realização dos festivais brasileiros, promovidos por companhias teatrais, movimentos estudantis ou sindicais, entre tantos outros, de qualquer 225

Ver PARANHOS, Kátia. Os festivais de música dos trabalhadores do ABC: tradições culturais, canções e vozes do Brasil. Disponível em http://www.hist.puc.cl/iaspm/lahabana/articulosPDF/KatiaParanhos.pdf Consulta realizada em 28/11/2010.

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modo, confirmam que estes eventos possuem grande importância no contexto sociocultural do país, afinal, até os dias de hoje, continuam contribuindo para revelar ao público uma diversificada gama de intérpretes, compositores e instrumentistas, que transitam ou se identificam com os variados gêneros ou estilos musicais da pluralizada cultura brasileira, sem necessariamente possuírem qualquer ligação com o mercado fonográfico, e por este motivo, estes festivais e seus artistas, infelizmente ainda não são considerados representativos de integrarem a história da nossa música. No Brasil, a baixa incidência de pesquisa em relação à temática que compreende a realização de festivais de música continua contribuindo para a existência de imensas lacunas, tanto no que tange a abordagem histórica referente à realização destes eventos e o papel dos agentes envolvidos, quanto ao que diz respeito à produção musical de artistas dos diversos gêneros musicais que participaram e concretizaram a realização secular destes eventos em nosso país. As pesquisas acadêmicas envolvendo a história dos festivais que ocorreram ao longo do nefasto período da Ditadura Civil-Militar brasileira, permanecem concentradas nos Festivais de Música da Televisão das décadas de 1960 e 1970, considerados por grande parte dos pesquisadores os „grandes festivais‟, e em grande parte, pautada na produção musical dos artistas consagrados nestes eventos, sobretudo àqueles que estiveram intrinsecamente ligados ao movimento denominado MPB, gestado com o advento da Bossa Nova e consolidado ao longo destes festivais. Iniciativa semelhante ocorre no Rio Grande do Sul com a predileção dos pesquisadores em relação à Califórnia da Canção Nativa. Raríssimos são os historiadores que dedicam seus esforços de pesquisa em abordagens que privilegiem festivais de música desconhecidos do grande público e que não projetaram artistas para a indústria fonográfica ou mercado cultural, até mesmo, sob o argumento de que este tipo de pesquisa não se justifica. Porém, cabe dizer que, apesar da dificuldade em realizar o levantamento das fontes, preservadas geralmente em acervos particulares, compostos por recortes de jornais, fitas cassete com gravações caseiras, canções manuscritas ou fotografias que resistiram ao tempo, não para servirem aos pesquisadores, mas como reminiscências individuais ou coletivas, estes não deveriam constituir obstáculos intransponíveis para o historiador. Fato conhecido é que a maioria dos festivais de música, realizados em nosso país, alcançaram pouca projeção por não possuírem ligação com os meios de comunicação de massa (rádio e televisão) ou porque a produção musical proveniente destes eventos não 90

interessava ou era desconhecida da indústria fonográfica. Quando muito, estes eventos desconhecidos do grande público – como é o caso dos festivais riograndinos da década de 1970 – serviram de vitrine para uns poucos artistas, ainda assim, muitos deles, acabaram restringindo suas atividades apenas ao âmbito local ou regional. Com base no que foi colocado, acredito que reside a relevância e a justificativa desta pesquisa, pois, ainda que estes eventos não tenham representado importância em âmbito nacional, eles são parte integrante da história da música popular do nosso país, afinal, ocorreram em um período importante da história brasileira, marcado pelo recrudescimento da censura pós AI-5, pelos exílios de diversos artistas, o „milagre‟ econômico que legitimou o Regime e a gênese do processo de redemocratização do país, no qual artistas e o público reuniram-se num mesmo espaço temporal e interagiram através da criação musical. 2. 2. Festivais de música em Área de Segurança Nacional: Vigilância, censura, repressão e utilizações dos eventos musicais. Os interesses, os meios e as finalidades. Após apresentar alguns aspectos históricos referentes às continuidades, rupturas e adaptações organizacionais de alguns festivais de música que ocorreram no Brasil, continuarei abordando a temática destes eventos, desta vez, enfatizando os Festivais de Música que foram realizados ao longo da década de 1970 na cidade do Rio Grande, no interior de uma investigação que gradativamente busca identificar e delimitar os alguns aspectos socioculturais, econômicos e políticos que cercam a realização destes eventos, e que, imbricados, acabam expondo de que forma e até que ponto, estes eventos foram utilizados, tanto pelos artistas riograndinos, quanto por seus idealizadores, organizadores e realizadores, para diversas finalidades frente ao contexto histórico da cidade na época. Tendo em vista que os festivais riograndinos tiveram sua gênese no decorrer daquilo que se convencionou denominar de “ciclo” dos afamados Festivais da Televisão, que iniciaram no ano de 1965, perdurando até 1972, certamente estes eventos serviram como fator de motivação para que os Festivais realizados em Rio Grande, entre os anos de 1970 a 1976, acabassem ocorrendo, a final:

A relação entre música e TV consolidou a mudança do lugar social da canção iniciado com o advento da Bossa Nova e incrementou o panorama musical brasileiro, principalmente do ponto de vista 91

mercadológico. A divulgação da música, tomando como exemplo a Bossa Nova, até então ocorria em circuitos fechados, como o circuito universitário. O papel de centro gerador do mercado musical brasileiro que esse circuito possuía foi deslocado para a televisão, ampliando a audiência da música brasileira em todas as faixas sociais, na medida em que a TV era um fenômeno que abrangia segmentos bem mais amplos. 226

Ainda que, em 1971 tenha iniciado a trajetória daquele que, mais tarde, acabou se tornando um dos principais festivais de música com bases culturais gaúchas do Estado, ou seja, a Califórnia da Canção Nativa, em Rio Grande todos os eventos que ocorreram nesta década, foram organizados em razão da música popular brasileira. Sendo assim, o status da música popular e dos Festivais da Televisão, fez até mesmo com que a música de raiz sulina permanecesse totalmente desvinculada dos festivais riograndinos da década de 1970, obtendo espaço somente na década posterior, quando depois de seis anos sem a realização de festivais de música na cidade, a Universidade do Rio Grande realizou a trilogia dos Festivais Universitários de Música, – popularmente conhecidos como MUSIURG, nos anos de 1984, 1985 e 1989 – “festivais híbridos”227, que contemplavam a apresentação de canções dos gêneros regionalista e popular brasileiro. Semelhantes na forma, porém, distanciados pelo impacto social da televisão enquanto meio de comunicação de massa, bem como, do mercado cultural e da indústria fonográfica, os festivais de música realizados na cidade do Rio Grande ao longo da década 1970 tiveram sua origem, quando os estudantes da Escola de Engenharia da recém federalizada FURG, realizaram o 1° Festival Universitário de Música Popular (1° FUMP), inserido no calendário de atividades da 1° Semana Acadêmica da Engenharia. 228

226

CAROCHA, Maika Lois. DCDP: A censura musical no Regime Militar. Revista Eletrônica de História do Brasil. v. 7 n. 1, jan.- jun., 2005, p. 158. 227 Os MUSIURG‟s ou festivais híbridos foram eventos de caráter competitivo entre artistas de gêneros musicais diferentes. Em um mesmo evento, o público espectador tem a oportunidade de contato com os artistas de diferentes gêneros musicais, em outras palavras, é como se em um único evento, ocorressem dois festivais de música diferentes. Cf. COSTA, Leandro Braz da. “Cantador toque e cante”: Rio Grande: Uma cidade musical. Monografia de Bacharelado em História, Universidade Federal do Rio Grande – FURG, 2008, p. 58. 228 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 19/04/1970, p. 9.

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Dividido em duas etapas, a fase classificatória e a final, o 1° FUMP foi aberto a todas as faculdades que compunham a URG na época. Em entrevista com um dos vencedores deste festival, o senhor Mario Luiz Schramm, ele lembra que o evento:

Foi proposição do Diretório da Engenharia, mas era unificado para todas as faculdades, todos os cursos.... Foi aí que o Ribeiro [José Carlos Alves Ribeiro], que era presidente do Diretório Acadêmico na época... na janta ele me disse: “Pô... a gente faz um evento aí realizado pelo Diretório da Engenharia, e imagina que só tem dois da Engenharia inscritos, o resto tudo são da Medicina, do Direito da Economia”. A ideia dele era fazer um evento musical, mas ele queria que o pessoal da Engenharia participasse bastante.229

Mesmo sem contar com participação maciça dos acadêmicos da Engenharia, o evento foi um sucesso. Durante os dois dias de duração do festival, o anfiteatro da Escola esteve totalmente lotado de espectadores. Na primeira etapa, foram apresentadas dezoito canções, deste total, dez composições disputaram a cobiçada Abelha de Ouro (abelha que é o inseto símbolo do Curso de Engenharia). As canções selecionadas para a etapa final foram: „Terra de amor‟ de Beto Bittencourt, „Motivação‟ de Sidney Wallvitz, „Transtorno ao retorno à minha aldeia‟ de Nilo Roberto Morais, „Em cada crepúsculo uma aurora‟ de Álvaro Flávio e Valdomiro Santos, „Tempo Novo‟ de Marcos G. Bittencourt, „Sou boêmio‟ de Regis Nunes Coelho, „Bouquet de flores‟ de Régis Nunes Coelho e „Ninguém‟ de Paulo Tadeu dos Santos, Luiz Alberto Eisman e Mário Luiz Schramm. Após um debate acirrado entre os julgadores, o primeiro lugar ficou com a composição „Ninguém‟, o segundo com „Transtorno ao retorno à minha aldeia‟ e o terceiro com „Motivação‟. A menção honrosa foi oferecida a canção „Terra de amor‟230 Infelizmente, há pouquíssimos registros escritos deste primeiro festival de música. O Jornal Rio Grande, que na época era o principal e único veículo da imprensa escrita com periodicidade na cidade até meados da década de 1970, não destinou uma única linha sequer a respeito deste evento. Somente o semanário O Peixeiro, ofereceu dois breves, mas muito valorosos registros sobre este festival. Outras poucas linhas foram escritas pelo historiador 229 230

Entrevista cedida em 07/11/2011. Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 17/05/1970, p. 3.

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Mario Osório Magalhães, através de depoimentos de pessoas envolvidas com o evento, em um pequeno livro que conta um pouco da história do curso de Engenharia da FURG. Conforme o historiador:

Em 1970, o Diretório promoveu o 1° Festival Universitário da Canção, como parte das comemorações da 1ª Semana da Engenharia. O evento ocorreu no anfiteatro da própria Escola, durante duas noites, sendo a comissão julgadora presidida por Ayres Pastorino, cujo programa, na Rádio Tupanci de Pelotas, era na época audiência obrigatória. Também participou do júri o radialista Américo Souto, da Rádio Riograndina. A decoração e iluminação ficaram entregues aos acadêmicos Dinei Neves Gonçalves e José Luiz Fonseca da Silva, que pintaram atrás do palco um grande painel com o símbolo do festival: uma engrenagem atravessada por uma rosa vermelha... José Luiz Antonacci Carvalho, um dos apresentadores do festival... lembra ainda que a disputa foi embalada pelo conjunto The Dizzy [...]231

Em entrevista cedida exclusivamente para este trabalho, José Luiz Antonacci Carvalho, descreve com maior clareza e riqueza de detalhes, as intenções do Diretório Acadêmico da Engenharia em propor, promover e realizar o 1° FUMP:

[...] fui o apresentador e participei ativamente do grupo que organizou o evento. Aliás, a realização do Festival foi uma iniciativa do Diretório Acadêmico da Engenharia (DAEEI). Anualmente no aniversário da Escola o Diretório organizava a Semana da Engenharia, durante a qual realizava um conjunto de eventos para marcar a data. Naquele ano o Festival fez parte da referida semana. A ideia inicial dos organizadores era de promover um festival universitário para marcar o aniversário da Escola, mas sem grandes expectativas. Todavia, à medida que se aproximava a data ele foi tomando corpo. Houve um grande número de inscritos, o que obrigou a organização a

231

MAGALHÃES, Mario Osorio. Engenharia, Rio Grande: História & algumas histórias. Pelotas: Ed. Armazém Literário, 1997, p. 33.

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limitar o número de participantes. No dia do evento não havia lugares no auditório, suficientes, para atender a procura.232

Mostrando certo despreparo e relativa falta de organização, até mesmo por que, o DAEEI não tinha muitas expectativas em relação ao evento, – expectativas em relação a participação de público e adesão dos artistas – a partir do 1° FUMP, começou a consolidação em Rio Grande da realização anual de eventos desta natureza promovidos por estudantes universitários ou secundaristas que perduraram até meados da década de 1970. Contudo, não é possível considerar que apesar da inexperiência dos estudantes em relação à organização destes eventos, este festival seja um evento desprovido de pretensões, que tão somente alusivo aos festejos do aniversário da Escola de Engenharia. José Luiz Fonseca da Silva, um dos responsáveis pela decoração e iluminação que deveria tornar o evento mais atrativo aos olhos dos artistas do público e dos jurados, relatou em entrevista que a pintura da engrenagem atravessada por uma rosa vermelha tinha relação simbólica de identificação com a Engenharia, onde: “a rosa vermelha significava a poesia e o amor que aquele festival pretendia transmitir. Com este espírito foi concebido aquele símbolo numa época onde, paz e amor, era uma grande onda.”233 Foi em clima de festa, comemoração, paz e amor, que o DAEEI buscou através do FUMP marcar a passagem da Semana Acadêmica, identificando-o ao movimento hippie que ganhava força em todo o país e as manifestações sociais contra a Ditadura, que ocorreram em 1968, – Ano Internacional dos Direitos Humanos – como por exemplo a Passeata dos Cem Mil. 234 Além disso, como ressalta um dos organizadores e apresentador do FUMP, José Luiz Antonacci Carvalho:

A Semana da Engenharia tinha a finalidade de integrar e de ser um momento de reflexão... Não podemos esquecer que naquele momento havia algumas iniciativas de reorganização do movimento estudantil, depois de um período muito conturbado vivido em 1968. Naturalmente que subjacente as finalidades de integração e de reflexão, o evento [Festival] foi um meio de se extravasar alguns

232

Entrevista cedida por e-mail em 16/08/2011. Entrevista cedida por e-mail em 03/08/2011. 234 Para maiores detalhes, consultar: VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 233

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descontentamentos e de protestar contra a pouca liberdade de expressão vivida naquele período.235

Além do caráter festivo e de comemoração, o 1° FUMP está em conformidade com as principais finalidades, definidas pelo DAEEI para a Semana Acadêmica de 1970, sobretudo devido ao fato de que eventos musicais festivos possuem grande capacidade de integração social. Logo, o Festival Universitário de Música Popular, foi uma forma encontrada pelo DAEEI de utilizar o evento como instrumento para alcançar seus objetivos. Para tanto, foi preciso que músicos, intérpretes, compositores, acadêmicos de diversos cursos e o público em geral, aderissem à participação no evento, mas não necessariamente à proposta implícita da Semana Acadêmica e do FUMP, que visava entre outras coisas, oportunizar um espaço de socialização da produção musical local, contando com o fato de que as concepções sociais dos compositores riograndinos, expostas em forma de canção, pudessem excitar no público a reflexão, a crítica e o protesto ao modelo político vigente na época. Ao contar com a adesão de público, músicos, intérpretes e compositores, ao que tudo indica, o FUMP acabou alcançando alguns dos objetivos propostos pelo DAEEI, afinal, conforme José Luiz Antonacci:

Dois dias antes da data prevista para acontecer o Festival um delegado da Polícia Federal contatou a organização do festival para comunicar que todas as letras das músicas inscritas deveriam ser submetidas previamente à apreciação da Polícia Federal. Se assim não fosse feito o evento não seria autorizado (na época todos os eventos públicos deveriam ser previamente autorizados). Sob protestos, naturalmente, a determinação foi cumprida, isto é, as letras de todas as músicas que seriam apresentadas foram entregues para a Polícia Federal. Poucas horas antes de iniciar o evento todo o material foi devolvido. O resultado foi que algumas letras sofreram cortes.

Este caso envolvendo a imposição da censura indica que a exposição de algumas das concepções sociais de determinados compositores riograndinos, expostas através das letras de suas canções, possivelmente tenham entrado em conflito com aquilo que os censores 235

Entrevista cedida por e-mail em 16/08/2011.

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julgavam ser um conteúdo pernicioso a sociedade ou ao Regime. 236 Corroborando com o que foi exposto, retomo as considerações de Mário Osorio Magalhães acerca do caso envolvendo censura musical no contexto do FUMP, evento este que o autor denominou equivocadamente de “Festival Universitário da Canção”. O trecho abaixo também descreve o que possivelmente foi o primeiro caso de censura musical, voltada à produção autoral dos compositores riograndinos no contexto de realização de festivais de música.

[...] é digno de registro um acontecimento de bastidores: como 1970 era época de repressão política, as letras das músicas, sendo inéditas, deviam ser submetidas à censura prévia... Depois de muita “conversa e choro”, o delegado concordou com a realização do evento, desde que fosse ele próprio o censor e que os textos lhe fossem entregues com dois dias de antecedência. Leu tudo, exigiu algumas modificações e autorizou a apresentação. Nos dois dias do festival lá estava ele, acompanhado por dois auxiliares. Mas, é claro, as letras foram apresentadas sem qualquer alteração. Como resultado, as gravações realizadas por Ayres Pastorino, e que seriam apresentadas no seu programa semanal, ficaram proibidas de ir ao ar. Mais um fato, contribuiu para que não ficasse registro [sonoro] deste festival, a não ser na memória: o aparelho de rolo do Diretório foi conectado no mesmo ponto em que o conjunto The Dizzy estava retirando energia para alimentar guitarra e baixo. Isto significa, em português bem claro, muitíssimo ruído, quase nada de som. 237

A intenção do jurado do FUMP, Ayres Pastorino de divulgar em seu programa as canções que participaram do Festival, demonstra o interesse do radialista em divulgar a produção musical local utilizando as potencialidades do rádio enquanto meio de comunicação de massa. Provavelmente, Ayres Pastorino procurava valorizar e promover os artistas locais e suas canções, fazendo com que, milhares de ouvintes conhecessem as composições musicais 236

Após entrar em contato com a Coordenação Regional do Arquivo Nacional de Brasília, onde estão preservados diversos documentos referentes às atividades da censura musical brasileira, desenvolvidas pela Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP, ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, a central de atendimento do Arquivo Nacional enviou-me uma lista nominal contendo 164 páginas. Infelizmente, entre os milhares de nomes pesquisados, não encontrei nenhum registro de censura aos compositores riograndinos no decorrer dos anos de abrangência deste trabalho. 237 MAGALHÃES, Mario Osorio. Op. Cit., p. 34.

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apresentadas ao longo do evento. Ayres acabou esbarrando na falta de experiência em manipular de forma adequada o equipamento de gravação, bem como, no ímpeto dos artistas em não submeterem-se a censura prévia efetuada em suas canções, fatores que excluíram por completo quaisquer possibilidades de contato das composições musicais com um público ouvinte mais amplo. Este caso de aplicação de “censura prévia” e a “posteriori” devido ao descumprimento da ordem dos censores, o que comprometeu a difusão radiofônica das canções apresentadas no FUMP, aponta para a multiplicidade da atuação dos censores sobre a produção musical dos artistas riograndinos. Em sua análise acerca da censura aplicada as canções que participaram dos Festivais de Música da Televisão entre os anos de 1965 a 1969, período este considerado pelo autor como o mais relevante para a história destes eventos musicais televisivos, pelo fato de que, ao optar por este recorte temporal seu estudo situou-se no surgimento e ascensão destes eventos que contribuíram para constituir o movimento sociocultural e artístico denominado de MPB, abrangendo também o cerco imposto pela censura, particularmente, pelo Ato Institucional n° 5, que promoveu a decadência destes festivais devido às prisões de diversos artistas, os expurgos e à proibição de muitas canções, o pesquisador Ramon Casas Vilarino, afirma que a censura durante a Ditadura Civil-Militar brasileira se apresentava sob dois ângulos diferentes, os quais:

[...] Uma, repressiva, que diz não, e outra, disciplinadora, que incentiva uma certa orientação. Dessa forma, a censura do período militar se define menos pelo veto e mais pela repressão seletiva. Censuram-se livros, mas não a indústria cultural; peças teatrais, mas não o teatro; filmes, mas não o cinema; músicas, mas não a indústria fonográfica. 238

O acontecimento explicitado anteriormente, envolvendo a atividade dos censores em relação às canções que participaram do 1° FUMP, evidencia a existência de diferentes formas de aplicação da censura. O ato institucionalizado de censurar, não se restringiu a disciplinar e coagir, pois a censura se caracteriza como uma atividade multifacetada, que pode inclusive, através do poder atribuído pelo Estado autoritário brasileiro aos censores, adaptar-se a cada situação encontrada, seja ela inusitada ou não, até porque, “os assuntos censurados variavam 238

VILARINO, Ramon Casas. A MPB em movimento: Música, Festivais e Censura. São Paulo, Ed. Olho D‟água, 1999, p. 85.

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conforme a conjuntura política”

239

, e, rotineiramente eram reorientados pelo Ministério da

Justiça. Em outras palavras, a censura enquanto “política do Estado”240, foi utilizada como um instrumento de veto que acabou silenciando muitos artistas brasileiros, sem precisamente ou rigidamente obedecer a um padrão estabelecido ou definido, como ocorreu com os artistas riograndinos que participaram do 1° FUMP em 1970. Censurados previamente, ou seja, parcialmente cerceados, alguns artistas resolveram não acatar a interferência dos censores em suas composições, o que acabou ocasionando posteriormente uma ação arbitrária proibitiva, que se estendeu punitivamente a todo o grupo de artistas, até mesmo, àqueles que não possuíam quaisquer „problemas‟ prévios com os censores em relação ao conteúdo de suas canções. A iniciativa dos artistas riograndinos em descumprirem as ordens dos censores selou para sempre a não divulgação de grande parte da construção musical exposta durante este evento. Casos como este, certamente não foram únicos, muito menos ocorreram exclusivamente na cidade do Rio Grande e representam um prejuízo muito significativo para a produção musical dos músicos, intérpretes e compositores brasileiros que foram sumariamente silenciamentos. A final, em um país com dimensões continentais como o Brasil – onde as atividades musicais inseridas na realização de festivais de música possuíram suma importância nas relações socioculturais e políticas ao longo do século XX, particularmente entre as décadas de 1960 e 1970, sejam elas de caráter nacionalista, folclórico, regionalista ou local – milhares de outros festivais de música foram organizados por diversos segmentos da sociedade, fazendo com que, não exista, atualmente, nenhuma possibilidade de enumerar o montante destes eventos musicais, muito menos o número de artistas e canções inscritas em todos eles. Em suma, é possível afirmar que a maior parte da história dos festivais de música e da canção popular brasileira permanece desconhecida e menosprezada pelos pesquisadores. Considerando que para a maioria dos estudiosos das manifestações festivas que abrangem a produção musical dos artistas brasileiros, ou até mesmo para outros tantos críticos musicais, jornalistas, ensaístas, músicos, em fim, que até meados da década de 1980 foram os principais „historiadores‟ dos pluralizados gêneros musicais brasileiros, ou ainda, para muitos embotados ou ingênuos que ainda acreditam que os Festivais de Música da Televisão e seus

239

FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 169. FICO, Carlos. Além do Golpe: Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 90. 240

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artistas, com o perdão do trocadilho, foram os “motores da História” 241 da nossa música popular ao longo das décadas de 1960 e 1970, – argumento que facilmente vem justificando a maioria dos trabalhos acadêmicos sobre a história da produção musical deste período – é que se faz imprescindível levar a cabo abordagens que contemplem contextos históricos pouco ou nunca explorados, mas não por isso, menos importantes ao ponto de não satisfazerem os propósitos de um esforço de pesquisa, no intuito de buscar uma história total da canção popular e destes eventos em nosso país. Não é novidade que a história da música popular brasileira foi construída diariamente pela imensa maioria dos artistas espalhados por diversas partes do país 242, que mesmo permanecendo desconhecidos do grande público por estarem distantes dos meios de comunicação de massa, conseguem transpor as barreiras da indústria cultural e da indústria fonográfica utilizando, por exemplo, o curto espaço de tempo da apresentação ao vivo nos festivais de música que ocorrem em suas cidades ou Estados, para divulgação de suas canções, sem necessariamente precisar prestar reverência ao “jabá” 243 oferecido pelas grandes gravadoras. Para aqueles intelectuais que ainda desconsideram sua participação e relevância na história da nossa música, as curtas e pequenas frases extraídas de algumas entrevistas realizadas com artistas riograndinos, podem contribuir com alguns instantes de lucidez: “eu nunca ia imaginar que alguém pudesse ter interesse nisso dos festivais”, “achei que ninguém sabia que a gente existiu...”, “até que em fim alguém se lembrou da gente”, “nós também estávamos aqui nesta época... fazendo música!”, “eu faço parte desta história”. Retomando a abordagem ao 1° FUMP e particularmente o caso envolvendo a censura aos artistas riograndinos, as ações arbitrárias dos censores demonstram explicitamente que mesmo os compositores desconhecidos do grande público, tiveram suas composições vetadas, caso o censor assim achasse conveniente, conforme os propósitos estabelecidos pelo Regime autoritário ou em defesa da sociedade civil, que também delatou, vigiou e orientou os 241

Alusão à expressão utilizada por Karl Marx em O Capital, quando o autor afirma que o verdadeiro “motor da história” é a eterna luta de classes. 242 Cf. TINHORÃO, José Ramos. Música popular: os sons que vem da rua. São Paulo: Edições Tinhorão, 1976. Apesar de defender a tradição na música popular brasileira, em oposição aos gêneros e movimentos musicais surgidos nas décadas de 1950, 1960 e 1970, este pesquisador obstinado pelas origens da nossa música popular faz uma fascinante exposição do cotidiano das atividades musicais praticadas por alguns artistas brasileiros, como por exemplo, os cantores de serenata, os cantores de bares, os vendedores de modinhas, os realejos, as bandas militares e os coretos, os cafés-cantantes e os chopes-berrantes, os circos e os pavilhões, as gafieiras e os forrós. 243 Cf. AXT, Gunter e SCHÜLER, Fernando. Brasil Contemporâneo: crônicas de um país incógnito. Porto Alegre: Artes e Oficio, 2006, p. 481. O “jabá” é a propina paga pelas gravadoras aos radialistas para terem executadas com regularidade música e artistas de sua preferência.

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censores em muitas de suas ações, cerceando os artistas ou vetando completamente canções dos mais variados gêneros e estilos musicais que circulam no país. Desta forma, a censura:

[...] tornou-se mais evidente e concreta no Brasil durante o Regime Militar, por ter sido institucionalizada, sistematizada, materializada, explicitada, e por tratar-se de um Regime político autoritário... neste momento a censura é guindada à condição de fundamental para a manutenção do Regime, tendo lugar de destaque na rede de controle social, instituída pelo Estado militarizado... É criada, como um cargo público, a função de censor, fato que poucos regimes do período de arriscaram a fazer [...]244

Assim sendo, entendo que a aplicação da censura institucionalizada as manifestações culturais e seu endurecimento após a promulgação do Ato Institucional n° 5 – daí incluída a produção musical dos artistas da nossa música – deve ser orientada por um estudo menos rígido que busque compreender determinadas peculiaridades inerentes aos festivais de música sem de forma alguma desconsiderar o contexto histórico no qual sua prática está inserida, até mesmo porque a vigilância em torno da realização destes festivais de música também era uma espécie censura prévia que inibiu a realização destes eventos por determinados segmentos da sociedade devido ao medo de possíveis represálias. De qualquer modo, todos os envolvidos, tanto os produtores (músicos, intérpretes e compositores) quanto os organizadores e realizadores destas atividades culturais, principalmente àqueles que não compactuavam com o Regime autoritário, acaram sofrendo com a repressão e a censura em suas diferentes atribuições. Isso porque, [...] A política do regime militar – desmantelar e pulverizar a cultura brasileira – dedicou minuciosa atenção à área da música, detectada como sendo a forma de expressão preferida da juventude, e aquela com maior eficácia de aglutinação (comprovada nas canções de protesto) e poder de corrosão e perturbação da “paz dos cemitérios” (comprovada com o Tropicalismo). A repressão atingiu com o napalm

244

STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no Regime Militar e militarização das artes. Porto Alegre: Ed. da PUCRS, (Coleção História, vol. 44), 2001, p. 25- 26.

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de uma censura devastadora e os mísseis da prisão, do exílio e de agressões físicas aos principais nomes da vanguarda sonora.245

O trecho a cima, nitidamente faz referência aos artistas consagrados da nossa música popular, que através do conteúdo de suas canções, tanto excitaram a sociedade da época no levante contra as atrocidades cometidas pela Ditadura Civil-Militar brasileira. Guardada suas devidas proporções – pois, os artistas e os festivais de música que foram realizados em Rio Grande por estarem totalmente desvinculados dos meios de comunicação de massa (sobretudo do eixo Rio-São Paulo), da indústria fonográfica e cultural, não possuíam quantitativamente o mesmo impacto social que as transmissões radiofônicas ou televisivas em rede nacional, ou ainda, a reprodução destas canções em inúmeras residências espalhadas por todo o país, através das fitas cassete e LP‟s (registros que preservaram o passado) – os festivais riograndinos e a produção musical inserida em sua realização foram efêmeros, e, até o momento em que este trabalho foi idealizado, estavam destinados apenas aos parcos registros dos trabalhos de jornalistas ou memorialistas que viveram o período em questão ou aos pouquíssimos pesquisadores que nunca aprofundaram suas temáticas. Contudo, este esforço de pesquisa vai gradativamente tornando viável uma interpretação histórica acerca destes festivais de música, preparando o „palco‟ para seus principais agentes históricos, ou seja, os músicos, intérpretes e compositores, que no passado utilizaram estes eventos como canais de expressão, para proporcionar aos milhares de ouvintes riograndinos, momentos de lazer e reflexão, através da exposição de suas concepções sociais em forma de música. Apesar das dificuldades encontradas pelo DAEEI em relação à organização do evento, e a liberação das canções em função da atuação dos agentes da repressão, o que poderia até mesmo ter interrompido definitivamente o acontecimento, a repercussão em torno da realização do 1° FUMP foi tamanha, fazendo com que no ano seguinte ocorressem outros dois festivais de música em Rio Grande. Em razão dos festejos alusivos aos 65 anos do Colégio Estadual Lemos Júnior, ocorreu no Ginásio de Esportes Heitor Amaro Barcelos, do Ipiranga Atlético Clube (IAC) 246, o 1° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr., que foi organizado pelos alunos do grêmio

245

GOODWYN, Ricky. Da Independência Musical. In: MELLO, Maria Amélia (Org.). Vinte anos de resistência. Alternativas da Cultura no Regime Militar. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, p. 138. 246 Este ginásio de esportes pertence à Refinaria de Petróleo Ipiranga S/A.

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estudantil e pelas professoras Consuelo Ruiz, Dione Soares e Iara Vignoli Canali. 247 Conforme um dos poucos registros escritos deste festival, além de contar novamente com a participação maciça de público, este evento foi bem organizado pelos propositores, que fizeram uso, até mesmo, de recepcionistas em traje de gala e dos conhecidos „mestres de cerimônias‟ para apresentarem os artistas e suas canções ao público. A repercussão em torno do glamoroso Festival do Lemos e das cinco canções vencedoras, (1° lugar: „Tributo a Juventude‟ de Maria Luiza Leite com música de Jorge Porto; 2° lugar: „Canção para Maria‟ de Luiz Fernando Weikamp; 3° lugar: „Canto de Esperança‟ de Lindemar Duarte; 4° lugar: „Brasil Setenta e Um‟ de Stella Maris M. Tavares e 5° lugar: „Noite Vazia‟ dos irmãos Deoclécio, Tomás e Levi Rembowski248) que acabaram reapresentadas durante um jantar dançante para casais que compunham a alta sociedade riograndina na Associação do Clube do Comércio 249, oportunizou aos artistas vitoriosos a chance de ampliar o alcance de suas produções autorais, que começavam a despertar a atenção e o interesse de outros segmentos da sociedade riograndina, ultrapassando, assim, o espaço de escuta, até então, confinado as apresentações ao vivo realizadas nos festivais de música, que eram destinados ao público diversificado quanto à suas condições socioeconômicas. A participação do público e a adesão dos artistas em relação ao 1° FUMP, a posteriori significativamente acrescidas com a realização do 1° Festival de Música Popular do Lemos Jr., demonstram a viabilidade na realização de eventos desta natureza na cidade, uma vez que, a pesquisa realizada através das fontes impressas (Jornal Rio Grande, Semanário O Peixeiro e Jornal Agora) demonstraram que o contexto das atividades socioculturais desenvolvidas in loco, particularmente àquelas direcionadas à participação do grande público oriundo das diferentes camadas da sociedade riograndina, estiveram até então atreladas aos festejos religiosos destinadas aos católicos ou umbandistas, bem como, ao carnaval de rua. No outro extremo, ou seja, para a parcela da sociedade riograndina que detinha condições financeiras para pagar por diversão, havia inúmeras atividades promovidas pelos Clubes e Associações, assim como espetáculos teatrais e exibições cinematográficas.250

247

Cf. CESAR, Willy. Centenário do Colégio Lemos Jr: Rio Grande. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 2007, p. 209. 248 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 26/09/1971, p. 3. 249 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 31/10/1971, p. 3. 250 Os Clubes e Associações existentes no município possuíam agenda de eventos significativa. Muitos artistas renomados estiveram em Rio Grande ao longo da década de 1970, como por exemplo, os cantores Jair Rodrigues (O Peixeiro: Rio Grande – RS; 03/07/1972), Altemar Dutra (O Peixeiro: Rio Grande – RS; 20/05/1973), Paulo

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Com a realização do 1° Festival Universitário de Rio Grande, – popularmente denominado de FURGÃO, que possuiu até canção preparada especialmente para a abertura do evento251 – ainda em 1971, promovido pelo Diretório Acadêmico Francisco Martins Bastos da Faculdade de Medicina de Rio Grande, realizado novamente no Ginásio de Esportes do IAC, o que foi possível verificar graças aos dois únicos registros que um órgão de imprensa fez em relação ao evento, foi novamente a intensa participação de público e dos artistas riograndinos, que inscreveram um total de 119 composições autorais, deste montante, a censura federal acabou vetando a apresentação de cinco canções. 252 Novamente, a pequena repercussão em torno dos concorridos e prestigiados festivais de música organizados pelos estudantes universitários, fato incomum, uma vez que, quaisquer atividades desenvolvidas pelos estudantes da Universidade do Rio Grande eram sempre muito divulgadas através da imprensa local, aliada ao fato de que após o FUMP e o FURGÃO, nenhum Diretório Acadêmico da FURG tenha dado continuidade à realização de novas edições dos festivais de música promovidos nos anos anteriores, é no mínimo curiosa. Como já foi mencionado anteriormente, no que tange ao Festival Universitário de Música Popular inserido na Semana Acadêmica do DAEEI, este foi um evento que buscou oferecer a todos os participantes um meio de extravasar seus descontentamentos e de protestar contra a falta de liberdade de expressão. Apesar da vigilância em torno dos estudantes universitários, dos músicos e do festival, e o cerceamento a determinadas composições, o evento transcorreu dentro de uma aparente normalidade.

Com o FURGÃO, a mesma lógica

entre vigilância e censura acabou novamente utilizada pelos órgãos da repressão. Cabe mencionar, que a Faculdade de Engenharia e a Faculdade de Medicina, assim como, a Universidade do Rio Grande, foram criadas graças à decisiva colaboração da Refinaria de Petróleo Ipiranga, através da figura de seu presidente Francisco Martins Bastos que mantinha uma relação de reciprocidade de interesses com o Regime e o círculo do poder político local. Na medida em que a Refinaria de Petróleo Ipiranga investia nos cursos existentes ou apoiava a criação de novos cursos, visando a formação de uma mão-de-obra especializada que Sérgio (O Peixeiro: Rio Grande – RS; 03/06/1973) e Roberto Carlos (O Peixeiro: Rio Grande – RS; 19/07/1973), estes dois últimos representantes do movimento denominado de Jovem Guarda. 251 Cf. Edição Especial de O Peixeiro: Rio Grande – RS; 11/11/1971, p. 2. A música de abertura do FURGÃO tinha a seguinte letra: Sendo a vida uma passagem / Num caminho de saudade / Eu só penso na canção / Eu só quero ir de FURGÃO... FURGÃO... / Estudante que promove / Medicina que envolve / O público, a gente... de FURGÃO / Se integram na canção / Quero o rosto mais bonito / Prá inspirar minha canção / Pois o quente é a gente / Abrir o peito o coração. Não consta nesta edição o nome do autor da composição. 252 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 07/11/1971, p. 6. Não consta nesta fonte o nome das canções ou dos compositores censurados.

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suprisse suas carências e de outros setores da indústria e serviços locais, com o crescimento da Universidade, houve uma necessidade natural de ampliação do seu espaço físico, o que acabou motivando o interventor municipal Cid Scarone Vieira a realizar a doação de um terreno para a construção de um novo campus para Universidade. Como resultado destas articulações, quem acabou assumindo a reitoria da Universidade foi o primo do interventor municipal, “Eurípedes Falcão Vieira 253, que através das práticas autoritárias promoveu inúmeros expurgos de docentes ao longo dos seis anos que esteve à frente do cargo”.254 Tendo em vista o autoritarismo das ações do Reitor, obviamente, eventos contestatórios à ordem vigente, não foram bem recebidos pela administração da Universidade, muito menos, pelo presidente da principal empresa mantenedora da Instituição. O ambiente de hostilidade e o pouco impacto na imprensa local, talvez tenham contribuído para que os estudantes acabassem desistindo da ideia de promoverem eventos com esta temática, devido aos desafios que tinham de enfrentar, não somente em relação à organização e realização dos festivais de música, mas também em virtude do intenso patrulhamento realizado pela SOPS/RG, que monitorava as atividades dos estudantes e suas relações com os artistas riograndinos e ainda agia de modo preventivo em relação aos artistas de renome nacional e sua influência no meio universitário. 255 Ainda assim, acompanhando a frequente realização dos inúmeros festivais de música que ocorriam por todo o país, principalmente motivados pela ocorrência dos Festivais da Televisão, os eventos foram liberados pelos sempre atentos órgãos de repressão existentes na cidade. Em 1972, com a segunda edição do Festival do Lemos Júnior, não restavam dúvidas de que estes eventos haviam se consolidado entre os mais significativos acontecimentos socioculturais da cidade. A participação e o comprometimento dos artistas riograndinos com o

253

Em 1973, Renato Tubino Lempek, então Secretário Geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Rio Grande, saúda Eurípedes Falcão Vieira, Reitor da Universidade do Rio Grande. (Ver imagem no anexo de n° 23) 254 Cf. KANTORSKI, Leonardo Prado. Expurgo de Docentes na Lógica da Doutrina de Segurança Nacional: o caso da FURG (1969-1977). Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPEL/RS, 2011, p. 76. 255 O Pedido de Busca (P. B.) proveniente do DOPS/RS destinado ao Serviço de Inteligência do 6° GAC que posteriormente foi difundido aos demais órgãos que compunham a SOPS/RG, solicitava que fosse monitorada a recepção aos calouros da Universidade do Rio Grande, em razão de uma apresentação realizada pelo cantor e compositor Raimundo Fagner na Universidade de Brasília (UNB). Em meio à apresentação, destinada aos calouros da UNB, o cantor interrompeu o show para alertar o público presente que “agissem com muita cautela, pois a repressão estava sumindo com muita gente”. O P. B. advertia que estas reuniões e promoções, buscavam “condicionar os novos estudantes a uma atitude de oposição e luta contra as autoridades universitárias e contra o governo”. Cf. Acervo da Luta Contra a Ditadura. Fundo: Secretaria de Segurança Pública. Subfundo: Polícia Civil. Departamento de Polícia do Interior. Delegacia Regional de Rio Grande. SOPS/RG – 1.4.1.025.11.4. Rio Grande, 20/02/1975.

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evento256, novamente foram decisivos para que o ginásio do IAC estivesse totalmente repleto de ávidos expectadores257. O clima de Maracanãzinho em dias de Festivais de Música da Televisão foi assegurado pelo show de encerramento de Antonio Carlos e Jocafi, – dupla de compositores baianos que participava assiduamente dos Festivais organizados pelas emissoras de televisão – bem como, através das torcidas organizadas, que tiveram a oportunidade de assistir ao vivo a execução das canções que disputavam as premiações oferecidas pelos organizadores do evento. Após a execução das trinta canções finalistas, as melhores avaliadas pelos jurados foram: 5° lugar – „Santa Ceia‟ de Flávio e Paulo da Silva Guimarães e música de Jorge Porto; 4° lugar – „E o Gigante Despertou‟ de Lindomar Duarte; 3° lugar – „Paz e Amor‟ de Paulo Henrique Barros; 2° lugar – „Panacéia‟ de Raul Torres de Bem Júnior e Saint-Clair Cruz258; 1° lugar – „Apelos‟ de Farydo Salomão Júnior. Ainda receberam menção honrosa: como melhor intérprete feminina Maria Abigail (cantora do Conjunto Bossa Sul) e como a canção mais popular „Sambão‟ de Paulo Esperon e Ricardo Milano. 259 A frequência com que foram realizados festivais de música nos primeiros anos da década de 1970, – quatro eventos em três anos – se deve principalmente ao ímpeto dos artistas riograndinos em relação à produção musical autoral. O volume de canções inscritas nestes primeiros eventos – média de 100 canções inéditas por festival, totalizando aproximadamente 400 canções inscritas – demonstra que havia um número acentuado de indivíduos que se dedicavam as atividades musicais. Sem o comprometimento dos artistas locais, provavelmente estes eventos que ocorreram em Rio Grande, sem interrupção, ao longo de seis anos, jamais tivessem acontecido. Enquanto os artistas utilizavam a sua produção autoral, com a finalidade de interagir com o público expectador, os festivais acabaram se tornando os mais importantes eventos musicais da cidade, e, logo despertaram o interesse de outros segmentos da sociedade da época, que não estivam necessariamente interessados somente em contribuir para oportunizar um espaço de divulgação das manifestações artísticas musicais. O 2° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr., que novamente contou com um grande número de composições inscritas e com a imensa procura de ingressos por parte do

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Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 27/08/1972, p. 3. O 2° Festival do Lemos registrou 100 composições inscritas. Após o processo de triagem, trinta canções foram selecionadas para serem exibidas ao público. 257 O público amontoado nas arquibancadas parecia dividir o espaço do placo com os artistas que se apresentavam no ginásio do IAC. (Ver imagem no anexo de número 24) 258 Raul Torres de Bem Júnior, no centro da imagem, recebendo a premiação. (Ver imagem no anexo de número 25) 259 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 24/09/1972, p. 3 e 4.

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público260, se distinguiu dos demais eventos realizados anteriormente, devido a utilização de suas potencialidades socioculturais à determinadas finalidades exclusivamente comerciais. 261 O interesse de alguns empresários locais, a partir da realização do 2° Festival do Lemos Jr., em apoiar financeiramente a realização destes eventos e utilizá-los como vitrines de suas marcas, produtos e serviços, advém do fato de que a produção musical dos artistas riograndinos vinham consecutivamente conseguindo aliciar muitos expectadores em torno destes acontecimentos musicais. Apesar do interesse em apoiar a realização destes eventos musicais, com o objetivo de divulgar seus negócios, o que acabou tornando realmente viável a inserção e atuação destes empresários, foi o modo pelo qual os propositores destes festivais passaram a organizá-los desde então. A vigilância e o cerceamento aos artistas e suas atividades, bem como, em relação aos eventos musicais dos quais eles participavam, acabaram abrandadas com a realização do 2° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr. A fim de contar com o apoio financeiro do empresariado local, que compunha as elites econômicas e políticas da época, os organizadores destes eventos passaram a designar para integrar o corpo de jurados dos festivais, além de avaliadores especializados e com formação musical, indivíduos que ocupavam alguns dos principais cargos políticos do Município, como por exemplo, o interventor Cid Scarone Vieira e seu primo, reitor da Universidade do Rio Grande, Eurípedes Falcão Vieira. A presença destas autoridades, além de restringir as manifestações de quaisquer artistas que pudessem ser consideradas subversivas, serviu como garantia de preservação da imagem dos apoiadores, a final, este grupo composto por empresários e comerciantes não tinha interesse em patrocinar um evento que disseminasse quaisquer manifestações que pudessem contestar a ordem vigente, em detrimento de suas atividades comerciais. Enquanto nas décadas de 1960 e 1970 as emissoras de televisão e algumas multinacionais subsidiavam a realização de festivais de música que eram controlados pela 260

Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 17/09/1972, p. 1. Os organizadores do Festival tiveram de ampliar o número de postos de venda dos ingressos, pois a procura do público foi intensificada nos últimos dias que antecederam o evento. 261 Cf. Edição Especial de O Peixeiro: Rio Grande – RS; 19/09/1972. Nas vinte páginas que compõem este registro, foram encontradas as seguintes marcas e prestadoras de serviços: Grupo Ipiranga (Refinaria de Petróleo, Indústria Riograndense de Pescados – ISAPEIXE, Indústria e Comércio – ICISA, Leal Santos Pescados, Wigg – Indústria, Comércio e Distribuidora de Petróleo), Lojas Americanas, Restaurante e Churrascaria Barra Mansa, Super Mercado Saraiva, TIMM S/A Materiais de Construção, Frigorífico Anselmi, Motel São Cristóvão, Casas Canuso (móveis e discos), Peixaria Albano Oliveira e Irmão Ltda, Motobrás S. A. (veículos), Campos Ferreira Ltda (distribuidora de gênero alimentícios), Boutique Thess, Gráfica 43 – S/A, Restaurante Pescal, Torquato Pontes Pescados S. A., Rede de Super Mercados Manda-Brasa, INDUPESCA, Boutique Stael, Casa Lourdes, Ópticas LIRA.

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indústria do disco, ainda sob repressão política, social e cultural agravada no começo dos anos 1970, pouco a pouco, estes eventos foram ganhando importância no “processo de confrontação com o regime instalado em 1964 262. Porém, em Rio Grande ocorreu o processo inverso, os festivais de música popular acabaram encampados por grupos ligados ao Regime, e consequentemente foram restringindo manifestações contrárias tanto por parte do público como dos artistas. Pari passu a adequação para o aproveitamento das potencialidades dos festivais de música, a organização do 2° Festival do Colégio Lemos Jr., utilizou a estratégia de enfatizar o aspecto festivo do evento, que deveria transcorrer em clima de amistosidade e normalidade social. O trecho a seguir, extraído do texto de apresentação do evento, demonstra o tom moderado dos organizadores e a intenção de caracterizá-lo como um espaço de entretenimento.

A música é comunicação, é encontro, é crença, é poesia, é sensibilidade, em fim, é vida. Só a música, dentro de sua pureza específica é que poderá fazer com que a juventude desperte para o bom e para o belo, sendo capaz de desdobrar as asas da alma e da imaginação, e compreender o coração e o espírito humano... este Festival procura levar ao público e aos estudantes de Rio Grande, momentos de divertimento sadio, capazes de penetrarem em seus corações e despertarem ecos de alegria e de paz. Que a sua mensagem seja compreendida por todos, e que a arte dos compositores que nele tomam parte seja um pilar para fortificar a nossa juventude, pois ela vem de Deus.263

Um intervalo de tempo muito curto separou a realização do FUMP do glamoroso 1° Festival do Colégio Lemos Jr. Logo a seguir, os estudantes universitários ainda tentaram através do FURGÃO, manter a periodicidade destes eventos musicais, porém, feneceram diante da vigilância e do cerceamento praticados pelos órgãos de repressão, bem como, pela falta de confiança e incentivo financeiro dos empresários e comerciantes locais. Desta feita, rapidamente os festivais de música passaram a receber adequações que aparentemente 262

Cf. CAMARGO, Nelly de. Indústria cultural: o caso brasileiro. Trilhas - Revista do Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas, v. 4, n°1, Jan/Dez de 1993, p. 48. 263 Edição Especial de O Peixeiro: Rio Grande – RS; 19/09/1972, p. 2.

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subtraiam seu caráter questionador, subversivo, de reflexão acerca dos problemas socioeconômicos e políticos do país ou do Município, aspectos estes que tanto motivaram alguns estudantes universitários na realização dos seus festivais de música nos primeiros anos da década de 1970. Ainda em 1972, acabou ocorrendo o 1° Festival Intercolegial da Canção (FICC) promovido pela União Riograndina dos Estudantes (URES)264 e organizado pelo seu presidente, o jovem Renato Tubino Lempek. Além da URES levar a cabo uma política estudantil muito afinada com o ARENA, coincidentemente ou não, neste mesmo ano, Renato Lempek, com 19 anos, acabou recebendo um convite do interventor Cid Scarone para concorrer ao pleito para a composição do Legislativo Municipal e acabou eleito com 892 votos. De certo que, em virtude das muitas ações realizadas pela URES no município, ocupar o cargo de presidente da entidade, fornecia ao mandatário um relativo reconhecimento por parte dos estudantes, bem como, de algumas pessoas ligadas ou simpatizantes do ARENA, porém, não há como desprezar o fato de que a URES soube explorar as potencialidades dos festivais de música, com o objetivo de projetar suas lideranças aos cargos políticos de maior expressão. Em outros termos, ao organizar o 1° FICC, a URES consegue ganhar ainda mais simpatia dos riograndinos, e o evento acaba projetando o jovem estudante Renato Lempek ao cargo de vereador pelo partido da situação.265 O prestígio da URES e dos eventos musicais em relação ao público expectador, também servia de vitrine política para reforçar a bancada do ARENA no Legislativo Municipal. No ano seguinte, mais dois festivais de música são realizados na cidade. A novidade é a iniciativa do Núcleo de Assuntos Culturais da 18ª Delegacia de Educação que promoveu o 264

Os poucos registros do 1° FICC, sintetizados em parcas linhas, foram encontrados nas duas Edições Extraordinárias do Jornal A União (Órgão Oficial da União Riograndina dos Estudantes) que datam de agosto de 1994 e agosto de 2003. Entre os raríssimos documentos encontrados sobre este evento, a senhora Maria Amélia Goretti Estima Marasciulo que é uma das principais colaboradas de uma página de internet que divulga imagens históricas da cidade do Rio Grande, depois de muito procurar em seus arquivos, cedeu gentilmente para este trabalho, uma fotografia feita por um telespectador na ocasião. (Ver no anexo de número 26, imagens 1 e 2) 265 Cf. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, nas eleições diretas para a escolha dos representantes ao Legislativo Municipal em 1972, 44.923 eleitores distribuíram assim seus votos: Aliança Renovadora Nacional (22.476 votos), Movimento Democrático Brasileiro (19.110 votos). O montante dos votos distribuiu 11 cadeiras ao ARENA e 10 cadeiras ao MDB. Os eleitos pelo ARENA foram: Antonio de Pinho Maçada (5.997 votos), Josino Almir Dutra (1.827 votos), Rubens Emil Corrêa (1.728 votos), Candido Cozza Sobrinho (938 votos), Renato Tubino Lempek (892 votos), Érico Martins (872 votos), Silvério Miranda Júnior (861 votos), Edes Silva da Cunha (777 votos), Anselmo Dias Lopes (752 votos), Washington Ballester de Sá Freitas (620 votos). Pelo MDB: Walter Chaves Troina (4.642 votos), Adélia Lazarini (2.223 votos), Waldomiro Rocha Lima (2.130 votos), Athaydes Rodrigues (1325 votos), Luiz Alberto Modernel (1051 votos), Antônio Sóstenes Peres de Barros (982 votos), João Paulo Araújo (875 votos), João Henrique Costa Romero (803 votos), Alfredo Cassahy (787 votos), João Moraes Pomar (600 votos). Disponível em: http://www.trers.gov.br/upload/2/Municipais_Rio_Grande1972.PDF

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1° Festival Interescolar da Canção. A coordenação deste evento esteve a cargo da professora Hilda Orquídea Hartmann Lontra, que em uma visita a sala de redação do Semanário O Peixeiro, destacou a importância que representa o evento para os adolescentes que “numa fase de formação encontra na arte um meio de integração social” 266. Ainda acerca da importância destes eventos tanto para os jovens quanto para o contexto sociocultural do Município, a professora Hilda Lontra afirma que os festivais movimentavam a sociedade e oportunizavam um espaço para as manifestações culturais, sobretudo por que consistia em um desafio que estimulava a criatividade e a criticidade dos participantes. 267 A retomada do caráter de estímulo ao senso crítico na organização de eventos com a temática musical por parte da professora Hilda Lontra, surge justamente ligada aos segmentos socioeconômicos menos favorecidos da cidade, uma vez que, a professora trabalhava na Escola Alcides Barcelos, localizada em uma das áreas mais desfavorecidas do Município, o Bairro Getúlio Vargas. O ímpeto de Hilda Lontra em contribuir com este segmento da sociedade riograndina, fazendo com que suas vozes ultrapassassem o alcance dos festivais de música, chegou a lhe render alguns problemas, como veremos no trecho a baixo.

Minha orientação política sempre foi muito intensa... não explícita menos ainda aliada, acorrentada a partidos... Cheguei a ser deslocada da escola Alcides Barcelos para a 18ª Delegacia de Educação, para ser responsável pelo almoxarifado (sem comentários acerca dessa “função-castigo”), por solicitação de meu ex-marido e com a aquiescência do Delegado de Educação, professor Santana Ferreira, por eu ser “desvirtuadora” de jovens. Mas em 1972 ele – o Delegado de Educação – foi me defender quando fui interrogada pela Federal, por tentar fazer a marcha da família-escola pela liberdade com o Círculo de Pais e Mestres do Alcides Barcelos em um desfile de 7 de setembro.

A ligação de Hilda Lontra com outros segmentos que questionavam a ordem vigente, possivelmente tenha impedido a continuidade dos festivais organizados pelo Núcleo de Assuntos Culturais da 18ª Delegacia de Educação. Diferente dos demais festivais, o 1° 266 267

Semanário O Peixeiro: Rio Grande – RS; 02/09/1973, p. 3. Cf. Entrevista cedida em 04/11/2011.

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Festival Interescolar da Canção possuía dois corpos de jurados, um deles composto exclusivamente de jovens estudantes, que somado à ausência dos jurados ligados as elites políticas que integravam o ARENA compondo a mesa avaliadora do evento, talvez possa explicar a pouca adesão e credibilidade do empresariado local em apoiar financeiramente o evento268, que assim como os festivais organizados pelos estudantes da Escola de Engenharia e da Faculdade de Medicina, acabou ocorrendo apenas uma única vez. Em contrapartida, os festivais realizados pela URES, que contavam com a tutela das elites políticas que apoiavam a Ditadura, passaram a ser os únicos eventos realizados na cidade desde então, perdurando até 1976. Apesar dos esforços realizados em obter quaisquer informações acerca do 2° Festival Intercolegial da Canção de 1973, que “ocorreu nos dias 10 e 11 de novembro no Ipiranga Atlético Clube”269, não foi encontrada uma única referência nos três periódicos que circulavam em Rio Grande na época. Ao longo das entrevistas realizadas com os artistas riograndinos, também não foi possível construir através de seus depoimentos, um único parágrafo que trouxesse quaisquer informações sobre este evento. Com o monopólio da realização e organização dos festivais a cargo da URES, o 2° FICC, ocorreu durante as comemorações do 20° aniversário da entidade estudantil que estava sob o comando de Clóvis Primo. Em 1974, sob a presidência de Luiz Maya De Bem, o 3° FICC é realizado novamente no ginásio de esportes do IAC, contando com a participação da União Gaúcha dos Estudantes (UGES)270 e a colaboração da 18ª Delegacia de Educação 271. Devido à união dos esforços entre a URES, UGES e 18° Delegacia de Educação na organização e realização deste evento, a URES resolveu restringir a participação de artistas (músicos, intérpretes e compositores) apenas ao âmbito estudantil. Graças à participação da UGES, a URES conseguiu dar um cunho estadual a este evento local, a final, as inscrições poderiam ser realizadas por estudantes de todas as partes do Estado.272

268

Cf. Edição Especial de O Peixeiro: Rio Grande – RS; 25/09/73. Apoiaram o evento: N. S. Dionello Materiais de Construção, Casa Germano, Despachante Emplakar LTDA., Casa Lira Produtos de Beleza, Padaria Luzo Brasileira, Haertel S/A Distribuidora, Artezão renovadora de calçados e Confeitaria Brasil. 269 Cf. Jornal A UNIÃO – Órgão Oficial da União Rio-Grandina dos Estudantes. Edição Extraordinária. Rio Grande – RS, agosto de 2003, p. 5. 270 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 13/10/1974, p. 2. 271 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 09/06/1976, p. 4. 272 Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 27/10/1976, p. 5.

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As informações contidas no Semanário O Peixeiro, não evidenciam a participação de estudantes de outras cidades do Estado no 3° FICC. Ao concluir os noticiários sobre este evento, O Peixeiro menciona que: “das 30 músicas classificadas pelo júri... dez classificaramse para as finais... Labirinto; Morena Mormaço; Fuga; A volta; Deusa das Tempestades; Corrida Diferente; Lágrimas, Amor e Fantasia; Viver, Creio e Saveiros que o Mar Levou. Apesar de não mencionar o nome dos compositores ou intérpretes, a premiação foi assim designada: 1° lugar – Labirintos; 2° lugar – Saveiros que o Mar Levou; 3° Creio; Melhor intérprete masculino – Marco Aurélio; Melhor intérprete feminino – Iara Maria Vieira273 e Melhor letra – Labirinto.274 Com a interrupção da sequência anual de eventos musicais na cidade no ano de 1975, o ciclo histórico de festivais de música organizados pelos estudantes universitários e secundaristas, bem como, pelas entidades que os representavam e regiam suas atividades, chegou ao fim em 1976, mesmo ano em que ocorreram eleições municipais para as cadeiras do Legislativo Municipal. O 4° FICC, último festival de música da década de 1970, ocorreu novamente no Ginásio de Esportes do IAC e foi uma promoção da URES em parceria com o Diretório Central de Estudantes da Universidade do Rio Grande (DCE – FURG) e do Serviço Riograndino de Turismo (SERGTUR). A comissão organizadora do evento foi composta pelo vereador e estudante universitário Renato Tubino Lempek 275 (Presidente da Comissão Organizadora) e pelos senhores: Renan Guterres Lopes (Presidente da URES), Paulo Renato de Moura Cuchiara (Presidente do DCE) e João Américo Souza e Silva (Secretário executivo do SERGTUR).276 Um numeroso corpo de jurados, 28 membros no total, juntamente com o público ouvinte e expectador, apreciaram a exibição das 30 canções classificadas para a fase eliminatória, da qual, somente 10 canções seguiriam para a etapa final no segundo dia de apresentações. Entre os nomes que compunham o grupo de avaliadores das canções cabe destacar a presença do Interventor Municipal, Rubens Emil Corrêa, do Diretor da SERGTUR

273

Ver imagem no anexo de número 27. Cf. O Peixeiro: Rio Grande – RS; 30/11/1976, p. 7. 275 Cf. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, nas eleições diretas para a escolha dos representantes ao Legislativo Municipal em 1976, Renato Tubino Lempek foi o sétimo vereador mais votado. Acabou reeleito com 1.070 votos. Disponível em: http://www.tre-rs.gov.br/upload/21/Municipais_Rio_Grande1976.PDF 276 Cf. Roteiro do IV FICC: O Passo – Órgão da Secretaria de Divulgação do Diretório Central Estudantil da Universidade Federal do Rio Grande – RS, p. 2. 274

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e candidato a vereador, Renato Espíndola Albuquerque277 e do Delegado da Polícia Federal, Waldir Silveira Zacarias. A canção escolhida como vencedora do 4° FICC foi „Barcarola‟, letra de Hilda Lontra, música de Marlene Silva e interpretação de José Galhardo, que receberam 5 mil Cruzeiros – uma boa quantia, tendo em vista que o salário mínino da época era de 768 Cruzeiros – e o troféu denominado de “Sereia de Ouro”. Para encerrar o evento, os artistas riograndinos cederam o palco para o conjunto Os almôndegas, que era liderado por dois jovens irmãos que mais tarde alcançariam projeção artística nacional e internacional, Kleiton e Kledir. 278 Além das potencialidades eleitoreiras do evento, a final, cada festival contou com a participação em média de cinco mil expectadores, havia uma explicita intenção de utilizá-lo para promover o turismo na cidade. Como novamente o FICC foi aberto aos estudantes de todas as cidades do Estado, na contracapa do Roteiro deste festival havia um pequeno texto que exaltava as potencialidades e belezas geográficas do Município:

O IV Festival Intercolegial da Canção, reunirá na Cidade do Rio Grande, as jovens inspirações da juventude Gaúcha. A cidade sede do IV FICC, proporciona a seus visitantes, aspectos turísticos fabulosos, tais como: Os molhes da Barra do Rio Grande, Quatro Km de pedras que avançam o Oceano Atlântico. O Museu Oceanográfico, com a maior coleção de conchas da América do Sul. A biblioteca Pública, que é a primeira mais completa do Estado e a terceira do Brasil. As obras de instalação do Super Porto, constituindo-se numa das maiores obras públicas brasileiras. A praia do Cassino, que com seus duzentos e vinte e seis Km, constitui-se na maior praia do mundo em extensão. O mini autódromo Emerson Fittipaldi, construído na praça Tamandaré, oferece ao público infantil emoções de um Gran Prix. 279

277

Cf. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, nas eleições diretas para a escolha dos representantes ao Legislativo Municipal em 1976, Renato Espíndola Albuquerque foi o quinto vereador mais votado, e acabou eleito com 1.121 votos. O vereador mais votado neste pleito, foi Édes Cunha (atual Secretário Geral de Governo do Prefeito do PMDB Fábio Branco e um dos principais incentivadores da homenagem em praça pública à Golbery do Couto e Silva) com 1.327 votos. Disponível em: http://www.trers.gov.br/upload/21/Municipais_Rio_Grande1976.PDF 278 Ver no anexo de número 28, imagens 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. 279 Cf. Roteiro do IV FICC: O Passo – Órgão da Secretaria de Divulgação do Diretório Central Estudantil da Universidade Federal do Rio Grande – RS, p. 12.

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Muitas pessoas de outras cidades do Estado foram convidadas para compor o corpo de jurados deste evento, entre estes, Fernando Vieira da TV Difusora e Edgar Laurent da TV Tuiuti. Este último, juntamente com uma pequena equipe, foi o responsável em captar imagens do 4° FICC para posteriormente difundi-las por todo o Estado280, com o objetivo de divulgar as potencialidades turísticas da cidade do Rio Grande, e, assim, atrair visitantes que fomentariam a indústria do turismo no Município. O ímpeto dos integrantes e ex-integrantes que compunham as lideranças da URES, subordinados ao ARENA, em ocupar os cargos mais importantes e representativos da política estudantil riograndina, bem como, os meios utilizados para tal finalidade e os propósitos e objetivos alcançados, por si só, mereciam um estudo a parte. Em virtude do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande, no ano de 1976, estar estritamente ligada a URES e ao ARENA, sobretudo, devido a figura de seu presidente Paulo Renato de Moura Cuchiara (ex-presidente da URES nos anos de 1968-1969), foi finalmente possível efetuar a ligação entre os estudantes universitários e secundaristas, tendo como pretexto a realização 4° FICC. Os estudantes universitários organizados através de seus Diretórios Acadêmicos foram os precursores na organização e realização dos festivais de música que ocorreram ao longo década de 1970 na cidade do Rio Grande. Tentando superar a fragmentação do movimento estudantil imposta pela vigilância e as ações repressivas que agravavam a indisposição e falta de apoio aos seus eventos, que sempre foram vistos com desconfiança pelos órgãos de repressão da época, o que acabava inibindo sobremaneira a participação de colaboradores que os apoiassem tanto financeiramente quanto estruturalmente, os universitários preocupados em utilizar o espaço de confraternização destes eventos musicais festivos, em prol da reflexão e discussão acerca dos problemas e contradições que permeavam a sociedade da época, acabaram fenecendo diante dos obstáculos encontrados. Ao perceberem rapidamente que através da realização de festivais de música, era possível explorar as atividades econômicas e políticas, estes eventos acabaram apropriados por grupos e por determinadas pessoas ligadas às elites da época. A partir do 4° FICC, ao menos de forma burocrática, os estudantes universitários, representados pelo DCE, também 280

Depois de inúmeros contatos com a RBS TV da cidade de Pelotas (na época TV Tuiuti), fui informado que a fita contendo as imagens do 4° FICC estava guardada nos arquivos da emissora, e que seu conteúdo seria fornecido para esta pesquisa em formato digital. Após aguardar por quase três meses, fui informado que o material acabou extremamente danificado pelo tempo, e que não foi possível visualizar seu conteúdo, muito menos digitalizá-lo.

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passavam a apoiar e integrar de modo voluntário ou involuntário as ações do movimento estudantil subordinado ao ARENA. Em uma cidade composta em sua maioria por jovens e com a política do movimento estudantil aparentemente estruturada e organizada através de um órgão representativo totalmente alinhada ao ARENA, o ciclo facilitador de conquistas para a manutenção do poder político e econômico em diversas esferas, parecia completo, e enquanto atividade sociocultural os festivais de música foram preponderantes para que tais objetivos fossem alcançados. Talvez por isso, depois de manterem velhas formas, adaptarem os eventos ao contexto da época, e, em alguns casos até mesmo proporcionar rupturas radicais, após o 4° FICC, a cidade do Rio Grande amargaria um jejum de seis anos sem a ocorrência de festivais de música, até que em 1984, a FURG, por ocasião dos festejos alusivos ao seu 15° aniversário, acabou promovendo entre os anos de 1984, 1985 e 1989 os Festivais Universitários de Música, que ficaram popularmente conhecidos como MUSIURG’s.281 Em meio a estas articulações, o espaço de apresentações de muitos artistas riograndinos acabou mantido. Os festivais perduraram até meados da década, mesmo com um limitadíssimo contato com os meios de comunicação de massa e sem vínculo algum com a indústria fonográfica e o mercado cultural, porém, com uma média de dois eventos realizados por ano e centenas de canções inscritas. Apesar das ações repressivas e da imposição da censura, continuava latente a efervescência no palco dos festivais, oportunizando ao público riograndino o contato com a produção musical local e as concepções sociais dos seus artistas. Desta forma, tendo em vista a participação maciça do público expectador e dos artistas riograndinos em cada um dos festivais de música organizados em Rio Grande até meados da década de 1970, é possível afirmar com convicção que enquanto espaços de socialização através da música, estes eventos cumpriram seu papel. Contudo, de certo que os Festivais de Música da Televisão influenciaram sobremaneira a realização dos festivais riograndinos, porém, não há como minimizar o fato de que, para o contexto local, o 1° FUMP acabou expondo as potencialidades inerentes à realização de eventos com esta temática e as formas possíveis de explorá-los visando alcançar determinados propósitos que variam conforme o interesse de seus organizadores. Ao perceberem que um pequeno festival de música como o 1° FUMP conseguiu atrair a atenção de centenas de expectadores e de artistas, rapidamente estes eventos foram apropriados e

281

Cf. COSTA, Leandro Braz da. “Cantador toque e cante”: Rio Grande: Uma cidade musical. Monografia de Bacharelado em História, Universidade Federal do Rio Grande – FURG, 2008, p. 20.

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passaram a ter suas potencialidades de socialização exploradas periodicamente para diversos fins e objetivos. Após o 1° Festival Universitário de Música Popular (FUMP) e o 1° Festival Universitário de Rio Grande (FURGÃO), eventos organizados de forma bastante precária e amadora pelos estudantes da URG, vistos com desconfiança pelos órgãos de repressão da cidade, os estudantes secundaristas e suas lideranças, sobretudo ligados a URES, passaram a organizar eventos com a mesma temática. Porém, graças ao apoio que recebiam das elites políticas e econômicas da cidade, tais eventos, (Festivais do Lemos Jr. e FICC‟s) além de utilizados para estimular o turismo local, acabaram dominando o cenário sociocultural do município, servindo de vitrine para o ARENA e para a URES, bem como, para o empresariado local, contribuindo decisivamente para a manutenção do poder e renovação das lideranças políticas locais, através da figura dos jovens arenistas ligados a URES. A seguir, no decorrer do último item deste capítulo as questões referentes à participação dos artistas riograndinos nestes festivais de música, começam a ser abordadas levando em consideração alguns trechos dos seus depoimentos. O objetivo principal é aprofundar ainda mais a discussão em torno da temática dos festivais, dando voz aos artistas da época, a fim de apreender como eles entendiam o papel social das atividades musicais e a importância destes eventos para a sociedade da época e para o trabalho que desenvolveram no passado. 2. 3 – Os artistas riograndinos e seus festivais de música. Com um saldo satisfatório e incentivador do exercício da atividade de produzir música, ou em outros termos, produzir cultura ligada às manifestações da cultura popular relacionada à canção popular, no total ocorreram oito festivais de música no período de 1970 a 1976, o que proporcionou a sociedade riograndina da época vivenciar um dos períodos mais significativos, relacionado a próspera e quantitativamente expressiva produção musical proveniente da oportunidade e incentivo proveniente da realização destes eventos definidos de modo simplista pela socialização e competição respeitosa entre os artistas e o público expectador que prestigiava os músicos intérpretes e compositores locais lotando os locais onde foram realizados esses eventos musicais. As centenas de canções inscritas em cada um destes eventos demonstram a efervescência dos compositores locais, sua busca por espaços de

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apresentação e a ânsia destes artistas em expressarem suas concepções sociais para o público que se fez presente em cada um dos eventos realizados. Quando em 1970 os estudantes universitários do curso de Engenharia organizaram o 1° FUMP, provavelmente não imaginaram que Rio Grande estava totalmente preparada para receber a realização de eventos com esta temática musical. Isso porque já havia na cidade músicos com formação musical e um histórico riquíssimo de atividades. Ezio da Rocha Bittencourt afirma que as manifestações culturais voltadas as atividades musicais, sempre foram muito bem cuidadas na cidade do Rio Grande desde o século XIX, e despertavam o interesse da população, tanto para a fruição musical quanto para o aprendizado:

Ao longo do Novecentos, muitas formações são registradas, atuando em variados ambientes sociais: Banda Musical Rio-Grandense (1865), Sociedade Musical Lira Artística (1872), Sociedade Musical Floresta Rio-Grandense (1874), a Banda do Clube Saca-Rolhas (1887), Sociedade Musical Duas Coroas (1888), Banda Gioachino Rossini (1890), Club Musical Carlos Gomes (1894), Grupo Musical Mercadante... Fanfarra Garibaldi, Banda Santa Cecília, Banda da União Operária, Estudantina do Clube Caixeiral (1903) – conjunto orquestral composto principalmente por instrumentos de cordas (violão e bandolins), a Sociedade Musical Apolo (1903), a Banda Musical do Círculo Pietro Mascagni (1904) e o Grupo das Safiras (este fundado em 1905, era composto por moças e objetivava dar concertos vocais e instrumentais em residências particulares). 282

De todos os conjuntos e bandas elencados por Bittencourt somente a Banda Gioachino Rossini está em funcionamento. Como a banda mais antiga do Estado, a Banda Rossini “sempre se notabilizou enquanto espaço de socialização e formação musical de jovens nos instrumentos de sopro”283. Também enquanto espaço de formação musical, a fundação do

282

BITTENCOURT, Ezio da Rocha. Da rua ao teatro, os prazeres de uma cidade: sociabilidades e cultura no Brasil Meridional. Panorama da história de Rio Grande. Rio Grande: Ed. da FURG, 2007, p. 130. Este trabalho é leitura obrigatória para qualquer estudioso das manifestações socioculturais que ocorreram em Rio Grande ao longo do século XIX até as três primeiras décadas do século XX. 283 ALBERNAZ, Pablo de Castro. A música, o conviver e o lembrar: um estudo etnográfico entre os músicos da centenária Banda Rossini da cidade de Rio Grande. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2008, p. 15

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Conservatório de Música de Rio Grande – hoje denominada Escola de Belas Artes Heitor de Lemos – em 1° de abril 1922, foi condição sine qua non para o desenvolvimento e aprimoramento das técnicas musicais. 284 Na década de 1950, precisamente em 1956, a cidade do Rio Grande viu surgir a primeira banda marcial estudantil do país, a Banda do Colégio Lemos Jr 285, conhecida popularmente como a “furiosa” que desde 1917, servia como escola de iniciação musical para muitos jovens riograndinos. A “furiosa” serviu de inspiração para a formação de muitas outras bandas e fanfarras escolares em Rio Grande, tanto que ao longo da década de 1990, o Município chegou a receber o título de Capital Nacional das Bandas e Fanfarras. Neste período, Rio Grande chegou a contar com um total de trinta bandas escolares. 286 Além destas bandas escolares, havia também intensa movimentação em torno das bandas de baile, que começaram a surgir em Rio Grande ao longo das décadas de 1960 e 1970, tais como: Roberto e Seu Conjunto287, Conjunto Arpeje, Sexteto Melodia, Conjunto Xangrilá, Orquestra Piragine, Orquestra Shimuts, Regional Orlando Jacaré, Conjunto Africam Bossa, Musical Bossa Sul288, The Dizzies289, Os Ativos, Os Mugs290, Long Rivers, The Turtles, Os Morgs, Apollo Som, Os Yankes291 e Regional Luiz Laviaguerra. Muito em razão de todo este histórico, os festivais de música em Rio Grande, acabaram obtendo grande êxito, a final, havia disponibilidade de artistas, o que faltava era apenas o espaço para as apresentações de suas composições autorais, uma vez que, a atividade copista foi deveras praticada. Quando os festivais de música começaram a ocorrer em Rio Grande, o que se viu foi uma grande adesão dos artistas locais em relação a estes eventos. Tendo em vista que os músicos, intérpretes e compositores que participaram dos festivais de música em Rio Grande entre os anos de 1970 a 1976, estiveram distantes dos meios de comunicação de massa, da industrial cultural e do mercado fonográfico, neste último item, procuro através do testemunho de alguns artistas da época, expor quais suas principais 284

BITTENCOURT, Ezio da Rocha. Op. Cit., p. 133. De 1922 – ano de fundação do Conservatório – até 1939, 1.191 a escola contou com 1.191 alunos, distribuídos entre os cursos de Teoria e Solfejo, Piano, Violino e canto. 285 Para um histórico de formação da Banda do Lemos Jr. ver: CESAR, Willy. Centenário do Colégio Lemos Jr: Rio Grande. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 2007, p. 175 a 196. 286 Cf. Diário Popular: Pelotas – RS; 30/09/2012. Disponível em: . 287 Ver imagens no anexo de número 29. 288 Ver imagem no anexo de número 30. 289 Ver imagem no anexo de número 31. 290 Ver imagem no anexo de número 32. 291 Ver imagem no anexo de número33.

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motivações ao participarem destes eventos, bem como, qual a importância destes festivais de música tanto para as suas atividades musicais quanto para o contexto sociocultural do Município. Apreender a complexidade que circunda a realização destes festivais de música não é tarefa fácil, apesar dos testemunhos dos artistas contribuírem muito para tal objetivo. Interpretar o passado através das fontes orais é um trabalho bastante delicado, e que também está sujeito a equívocos, porém, é somente através destes testemunhos que se torna viável explorar detalhes que passariam despercebidos e que não seriam encontrados em outras fontes. O compositor Raul Torres de Bem Junior 292 que participou dos festivais de música nos anos de 1971, 72, 73 e 76, recebendo premiações no 2° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr. (Melhor Letra)293 e no 4° FICC (2° Lugar) 294, entende que estes eventos:

[...] tinham uma importância muito grande, assim... no sentido de congraçamento entre as pessoas, a questão cultural também, o estimulo para aqueles que tinham alguma vocação para a música, pra escrever alguma coisa, em fim, acho que era muito bom... e o ambiente era muito bom... era muito agradável participar, não é! Era uma grande festa! Teve um ano que a gente se organizou, tinha prêmio pra torcida, uma bicicleta, e aí meu pai e minha mãe participaram, fizeram bandeirinhas... não ganharam a bicicleta, mas foi uma torcida enorme... era muito legal! 295

A compositora Marlene Silva da Silva, premiada com o 1° Lugar no 4° FICC de 1976, entende que os festivais de música também se inseriram no contexto sociocultural da cidade do Rio Grande principalmente enquanto eventos festivos, pois o Município na época:

Era uma sociedade onde não havia muita diversão... e a música... a música sempre foi... bem vista por todos... a música era um incentivo e alguma coisa que qualquer um podia participar daquilo. O pessoal mesmo, aonde eu trabalhava, gente pobre, que às vezes uma diversão 292

Ver imagem no anexo de número 34. Ver imagem no anexo de número 35. 294 Ver imagem no anexo de número 36. 295 Entrevista cedida em 16/04/2011. 293

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mais cara não tinha acesso... eu trabalhava no BGV [Bairro Getúlio Vargas]... é um bairro bem musical, o pessoal gosta muito de música até os dias de hoje, e naquela época era um início, né?296

A ausência de atividades de entretenimento justifica o parecer da compositora Marlene Silva da Silva em relação aos festivais de música, que novamente são caracterizados como eventos voltados para o lazer da sociedade riograndina. Não caracterizando os festivais como eventos festivos e de entretenimento, porém, destacando o clima harmonioso entre seus participantes e espectadores, Hilda Orquídea Hartmann Lontra aponta que: a importância é que movimentava grande parcela da juventude e de adultos com até trinta anos, em volta de uma manifestação cultural que desafiava-lhes a criatividade, a criticidade, favorecendo um convívio sadio e harmonioso com seus pares.297 Enquanto na opinião dos compositores Raul Torres de Bem Júnior, Marlene Silva da Silva e sua parceira de composições Hilda Orquídea Hartmann Lontra, os festivais de música foram atividades de entretenimento, ou ainda, eventos musicais festivos que incentivaram e conseguiram agregar centenas de artistas e espectadores em torno das manifestações musicais que acabaram aliciando jovens e adultos e movimentaram o contexto sociocultural da cidade do Rio Grande, para o músico, intérprete e compositor, Dejair Siqueira Claro os mesmos eventos foram:

[...] Eu vivia da música, tu sabe? Eu tocava! Música era o meu trabalho... Eu tocava, nós pagávamos os instrumentos, fazíamos contratos... quem fechava o contrato ganhava vinte por cento, procurava arrumar trabalho pra gente... e cada um no fim do baile, tirava uma parte pra pagar os instrumentos que a gente comprava... pegava uma parte para os instrumentos e uma parte pra nós, daquilo ali a gente sobrevivia. Tocava muita festa de 15 anos, tocava casamento em igreja... tudo que vinha, tinha que tocar Beatles, Rolling Stones, Creedence, Roberto Carlos, Erasmo, Vanderleia... tinha que tocar de tudo que tocava no rádio... o que era sucesso de rádio e de televisão... Mas os festivais era uma maneira de mostrar o „eu‟, porque nós éramos „cover‟, né... tinha o „eu‟... eu compunha... então nós

296 297

Entrevista cedida em 18/10/2011. Entrevista cedida por e-mail em 04/11/2011.

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tínhamos muitas músicas, que nós tocávamos [no baile] e o pessoal não sabia de quem era[...]298 Dejair Claro299 foi líder do Conjunto The Turtles – Conjunto premiado com o 3° Lugar no 1° FURGÃO e 2° Lugar no 1° FUMP – além de instrumentista premiado em outros pequenos festivais de música instrumental, também lecionou no Conservatório de Música de Rio Grande. Em seu testemunho, o artista não consegue dissociar os festivais de música de seu trabalho enquanto músico de banda de baile (músico copista 300), a final, estes eventos serviam de vitrine para impulsionar seu labor nas casas noturnas ou bailes sociais por todos os clubes, boates e associações do Município. Seu testemunho esteve sempre voltado para a profissão que exerceu ao longo de muitos anos. Para Dejair Claro, música é uma atividade laboriosa indiferente de sua natureza, seja ela autoral ou não. Na mesma linha de raciocínio, na opinião do instrumentista Luiz Carlos Rivera, também integrante da banda The Turtles, estes eventos foram importantes como meio de divulgação dos valores locais, quase que sempre pouco ou quase nada valorizados pela mídia local da época.301 O instrumentista Paulo Antonio Pinto Juliano da banda Os Mugs, reforça o testemunho de Luiz Carlos Rivera sem deixar de lado o aspecto festivo dos eventos: minha participação sempre teve como motivo a diversão e a possibilidade de projetar o Conjunto Os Mugs.302 Divulgar e projetar as bandas para a valorização dos artistas, este é o pensamento daqueles que vivem do trabalho com a música, a final, somente o reconhecimento profissional faz com que se torne viável viver de música. Neste sentido, os festivais da década de 1970, também ofereceram um espaço de divulgação que promoveu o reconhecimento profissional de determinados artistas que se apresentavam nestas ocasiões. Como afirma Dejair Claro: Trabalhava bastante! Vivia do baile, mas não parava de compor, eu tenho muitas músicas... olha, umas cento e vinte, por aí [...] Como nos dias atuais, a composição autoral era a grande chance do artista ser reconhecido e passar a ocupar um lugar de destaque no cenário musical da época, recebendo reconhecimento profissional e melhor remuneração. Ao proporcionar o 298

Entrevista cedida em 03/11/2011. Ver imagem no anexo de n° 38. 300 Músico copista é aquele que copia composições de artistas consagrados da música nacional e internacional, através da audição em fita cassete ou LP, e reproduz de maneira individual ou coletiva essas canções em festas nas quais seus organizadores optam pela execução da música ao vivo. Geralmente, estes artistas integram bandas e conjuntos musicais, e, possuem um repertório que varia dos clássicos da música mundial aos sucessos radiofônicos nacionais ou internacionais mais atuais. 301 Entrevista cedida em 06/12/2011. 302 Entrevista cedida em 22/05/2011. 299

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espaço e estimular os compositores que assim como eles – ainda que muitos deles não vivessem das atividades musicais e as praticassem como mero passatempo ou diversão – não possuíam vínculo com o mercado cultural, a indústria fonográfica e os meios de comunicação de massa, a realização destes eventos, ainda assim, fez com que houvesse uma atividade musical autoral que acabou impulsionando o trabalho dos músicos enquanto copistas. Em outras palavras, para aqueles que na época fizeram da atividade musical o seu trabalho, retirando dela o seu sustento e de suas famílias, os festivais de música possuíram uma importância bem maior do que apenas lazer e entretenimento. Devido ao fato destes eventos serem abertos a comunidade riograndina, muitos compositores ocasionais, também conhecidos como amadores, acabavam inscrevendo suas composições, mesmo sem fazer parte de nenhum conjunto musical. Por este motivo, todos os festivais realizados em Rio Grande ao longo da década de 1970, tiveram um ou dois conjuntos musicais que executaram as canções selecionadas nas etapas classificatórias. Inicialmente, os conjuntos não tinham contato prévio com as canções, tudo acontecia nos ensaios. Posteriormente, os conjuntos passaram a receber as gravações em fita cassete contendo a canção executada somente ao violão e voz, para depois, juntamente com o intérprete definir a melhor estrutura musical para a apresentação. De certo que os conjuntos já formados executavam suas composições sem a necessidade do auxílio destes conjuntos de apoio. O músico Ricardo Albuquerque relata como se dava o processo que antecedia os festivais:

Era feito a inscrição na Medicina [referindo-se ao FURGÃO de 1971], e depois nós marcamos ensaio e eles levaram a música, a música chegava na hora do ensaio, tu vê... a maioria das músicas ruim né... porque era música muito simples... então o de harmonia tocava, fazia um solinho e terminava a música... e o cara cantava... homem ou mulher... mas não era música nenhuma complicada... era tudo música simples... não é nem que seja ruim... são músicas simples. Traduzindo melhor são músicas simples e não ruins. E foram concorrer no festival. Cantava... pois gravador não tinha! Cantava e daí saía a música, gravador aqui era um troço difícil. 303

303

Entrevista cedida em 12/01/2012.

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Ainda tratando da participação dos conjuntos de apoio nos festivais de música, o instrumentista e vocalista do Conjunto Os Mugs, Ivo Vitória relata que:

Eu lembro que tinha gente que queria que fulano defendesse a música... nós pegamos três caras e eles queriam que fosse a gente... eles foram lá pra ensaiar... apresentaram a música e a gente começou... mexe aqui, faz um arranjo aqui e ali... daí vai fechando, e a gente vai defender a música, o cara canta... todos eles cantaram na época quando a gente tocou, né... a gente só acompanhava.304

O esforço dos instrumentistas frente à falta de recursos tecnológicos, apesar do aparente progresso econômico do Município na época, foi um obstáculo presente na vida dos artistas locais. O compositor Dejair Siqueira Claro lembra que: não tinha quem vendesse instrumentos em Rio Grande... aqui em Rio Grande pra comprar corda de violão a gente comprava na ferragem, era tudo em Pelotas... Não tinha em Rio Grande. Sem contar com lojas

especializadas

que

comercializassem

o

material

necessário

para

o

pleno

desenvolvimento de suas atividades, os músicos riograndinos tinham que trabalhar lidando com as adversidades e, mesmo assim, ainda acabaram prestando serviço voluntário aos demais compositores riograndinos que não integravam nenhum conjunto, ou até mesmo, àqueles que se aventuravam pela primeira vez no meio musical, justamente nos eventos de maior expressão para os artistas, ou seja, os festivais de música. Utilizando os festivais de música para promover e impulsionar o trabalho que desenvolviam – copista ou autoral – os músicos riograndinos, acabaram disponibilizando aos diferentes segmentos da sociedade o contato direto com a música, fossem enquanto expectadores, compositores ou até mesmo como intérpretes, multiplicando e compartilhando o fazer musical na cidade, através de uma construção conjunta onde o ensinamento transmitido também oportunizou inúmeros momentos de aprendizado e aprimoramento musical. Esta interação colocou os músicos locais em contato direto com diferentes parcelas da sociedade riograndina, uma vez que, os festivais de música foram eventos abertos a toda a comunidade, nos quais qualquer pessoa poderia se inscrever desde que possuísse ao menos 304

Entrevista cedida dia 12/01/2012.

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um esboço de uma canção (letra e música). Em outros termos, é possível considerar que os músicos contavam com centenas de compositores produzindo para eles. Como estes músicos que integravam os conjuntos de apoio, – convidados pelos organizadores dos festivais – não participavam da fase de triagem das canções que seriam apresentadas durante estes eventos, – isso era realizado pela comissão julgadora – eles não faziam ideia do conteúdo de cada uma das canções que iriam executar ao longo do evento, pois o primeiro contato com a letra da canção ocorria nos ensaios que antecediam as apresentações. Assim, em prol das atividades musicais e da continuidade destes eventos, as barreiras socioeconômicas ou os antagonismos ideológicos pareciam superados, ao menos por parte dos músicos. Estes festivais de música e seu caráter festivo, bem como, o fazer musical – trabalho para alguns e diversão para outros – facilitaram a socialização das manifestações artísticas musicais e dinamizaram o contexto sociocultural das festas populares do Município, anteriormente atrelado às manifestações de religiosos católicos e umbandistas ou ao Carnaval de rua e nos clubes da cidade. Enquanto vitrine que expôs e alavancou o trabalho de determinadas bandas e músicos, ou espaços de lazer e entretenimento destinados à população que não detinha muitas opções culturais com custos acessíveis, a potencialidade de socialização através da música oferecida por estes eventos que contavam com a presença maciça dos artistas e do público expectador, ambos necessitados de espaços que ao menos amenizassem suas carências, acabou se apresentando na época, como uma excelente oportunidade de exploração de objetivos e finalidades exclusivamente políticas, no interior de uma lógica de manutenção do poder que projetava lideranças que ocupariam os mais expressivos cargos em setores-chaves da sociedade, como por exemplo, as lideranças estudantis e a bancada que compunha a Câmara de Vereadores do Município. Ou seja, os músicos, intérpretes e compositores que trabalhavam com música, usufruíram do espaço dos festivais para benefício próprio e dos integrantes de seus grupos musicais, pois servir aos propósitos do festival através de uma postura colaborativa abriu caminho para novos contratos de trabalho, uma espécie de barganha que os possibilitava praticar a atividade musical como forma de lazer ou em alguns casos viver dos lucros provenientes dela. Com relação aos músicos, intérpretes e compositores de ocasião, também conhecidos como amadores, a liberdade era maior, porém sempre vigiada, a final, nenhum deles esperava algo em troca além dos momentos de lazer que o evento proporcionava, pois remetia ao clima dos Festivais de Televisão. Ainda assim, vez por outra, conseguiam reconhecimento do 124

público e dos jurados dos eventos. Alguns ficaram conhecidos no Município por terem recebido premiações em determinados festivais com apenas uma única participação. Distantes dos meios de comunicação de massa, da indústria cultural, do mercado fonográfico e em meio a este panorama complexo que envolve a realização destes eventos, agravado pelas atividades repressivas e a imposição da censura, o fazer musical, ou, parte desta atividade autoral denominada de “letra da canção”, precisamente o processo de construção textual, e, em alguns casos abrangendo as construções estritamente musicais, desenvolvido pelos artistas riograndinos, serão o foco de análise do primeiro item do último capítulo deste trabalho.

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3 – Músicas de festivais 3. 1 – Construindo canções na periferia da música popular: O testemunho de compositores riograndinos. O elevado número de canções inscritas nos festivais de música – média de 100 composições em cada um dos oito eventos, totalizando cerca de 800 canções inscritas ao longo de seis anos – comprova que houve intensa atividade autoral em Rio Grande, ao menos até meados da década de 1970. Provavelmente, porque os organizadores destes eventos facilitavam a inscrição de quaisquer compositores e intérpretes que não precisavam necessariamente pertencer a quaisquer conjuntos musicais, bem como, ofereciam boas premiações em dinheiro aos vencedores. No IV FICC em 1976, por exemplo, o total distribuído aos vencedores foi de 10 mil cruzeiros. O grande vencedor recebeu o prêmio de 5 mil cruzeiros, ou seja, um valor na época superior a seis salários mínimos. A aparente liberdade das manifestações artísticas musicais transformou os festivais de música em eventos aglutinadores de público, porém, sempre vigiados pelos órgãos de repressão existentes na cidade. Sem pretensões comerciais por parte de seus organizadores em relação à exploração das potencialidades artísticas dos compositores riograndinos ou ainda quaisquer finalidades de projetar intérpretes, músicos e compositores ao mercado fonográfico através de indicação ou encaminhamento dos artistas vencedores às gravadoras ou proporcionar aos vencedores o registro sonoro de suas composições para posteriormente divulgá-las através dos meios de comunicação de massa, os festivais realizados em Rio Grande até meados da década de 1970, acabaram, de fato, beneficiando os músicos copistas que através da exposição nestes eventos, como bandas de apoio que acompanhavam os intérpretes e compositores que competiam nestes eventos, ampliaram seus horizontes laboriosos. Em contrapartida, estes eventos restringiram a projeção de outros tantos artistas que permaneceram distanciados do grande público consumidor, desperdiçando assim possíveis potencialidades artísticas que poderiam ser aproveitadas pelo mercado cultural. Ao servirem de estímulo para a produção musical local, oferecendo de forma concreta, nada mais do que um espaço para os artistas mostrarem suas composições autorais, estes festivais de música formaram um ciclo de continuidade autossustentável que perdurou ininterruptamente por seis anos, até porque, não havia outras opções aos artistas locais. Viáveis enquanto atividade 126

cultural que fomentava a propaganda partidária ou auxiliava na manutenção e projeção de lideranças ao poder político local – dois pleitos para a composição do Legislativo Municipal ocorreram ao longo deste período de tempo, e, os principais envolvidos na organização destes eventos acabaram ocupando cargos importantes no contexto político da época – estes eventos ainda atraíram comerciantes e empresários exclusivamente interessados em divulgarem seus negócios. Em troca deste pequeno espaço de divulgação e socialização da arte e conscientes da efemeridade de suas produções autorais o que então motivou esses compositores a escreverem letras que posteriormente dariam origem a canções de festivais? Como foram construídas as letras destas canções e com quais propósitos foram idealizadas? Para o compositor, intérprete e instrumentista Dejair Siqueira Claro, artista muito conhecido na cidade até os dias de hoje, o processo de criação das letras de suas composições autorais,

[...] era algo que nascia espontâneo, eu sempre tinha caneta e papel por perto... em cada peça da casa... nunca sei a inspiração que vem... então sempre que vinha uma ideia eu escrevia... vinha a melodia e eu pensava em apresentar, pensava em divulgar... crescer... gravar e ser igual aos outros, conseguir um lugar ao sol.

O fato de Dejair Claro entender a atividade musical enquanto trabalho, fez dele na época, um compositor com pretensões de alcançar sucesso e obter consequentemente a valorização financeira e reconhecimento público de sua produção autoral através da vendagem de shows e discos. Ainda que, os festivais de música nos quais Dejair Claro esteve presente não fossem controlados por nenhuma gravadora que pudesse aproveitar e projetar ao público sua produção autoral ao menos estes eventos lhe proporcionavam a possibilidade de testar a reação do público em relação as suas canções. Além disso, o trabalho realizado por este artista era bastante concreto, pois ele criava as melodias e as letras das suas canções e tinha a possibilidade de ensaiá-las quantas vezes fossem necessárias. Era um processo de criação coletiva, porém, mais trabalhado com seus colegas de profissão, a final, ele integrava e liderava a banda The Turtles. Dejair Claro lembra que,

Eu passava o dia inteiro em cima do violão e da guitarra... Se me vinha uma inspiração... caminhando pela rua... já quase esquecia o 127

itinerário de onde venho pra onde vou, pra terminar aquele raciocínio e não esquecer... se alguém viesse pra conversar alguma coisa... só um pouquinho! Aquilo poderia ser um sucesso, eu tinha que concretizálo... tudo tem um início, meio e fim, eu não podia ficar no meio! Corria em casa pra encontrar o primeiro violão, botar as notas e era mais ou menos aquilo que tinha! Partia sempre pra algum gênero musical, uma linha melódica romântica ou apelos... Eu fazia música pra felicidade [...]

A dedicação de Dejair Claro às atividades musicais, além de bastante significativa, evidencia que os objetivos de sua produção autoral, na época, estiveram voltados à busca do sucesso profissional e financeiro. Este compositor não só viveu de música como viveu a atividade musical de forma intensa, procurando construir suas canções através da diversidade de gêneros musicais. Deja Claro – como é conhecido na cidade – ainda afirmou que possuía preferência pela variedade de conteúdo temático em suas canções, sem abrir mão de seu principal objetivo, ou seja, levar felicidade aos seus ouvintes. Quando perguntado se ao longo de sua trajetória como compositor, devido à multiplicidade de sua produção autoral, a letra de alguma de suas composições havia sofrido censura, Deja Claro foi enfático: “Eu era feliz com as palavras!” Diferente de Dejair Claro, a compositora Hilda Orquídea Hartmann Lontra chegou a usar o pseudônimo de Zilda para publicar periodicamente no Semanário O Peixeiro, no final da década de 1960, seus poemas. Como mencionado no capítulo anterior, o ímpeto de Hilda Lontra em relação aos problemas socioeconômicos e políticos da cidade lhe renderam alguns problemas, entre estes, a vigilância de suas ações como professora, bem como, sobre a sua volumosa produção autoral. Ainda assim a poetiza nunca chegou a ser notificada formalmente pelos agentes da repressão, tanto acerca de suas publicações no Semanário ou quanto sua atividade musical, que derivada de sua atividade de poetiza. Inclinada somente à construção das letras das canções, apesar de ser filha de pai músico, poeta, compositor e neta de maestro, Hilda Lontra relata que produzir canções para os festivais de música “era buscar a linguagem da fresta, e sob uma aparente alienação deixar uma mensagem sub-reptícia de ânsia de liberdade e de sonho de um dia as coisas mudarem. Não dava de ser explícita.” Às escondidas, porém, não se considerando uma compositora 128

engajada com questões sociais, Hilda afirma que: “... não me considerava capaz de fingir tanto. Na época pouco conhecia de “o poeta é um fingidor” [referindo-se a obra de Fernando Pessoa]. Eu era muito romântica...”, além do que sua produção autoral “não era destinada a um público em especial, mas eu trabalhava com jovens e, nesse sentido, estimulando-os a produzirem seus textos, eu procurava dar um exemplo.” Com grande aptidão para a escrita, mas sem objetivos explícitos de viver e alcançar reconhecimento através de sua atividade autoral, o verdadeiro comprometimento de Hilda Lontra certamente foi com o papel social de sua profissão de professora, pois em cada construção autoral, a professora e compositora vislumbrava a possibilidade de incentivar seus alunos a lerem o que escrevia e assim conduzilos ao aprimoramento de seus textos. Como a parte exclusivamente musical não foi o foco de Hilda Lontra em parceria com a também compositora e musicista Marlene Silva da Silva, além de ganharem o 4° FICC em 1976 com a canção Barcarola, na década de 1980, novamente em parceria, venceram o concurso para escolha do hino da Universidade Federal do Rio Grande305. Acerca do processo de criação musical solo ou em parceria com Hilda Lontra, Marlene Silva da Silva306 destaca que: “... pra escrever música, logicamente tu não podia te envolver com assuntos políticos, porque normalmente tu sabias que seria cortado... então eu nunca me enveredei pra este lado...”. Assim como Hilda Lontra, Marlene da Silva afirmou que sua atividade autoral foi intensa ao longo da década de 1970 e que muitas canções construídas na época acabaram nunca “saindo de dentro da sua casa”. Sua produção também não possuiu um público alvo, pois conforme a compositora seu principal objetivo era “... simplesmente fazer música... não pensei em jovens nem velhos, nem em crianças... o que o talento me ditou na hora foi feito...”. A opção de Marlene da Silva em compor canções com conteúdos desprovidos de cunho político não minimiza a importância de sua produção, a final, nenhum compositor deve obrigatoriamente ser engajado em quaisquer questões sociais. Como a compositora Marlene da Silva também atuava como professora em um bairro pobre do Município, ela acabou fazendo uso da sala de aula para alcançar tais propósitos, e desta forma, sem se expor, conseguiu preservar a continuidade de sua atividade musical e produção autoral por um determinado tempo, bem como, evitou represálias em seu trabalho como professora, até que em um dado momento, acabou abdicando da atividade artística musical e passou a se dedicar exclusivamente ao labor em prol de seus jovens alunos. 305 306

Cf. Jornal da FURG: Rio Grande – RS; Outubro de 1984, p. 7. Ver imagem no anexo n° 37.

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Sem direcionar sua produção autoral a um público especifico, porém, demonstrando certo engajamento nas questões sociais, o compositor Raul Torres de Bem afirma que:

[...] eu nunca tive essa preocupação assim, eu sempre escrevia alguma coisa assim sobre... principalmente sobre... o momento do país, alguma coisa assim mais voltada ao que chamavam na época de canção de protesto, mas era uma coisa meio... não era muito explicito. Falando sobre o que, que a gente gostaria que melhorasse e coisas deste tipo assim... não é?

Apesar do engajamento e da sua postura em admitir que suas composições autorais procuravam seguir a linha das canções de protesto da época, acerca desta produção Raul de Bem destaca que: “... eu não fiz muita coisa... eu escrevi pouco... mas foi muito pouco, foi meio incidental. Foi um momento específico, eu era muito ligado aquelas canções de protesto, Geraldo Vandré era um cara que eu gostava muito...”. Raul relata ainda que sua atividade efêmera e quantitativamente restrita enquanto compositor, foi motivada por seu amigo Sinclair Cruz.

[...] a coisa começou assim... eu gostava de escrever, e teve essa fase assim, da adolescência de escrever as coisas, mas nunca mostrava pra ninguém... como eu não tocava nada, tentei mas não consegui... eu sempre fazia a melodia junto... eu não conseguia fazer uma letra sem melodia... a não ser se eu fosse escrever um soneto ou outra coisa, um poema e tal... mas quando eu queria fazer uma letra de música eu fazia já pensando na melodia... e ai o que aconteceu? Em 1971 quando eu entrei na faculdade eu conheci o Sinclair Cruz, que veio trabalhar aqui, ele era de Porto Alegre, ficamos muito amigos e ele tocava muito bem violão, vivia lá em casa... daí um dia ele chegou e me disse... tais sabendo que tem um festival aí, ele sabia que eu escrevia algumas coisas, e ele me perguntou... tu não tem uma letra? Daí eu mostrei uma letra que eu já tinha, daí ele gostou e disse, vamos fazer. Eu dei a música pra ele, a letra... eu tinha um esboço da música, vamos dizer assim, e ele melhorou a melodia, fez um arranjo de 130

violão, fez a música pra letra dos outros dois [colegas] e uma que ele fez... que era uma bobagem, a Sanduíche, que acabou ganhando o prêmio de música mais popular [1° Festival Universitário de Rio Grande – 1971] . Bom... daí ta... naquele entusiasmo dele, gravou as músicas numa fita cassete, mandou pra lá e todas foram classificadas. Eu não interpretava, eu só compunha mesmo. Com o entusiasmo da primeira participação, a gente acabou compondo outra música para o próximo ano, daí com o pessoal do The Turtles... de defender a nossa música... eu fazia a letra e o Sinclair fazia o resto todo, inclusive o contato com o conjunto que ia defender a nossa música.

A união de Raul de Bem, Sinclair Cruz e a Banda The Turtles, resultou ainda mais duas premiações em festivais de música. No 4° FICC, por exemplo, evento este vencido por Marlene Silva da Silva e Hilda Lontra, Raul de Bem acabou recebendo o troféu de melhor letra com a canção denominada “Perseverança”. Ao comentar sobre o processo de construção de suas letras, Raul expõe que: “Olha... eu nunca tive assim um cuidado, escrevia algumas coisas com uma mensagem... é que as pessoas não entendiam... eu acho. Eu acho que era isso, a censura não tinha essa preocupação, não sei... a gente tentava passar alguma mensagem, não sei se entendiam ou não...”. De certo que este compositor desconhecia a ação dos censores que atuavam no Município, inclusive, os fatos ocorridos com alguns artistas durante os primeiros festivais que ocorreram na década de 1970, quando estes eventos ainda não estavam sob a tutela dos grupos ligados ao poder político. Ao que tudo indica, a atividade dos censores esteve mais direcionada aos músicos copistas, a final, somente eles poderiam reproduzir as canções proibidas pela Censura Federal nos bailes e festas que ocorriam no Município. A obrigatoriedade de entregar para a Turma de Censura de Diversões Públicas de Rio Grande uma lista contendo o título de cada uma das canções que seriam apresentadas, somado ao fato da presença sempre constante dos agentes da T.C.D.P ou alguns de seus asseclas civis nos locais onde ocorreriam as apresentações ao vivo, reforçam esse raciocínio. Após os dois primeiros festivais de música nos anos de 1970 e 1971, quando estes eventos passaram a ser organizados pelos grupos ligados ao poder político local, a censura foi muito abrandada. Além da composição do corpo de jurados para cada um destes eventos, que por si só intimidava os artistas, parece que havia certo menosprezo em

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relação ao conteúdo de suas canções autorais, bem como, pouca preocupação em virtude do impacto que certas canções pudessem causar perante o público presente nestes eventos. Fato semelhante ao de Raul de Bem, relacionado à construção de canções aconteceu com Mario Luiz Schramm307, Paulo Tadeu e Luiz Alberto Eismann, ambos, vencedores do 1° FUMP com a canção denominada “Ninguém” 308. Mario Luiz Schramm lembra que:

[...] o Paulo que escreveu... o Paulo é que era o poeta... geralmente ali no bar da Dona Helena, a gente sentava numa mesa e pedia uma cerveja, e já mandava fazer um bauru pra mais tarde... e o Paulo pegava um guardanapo e já saia rabiscando um poema... sempre nessas coisas aí, a gente conversando, batendo papo, trocando uma ideia, e já saia um poema e ele dizia : “não gostei” e já fazia outro... e ai nesse meio tempo eu tava falando pra ele [sobre o festival]... Eu to pensando em inscrever uma música... e ele deu risada... eu digo: eu vou pegar um poema destes teus aí e vou jogar uma música em cima e vou inscrever só... Aí eu peguei um poema daqueles que eu achei que se enquadrava mais ou menos assim, pra botar uma música. E o Paulo Tadeu também não era músico, ele só escrevia poemas... quem musicou fui eu [...]

A iniciativa de Mario Schramm em aproveitar os poemas de seu amigo Paulo Tadeu com o objetivo de musicá-los acabou dando origem a mais uma canção de festival premiada. Na verdade, o que Mario Schramm fez na época, foi criar uma melodia musical para poema de Paulo Tadeu, até que finalmente solicitou a ajuda do instrumentista Luiz Alberto Eismann para finalizar a composição.

[...] aí eu fui ao Eismann e disse: Olha, tu vai ter que fazer alguma coisa aqui. Eu fiz uma música pra inscrever no festival, e tu vai ter que me acompanhar no violão e escrever esse negócio [escrever a partitura da música]. Aí a gente foi lá, ficou cantarolando, acertando... sabe 307

Ver imagem no anexo n° 38. Com o passar dos anos, Mario Luiz Schramm acabou perdendo a medalha que recebeu na ocasião, porém, guardou a partitura da canção, bem como, o envelope no qual a premiação em dinheiro pela vitória no FUMP lhes foi entregue. (Ver anexo de n° 39, imagens 1, 2 e 3). 308

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como é, no „lálálá‟ é uma coisa. No violão até acertar o tom, não, não é esse, baixa mais [o tom], sobe mais [o tom]... até que, isso aí foi uma noitada... trabalhando pra enquadrar aquilo que eu tinha na mente dentro do violão... só eu e o Eismann... o Paulo Tadeu nem tava no festival, eu que fiz ele me dar uma letra pra gente poder participar [...]309

Os testemunhos expostos anteriormente demonstram que o processo de criação musical inserido na realização dos festivais de música que ocorreram na década de 1970 em Rio Grande, incidiu de diversas formas e com os mais variados propósitos, pois estes festivais oportunizaram aos riograndinos, não somente o contato com a música produzida pelos artistas de ofício, mas um espaço de socialização e do exercício da atividade musical aos mais diversificados segmentos socioeconômicos e culturais que compunham a sociedade da época. Ao que tudo indica, a principal motivação dos artistas foi à vontade de integrar os eventos participando como compositores e, desta forma, contribuir para que os festivais de música mantivessem periodicidade, com intensa atividade de produção autoral. O grupo de compositores letristas era formado em sua grande maioria por estudantes secundaristas e universitários ou professores, bem como, por demais pessoas que compunham a sociedade da época e que além da atividade autoral, desempenhavam outras funções em seu cotidiano. Identificados ou não com a atividade musical autoral, assim como, as centenas dos demais compositores que participaram destes eventos, todos estes artistas acabaram desligados dos meios de comunicação de massa, da indústria fonográfica e do mercado cultural, características que historicamente reunidas, os colocaram à margem da história da música popular no Brasil, devido ao fato de que quase inexistem registros sonoros de suas atividades. Os compositores que reúnem estas características serão chamados neste trabalho de “compositores periféricos”. O termo, compositores periféricos, designa aqueles artistas incidentais ou de ocasião, ou ainda, artistas que exploravam a atividade musical enquanto trabalho remunerado, mas que não receberam as mesmas oportunidades de desenvolverem suas atividades autorais, e, por consequência, não gravaram discos ou tiveram suas canções divulgadas através do rádio ou televisão na época. Quando muito, estes artistas tiveram o 309

Como os recursos técnicos utilizados pelos artistas riograndinos era muito restringidos, a inscrição da música “Ninguém” ocorreu sem registro sonoro. Os organizadores do 1° FUMP aceitavam inscrições de composições, mediante a apresentação de partitura musical. Luiz Alberto Eismann foi o responsável em escrever toda a parte musical da canção e posteriormente encaminhar aos avaliadores do evento. (Ver anexo de n° 39, imagens 1 e 2)

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registro sonoro de suas composições feito de forma bem simples, através de um gravador cassete ligado a um microfone ou utilizando a captação de áudio do próprio aparelho, geralmente no formato voz e violão, pois a audição das composições por parte dos jurados na etapa de seleção das canções que seriam apresentadas nos festivais, fez deste procedimento uma condição indispensável para que a inscrição fosse concretizada. Ainda que a produção dos artistas riograndinos ao longo da década de 1970, acabasse sem registros sonoros que na época pudessem ser aproveitados pela indústria fonográfica e difundidos através dos meios de comunicação de massa, os festivais de música, ao oportunizarem o contato da produção musical local com seu público acabaram cumprindo o papel de socializadores da canção, afinal:

[...] a música considerada como atividade intima de um compositor, de um músico, de um amador que assovia para si mesmo considerada enfim como uma atividade estritamente íntima não tem menor valor real. É somente se objetivando, tomando uma expressão concreta, uma atmosfera, que ela toma um valor sociológico real, que ela exprime alguma coisa que quer ser compreendida e que suscita um efeito social. 310

Embora no espaço restrito dos festivais, é possível admitir que as canções apresentadas nestes eventos, também cumpriram seu papel social, pois às letras foram acrescidos elementos musicais, para tão somente depois, serem apresentadas ao público, ainda que por um curto espaço de tempo e em no máximo uma ou duas oportunidades por ocasião destes eventos. Apesar de toda a variedade que envolve o processo de criação das letras das músicas, que por vezes nem mesmo foram concebidas enquanto canções e tiveram de sofrer adaptações para tal finalidade, cabe mencionar que o ato de escrever, por si só, pressupõe uma forma de expressão, que graças à atmosfera dos Festivais de música serviu ao propósito de exprimir diferentes visões de mundo, tomando assim um efeito social, minimamente causando um impacto social localizado. O conteúdo de algumas destas canções apresentadas nos festivais de música que ocorreram em Rio Grande até meados da década de 1970, é o foco de análise do último item 310

SILBERMANN, Alphons. Les Principes de la Sociologie de la Musique. Librairie Droz, Geneve-Paris, 1968, p. 184.

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deste trabalho. Nele, através da análise do conteúdo das letras das canções, procuro expor as concepções sociais dos artistas riograndinos da época, enfatizando alguns elementos considerados enquanto manifestações da cultura popular, com o intuito de apreender como estes compositores se posicionavam diante do contexto da época, seja em âmbito local, estadual ou nacional. 3. 2 – As concepções sociais dos compositores riograndinos: A periferia da música popular brasileira. O sucesso de público em torno dos Festivais da Televisão das décadas de 1960 e 1970, eventos que aconteceram no eixo Rio-São Paulo, fez com que em Rio Grande algumas pessoas e grupos ligados a Instituições de Ensino, promovessem eventos com a mesma temática e formatos semelhantes, inclusive contemplando exclusivamente a produção autoral dos compositores ligados ao gênero musical denominado de popular brasileiro que na época esteve muito identificado à sigla MPB – Música Popular Brasileira. Com diferentes motivações e interesses, centenas de compositores inscreveram suas canções nos oito festivais que ocorreram em Rio Grande, entre os anos de 1970 a 1976. Graças a alguns periódicos da época parte da produção musical que tornou possível a realização destes eventos, precisamente a parte textual de algumas canções, ou seja, suas letras, acabaram preservadas ao longo do tempo. No total, 121 letras de canções foram encontradas durante a etapa de pesquisa nestes periódicos, e, outras 15 letras, acabaram repassadas pelas mãos de seus compositores durante a etapa de entrevistas, totalizando o montante de 136 letras de canções. Tendo como referencial de análise o conteúdo destas fontes (letras), este último item tem como objetivo expor as concepções sociais dos compositores riograndinos, abrangendo o universo desta produção autoral, inserida no gênero musical conhecido e denominado como “popular brasileiro”, que esteve desvinculada dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural. O procedimento de análise de conteúdo não obedece nenhum rigor metodológico e será realizado através da leitura e interpretação do conteúdo das canções que foram selecionadas previamente. Esta seleção levou em consideração o fato de que a construção musical (letra e música) destinada à participação em festivais difere da produção destinada à indústria do disco, a final, os artistas músicos, intérpretes, compositores e instrumentistas são unânimes quanto a esta diferenciação, pois a música de festival deve ser 135

impactante, chamar a atenção do público e dos jurados desde os primeiros acordes, até porque, após passar pela fase de triagem onde é realizada a audição que seleciona as canções classificadas para as etapas finais dos eventos, ela pode ser apresentada ao vivo somente em uma única oportunidade. Em relação à metodologia proposta para a análise do conteúdo das canções, procuro investigar e discutir os elementos implícitos e explícitos que proporcionam sentido a temática trabalhada pelo compositor, bem como, sua percepção sobre a temática e como esta foi abordada, e finalmente, os objetivos contidos no interior da temática de sua construção textual que estejam intencionalmente expostos com o propósito de interagir com o público expectador, isso porque,

[...] Quando o foco está no público, o texto é um meio de apelo: uma influência nos preconceitos, opiniões, atitudes e estereótipos das pessoas. Considerando os textos como uma força sedutora, os resultados da análise de conteúdo são variáveis independentes, que explicam as coisas. 311

De qualquer forma, é importante salientar que trabalhar na interpretação do discurso textual destas canções que estão subtraídas de seus elementos sonoros, é reconhecer que “todo o texto é produto de uma leitura, uma construção do seu leitor”312. Assim sendo, o resultado da interpretação destas fontes pode apresentar disparidades se confrontadas, por exemplo, com a visão de seus compositores, pois em se tratando de interpretações realizadas a partir do conteúdo textual de canções, em razão de sua marcante característica subjetiva, – característica que não é observada em todas as canções do gênero – o pesquisador que se dedica a realização de trabalhos que utilizam fontes deste tipo para a escrita da História, sempre corre o risco de cometer alguns equívocos. Com o intuito de contribuir para a diminuição da possibilidade de imprecisões ou até mesmo erros grotescos provenientes da análise e interpretação do conteúdo destas fontes, neste trabalho seguirei como orientação metodológica, uma subdivisão baseada em dois campos distintos, onde, 311

BAUER, Martin W. & GASKELL, George. Pesquisa quantitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002, p. 192. 312 CHARTIER, Roger. A história cultural. Lisboa: Difel, 1988, p. 61.

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A primeira instância deve tratar do contexto histórico mais amplo, situando os vínculos e relações do documento e seu(s) produtor(es) com seu tempo e espaço. O segundo campo refere-se a outra especificidade da documentação, isto é, ao processo social de criação e produção da canção popular... essa longa jornada de criação... já supõe certas preocupações com códigos e com o universo da criação da cultura popular [...]313

Dada a importância da articulação entre texto e contexto histórico no qual foram produzidas estas fontes, no sentido de executar o complexo exercício que objetiva empreender o estudo que irá apreender algumas características da canção popular e da cultura popular local, regional e nacional, fornecendo as bases para o escrutínio das concepções sociais dos compositores riograndinos incrustadas em suas canções, e que em sua grande parte, foram escritas e destinadas somente com o objetivo de participar dos Festivais de Música que ocorreram em Rio Grande durante a década de 1970, reconheço que: [...] é fundamental a articulação entre “texto” e “contexto” para que a análise não seja reduzida, reduzindo a própria importância do objeto analisado. O grande desafio de todo o pesquisador em música popular é mapear as camadas de sentido embutidas numa obra musical, bem como suas formas de inserção na sociedade e na história (conformismo e resistência), evitando ao mesmo tempo, as simplificações e mecanismos analíticos que podem deturpar a natureza polissêmica e complexa de qualquer documento de natureza estética [...]314

Toda via, quanto ao caráter polissêmico e complexo de natureza estética existente no conteúdo das canções, este pode ser atribuído às suas características de construção intrinsecamente ligadas às manifestações poéticas, elemento muito comum na constituição da canção popular. Contudo, sem minimizar os estudos teóricos direcionados ao estudo da escrita poética, cabe dizer que neste trabalho, estou de acordo que “... não há propriamente uma 313

MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, n 39, 2000, p. 216. 314 NAPOLITANO, Marcos. História e música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 77-78.

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posição teórica escolhida, imposta aos textos. Apenas acompanharemos o canto do poeta, sua canção de poesia e de liberdade. Neste sentido, a poesia afirma a sua realidade, deixando aflorar a realidade contextual em que foi estruturada” 315. Para tanto, a metodologia aplicada no que diz respeito à contextualização destas fontes, estará fundamentada nos capítulos 1, 2 e 3, apresentados anteriormente. Outro sim, continuarei fazendo uso do material proveniente dos estudos de pesquisadores que não abordam especificamente a canção popular na medida em que se tornar necessário ou conveniente, pois dialogando de modo pertinente com essa produção intelectual pertencente à outras áreas do conhecimento, que não necessariamente tenha quaisquer ligação com a História, será mantido o caráter multidisciplinar que tanto contribui na obtenção de resultados satisfatórios. Quanto à atividade de criação destas fontes e sua forma de divulgação e inserção na sociedade da época – via participação em Festivais de Música realizados in loco – bem como, sua significação textual que obrigatoriamente é fruto do contexto histórico de seus produtores, sejam elas atividades culturais realizadas individualmente ou coletivamente, é necessário observar o fato de que elas estiveram imersas na diversidade que caracteriza a cultura popular brasileira, e que foram destinadas voluntariamente ao ciclo histórico de festivais de música, delimitados por uma temporalidade de sete anos, que ocorreram ao longo dos anos 1970, entendidos enquanto processo sociocultural que serviu de estímulo à prática e a produção das atividades musicais autorais. Com a convicção de que, para alcançar os objetivos deste trabalho, dado a existência dos múltiplos elementos que dinamizaram e potencializaram as muitas formas e escolhas utilizadas pelos artistas da época para a construção do conteúdo textual de suas canções populares, executando a complexa tarefa de interpretar o discurso contido nestas fontes, é imprescindível que essa tarefa seja orientada por uma análise que adote a observação da perspectiva referente à pluralidade contida no produto das ações criativas destes agentes históricos, portanto:

[...] deve-se falar em culturas populares que ao mesmo tempo se transformam e/ou permanecem em espaços e tempos definidos, e não em uma cultura popular pura e secularizada... Elas se manifestam como experiência histórica de modo mais amplo e difuso. De acordo 315

DANTAS, Maria de Souza. MPB o canto e a canção: MPB. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1988, p. 19.

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com essas perspectivas, as produções e formas de difusão cultural transitariam em vários sentidos, construindo incessantes interações, determinadas por realidades históricas específicas. 316 Em razão da fértil pluralidade temática presente no conteúdo das canções, – geralmente acrescida de descrições concernentes aos hábitos e costumes dos indivíduos e grupos sociais da época – que retratavam amplamente e (ou) especificamente experiências cotidianas e (ou) realidades históricas amplas e (ou) especificas, cabe mencionar que:

[...] a canção popular, nas suas diversas variantes, certamente é a que mais embala e acompanha as diferentes experiências humanas... Além disso, a canção é uma expressão artística que contém um forte poder de comunicação, principalmente quando se difunde pelo universo urbano, alcançando ampla dimensão da realidade social [...]317

Ainda que a metodologia usualmente utilizada pelos historiadores da música popular para o trato com estas fontes, reforce a ideia de que, a canção não deve ser entendida apenas como texto, pois desta forma, o pesquisador estaria realizando uma interpretação textual e não da canção propriamente dita. A maioria dos historiadores e demais pesquisadores das manifestações populares existentes nas canções, apesar de admitirem que a abordagem ao estudo da música popular brasileira deve ultrapassar os limites da poética inscrita em seu conteúdo textual, ainda assim, reconhecem a importância dos demais trabalhos que, devido suas peculiaridades – sobretudo em razão da ausência de registros fonográficos ou partituras que poderiam reconstruir as canções em suas totalidades – privilegiam análises restritas às letras canções318. Colocada esta orientação metodológica no trato com as fontes para o estudo da canção popular, entendida enquanto a junção de letra e música, entendo de suma importância e muito pertinente para este momento algumas indagações que expõem de forma lúcida uma das problemáticas deste trabalho, que busca abordar a trajetória histórica de compositores, músicos e intérpretes que nunca gravaram suas canções em virtude de suas condições socioeconômicas ou ainda devido à imposição de barreiras geográficas que provocaram o 316

MORAES, José Geraldo Vinci de. Op. Cit., p. 213-214. MORAES, José Geraldo Vinci de. Op. Cit., p. 204. 318 Cf. MORAES, José Geraldo Vinci de. Op. Cit., p. 215. 317

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distanciamento dos grandes centros urbanos onde a tecnologia indispensável para o registro sonoro era encontrada, na época, relativamente com maior facilidade. Mesmo que estes artistas tenham apresentado somente ao vivo suas produções autorais em forma de música, ou ao menos uma pequena parte desta produção, ao público que esteve presente nos eventos voltados à temática musical, como nos Festivais que ocorreram na cidade do Rio Grande ao longo dos anos 1970, é apropriado menosprezar o estudo de suas manifestações socioculturais inseridas no conteúdo de suas composições – tendo em vista que, até mesmo devido às orientações metodológicas utilizadas para o estudo da canção, a escrita acerca do passado das manifestações artísticas musicais ligadas ao gênero popular acabou dependente e, ao mesmo tempo, orientada e concentrada no conteúdo textual e sonoro distribuído por alguns artistas à comercialização por parte da indústria fonográfica – justificando tal inclinação à ausência dos seus registros sonoros? Devido ao fato de que, até os dias de hoje, pouquíssimos pesquisadores abordaram a trajetória histórica dos artistas desvinculados dos meios de comunicação de massa, do mercado cultural ou da indústria fonográfica, o que tem contribuído significativamente para a estagnação e retrocesso acerca dos caminhos traçados por estes músicos, intérpretes e compositores que também integraram e colaboraram para a construção da história da nossa música popular, neste trabalho entendo que, apesar de fragmentadas, estas fontes não devem ser desprezadas ou terem sua importância reduzida, caso contrário, este trabalho descartaria uma parcela da história de muitos artistas da nossa música popular, bem como, da história do país, até mesmo porque, como menciona José Geraldo Vinci de Moraes tal “poder de comunicação” expresso pela canção popular, provém, sobretudo, do conteúdo textual de suas letras, e não de seu conteúdo estritamente musical. José Ramos Tinhorão, um dos maiores estudiosos da música popular brasileira, ao tratar da popularidade dos gêneros musicais denominados de modinha e lundu-canção, expôs que no final do século XIX, estes dois gêneros invadiram o espaço urbano das cidades brasileiras, graças à atuação da figura do “vendedor de livretos ou jornais de modinhas”. Portanto, na verdade, o que era comercializado enquanto registro musical, no limiar da indústria fonográfica brasileira que surgiu nos primeiros anos do século XX, consistia precisamente na letra das canções. Sem a possibilidade de registrarem em fonogramas para posteriormente difundirem e comercializarem suas canções, os artistas da época fizeram uso

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das apresentações ao vivo em bares, cafés, choperias, gafieiras, circos, pavilhões e nas ruas das cidades, como meio possível de levar os sons em forma de música, até seus ouvintes.319 Graças a estas canções fragmentadas – letras sem seus acompanhamentos sonoros – que sobreviveram ao tempo, e, contando com o aporte de outras fontes complementares – como, por exemplo, a pesquisa nos periódicos da época – vem sendo possível aos pesquisadores aprofundarem o estudo histórico das manifestações socioculturais existentes na canção popular, proporcionando a outros tantos estudiosos interessados no assunto, um panorama concreto acerca dos diferentes estágios históricos percorridos pelos artistas da nossa música, tornando suas pesquisas referências indispensáveis para estudos futuros. Certamente a disponibilidade de acesso aos registros fonográficos, além de complementar as fontes de estudo, facilita muito o trabalho dos pesquisadores que não precisam „garimpar‟ suas fontes em arquivos, bibliotecas ou acervos particulares. A diminuição do esforço de pesquisa também conta com a comodidade oferecida pela internet – onde é possível consultar cada uma das canções que compõem a discografia completa de diversos artistas consagrados da nossa música – também proveniente dos registros fonográficos comercializados por inúmeras gravadoras, vem facilitando e orientando a grande maioria das pesquisas sobre a produção musical popular brasileira. Diferente do que muitos pesquisadores pensam, cabe dizer que nem toda a produção musical proveniente das décadas de 1960 e 1970 está registrada em LP‟s ou cassetes, muito menos possuiu relação com o que foi produzido, por exemplo, em razão dos eventos musicais de grande repercussão, os quais servem como principais exemplos para este trabalho os Festivais de Música da Televisão e às Califórnias da Canção Nativa do Rio Grande do Sul. Estes eventos e seus artistas definitivamente contribuíram para fomentar em nosso país um processo histórico de grande efervescência cultural ao longo das décadas de 1960 e 1970, onde ao menos quantitativamente, é possível depreender que muitas canções foram construídas por artistas de diversos Estados do país e acabaram apresentadas ao vivo em eventos musicais da mesma natureza. Infelizmente a maior parcela da produção musical construída para os festivais que ocorreram por todo o país acabou não registrada em fonogramas – neste caso, podemos admitir que a imensa maioria das pesquisas relacionadas à história da música brasileira 319

TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: Os sons que vem das ruas. São Paulo: Edições Tinhorão, 1976, p. 35.

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privilegia um grupo minoritário de músicos, intérpretes e compositores que possuem registros fonográficos de suas composições – como, por exemplo, no caso das canções apresentadas no Festival Regional da Canção Popular (FERCAPO) de 1971, promovido pelo Tuiuti Esporte Clube da cidade de Cascavel no Paraná,

[...] Neste mesmo ano o repórter Aramis Millarch, do jornal O Estado do Paraná, publicava que, após o término do festival, não havia sido “prevista sequer a gravação de um compacto simples, com as 5 premiadas, o que, afinal, não custaria mais do que Cr$ 25 milhões, (valor destinado a realização do FERCAPO neste ano foi de Cr$ 150 milhões) o que poderia ser autofinanciável, através de um patrocinador comercial ou, mesmo, com a venda dos exemplares.” O repórter ainda acrescenta que, ao contrário do FERCAPO e dos demais festivais de música realizados no Paraná que, quando se acaba não deixa vestígios, no Rio Grande do Sul, há ao menos uma dúzia de excelentes festivais, que se auto-sustentam independente do Governo. A Califórnia da Canção Nativista, em Uruguaiana... já conta com uma invejável coleção de discos, através da iniciativa do CTG Sinuelo do Pago.320

Assim como o FUMP, o FURGÃO, os Festivais de Música Popular do Colégio Lemos Jr., os FICC‟s realizados na cidade do Rio Grande ao longo da década de 1970 ou os FERCAPO‟s que ocorreram no Estado do Paraná, todos estes eventos se apresentam como casos típicos da influência que a realização dos Festivais de Música realizados pelas emissoras de televisão exerceram sobre a sociedade brasileira da época. Seus impactos acabaram revertidos em consideráveis e volumosas produções autorais que estiveram inseridas nos mais variados gêneros musicais existentes no Brasil, mas, sobretudo, de maneira expressiva e em particular, no interior do pluralizado gênero popular que na época estava identificado com as canções e artistas ligados a sigla MPB (Música Popular Brasileira), o que definitivamente contribuiu para o fomento da prática da cultura musical por todo o país, bem como, para a formação de um público ouvinte e consumidor das canções que eram gravadas por artistas consagrados, comercializadas pelas gravadoras e veiculadas nas grades de 320

SILVA, Delciane Martini. FERCAPO: Festival Regional da Canção Popular no fim da Era dos Festivais. Monografia de Especialização em História da Educação Brasileira, UNIOESTE/PR, 2006, p. 53-54.

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programação das rádios e em outros programas musicais transmitidos pelas emissoras de televisão. Pari passu a falta de planejamento por parte dos organizadores e apoiadores que não tinham a preocupação ou intenção de investir na carreira dos compositores financiando o registro fonográfico das canções que participavam dos eventos musicais por eles organizados, estes artistas que integravam o circuito de festivais de música realizados por todas as partes do país, acabaram pouco valorizados e reconhecidos por suas potencialidades até mesmo em âmbito local e regional, pois o processo de produção e divulgação de seus trabalhos autorais esteve alijado às apresentações musicais realizadas ao vivo, para um limitado número de ouvintes, ao longo dos eventos dos quais eles participavam. Logo, cabe destacar que, assim como a grande maioria dos festivais de música que ocorreram no Brasil ao longo da década de 1970, o os Festivais riograndinos e os Festival Regional da Canção Popular do Paraná evidencia que o montante de canções autorais produzidas pelos artistas da nossa música popular que não tiveram ligação com o mercado fonográfico, indústria cultural e os meios de comunicação de massa, foi quantitativamente muito superior a tudo que está devidamente registrado em LP‟s ou cassetes, ou seja, obviamente, muito se perdeu. Se até mesmo os artistas ligados à produção musical “independente” ou “alternativa”, beneficiados pela proximidade ou por residirem nos grandes centros urbanos do país, utilizaram os recursos tecnológicos da indústria fonográfica no sentido de registrarem suas canções, como forma de divulgar seus trabalhos, ampliando, portanto a escuta de suas composições musicais a um número maior de ouvintes 321, como classificar os artistas (músicos, intérpretes e compositores) que não tiveram as mesmas possibilidades ou oportunidades? Estes artistas da música popular que de alguma forma tiveram quaisquer ligações com as manifestações culturais voltadas a produção musical autoral ao longo da década de 1970, mesmo sem possuírem registros fonográficos de suas canções ou ligações com a indústria cultural e os meios de comunicação de massa, fatores que atribuem às canções destes artistas a característica de produção musical efêmera, são

321

Cf. GOODWIN, Ricky. Da independência musical. In: STOTZ, Eduardo Navarro & outros. Vinte anos de resistência: Alternativas da Cultura no Regime Militar. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, p. 137 – 138. Em seu artigo o autor aborda a produção independente de artistas da música brasileira, destacando também outros artistas de diversas áreas como o cinema, literatura, teatro, jornalismo e quadrinhos. Em relação à atividade artística musical independente, o autor expõe que esta se expressou com esquemas de produção e em locais alternativos, com composições desvinculadas de uma preocupação com vendas ou de agradar ao grande público, mas, sobretudo, pelos chamados discos independentes, a final, sem registro em disco o acesso do artista ao público fica comprometido, e seu trabalho acaba sem divulgação.

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denominados neste trabalho de compositores periféricos, onde estão inclusos, obviamente, os artistas riograndinos da época. Os fatores trabalhados e elencados nos itens anteriores deste trabalho acabaram favorecendo para a investigação, acerca do perfil artístico dos compositores periféricos que atuaram na cidade do Rio Grande durante o ciclo de Festivais que ocorreram até meados da década de 1970. Baseado nas características em comum compartilhadas por estes intérpretes, compositores e instrumentistas, foi elaborado a caracterização que acabou originando tal nomenclatura, levando em conta a determinante de que no passado estes artistas riograndinos integravam uma espécie de „área periférica‟ da nossa música, uma espécie de agrupamento involuntário, onde desempenharam diferentes papeis sociais através da atividade autoral voltada ao gênero musical popular. Com o objetivo, de enfocar a história, inserida no contexto da cidade do Rio Grande e dos festivais de música que ocorreram até meados da década de 1970, no qual a canção e o cotidiano se comtemplaram, vislumbrando a história da música popular e a história da cultura popular local, da região e do país, é que a partir de então, passo a analisar as concepções sociais dos artistas riograndinos, tendo como fonte o conteúdo das letras de suas composições autorais. Como foi dito nos itens anteriores, ínfimos registros sonoros das canções foram encontrados. Os registros musicais encontrados totalizam um pequeno montante de cinco canções. Por este motivo, este trabalho privilegiará, sobretudo, o conteúdo escrito que juntamente com a sonoridade dos grupos da época, foram apresentadas nos Festivais de Música riograndinos. Cabe salientar que os registros sonoros encontrados farão parte deste trabalho, porém não serão analisados profundamente. Esta opção se dá até mesmo em relação à precariedade da qualidade sonora, uma vez que, as canções foram gravadas em gravadores cassetes com microfones internos embutidos e conservadas pelo menos há vinte anos até serem digitalizadas, sofrendo danos irreversíveis devido às intempéries. De todas as canções inscritas no 1° Festival Universitário de Música Popular (FUMP) de 1970, apenas o conteúdo textual e da escrita musical (partitura) da canção vencedora foram encontrados. O documento contendo a letra da canção denominada de „Ninguém‟ 322 foi gentilmente cedido para este trabalho durante a realização da entrevista com um de seus 322

Ver imagem no anexo de número 40.

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idealizadores, Mario Luiz Schramm, que na ocasião disse que contribuiu apenas com a montagem da estrutura melódica e da introdução da canção, uma vez que, seu colega Paulo Tadeu – que nas palavras de Schramm era alguém “estava sempre rabiscando um poema” – foi verdadeiro responsável pelo conteúdo escrito da canção. Esta construção coletiva ainda contou com a contribuição de Luiz Alberto Eismann, músico com formação, que realizou a notação musical323, indispensável na época como uma das exigências dos censores. O conteúdo musical da canção „Ninguém‟, como mostra sua partitura, foi constituído por acordes em tonalidades menores, o que sugere que seu intérprete tenha imprimido durante a apresentação ao vivo realizada no evento, uma levada melancólica, triste e arrastada, que foi conduzida através de um compasso ternário simples (¾) que é muito utilizado em ritmos como valsa e guarânia, até porque, a rigor, o plano musical e o plano poético “não são separáveis na experiência da canção”

324

. Seu conteúdo textual tem como eixo a temática

amorosa, no qual o compositor discorre de forma subjetiva seu lamento pelo fato de que o sentimento amoroso possui uma delimitação temporal. Com desejo de que o “amor” superasse até mesmo a morte, o autor da canção fez menção a religiosidade e sua crença na eternidade de “Deus”, como meio possível de compartilhar para sempre tal sentimento. A presença da religiosidade ligada à temática amorosa atribui ainda mais subjetividade ao conteúdo da canção, porém, é utilizado como fator determinante para que seu principal objetivo acabasse alcançado. Canções com breves abordagens ou eixos temáticos com ênfase nas relações amorosas, estão presentes em todas as edições dos oito festivais de música que ocorreram em Rio Grande na década de 1970. Conforme as fontes disponíveis pesquisadas, essas composições aparecem com maior frequência nas duas primeiras edições destes eventos musicais, nos anos de 1970 e 1971. O 1° Festival Universitário de Rio Grande (FURGÃO) de 1971, está repleto destas canções, nas quais a temática do “amor” está relacionada de forma implícita ou explicita as consequências de amar, ou seja, às desilusões, ao abandono, ao matrimônio, à saudade e à traição. O “amor” também aparece relacionado a outras temáticas,

323

Cf. FORTES, Fabrício Pires. Pensamento Simbólico e Notação Musical. Dissertação Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, 2009, p. 5. Em sua forma simplista a notação musical pode ser compreendida “enquanto sistema representacional em que opera um tipo de pensamento simbólico.” Em outras palavras, é um sistema de escrita utilizado para representar graficamente uma construção musical, constituído de signos que identificam cada um dos muitos elementos que compõem as mais variadas construções musicais. Ver imagens no anexo de número 39 (Imagens 1 e 2). 324 NAPOLITANO, Marcos. MPB: a trilha sonora da abertura política (1975/1982). Revista Estudos Avançados, V. 24, n. 69, 2010, p. 396.

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como as que abordam os problemas sociais do país. O trecho da canção “Onde o amor é documento”, – letra e música de Marcos Bittencourt – logo a baixo, aborda a temática do retirante nordestino que em busca de melhores condições de vida, acaba migrando para outras regiões.

Nem o prego da sandalha Nem areia e nem o pêso da bagagem Nem a chuva e a estiagem Vão fazer eu voltar praí Aí amor quem mandou Você não vir

Outra canção com a mesma temática acabou, neste mesmo festival, alcançando a classificação para as etapas finais. O conteúdo da canção “Retirante” – letra de Alcir Giglio e música de Cezar A. Espina – também faz uma breve referência ao “amor”, porém, abordou de forma mais objetiva e explícita a disposição e o sofrimento do retirante em deixar seu lugar com o propósito de melhorar suas condições de vida.

Canto, um canto de partida, só Canto, estou em retirada, só Choro ao chão, de quem me despeço, Sinto a dor, de quem deixa algo de si. Mas este novo rumo que ora vou traçando: É só trégua da nova era que está começando. Num momento penso na vida passada... ... Um amor perdido que não deu em nada. E desta vida dura uma lição eu tiro: De buscar, de lutar, e só: por isso eu me retiro.

Talvez seguindo a tendência de que no final da década de 1960 e início dos 1970, integrava a pauta dos principais artistas ligados à sigla da MPB a música regionalista produzida pelos artistas nordestinos, bem como, as temáticas acerca dos problemas sociais

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relacionados ao nordeste325, alguns compositores locais, mesmo distantes dos grandes centros urbanos do país – o destino dos retirantes preferencialmente eram as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo – acabaram motivados a construírem suas canções sem conviverem diretamente com os impactos ocasionados pelas migrações provenientes do nordeste do país. As fontes disponíveis mostram que, ao menos entre as canções classificadas para as etapas finais dos demais festivais, – 2° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr. (1972), 2° Festival Intercolegial da Canção (1973) e 4° Festival Intercolegial da Canção (1976) – essa temática acabou não contemplada pelos jurados ou abordada pelos compositores riograndinos. Outro tema explorado com frequência pelos compositores riograndinos, e como demonstram as fontes disponíveis acabou muito enfatizado, esteve relacionado ao movimento apressado do cotidiano das pessoas que residem no espaço urbano. A temática do “urbano” aparece ligada aos diferentes hábitos e costumes da população que habitava os centros e arredores das cidades nas mais variadas circunstâncias. A canção “Um homem, um mundo, uma vida” – letra e música de Renato Araújo Silva – finalista do 1° Festival Universitário de Rio Grande (FURGÃO) de 1971, apresenta o espaço urbano como um lugar de difícil compreensão, no qual o homem vivia em volta de seus afazeres, sempre numa intensa atividade que prejudicava sua percepção acerca dos sentimentos de paz e amor, afastando-o da religiosidade.

Neste mundo tão complexo Agitado como o que, Gira o homem apressado, Vai vivendo por viver. Vai no embalo dos que passam Vive a vida sem querer Nesta vida tão sem nexo O homem sem tempo vivendo Cem vidas num dia, De um mundo explodindo em guerras, A mente vazia De amor e paz. 325

Cf. CÓRDOVA, Magno Cirqueira. Rompendo as entranhas do chão: Cidade e identidade de migrantes do Ceará e Piauí na MPB dos anos 1970. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília – UNB, 2006, p. 35 a 61.

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Homem sem Deus, Homem que um dia amou, Homem volta a sorrir Homem de Deus. Ainda sobre o modo de vida no meio urbano a canção “Agitadíssimo” – letra Antônio Cleber e música de José Francisco Garcia – apresentada em 1971 durante as etapas finais do FURGÃO, descreve como eram os momentos que antecediam os encontros amorosos realizados à noite nas esquinas das ruas da cidade. Expondo um costume que até os dias de hoje é utilizado pelos enamorados, o compositor menciona as esquinas e sua utilização enquanto locais onde se espera a pessoa amada. Com o gradativo aumento da violência urbana, estes pontos de referência que também eram utilizados como locais de encontro entre os jovens, foram perdendo importância quanto a sua costumeira utilização. Com o intuito de exibir alguns hábitos e costumes que faziam parte do cotidiano da época, ainda foi explicitado pelo compositor em sua canção, o uso da goma de mascar (chiclete) que além de ajudar na distração daqueles que aguardavam por alguém, ainda tinha como objetivo manter o hálito sem odores, o que certamente agradava o parceiro na hora do beijo que marcava o início do encontro.

A vida noturna A vida noturna da cidade É um vai e vem agitadíssimo Eu quero um chiclete De hortelã Pra esperar meu amor na esquina

A temática do urbano ligada a velocidade do modo de vida das pessoas aparece novamente no 2° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr., de 1972 na canção “Por onde vou?” – letra e música de Marcos Bittencourt e Denise Rodrigues – que destacou o hábito noturno de algumas pessoas que saiam de suas residências dirigindo seus automóveis e se deslocando rapidamente pelas ruas da cidade, enquanto procuravam quaisquer atividades de entretenimento, porém, acabavam não encontrando muitas opções: “Luminosos pela cidade / Automóveis velocidade / Por onde eu vou? / Por onde eu vou?”. 148

Em “Coisas que acontecem neste mundo” – letra e música de Cleiva Domingues da Cunha – apresentada no FURGÃO, o urbano aparece através dos anseios e hábitos dos jovens em âmbito nacional e global, porém, o compositor utiliza outros elementos para alcançar o objetivo de transmitir sua mensagem.

Agora estou aqui pra falar Do que acontece por esse mundo Fittipaldi trouxe alegrias Será que vão durar? E será que a faculdade tem vaga Pra nós jovens estudar O sexo é comum em toda a parte Não se sabe o que ensinar Metas o computador mostrando Prá multidões orientar

Ao mencionar o título mundial de automobilismo de Emerson Fittipaldi no ano de 1972, o que certamente contribuiu na época para elevar a autoestima dos brasileiros, em seguida o compositor alerta para a efemeridade destas alegrias advindas das conquistas esportivas, contrapondo e questionando de forma lúcida a conquista de Fittipaldi a alguns problemas concretos da sociedade brasileira da época, como por exemplo, a utilização de ferramentas construídas através dos avanços tecnológicos que são utilizadas para orientar a sociedade, o colapso do sistema educacional326, a dificuldade de acesso ao ensino superior e a banalização das práticas sexuais. Ao identificar alguns problemas sociais, o compositor trás a tona uma prática política recorrente da época, ou seja, a sobreposição e valorização exacerbada de determinados fatos ligados às conquistas esportivas – por exemplo, a conquista da Copa do Mundo de Futebol em 1970 – que serviam de propaganda para o Governo Militar, 326

Cf. FERREIRA, Amarilio Jr. & BITTAR, Marisa. Educação e Ideologia Tecnocrática na Ditadura Militar. Caderno Cedes, Unicamp - Campinas, vol. 28, n. 76, 2008, pp. 333 a 355. As reformas educacionais implementadas após 1964 foram marcadas pelo modelo de modernização autoritária do capitalismo brasileiro e pela teoria econômica do “capital humano” – fundamentação teórico-metodológica instrumental para o aumento da produtividade econômica da sociedade. A propaganda ufanista, que tinha como lema o “Brasil Grande Potência”, gerado pela “eficiência técnica” aplicada na forma de administrar o Estado e as suas empresas, também teve os seus corolários ideológicos no âmbito da própria política educacional levada à prática após a reforma universitária de 1968 e a reforma da educação de 1º e 2º graus de 1971. Assim, o sistema nacional de educação que emergiu com as reformas da ditadura militar foi marcado pela ideologia tecnocrática, que propugnava uma concepção pedagógica autoritária e produtivista na relação entre educação e mundo do trabalho.

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em detrimento de problemas sociais concretos existentes no país, como meio de manipular os brasileiros, desviando a população de seus reais interesses. 327 Como os festivais de música que ocorreram na década de 1970 em Rio Grande, foram idealizados e organizados por estudantes, órgãos de representação estudantil, escolas e instituições de ensino, frequentemente foram encontradas no conteúdo das fontes pesquisadas abordagens acerca da temática com foco nos mais variados assuntos inerentes à juventude da época. Entre estas fontes, está a composição “Tributo a Juventude” – letra e música de Jim Porto – vencedora do 1° Festival de Música Popular do Colégio Lemos Jr., de 1971, que sugere aos jovens um modo de vida conformista, orientado pela esperança e pelo amor.

Sonha a vida, a vida e a esperança Sonha sempre assim, tão docemente... Vive a vida sem chorar, Esquecendo a dor Canta a vida, o prazer Seu viver é cantar. Sonha a vida, a vida é o futuro. Sonha sempre, sem delírios falsos. Vive a vida sem pensar. Canta a vida, a vibrar. Seu viver é cantar Sonha a vida, a vida sem passado. Sonha sempre, pra não despertar. Vive a vida sem parar. Vive o esplendor. Canta a vida, o amor Seu viver é amar!

O conformismo exposto nas letras das canções de determinados compositores, também pôde ser visto com outros eixos temáticos, como na canção “E o gigante despertou” – letra e música de Lindomar Duarte – apresentada no 2° Festival de Música Popular do Colégio 327

Cf. ROLLEMBERG, Denise. A ditadura civil-militar em tempo de radicalização e barbárie (1968-1974). In: Francisco Carlos Palomanes Martinho (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006, p. 147.

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Lemos Jr. Em 1972, que destacava as belezas e potencialidades do Brasil e do seu povo de modo ufanista, exaltando também a política praticada pelo Governo Militar na época.

Brasil, o meu Brasil, E o gigante despertou Brasil, dos campos imensos, das praias sem fim De um povo que canta, que samba, És terra do amor. Há na luz de tuas estrelas mais esplendor Há mais calor no intenso brilho do teu sol Estradas se vão desbravando, É o petróleo jorrando, é um povo a vibrar Com a magia do teu futebol. Salve meu Brasil, sigamos a corrente, Avante meu País Continente. Salve meu Brasil, sigamos a corrente, Avante meu País Continente. Brasil do Gaúcho Altaneiro, do caboclo jangadeiro Suas lendas, suas tradições, Terra do passado e do presente. Do futuro sorridente de todas as gerações Vai mostrar ao mundo inteiro, Do que é capaz o brasileiro, Mobral, é a Transamazônica, é o homem do campo plantando feliz. Ninguém segura mais este país

Com uma mensagem de otimismo em relação aos rumos do Brasil, enfatizando a exploração de petróleo, – em 1968 na bacia do Estado do Sergipe, bem como no decorrer de 1970 através da incorporação da produção nas Bacias do Espírito Santo, Potiguar e Campos, que rendiam milhares de barris diariamente328 – provavelmente, vislumbrando a reversão das divisas advindas em benefícios socioeconômicos para a população, juntamente com a vibração dos brasileiros com a recente conquista da Copa do Mundo de Futebol no ano de 328

Cf. LUCENA, Carlos. Tempos de destruição: educação, trabalho e indústria do petróleo no Brasil. Autores Associados, Uberlândia: EDUFU, 2004, p 15.

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1970 no México, – conquista que foi utilizada pelo regime militar, com o objetivo de encobrir a repressão levada a cabo pelo governo Médici, bem como, capitalizada enquanto propaganda política dos militares e políticos civis durante as eleições de 1970 329 – o compositor prosseguiu construindo as estrofes de sua canção dando ênfase às ações políticas do Governo como responsáveis por uma nova ordem social, de prosperidade, orgulho e esperança em seu país, ao mesmo tempo em que, explicitava seu apoio e contentamento buscava influenciar outras pessoas, intenção evidenciada através da frase “Salve meu Brasil, sigamos a corrente”. Sua opinião otimista acerca dos caminhos traçados pelas ações e realizações políticas do Governo Civil-Militar, ainda contempla a celebração da existência do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que foi criado em 15 de dezembro de 1967 pela Lei n° 5.379 como uma Fundação destinada a financiar e orientar tecnicamente programas de alfabetização, – em 1970, 33,7% dos jovens com idade entre 15 e 19 anos e 43,2% dos adultos com idade entre 45 e 59 330 somados totalizavam 18 milhões de brasileiros analfabetos331. No mesmo período em Rio Grande, é registrado o montante de 116.488 habitantes 332 dos quais, 13 mil pessoas eram analfabetos – porém, somente três anos mais tarde, no ano de 1970, o Mobral se transformou em organismo executor de um programa de alfabetização de massa em razão da mobilização política do movimento estudantil de 1968 e a promulgação do AI-5, constituindo tal campanha ao lado da expansão do ensino superior, como um dos pilares da política educacional do Governo Militar.333 Sobre a utilização política do MOBRAL a pesquisadora Vanilda Paiva afirma que,

[...] Enquanto a expansão do ensino superior visava, entre outros objetivos, atender às demandas das classes médias por este nível de ensino e neutralizar o movimento estudantil, o MOBRAL foi montado como uma peça importante na estratégia de fortalecimento do regime, que buscou ampliar suas bases sociais de legitimidade junto às classes 329

Cf. GUTERMAN, Marcos. Médici e o Futebol: A utilização do esporte mais popular do Brasil pelo Governo mais brutal do Regime Militar. Projeto História, São Paulo, (29) Tomo 1, 2004, p. 272-273. 330 Cf. Mapa do Analfabetismo no País. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, p. 6. 331 Cf. Senado Federal, Comissão Parlamentar de Inquérito, Resolução n° 48/75, CPI do MOBRAL, Tomo II, Brasília, 1976, p. 23. 332 Cf. SOUZA, Paulo Ricardo Salati de. Áreas urbanas desfavorecidas do Município de Rio Grande/RS. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, 2011, p. 37. 333 PAIVA, Vanilda. História da Educação Popular no Brasil: Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Edições Loyola, 1987, p. 337.

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populares, num momento em que ela se mostrava abalada junto às classes médias. Pelo seu caráter ostensivo de campanha de massa, o MOBRAL deve ser visto como um dos “programas de impacto” (ao lado, por exemplo, da Transamazônica) do governo Médici. Organizado a partir de uma logística militar de maneira a chegar a quase todos os municípios do país, ele deveria atestar às classes populares o interesse do governo pela educação do povo, devendo contribuir não apenas para o fortalecimento eleitoral do partido governista mas também para neutralizar eventual apoio da população aos movimentos de contestação do regime, armados ou não. Neste sentido, seu lançamento se subordinou às exigências da “segurança interna” – que era consistente com a “militarização” do escalão superior do MEC observada no período, com a entrega de postos decisórios a militares [...]334

Futebol, petróleo e MOBRAL são alguns elementos elencados por este compositor, que demonstra que suas escolhas não procuravam alcançar um público alvo específico, a final, diante da diversidade de temas inerentes ao cotidiano de indivíduos que pertenciam aos mais variados segmentos socioculturais e econômicos da sociedade da época, aparentemente a intenção do letrista foi estabelecer uma interação abrangente com o maior número de ouvintes possível, postura que contribuiria também para uma boa avaliação de sua canção aos olhos dos jurados. Seguindo a tendência ufanista de otimismo e valorização da política do Governo Federal, no emaranhado de temas e elementos de sua construção textual que retrata a visão do compositor acerca do país e do seu povo, este letrista também mencionou a construção da rodovia Transamazônica para afirmar através do bordão “ninguém segura mais este país”, utilizado após a conquista da Copa do Mundo de futebol de 1970, que o Brasil caminhava a passos largos rumo ao progresso e a prosperidade socioeconômica. Infelizmente, “muito tempo passaria até que o torcedor brasileiro começasse a perceber que a seleção brasileira era uma coisa e o Brasil, outra”335.

334 335

PAIVA, Vanilda. Op. Cit., 1987, p. 337-338. MÁXIMO, João. Memórias do futebol brasileiro. Estudos Avançados. Vol. 13, n.37, 1999, p. 186.

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Acerca da justificava de construção da Transamazônica, alguns de seus principais objetivos, e a forma pela qual o regime militar a utilizava como propaganda política, o historiador Fernando Menezes menciona que:

[...] foi anunciada durante o governo Médici, no interior do Programa de Integração Nacional, em 1970. Sua construção se justifica como uma preocupação social, por representar uma alternativa às mazelas provocadas pelas secas do Nordeste, e um imperativo de segurança nacional, ao possibilitar a integração da Amazônia à soberania nacional. Economicamente incorporaria a Amazônia à economia do país, ampliando sua capacidade de crescimento. Entretanto, associada à compreensão de um “destino manifesto da nação”, como marco constitutivo do “Brasil grande”, “Brasil potência” devia prestar-se a fornecer legitimidade ao regime militar [...]336

Neste mesmo evento, novamente a temática da rodovia é abordada, através da canção “Transamazônica” – letra e música de João Felipe Vaz Andreski.

Rodando, rodando, rodando, Rotas e cursos preparando Um mundo ignorado E por todos cobiçados. A nossa Floresta Amazônica Agora a mais falada Pois ela é a mistura Deste Brasil bem acordado. Floresta Amazônica ligada Seguindo rumos pontilhados Para que a gente sinta felicidade Em ter um país realizado. Ficaremos na vanguarda 336

MENEZES, Fernando Dominience. Enunciados sobre o futuro: ditadura militar, Transamazônica e a construção do “Brasil grande”. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília – UNB, 2007, p. 53.

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Vamos pra frente mocidade E neste mundo deixaremos Marcas de fogo bem gravadas.

Na canção acima a rodovia Transamazônica é protagonizada como um espaço cobiçado por outros países e que graças à política do Governo Federal, deixava de ser ignorado, começando a desempenhar um papel determinante para colocar o país e sua população na vanguarda do desenvolvimento e progresso mundial. Porém, a política de ocupação da Amazônia, gerada a partir da Doutrina de Segurança Nacional, que pensava o espaço amazônico no contexto internacional da geopolítica, também servia ao governo militar que utilizava o espaço e a grandeza do território da Amazônia e seu baixo índice demográfico com uma finalidade prática, aliando a ocupação para a manutenção da segurança, interna e externa. 337 A gigantesca obra de abertura das estradas Transamazônicas acabou entregue as empresas privadas: Mendes Júnior, Queiroz Galvão, Empresa Industrial Técnica, Camargo Corrêa,338 que apesar de contarem com incentivos fiscais e a redução de taxas tributárias339, não ofereceram aos trabalhadores que executavam o projeto, condições básicas e dignas para exercerem suas atividades. A precariedade da alimentação que contribuía para que os trabalhadores acabassem acometidos por doenças que os retiravam dos campos de trabalho, sem que houvesse retorno de notícias a respeito do mesmo, somava-se aos atrasos de pagamentos ou não cumprimento dos termos do contrato de trabalho por parte das empreiteiras. Mesmo assim muitos trabalhadores não acionavam a justiça, devido à desinformação de seus direitos ou a dificuldade imposta pela distância e meios de transporte necessários para se chegar aos tribunais de trabalho. 340 Nem mesmo estes abusos e arbitrariedades impediram que, por exemplo, a empresa Mendes Júnior, ao longo da década de 1970 e 1980, conseguisse afirmar-se como o caso mais bem sucedido de 337

Cf. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In. FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucia de A. N. (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Vol. 4 – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 13-42. Apud. SANTANA, Arthur Bernady. A BR-163: “ocupar para não entregar”, a política da ditadura militar para a ocupação do “vazio” Amazônico. Anais do XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009, p. 4. 338 Cf. WALKER, Robert Toovey; HOMMA, Alfredo Kingo Oyama & Outros. As contradições do processo de desenvolvimento agrícola na Transamazônica. Belém: EMBRAPA Amazônia Oriental, Documentos – 93, 1997, p. 11. 339 Cf. KOHLHEPP, Gerd. Conflitos de interesse no ordenamento territorial da Amazônia brasileira. Estudos Avançados. Vol. 16, n. 45, 2002, p. 138. 340 Cf. BRAGA, Magno Michell Marçal. BR 230: Nordestinos na rota Transamazônica (1970-1974). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH: São Paulo, 2011, p. 14-15.

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transnacionalização entre as empresas brasileiras de construção pesada no cenário mundial. 341 Os impactos desta obra desenvolvimentista voltada para a segurança nacional significou muito mais do que,

[...] um projeto que lançaria o Brasil para o mundo como um país que faz obras faraônicas, guardaria a floresta dos estrangeiros, consolidaria fronteiras e abriria lugares, ela foi apesar de nunca ter sido terminada a vida de muitos brasileiros que adoeceram, morreram por sonhos que para muitos nunca se tornaram realidades, as necessidades de fazer novas histórias e de constituir relações que os permitissem sair pobreza extrema.342

Certamente que no ano de 1972, ambos compositores não poderiam prever o fracasso resultante da Transamazônica, que não contribuiu para a diminuição da pobreza existente no Nordeste do país, e ainda ceifou as vidas de muitos trabalhadores que buscavam melhores condições de vida para suas famílias. De qualquer forma, baseados somente na infalibilidade do discurso oficial do Governo, os dois letristas possivelmente influenciados pelo contexto marcado pelos investimentos realizados em âmbito nacional, bem como, em Rio Grande – provenientes da política de crescimento econômico denominada de “milagre brasileiro” – que fomentaram as atividades industriais e as operações portuárias, demonstram através do conteúdo de suas composições o otimismo e a expectativa de prosperidade socioeconômica que permeava grande parte da sociedade da época. Outro exemplo é a canção “Eu, sou brasileiro” – letra e música de Carlos Augusto de Mattos e Ricardo Mendes Rodrigues – apresentada no 1° Festival Interescolar da Canção de 1972,

Eu nasci num país de paz e amor Eu nasci no Brasil Eu sou brasileiro em Copacabana Lá eu vejo garôta bacana

341

Cf. CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A transnacionalização das empreiteiras brasileiras e o pensamento de Ruy Mauro Marini. Anais da III Conferência Internacional em História Econômica & V Encontro de Pósgraduação em História Econômica. Brasília, 2010, p. 5. 342 ALMEIDA, Silvia Simone Barbosa de; MACEDO, Cátia Oliveira & SANTOS, Marcos Maia. Formação territorial Transamazônica: ontem e hoje. Anais do III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico, I Encontro Nacional de Geografia Histórica, Rio de Janeiro, 2012, p. 16-17.

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Eu sou brasileiro no Morumbi Lá eu vejo São Paulo e Tupi. País da amizade País de muita paz País de riqueza País do futebol País de muito sol. Eu sou brasileiro do café Eu sou brasileiro como Pelé Eu sou brasileiro destas belas praias Eu sou brasileiro deste carnaval Eu sou brasileiro desta imensa floresta Eu sou brasileiro do grande Amazonas.

Composições com temáticas ufanistas, onde o Brasil e os brasileiros foram descritos elogiosamente em razão de suas características socioculturais e (ou) devido dos rumos traçados pela política do regime militar, acabaram contrastando com canções como “Barraco da Vila Junção”, – letra e música de Dejair Siqueira Claro – apresentada no IV FICC de 1976, única canção encontrada com conteúdo voltado a temática das desigualdades sociais existentes no município do Rio Grande.

Chove cachorro e gato Lá no meu barraco Da vila Junção Porque o forro É uma peneira E a cumieira É de papelão Lá a sorte Não bate na porta Nem a ligth corta A iluminação Porque a porta 157

Se resume num furo E no escuro Um vagalume é meu lampião Mas qualquer dia desses Sei que tudo vai melhorar Porque qualquer dia desses Juro nêga que vou te levar pra lá E não haverá mais confusão Lá no meu barraco da Vila Junção Pois a alegria vai nascer Para enfeitar a solidão Lá no meu barraco da Vila Junção Chove cachorro e gato Chove cachorro e gato Lá no meu barraco da Vila Junção. O tom descontraído do conteúdo deste samba343 de autoria de Dejair Claro é seguido de uma descrição referente às degradantes condições de vida de alguns moradores da Vila Junção. A precariedade e simplicidade da moradia, com buracos na porta, no teto e no forro dão a ela o aspecto de um „barraco‟, por onde passava, além da água da chuva, até mesmo cachorros e gatos. A inexistência de abastecimento de energia elétrica era outro problema enfrentado por alguns moradores da Vila Junção, bem como, de outros tantos indivíduos e famílias riograndinas que, sem contar também com abastecimento de água potável e sistema de saneamento básico, subsistiam nas áreas periféricas do Município, que aumentavam gradativamente na medida em que Rio Grande recebia novos investimentos financeiros que continuavam atraindo trabalhadores de diversas partes do país, gerando um crescimento populacional de 2,81% entre 1970-80, o qual teve parte da mão-de-obra dos trabalhadores

343

Esta canção foi uma das pouquíssimas fontes primárias completas (letra e música) encontradas ao longo da realização da pesquisa realizada para a realização deste trabalho. Apesar de ser uma gravação recente, a canção Barraco da Vila Junção compõem o álbum de onze faixas denominado „Sobrenatural‟ gravado em 2009 em Rio Grande, no estúdio do músico Renato Ávila, pelo compositor Dejair Siqueira Claro. A canção está disponível para audição no CD que se encontra nas últimas páginas deste trabalho.

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recém-chegados, ocupada em todos os setores que no montante “cresceram 30,42%, sendo 40,08% na indústria e 32,07% no comércio e nos serviços” 344. Em suma, é possível depreender que, apesar do alto índice de urbanização, a distribuição dos serviços de água, luz e saneamento básico, por exemplo, chegava com maior facilidade nos locais onde houvesse atividades comerciais, industriais ou de serviços. Na verdade, foram estas atividades as responsáveis pelo impulso no crescimento urbano do Município que alcançou o patamar de 93,83% na década de 1970. Logo, crescimento urbano em Rio Grande na década de 1970 pode ser entendido como crescimento industrial, comercial e de serviços. As famílias ou indivíduos que casualmente residiam próximos ao centro comercial de Rio Grande ou em áreas periféricas que contavam com estabelecimentos comercias ou de serviços, acabavam indiretamente beneficiados com a sua distribuição e abastecimento. Em contrapartida, outros tantos riograndinos vivenciavam o caráter excludente do Capitalismo em relação às populações pobres e marginalizadas pelo restante da sociedade e pelo sistema político vigente que priorizava a concretização do progresso econômico descomprometido com ações que promovessem uma melhor distribuição de renda e condições básicas para a melhoria da qualidade de vida de muitas pessoas. O objetivo de expandir a área industrial e portuária de Rio Grande, entre os anos de 1960 e 1970, que encontrava respaldo e defesa no discurso progressista veiculado pela imprensa escrita345, promoveu conforme as palavras do pesquisador João Teixeira a “'higienização' da presença dos pobres no Bairro Getúlio Vargas”346 e na Vila Santa Tereza, através da remoção das casas de madeira (barracos) onde residiam os trabalhadores e suas

344

Cf. MARTINS, César Augusto Ávila. Morar e habitar em áreas portuárias na cidade do Rio Grande-RS, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (30). Disponível em: . O processo de urbanização em Rio Grande, ao longo da década de 1970, alcançou um acréscimo de 93, 83% e em alguns casos, famílias que tinham suas residências fixadas em terrenos de posse localizadas próximas ao centro da cidade, como no caso de alguns moradores do Bairro Getúlio Vargas (BGV) foram removidos sem diálogo ou negociações, nas décadas de 1960 e 1970, em virtude do crescimento da estrutura portuária que necessitava de novas áreas para expansão, ainda que, 23% destes moradores desapropriados na época, trabalhassem em atividades ligadas as movimentações realizadas no Porto. 345 Cf. CIPRIANO, Diego Mendes. O Bairro Getúlio Vargas e a grande faxina dos anos 70: consequências socioambientais e Educação Ambiental na remoção de moradias durante a expansão portuária (Rio GrandeRS). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, 2012, p. 105-106. 346 Cf. TEIXEIRA, João Batista Flores. Mulheres Chefes de Famílias e Políticas Públicas: o Contraste com a Realidade no Bairro Getúlio Vargas (BGV), Rio Grande (RS). Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 4, n. 2, 2013, p. 93.

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famílias347. Essas remoções “eram realizadas com o “triângulo” (estrutura metálica semelhante a um reboque) que transportavam as moradias próximas ao Porto Novo para a zona oeste da cidade, as Vilas São João e São Miguel” 348, ambas, bem próximas da Vila Junção, local que inspirou a temática da canção do compositor Dejair Claro, anteriormente citada. “Barraco da Vila Junção” é uma canção emblemática, um contraponto, em meio a muitas canções com temáticas amorosas ou ufanistas, pois suscita a necessidade do exercício da reflexão por parte de seus ouvintes, sobretudo, acerca das contradições socioeconômicas existentes no Município. Mesmo fazendo uso da temática amorosa, a mais abordada e trabalhada pelos compositores riograndinos da época, o conteúdo textual desta canção foi um manifesto que denunciou a miséria existente na periferia de Rio Grande, uma dura realidade vivenciada por milhares de riograndinos de todas as faixas etárias. Outra canção com temática voltada ao cotidiano de Rio Grande, especificamente sobre um de seus distritos urbanos, também foi trabalhada por um compositor local. O conteúdo da canção “Exaltação ao Cassino”, – letra e música do compositor denominado apenas de Arrieche – demonstra a vontade do autor em descrever a exuberância da natureza litorânea de Rio Grande, que no verão é utilizada por turistas banhistas de todo o país.

Cassino És da noiva do mar Uma praia De beleza sem par Cassino, este povo se orgulha De ser rio-grandino Terra varonil Pois quando chega o verão Tu és o paraíso 347

Cf. GANDRA, Edgar Ávila. O Bairro Getúlio Vargas sob o prisma das imagens. Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Biblos: v. 12, 2000, p. 79. Eram recorrentes nos periódicos locais de Rio Grande as notícias sobre o perigoso Bairro Getúlio Vargas, local considerado um antro de toda espécie de gente, e que deveria ser evitado, ao que as pessoas de bem do município impunham uma imagem de local violento e sujo, e seus moradores sofriam várias restrições, sob o olhar desconfiado da classe dominante. Os depoimentos permitem reconhecer que eram comuns as humilhações pela sua condição social. Entre estas, o não fornecimento de crédito pelo comércio para compras, ou a necessidade de se tornarem pedintes para suprir sua carência de roupas. 348 SOUZA, Paulo Ricardo Salati de. Op. Cit., 2011, p. 61.

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De todo o Brasil Cassino És das praias, a mais altaneira No verão da gente brasileira Pro orgulho do povo peixeiro Cassino No inverno eu relembro cantando Aquele sol agradável queimando As morenas de corpo brejeiro. O bairrismo do compositor atribuído à Praia do Cassino 349 enquanto um dos locais que tanto orgulho proporcionava aos riograndinos, devido suas belezas naturais que, com a chegada do verão, ganhava contornos paradisíacos que eram apreciados por turistas de todas as partes do país, também possui relação com o fato de que, a praia enquanto local de práticas socioculturais, ao longo da década de 1970, foi um ponto de encontro de pessoas de todas as faixas etárias, desde jovens praticantes de esportes como, por exemplo, o surf 350, até as famílias riograndinas ou de outras localidades que, tendo a oportunidade de estacionarem seus veículos bem próximos à beira d‟água 351, usufruíam dos refrescantes banhos de mar e realizavam reuniões-almoço regadas a bebidas e o tradicional churrasco. Essa característica marítima e litorânea de Rio Grande, obviamente favorecia outras atividades que não somente aquelas voltadas ao lazer ao entretenimento e a prática de esportes. Ainda no conteúdo da canção anterior a frase “Pro orgulho do povo peixeiro” remete a uma possível identificação por parte de todos os riograndinos com as atividades pesqueiras industriais e a existência de comunidades de pescadores artesanais que trabalhavam tanto no 349

Cf. FERREIRA, Felipe Nóbrega. Ao sul do sul o mar também é pampa. Sensibilidades de verão na Villa Siqueira, Rio Grande/RS (1884-1892). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2012, p. 60-61. O Balneário Cassino, anteriormente denominado de Villa Siqueira, foi elaborado como uma estação de banho medicinal e que enquanto parte das manifestações socioculturais da modernidade e do cosmopolitismo existentes em Rio Grande, ao longo dos anos, acabou influenciando outras práticas e representações ao longo do século XIX, que reelaboraram a noção inicial deste balneário. 350 Cf. FREITAS, Gustavo da Silva; RIGO, Luiz Carlos; SILVA, Méri Rosane Santos da & SOUZA, Thiago Silva de. “Partiu pro surf”: Memórias e amizades na Praia do Cassino – RS. Revista Didática Sistêmica, v. especial, n. 1, 2012, p. 92. Inicialmente desenvolvida por um pequeno grupo de jovens riograndinos, a prática do surf na Praia do Cassino, foi uma atividade que começou a ganhar força no final da década de 1970, em alguns anos, passou a ser também uma boa alternativa para os surfistas da Região Sul do Estado. 351 Cf. CALLIARI, Lauro; OLIVEIRA, Guilherme P. de & VIEIRA, Heitor. O estudo do impacto da circulação de veículos motorizados na Praia do Cassino através de parâmetros físicos. Anais do XVIII Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, Florianópolis, 2004, p. 934.

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estuário da Lagoa dos Patos como no Oceano Atlântico, fazendo com que a Cidade acabasse tendo o maior parque pesqueiro do país, “registrando em 1970 a captura de 120.000 toneladas de pescado, atividade que gerava emprego a cerca de 17.000 trabalhadores352, ou seja, mais de 10% da população do Município. Cabe dizer que estes 17.000 trabalhadores da estrutura produtiva pesqueira, eram safristas, logo, empregos sazonais, “o que dificultava a incorporação de uma população com maior poder de consumo e uma melhor distribuição de renda para a cidade”353. A influência das diversas atividades realizadas em razão dos aspectos geográficos de Rio Grande, sobretudo, a inspiração advinda do mar foi explorada pelos compositores locais, motivando a construção de canções com temáticas que compreendem a atividade laboriosa dos pescadores, como no conteúdo da composição “Canto de quem vive no mar” – letra: Alcir Giglio; música: Cezar Espina:

Jogo O Arrastão ao mar; Jogo a incerteza: Pouco ou muito peixe Nele a de ficar. Quero, eu quero voltar Com boa nova prá contar. Vou ajoelhar-me ao chão, E uma oração vou rezar. Se vazio do mar retornar Chorar não vou. Rezar, isto sim. Vou pedir ao Senhor do Bom fim Da próxima vez, lembre um pouco de mim

A incerteza na captura do pescado para obtenção dos lucros que garantissem a subsistência dos pescadores e suas famílias e o medo de não retornar para a casa devido aos

352

SILVA, Suzana Maria Veleda da. Gênero e Trabalho: as trabalhadoras da indústria da pesca em Rio Grande (RS). Centro de Estudos de Geografia do Trabalho, Anais da XII Jornada do Trabalho - “A Dimensão Espacial da Expropriação Capitalista sobre os Mundos do Trabalho: cartografando os conflitos, as resistências e as alternativas à sociedade do capital”, Curitiba, 2011, p. 16. 353 MARTINS, Solismar Fraga. Op. Cit., 2006, p. 202.

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perigos inerentes à sua profissão, assim como na composição citada anteriormente, foram trabalhados de forma semelhante na canção a seguir, denominada de “Bom pescador” – letra e música: Luis Carlos Gomes.

É noite no mar Bom pescador vê passar Grande veleiro Bocado ligeiro Deixando o barco Pesqueiro a se balançar. Leve estas rezas pescador Na tipacoema jogue uma flor, Que é mensagem de amor, E é meu desejo ver com ensejo Nosso barco poder voltar... E na minha morada, Lá na enseada, Talvez minha amada Esteja a me esperar!

O mar e suas belezas, ou ainda, a perigosa atividade laboriosa realizada nele, inspiraram os compositores riograndinos a retratarem brevemente uma ínfima parte do cotidiano dos pescadores locais. Apesar da temática relacionada às atividades dos pescadores aparecerem em algumas composições apresentadas em quase todas as edições dos Festivais riograndinos da década de 1970, infelizmente as condições degradantes do trabalho braçal ou ainda os problemas relacionados à organização da economia familiar na qual todos, sem exceção, contribuíam de alguma forma para a sua manutenção, até mesmo, aceitando enquanto normal o trabalho infantil que privava as crianças e jovens a continuarem ou até mesmo iniciarem seus estudos354, foram deixados de lado pelos compositores da época.

354

Para a descrição acerca das atividades laboriosas dos pescadores artesanais da cidade do Rio Grande na década de 1970: COSTA, Leandro Braz da. História Oral e os pontos de recuperação da memória em Halbwachs: considerações teórico-metodológicas através do testemunho de pescadores artesanais. Anais do VI Encontro Regional Sul de História Oral: Narrativas, Fronteiras e Identidades, Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, 2011, p. 210 a 221.

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Até o momento foi possível demonstrar que os eixos temáticos das canções foram desenvolvidos através da utilização de elementos que expunham diversificadas situações referentes ao cotidiano dos indivíduos ou grupos que compunham a sociedade riograndina da época. O conteúdo textual destas canções populares, as quais expunham as concepções sociais de seus compositores em seus diferentes propósitos, ao interagirem com milhares de pessoas que compunham o público presente nos Festivais alcançavam um amplo alcance da realidade social, por este motivo no conteúdo das canções analisadas “não só encontramos o Povo como objeto de um discurso – discurso sobre o Povo e para o Povo, – e como sujeito desse discurso – do Povo – como encontramos o movimento invisível que conduz os primeiros ao resultado final, isto é, uma fala que diz ao Povo”355, a final, as canções são produções sociais de sentido e seus conteúdos textuais construções de discursos 356. Nesse sentido, acredito que o discurso contido nas canções populares analisadas até aqui, possuem um nítido objetivo de comunicar ao povo, ou seja, ao público ouvinte e expectador dos Festivais de Música, por isso se assemelham ao que Eric Hobsbawm classificou e denominou de “canções funcionais” 357, que seriam parte de uma cultura musical e social, que mantém como característica peculiar a utilização de elementos do cotidiano que envolvem os “lamentos de amor, o trabalho e as sátiras”, – intrínsecas aos propósitos das temáticas desenvolvidas por compositores que estão ligados aos diferentes segmentos da sociedade que compõem o que comumente se denomina como povo – não necessariamente devido a suas atividades musicais autorais, mas antes porque compartilham com a sociedade da época, por exemplo, o cotidiano da jornada de trabalho diária, as brincadeiras realizadas nos encontros com os amigos em rodas de conversas nos bares ou em confraternizações em seus domicílios, ou ainda, em conversas mais reservadas para pedir conselhos para superar o trauma de ter perdido um grande amor. Nunca é demais lembrar que os compositores riograndinos que participaram dos Festivais de Música que ocorreram na década de 1970, denominados e caracterizados neste trabalho como compositores periféricos, ainda que sofressem influência do que ouviam e consumiam em forma de música comercializada e veiculada pelos meios de comunicação da época, compuseram suas canções estando desvinculados dos parâmetros impostos pelos meios 355

CHAUI, Marilena. Conformismo e Resistência: Aspectos da cultura popular no Brasil. Editora Brasiliense: São Paulo, 6° Edição, 1987, p. 115. 356 Cf. NEDER, Álvaro. MPB: identidade, intertextualidade e contradição no discurso musical. Revista Brasileira de Estudos da Canção, Natal, v.1, n.1, jan-jun 2012, p. 80. 357 Cf. HOBSBAWM, Eric. História social do Jazz. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 35.

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de comunicação de massa, indústria cultural e mercado fonográfico, o que determina o papel social de suas atividades artísticas musicais autorais que não eram direcionadas ao consumo 358 e, por isso, estiveram isentas das “condições comerciais de produção” 359, utilizadas pelos grupos empresariais que dominavam o mercado do disco e impunham o rótulo de „música popular‟ aos seus produtos. A influência destes empresários e produtores musicais que detinham os meios de produção fonográficos foi tão expressiva no cenário musical do país que muitos pesquisadores da historiografia da música popular acabaram afirmando que:

A música popular, sobretudo na sua manifestação específica que é a canção registrada em fonograma, não se define unicamente pelos seus atributos

estruturais

melódico-harmônicos

pensados

como

propriedades internas definidoras de formas e gêneros. A rigor, a forma privilegiada da música popular é a canção, tal como consagrada pela indústria do disco [...]360

Por entender que a manifestação ligada à construção da música/canção popular nunca esteve subordinada à indústria do disco ou ao fonograma, muito menos dependente dos grandes eventos musicais realizados pelas emissoras de rádio e televisão que expunham a produção musical dos artistas para todas as partes do país objetivando interesses financeiros, – a tal “forma privilegiada” é antes de tudo a facilidade encontrada pelos pesquisadores na obtenção de suas fontes, pois os registros podem ser encontrados em lojas especializadas, supermercados ou até mesmo através de downloads realizados pela internet – a final, assim como Marilena Chaui, não tomo o “popular como sinônimo de nacional” 361, neste trabalho

358

Cf. MEDINA, Carlos Alberto de. Canção popular e comunicação: um ensaio sociológico. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 76-77. As canções orientadas para o mercado sofrem o controle de agentes e instituições como as gravadoras, cantores, músicos, sociedades e a seleção formal de uma censura oficial, onde a dimensão do mercado, a difusão crescente apoiada em meios técnicos e comerciais cada vez mais poderosos levam a uma transformação da função e conteúdo da canção popular, concretizando uma linha de intervenção onde o que se canta já é, em si, algo dirigido, entrando nesta ação direcional vários agentes, inclusive o próprio público. 359 Cf. JAMBEIRO, Othon. Canção de massa: as condições da produção. São Paulo: Pioneira, 1975, p. 5 a 21. Entre as etapas que direcionam as condições comerciais de produção de canções estão: 1) O recrutamento do artista, que deve ser priorizado observando a aceitação do público o que facilita na criação de ídolos da música; 2) O planejamento do disco, onde a decisão do que lançar no mercado, como, quando e o intérprete a ser utilizado, é exclusivamente da gravadora; 3) O conteúdo do sucesso, ou seja, canções com pontos de força, isto é, com apelo maior para o consumidor através de temáticas que abordem, por exemplo, os amores infelizes cheios de anseios incompreendidos e irrealizados. 360 NAPOLITANO, Marcos. História e música popular: um mapa de leituras e questões. Revista do Departamento de História da Universidade de São Paulo – USP, n° 157, 2007, p. 155. 361 CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Ed. Moderna, 1980, p. 67.

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defendo o ponto de vista de que, ao menos no que tange o conteúdo textual, ou seja, o discurso que reflete as concepções sociais dos compositores contidos nas canções pesquisadas, o popular aparece através de uma fala que vem do povo e que é direcionada ao povo, ou seja, o popular é manifestado e reproduzido através dos discursos textuais das canções provenientes do povo e destinadas ao povo, logo, do povo para o povo. Ao limitar o aspecto popular da canção ao fonograma ou a indústria do disco, ela se torna antes de tudo uma ferramenta útil de utilização dos elementos (hábitos, costumes, tradições, crenças e etc...) que compõem a cultura popular no intuito de reproduzi-los para posteriormente comercializa-los. O sentido primordial do disco é a comercialização de seu conteúdo, pois, que outro objetivo poderia ter o empresário do ramo que detém os meios de produção, bem como, quase todos os demais profissionais envolvidos no processo de gravação, produção e divulgação do produto final, senão lucrar com os investimentos efetuados na carreira dos artistas ou bandas que são selecionados? O popular na música brasileira da década de 1970 foi, antes de tudo, uma imposição da indústria fonográfica, ou seja, da iniciativa privada que manipulou, transformou e utilizou diversos elementos da cultura popular objetivando explorá-la financeiramente através de um produto musical destinado ao consumo da sociedade em larga escala, desta forma, as manifestações da cultura popular contidas nos LP‟s comercializados pelas grandes gravadoras, foram construções advindas do interesse financeiro das elites que compunham os grupos dominantes ligados ao setor do comércio musical, onde o conteúdo textual de muitas canções gravadas nos discos da década de 1970, apesar da necessidade de possuíssem diversas características provenientes da cultura popular, respeitavam a lógica comercial dos empresários que priorizavam o registro de canções com elementos culturais comuns e compartilhados pela sociedade brasileira como um todo, pois, quanto mais amplo o alcance da canção, ao menos em tese, maior o consumo e o lucro obtidos neste evidente processo de massificação da canção e da cultura popular. Acerca da cultura de massa e da cultura popular, Ecléia Bosi afirma que, [...] uma realidade cultural imposta “de cima para baixo” (dos produtores para os consumidores) e uma realidade cultural estruturada a partir de relações internas no coração da sociedade”. A este segundo

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sistema de ideias, imagens, atitudes, valores é que tradicionalmente se da o nome de cultura popular [...]362

Havia muito cuidado e preocupação com as escolhas das canções que poderiam „emplacar‟ um sucesso de vendas. A imposição cultural das gravadoras e demais profissionais que se sujeitavam a trabalhar pensando as canções enquanto produto que em breve poderiam ser colocados à venda, começava a partir da entrega do sempre abundante material sonoro e textual aos encarregados pelas escolhas, o que acabava por aumentar ainda mais a possibilidade de êxito do processo e o retorno financeiro do investimento acrescido da maior lucratividade possível, neste sentido:

[...] entre a quantidade de canções que são apresentadas cada ano junto às empresas gravadoras, cantores, músicos e sociedades de direitos autorais e as que chegam ao público, existe um processo de seleção que se opera formal ou informalmente, de acordo com as necessidades e possibilidades do mercado e os interesses dos participantes do processo [...]363

Embora alguns artistas consagrados pelo sucesso de público e seus expressivos números de discos vendidos tivessem relativa ou total autonomia na escolha das canções que comporiam seus discos, bem diferente destes residentes do circuito comercial da canção popular “socialmente engajada e proveniente dos artistas que integravam a sigla MPB”364, os compositores riograndinos não possuíam o mesmo status de ídolos da música ou até mesmo o prestigio de alguns compositores que conseguiram registrar em disco uma ou duas de suas canções até mesmo em somente um único disco compacto 365. Para a grande maioria dos 362

BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 53. MEDINA, Carlos Alberto de. Op. Cit, 1973, p. 76. 364 Cf. NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: Engajamento político e indústria cultural na MPB (19591969). São Paulo: Editora Annablume, FAPESP, 2001, p. 226. Entre “1968 e 1969 as diversas camadas de estilos formadoras da MPB estavam devidamente sedimentadas. Bossa Nova, canção engajada, samba-jazz, samba tradicional, temas e materiais folclóricos em geral (rurais e urbanos) e canções “tropicalistas”, se aglutinaram no novo sistema de criação, produção e consumo de canções que emergiu no final desta trajetória histórica. Basicamente, as variantes da MPB tinham um denominador sociológico comum: forneciam a base para as canções produzidas e consumidas pelos segmentos mais intelectualizados da classe média, ao mesmo tempo em que tangenciavam outras franjas de público mais populares. A MPB assim concebida passou a funcionar como uma verdadeira instituição, dotada de reconhecimento cultural e de lugar social bem determinado.” 365 Cf. COUGO, Francisco Alcides Jr. Canta meu povo: Uma interpretação histórica sobre a produção musical de Teixeirinha. (1959 a 1985). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, 2010, p. 47. O disco compacto ou compact 363

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compositores mencionados neste trabalho, a atividade musical não esteve em primeiro plano, ela foi um lazer prazeroso, um passatempo, e não um trabalho que deveria ser concretizado em forma de disco e posteriormente comercializado para prover seu sustento e de sua família, ou ainda, uma forma possível de enriquecer ou obter expressivo reconhecimento profissional e do público, tanto em âmbito local, regional ou nacional. Em parte muito diferente da produção dos artistas periféricos, tanto em relação ao impacto social alcançado em razão de sua circulação comercial, quanto sua inserção nos meios de comunicação, destacando o momento histórico no qual ocorriam três processos paralelos que convergiram para o encerramento do ciclo que redefinia a ideia de MPB, inaugurado em fins dos anos 50, o historiador Marcos Napolitano, destaca a presença de grupos ou indivíduos de outros países que participaram e interferiram no desenvolvimento da MPB, o término do predomínio das emissoras de televisão como o polo de divulgação mais dinâmico da música popular, a estabilização das grandes gravadoras multinacionais como as principais influenciadoras dos caminhos criativos da MPB com sua “dupla vocação (comercial e cultural)” 366 e da vida musical brasileira voltada para o mercado e o acirramento da repressão cultural e política, promovida após o AI-5, que atrasou por alguns anos a exploração de todo o potencial comercial dos novos compositores surgidos durante os festivais, na medida em que os principais criadores estavam cerceados ou exilados e a canção era alvo de vigilância constante.367 Talvez por isso, a pesquisadora Walnice Galvão em seu ensaio crítico onde realiza uma análise sociológica sobre o que ela denominou de MMPB, (Moderna Música Popular Brasileira) – entenda-se MPB – tenha afirmado, levando em conta o conteúdo de algumas composições escritas por nomes importantes da música brasileira como Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo e Gilberto Gil, que “dentre os seres imaginários que compõem a mitologia da MMPB destaca-se O DIA QUE VIRÁ, cuja função é absolver o ouvinte de qualquer responsabilidade no processo histórico” 368. Todos os fatores elencados, desde a compreensão acerca do popular na música brasileira até a lógica de produção direcionada a sua comercialização, fazem parte de um acirrado debate historiográfico, que no qual em suma, – a final, em se tratando de cultura popular cada estudioso “geralmente acaba fazendo suas escolhas e desenvolvendo o raciocínio disc são discos de 45 rpm e de diâmetro menor que os discos de 78 rpm e podem ser simples (uma canção por face) ou duplos (duas canções por face). 366 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 98. 367 Idem ao NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., 2001, p. 227. 368 GALVÃO, Walnice Nogueira. Saco de gatos: ensaios críticos. 2ª Ed., São Paulo: Duas Cidades, 1976, p. 95.

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a partir do ponto vista implicado em suas escolhas” 369 – de um lado estão os defensores da “linha evolutiva da Bossa Nova” 370, que consiste nas reflexões acerca dos aspectos tradicionais e modernos da música brasileira e a necessidade da utilização de uma linguagem universal em sua construção, fatores que foram determinantes para a existência da MPB entendida como a expressão mais original da música urbana e popular do país, ao passo que, com uma visão mais radical e tradicional, uma outra vertente composta por pesquisadores afinados com o sociólogo José Ramos Tinhorão, entendem como música popular as produções “puras, legítimas, originais e são contrários a linguagem universal” 371. Nessa disputa por hegemonia das proposições teóricas e metodologias que orientam os pesquisadores da nossa música, embate este que contribuiu e continua avançando no sentido de mapear e compreender os caminhos percorridos pelos agentes históricos responsáveis pela produção musical popular no país há ainda outra vertente que reivindica por reconhecimento, também desenvolvendo a discussão: tradição versus modernidade, por meio da problemática que envolve questões relativas à memória e o esquecimento proveniente da inclinação dos intelectuais de variadas áreas do conhecimento ou quaisquer outros produtores de conteúdo que tenha como tema a música popular produzida durante os anos em que o país viveu seu mais recente período ditatorial, incluindo até mesmo os críticos da música, que atribuem importância somente à produção musical e aos compositores que tinham ligação com o que era considerado MPB, que no entendimento desta abordagem historiográfica era uma música destinada ao público universitário e de classe média ou aos intelectuais, gerando, portanto, o descarte e relegando ao esquecimento alguns compositores considerados importantes como Teixeirinha, Waldik Soriano, Nelson Ned, Paulo Sérgio e Tonico e Tinoco, que tinham suas produções destinadas à parcela do público que compunha a sociedade brasileira, onde eram encontrados os analfabetos, trabalhadores do campo ou das indústrias que são conhecidos e chamados de „peão‟, ou seja, a todos aqueles que compunham o grupo dos menos favorecidos e com baixa renda, o que acabou contribuindo para que esta produção musical acabasse denominada de “brega” ou “cafona”372. Embora cada abordagem historiográfica tenha um posicionamento teórico e metodológico definido o que implicam em análises que oferecem resultados em virtude de direcionamentos de pesquisa em muitos pontos antagônicos, todas elas possuem um aspecto 369

Cf. BOSI, Ecléa. Op. Cit., p. 53. CAMPOS, Augusto de (Org.) O balanço da Bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1974. 371 TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: Um tema em debate. Rio de Janeiro: Saga, 1966, p. 38. 372 Cf. ARAÚJO, Paulo César. Eu não sou cachorro, não. São Paulo: Record, 2005. 370

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comum, qual seja, partem da interpretação do conteúdo sonoro ou textual que no passado foi comercializado estando veiculado ao mercado fonográfico e aos meios de comunicação de massa e a indústria cultural, com ressalvas apenas as abordagens orientadas pela perspectiva sociológica de José Ramos Tinhorão. Neste trabalho, não pretendo discorrer pelo debate historiográfico pautado pela “linha evolutiva” ou ainda seguindo e tentando dar um passo à frente através das trilhas deixadas pelos pesquisadores que se dedicam ao embate entre a tradição e a modernidade na música popular, muito menos procurando encontrar aspectos que atribuíam originalidade a produção dos compositores riograndinos. O objetivo principal é expor as concepções sociais destes compositores através do discurso contido no conteúdo textual de suas canções, tentando apreender os diferentes aspectos que caracterizam a pluralizada cultura popular, entendida enquanto manifestação proveniente do povo e direcionada ao povo, entendida desta forma, pelo fato de não possuir a interferência direta dos grupos empresariais que detinham os meios de produção fonográfica e influenciaram de diversas formas a produção musical, desde a gênese da indústria fonográfica, até sua consolidação na década de 1970. O aspecto em comum das abordagens historiográficas relacionado ao desenvolvimento de pesquisas pautadas pela utilização da produção musical registrada em fonogramas e direcionada a comercialização e consumo em larga escala, colocadas em conformidade com a tipologia de conceituação acerca da compreensão dos atributos que compõem e caracterizam as manifestações da cultura popular através da interpretação das concepções sociais presente na construção do discurso existente no conteúdo das canções que são utilizadas como fontes desta pesquisa, não encontram subsídios que se enquadrem neste trabalho, devido ao fato de receberem no mínimo o gerenciamento e orientação dos donos das gravadoras ou demais profissionais subordinados a eles, que utilizavam métodos que acabavam restringindo ou até mesmo cercando determinados artistas (músicos, intérpretes e compositores) desde o processo criativo até o resultado final da obra musical, influência externa realizada na grande maioria das canções registrada em fonogramas, o que representa uma considerável interferência sobre o que estava sendo oferecido na forma de cultura popular ao público brasileiro atribuindo a

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estas canções, aspectos que necessariamente buscavam por um “mercado consumidor efetivamente massificado” 373 ou uma massificação cultural. Independente do gênero ou das denominações pejorativas advindas das boas ou más intenções dos estudiosos da música popular brasileira, neste trabalho não menosprezo ou minimizo a origem de quaisquer formas de produção musical, muito menos seus artistas. Durante as décadas de 1960 e 1970 a MPB, por exemplo, ocupou um lugar de suma importância na vida política e cultural do país, mesmo assim, é no mínimo mesquinho pensar que a produção musical no Brasil esteve restrita ao seu cenário profissional de produção, difusão e comercialização dos artistas e canções proveniente desta sigla, ou ainda, reconhecela enquanto história oficial da música popular do nosso país. O fato é majoritariamente as vertentes da historiografia da música popular brasileira 374 vêm seguindo a mentalidade de grande parte da sociedade que reconhece enquanto artistas, geralmente aqueles músicos, intérpretes e compositores idolatrados pelo público, sobretudo a parcela que conseguiu alcançar boa condição financeira em virtude do trabalho com música, deixando de lado a pesquisa e compreensão da obra de artistas como o compositor riograndino Dejair Siqueira Claro, que no auge de sua produção autoral não gravou discos e viveu basicamente da atividade copista desempenhada nas bandas de baile durante décadas, mas que sempre procurou alcançar fama, reconhecimento profissional e receber prestígio por sua produção musical. Este mesmo artista relata um fato ocorrido na década de 1970 quando começava a flertar com uma jovem: “... o músico era vagabundo! Uma vez eu fui corrido de cinta da casa de uma namorada... O que? Tu é músico? O pai dela tirou a cinta e saiu correndo atrás de mim até a esquina.” 375 Em Rio Grande – e possivelmente em outras cidades e Estados do Brasil – o reconhecimento do status social de artista foi muito mais uma conveniência, em razão da possibilidade de utilização de seus serviços, vez por outra, por exemplo, em ocasiões que 373

VICENTE, Eduardo. Organização, crescimento e crise: a indústria fonográfica brasileira nas décadas de 60 e 70. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, Vol. VIII, n. 3, 2006, p. 119. 374 Para aprofundar a pesquisa através de um histórico sobre as diferentes abordagens que constituem a historiografia da música popular brasileira e o modo como os principais autores desenvolveram suas pesquisas, manejando suas fontes musicais e textuais, bem como, problematizando-as através de suas posturas por vezes antagônicas e em outros momentos mútuas acerca dos resultados extraídos de suas pesquisas, recomendo como leitura fundamental e indispensável, um dos melhores trabalhos baseados na bibliografia dos principais autores da área: BAIA, Silvano Fernandez. A historiografia da música popular no Brasil (1971 – 1999). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, 2010. 375 Entrevista cedida em 03/11/2011.

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necessitassem da utilização de música ao vivo, ou em alguns casos, até mesmo simbólicos, a final, o palco onde aconteceram as apresentações musicais foi uma vitrine que expôs à sociedade riograndina seus artistas e valores musicais, neste sentido, conhecer os talentos da terra e poder cumprimentá-los ao cruzar com alguns deles pelas ruas da cidade, para posteriormente comentar o fato ocorrido com outras pessoas acrescentava prestígio ao perfil deste indivíduo, primeiro porque ele possuía um artista em seu círculo de amizades e, posteriormente, porque ao reconhecer os artistas o indivíduo mostrava as demais pessoas com as quais se relacionava que era um frequentador dos eventos culturais e consumidor das manifestações artísticas que ocorriam no Município. De qualquer forma, fatos como o mencionado anteriormente, reforçam a ideia de pertencimento destes compositores aos diversos segmentos da sociedade da época. É obvio que caso o pai da moça, ao chegar à sua casa, encontrasse a filha flertando com um rapaz, e ao questioná-lo acabasse sabendo que ele era um artista consagrado, financeiramente bem sucedido e idolatrado pelo público, sua reação seria totalmente diferente. Além disso, como já foi mencionado no capítulo anterior, o grupo de artistas (músicos, intérpretes e compositores) que tornaram viável a realização dos Festivais de Música ao longo da década de 1970 em Rio Grande, na época eram estudantes secundaristas e universitários, professores, comerciários, lojistas, engenheiros, médicos, advogados, operários, entre outros tantos profissionais de outras áreas que não propriamente profissionais da música. Em razão desta diversidade,

[...] a pluralidade cultural permite assinalar a singularidade histórica e social de uma cultura; permite também que não ocultemos a dificuldade contida no termo “povo”, pois lato sensu costuma-se considerar como povo não só o operariado, o campesinato e os assalariados dos serviços, como ainda camadas que constituem a pequena burguesia, não sendo possível, portanto, agrupar em um todo homogêneo as manifestações culturais desses vários setores da sociedade; permite, enfim, que não caiamos no embuste dos dominantes, para os quais interessa justamente que a multiplicidade cultural seja encarada como multiplicidade empírica de experiências unificáveis e homogêneas, ou, para usar o jargão em voga, como multiplicidade destinada a “integração nacional”. Se mantivermos presente e viva a pluralidade, poderemos talvez marcar a diferença 172

entre a manifestação operária, a camponesa e a pequeno-burguesa; poderemos também permanecer abertos para uma criação que é sempre múltipla [...]376

Desta feita, ao longo deste item que busca interpretar o conteúdo das canções dos compositores riograndinos com o objetivo de apreender suas concepções sociais, foi possível constatar que, ao utilizarem os Festivais de Música como espaço para interagirem com a sociedade riograndina através do conteúdo de suas composições, as manifestações da cultura popular presentes nas canções analisadas até aqui, aparecem através da construção de discursos produzidos por indivíduos que expuseram suas opiniões acerca dos inúmeros temas que fizeram parte da história e dos cotidianos por eles vivenciados e que também em virtude do contexto do Município, da Região e do país, acabaram transitando entre opiniões que conformavam ou resistiam frente aos aspectos socioculturais, políticos e econômicos da época. Assim sendo, norteando este item através das características inerentes a sociedade riograndina da época, e, na medida do possível, destacando algumas práticas comuns também ao contexto da sociedade brasileira, as manifestações da pluralizada cultura popular, apreendidas ao longo da análise do conteúdo textual discursivo das canções que refletem as concepções sociais dos compositores riograndinos, são entendidas enquanto produções provenientes do povo e direcionadas para o povo, enquanto formas de conformismo e (ou) resistência acerca da opinião exposta nos muitos temas por eles abordados, pois:

[...] seres e objetos culturais nunca são dados são postos por práticas sociais e históricas determinadas, por formas de sociabilidade, da relação intersubjetiva, grupal, de classe, da relação com o visível e o invisível, com o tempo e o espaço, com o possível e o impossível, com o necessário e o contingente [...]377

Com práticas sociais e históricas em grande medida determinadas pelos ciclos do capitalismo moderno, que desde o final do século XIX tornaram ainda mais complexas as 376

CHAUI, Marilena. Cultura do povo e autoritarismo das elites. In: VALLE, Edênio & QUEIRÓZ, José J. A cultura do povo. 4ª Ed., São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais, 1988, p. 122-123. 377 CHAUI, Marilena. Conformismo e Resistência: Aspectos da cultura popular no Brasil. Editora Brasiliense: São Paulo, 6° Edição, 1987, p. 122.

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muitas formas de sociabilidades dos indivíduos e grupos que mantinham interesses comuns ou divergentes, sobretudo devido às particularidades que distinguiam seus padrões de vida, ao recobrar o contexto sociocultural, econômico e político do Município de Rio Grande ao longo da década de 1970, observando as transformações provenientes das mudanças realizadas em sua infraestrutura industrial e portuária 378 que atraíram investimentos que novamente contribuíam para a caracterização de Rio Grande como uma cidade progressista, urbana e industrializada, inevitavelmente as concepções sociais expostas no conteúdo das canções dos compositores locais refletiram a sociedade em suas diversas nuances, como por exemplo, acerca da temática da religiosidade que aparecia com frequência entre as canções classificadas para as etapas finais dos Festivais, como a composição “Apocalipse” – letra e música: Alex Simão Hernandez – que parece ter sido extraída literalmente de uma passagem do livro sagrado da doutrina cristã.

Ah!... no silêncio do vazio, Fêz-se a obra e ninguém viu; E o mundo Deus criou, E da terra homem brotou Ah!... passa o tempo e o vazio, E a terra adquiriu; Crueldade e incompreensão, Muito ódio entre irmãos. Mas o tempo vai mudar. E a terra, e o homem, Deus vai modificar... O céu silenciará, a terra se abrirá; As águas secarão, o sol se apagará; E os anjos descerão, e trombetas tocarão; E o tempo se dará. A primeira trombeta tocará, e a terça parte da terra queimará; A segunda trombeta tocará, e a terça parte do mar sangrará; A terceira trombeta tocará, e a ardente estrela nas fontes cairá; 378

Cf. ALVES, Francisco das Neves. Op. Cit., 2008. O autor defende a ideia de que, historicamente desde que foi colocado em operação, atraindo outras tantas atividades industriais, comerciais e até mesmo de entretenimento, o Porto de Rio Grande, possuiu papel preponderante sobre as diferentes formas de sociabilidade existentes no Município, influenciando diretamente em todos os aspectos das sociabilidades praticadas historicamente pelos riograndinos, ao ponto de forjar o que ele denominou de “cultura portuária”.

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A quarta trombeta tocará, a terça parte dos astros escurecerá; A quinta trombeta tocará, e na terra um abismo se abrirá; A sexta trombeta tocará, e a terça parte dos homens perecerá; A sétima trombeta tocará, e Deus reinará. Surgirá novo céu nova terra, Pois passará, primeiro céu, primeiro terra. Também o mar, passou: não mais existirá Ah!... todo aquele que sentir, Que o tempo está por vir; Há de crer na imensidão, De uma simples oração. Pois aquêle que orar, Verá a vida mais bela, e Deus o vai glorificar... O mundo foi quem quis, parecer tão infeliz; Os homens de ambição, dominaram a razão; Então Deus enviou, muitos anjos lá do céu; E a terra flagelou. O primeiro flagelo caiu, e todo homem da terra adoeceu; O segundo flagelo caiu, e todo o vivente do mar morreu; O terceiro flagelo caiu, e todo o rio e toda fonte sangrou; O quarto flagelo caiu, e todo homem com fogo queimou; O quinto flagelo caiu, e toda a terra escureceu; O sexto flagelo caiu, e toda água secou; O sétimo flagelo caiu, e a terra se abriu. Aconteceu o juízo, e sobreviverá, Novo céu, nova terra, e habitará, Entre os seus; Deus. Apocalipse...

Aspectos tradicionais ligados às manifestações de religiosidade da sociedade brasileira foram abordados pelos compositores riograndinos como forma de manifestarem suas crenças. O conteúdo da canção “Santa Ceia” – letra: Flávio e Paulo da Silva Guimarães; música: Jorge Porto – citada logo a baixo, assim como a canção “Apocalipse”, na forma como foram 175

construídas, – ambas muito semelhantes às orações realizadas por católicos do mundo inteiro e identificadas com as canções do cantor Padre Zezinho, que desde 1967 foi o principal interlocutor da música cristã católica gravada e comercializada pela Comunicação Musical Editora Paulinas (Paulinas – COMEP) – apresentam o conformismo de seus autores frente ao contexto da época. Os trechos “Pois aquêle que orar,” / “Verá a vida mais bela, e Deus o vai glorificar” que expõem aos ouvintes a percepção de seus compositores no sentido de que a oração seria a solução para melhorar ou resolver quaisquer problemas relacionados às suas vidas, e ainda as frases “Bem aventurados os que têm fome” / “Os que tem sede”, que em outras palavras significavam, feliz daquelas pessoas que tem fome e sede mas que estão totalmente subordinados as leis do Deus católico, demonstram que estes compositores não contribuíram para manifestar em seus ouvintes o desejo de transformação ou a reflexão crítica acerca dos problemas sociais existentes no país.

Nós sentaremos à mesa Com pão, vinho e cerveja Ocultos, não mais seremos Nem serenos Nem pequenos E nunca seremos traídos Traídos por trinta dinheiros E não seremos os últimos Seremos os primeiros E Êle que tanto inspira Seja bem aventurado Aleluia... Aleluia... Amém Bem aventurados, os que têm fome Os que têm sede... Bem aventurados os que paz irradiam Pois deles é o reino dos céus Em pleno século XX Renasce nos jovens... Os ideais de Jesus Cristo... Aleluia... senhor... Amém... 176

Além dos compositores católicos, artistas praticantes de religiões afro-brasileiras como o Candomblé e a Umbanda, também conquistaram a simpatia dos jurados e acabaram contemplados com a possibilidade de interagirem com o público ao classificarem suas canções para as etapas finais dos Festivais de Música. Na canção “Janaína” – Letra e música: Antônio Roberto Santos – o compositor reverenciou como o próprio título da canção sugere uma das divindades africanas mais admiradas por parte da sociedade riograndina.

Ela vêm do mar Ela vêm do mar É da linha azul É da linha azul Iemanjá – Iemanjá Iemanjá – Rainha do Mar Os oprimidos vão pedir Oruê – uê – Oruê – uê A sua guia e proteção Oruê – uê – Oruê – uá Iemanjá – Iemanjá Iemanjá – Estrêla do Mar Os navegantes vão a ver Oruê – uê – Oruê – uê E jamais irão voltar Oruê – uê – Oruê – uá Iemanjá – Iemanjá Iemanjá – Sereia do Mar Ela é do mar Ela é do mar É da linha azul É da linha azul Canções como “Janaína” ou “Menina” – letra: Alexandre Rembrowski; música: Levi Rembrowski – Veja o mar quebrando / Na praia / Quebrando na praia / De Iemanjá”, ambas 177

classificadas para as etapas finais dos Festivais de Música, apontam para influência que o mar e as atividades nele realizadas possuíam com a sociedade riograndina, até mesmo, em relação as suas práticas religiosas, como é o caso das festas realizadas em homenagem a Iemanjá, que além de divindade protetora dos pescadores, possuía também grande simpatia da população em geral 379. Atenta ao alcance que a cada nova edição atraia umbandistas de diversas cidades do Estado e do país, bem como, levando em conta que na década de 1970 existiam em Rio Grande cerca de 2.100 terreiros380, a Prefeitura Municipal do Rio Grande:

[...] reconheceu a festividade em homenagem a Iemanjá, por perceber nela também um incremento turístico considerável. Com efeito, o policiamento na praia do Cassino foi reforçado e a frota de ônibus foi aumentada. O Departamento Estadual de Estrada de Rodagem (DAER), preocupado com o grande volume do trânsito em decorrência da festividade, recapeou o asfalto da estrada que então se encontrava danificado. Tanto o ambiente físico como o social sofria sensíveis transformações em vista da festa de Iemanjá. Evidentemente, essa preocupação do poder público para com uma ambientação condizente com a festividade, foi reforçada pelo inegável aumento da movimentação local ocasionada pelas excursões procedentes de vários municípios, como Pelotas, Cruz Alta, Bagé, Pedro Osório, Santa Maria e Porto Alegre. É interessante lembrar que a Prefeitura de Rio Grande, estimulada pelo incremento inaudito de movimentação dos acólitos umbandistas, passou a participar, juntamente com a Liga Espírita de Umbanda, na organização do evento, apoiando tanto na logística quanto, até mesmo, na construção do palanque. 381

Observando e motivado pela euforia dos devotos durante a Festa no ano de 1971, o escultor riograndino Érico Gobbi acabou depois de dois anos de trabalho, construindo uma

379

Cf. ORO, Ari. Religiões Afro-Brasileiras do Rio Grande do Sul: Passado e Presente. Revista Estudos AfroAsiáticos, Ano 24, n° 2, 2002, p. 356. A primeira casa de Umbanda do Rio Grande do Sul foi fundada em Rio Grande no ano de 1926 pelo ferroviário Otacílio Charão e chamava-se “Reino de São Jorge”. 380 Cf. CAMARGO, Tânia Garcia & CALLONI, Humberto. O sagrado e o profano presentes da Festa de Iemanjá: Uma leitura possível de educabilidade ambiental. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, v. 28, 2012, p. 350. 381 CAMARGO, Tânia Garcia & CALLONI, Humberto. Op. Cit., 2012, p. 350.

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estátua da divindade medindo 2,10 metros e pesando duas toneladas 382. Assim como uma das mais importantes personagens da história recente da cidade do Rio Grande e do Brasil, Golbery do Couto e Silva, que “não dispensava consultas a pais-de-santo”383, seus conterrâneos acabaram legitimando e confessando sua fé 384, anteriormente estigmatizada por grande parte da sociedade. Neste contexto de atividades socioculturais de grande participação de público, desenvolvidas in loco que estiveram atreladas aos festejos religiosos – como apontado no item 2. 2 – os conteúdos das canções também acabavam refletindo as concepções sociais dos compositores riograndinos relacionadas às suas crenças, fazendo com que parte dos expectadores rapidamente se identificasse com o seu conteúdo, devido à existência de uma fala semelhante àquelas que são utilizadas em cultos, missas ou quaisquer outras cerimônias religiosas que faziam parte do cotidiano dos compositores e expectadores que frequentavam os locais onde elas se realizavam, ou até mesmo aqueles outros que pouco se faziam presentes nas igrejas, mas mesmo assim se consideravam católicos, pois como é de costume no Brasil, acabaram batizados logo após o nascimento. As informações coletadas pelos recenseadores do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1970 contabilizaram o total de 85.472.022 de católicos distribuídos entre 37.510 locais de missas ministradas por 8.065 sacerdotes385 em matrizes, basílicas, santuários, capelas e outros, abarcando um percentual da população brasileira que chegava a 91,8%386. Em relação ao montante de evangélicos declarados que somados alcançavam 4.814.728 de brasileiros, número pouco expressivo se comparado aos católicos, que também superavam com larga vantagem o total dos indivíduos que se declaravam espíritas e totalizavam 1.178.293387, destes, segundo as pesquisas e estatísticas descritas pelo IBGE, um total de 195.112 indivíduos eram umbandistas388.

382

Ver imagem 1 e 2 no anexo de n° 42. Ver ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. O Satânico Dr. Go: Golbery e um projeto de desenvolvimento e dependência para o Brasil. Revista Espaço Acadêmico, n° 70, Ano VI, 2007. 384 Idem ao (CAMARGO, Tânia Garcia & CALLONI, Humberto. Op. Cit., 2012, p. 350.) 385 Cf. Estatísticas do Século XX, IBGE. Disponível em: http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociaispoliticas-e-culturais/busca-por-palavra-chave/associativismo 386 Cf. Censo Demográfico, População residente, por situação do domicílio e sexo, segundo os grupos de religião – Brasil – 2010. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf 387 Cf. Censo Demográfico, Recenseamentos Gerais, IBGE, 1970. Disponível em: http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/populacao/1973/populacao_m_1973aeb_046.xl 388 Idem ao Cf. Censo Demográfico, Recenseamentos Gerais, IBGE, 1970. Disponível em: http://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/populacao/1973/populacao_m_1973aeb_046.xl 383

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As religiões afro-brasileiras como a umbanda foram muito praticadas ao longo da década de 1970 no Rio Grande do Sul e também na cidade do Rio Grande, obviamente advinda com o tráfico de milhares de negros que vinham para o Brasil desde meados do século XVI para servirem de escravos aos latifundiários e demais grupos que compunham as elites da época. Em 1970 os umbandistas representavam um total de 21.685 da população do Estado, em 1971 cresceram para 23.112 praticantes, depois oscilou entre 1972 e 1973, respectivamente com uma queda para 21.370 e um acréscimo de 23.396 389, fazendo com que os gaúchos se mantivessem sempre entre os quatro maiores Estados do país em número de umbandistas, às vezes a frente de Estados como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e até mesmo São Paulo390. Entrementes, referente aos processos históricos percorridos pela sociedade brasileira, onde conviveram católicos, evangélicos, umbandistas e indivíduos de todas as demais vertentes religiosas, da fé que movimentam a história do nosso país, muito possivelmente, este convívio secular contribui para a existência de sincretismos culturais, ademais, cabe mencionar que muitos estudiosos afirmam que o “sincretismo não ocorre apenas na religião391, mas também em outros aspectos da cultura”392. Em Rio Grande o sincretismo religioso é evidenciado pela Festa de Iemanjá e a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. Santa para os católicos e uma divindade para os umbandistas, esta combinação de elementos tradicionais que foram construídos ao longo do tempo, provenientes do século XVIII, pelas relações socioculturais de umbandistas e católicos, expõem também formas de conformismo e resistência que geram embates políticos que na maioria das vezes refletem a busca de ambos os lados em sobrepor sua fé e religião as demais como formas de imposições de hábitos e costumes orientados pelos dogmas de cada uma destas religiões, certamente buscando obter posições hegemônicas na totalidade do contexto social do qual fazem parte, ora orientados pelos indivíduos que ocupam determinadas posições de hierarquia na religião praticada, por vezes de maneira voluntaria 389

Cf. http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-palavrachave/associativismo 390 Idem ao n° 415. 391 Apud BOFF, Leonardo. Igreja, carisma e poder. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 150-151. In: FERRETTI, Sérgio F. Notas sobre o sincretismo religioso no Brasil – modelos, limitações, possibilidades. Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica. Tempo, Universidade Federal Fluminense, vol. 6, núm. 11, 2001, p. 13. 392 FERRETTI, Sérgio F. Notas sobre o sincretismo religioso no Brasil – modelos, limitações, possibilidades. Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica. Tempo, Universidade Federal Fluminense, vol. 6, núm. 11, 2001, p. 13.

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com o objetivo de ajudar determinada pessoa que parece estar precisando de ajuda e orientação espiritual ou muitas vezes até mesmo involuntariamente devido a influência do núcleo familiar ou demais familiares e amigos próximos. Portanto, assim como nos anos 70 e até os dias de hoje, há uma santa que surge no século XV junto à conjuntura de transição da Idade Média para a Moderna, no processo de desenvolvimento comercial impulsionado pelo que ficou conhecido como as Grandes Navegações promovidas pelos países europeus, o qual a Igreja Católica participou a fim de expandir o alcance do cristianismo, seus domínios territoriais e o aumento de suas posses, e uma divindade que provem do mais puro sincretismo religioso do amalgama cultural do povo brasileiro. Ambas protegem os navegantes ou quaisquer indivíduos que estejam realizando atividades marítimas, bem como, seus demais devotos que apesar de não terem ligação direta com as águas, pedem a cada uma delas que continuem protegendo seus entes queridos que atuem em atividades nas águas. Sobre a divindade Iemanjá, o pesquisador Reginaldo Prandi realiza uma caracterização que a descreve como:

Deusa dos grandes rios, dos mares, dos oceanos. Cultuada no Brasil como mãe de muitos orixás. Sincretizada com Nossa Senhora da Conceição. Frequentemente representada por uma sereia, sua estátua pode ser vista em quase todas as cidades ao longo da costa brasileira. Ela é a grande mãe, dos orixás e do Brasil, a quem protege como padroeira,

sendo

igualmente

Nossa

Senhora

da

Conceição

Aparecida. 393

A festa a Nossa Senhora dos Navegantes e a Iemanjá é tão expressiva para os católicos e umbandistas que no decorrer de cada uma de suas edições anuais, a procissão segue seu séquito através da tradicional caminhada, bem como, um cortejo marítimo, realizado pelos trabalhadores das atividades pesqueiras artesanais que residem nos distritos que compõem os municípios de São José do Norte e Rio Grande, no qual a santa é levada em uma embarcação e é seguido por vários outros barqueiros todos com suas embarcações devidamente ornamentadas com as cores da divindade ou da santa. O geógrafo Rodrigo Lampert realizou seu trabalho de conclusão de curso, no qual, além de procurar apreender as transformações 393

PRANDI, Reginaldo. Deuses africanos no Brasil contemporâneo (Introdução Sociológica ao Candomblé de Hoje). Porto Alegre: Rev. Horizontes antropológicos, 1995, p. 15.

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geradas no espaço urbano do bairro que recebeu o nome da santa em virtude da procissão de Nossa Senhora dos Navegantes que acontece em Porto Alegre, chegando à conclusão de que, devido às muitas formas de utilização e proveito que determinados grupos ou indivíduos residentes no bairro fazem deste evento de manifestação de fé, a festa tem dois momentos bem definidos um de caráter profano que se destaca, antes, durante e depois, em detrimento ao ritual sagrado que envolve a missa e a procissão, devido às atividades comerciais e de entretenimento destinadas aos romeiros e entendidas pelo pesquisador como espaços profanos presentes nos locais do sagrado394. Formas de resistência, mesmo que subjetivas e veladas expostas no conteúdo de poucas canções da época, certamente excitavam os ouvintes ao exercício da reflexão crítica acerca dos acontecimentos que fizeram parte do seu cotidiano, pois: “... percebemos claramente que a música é um importante elemento catalizador da vida sócio-econômica, que reflete nitidamente os valores e os padrões de comportamento no interior de um determinado universo”395, como na canção “Jornal de domingo” – letra e música: Francisco Garcia.

Jornal de domingo Atualidades semanais Jornal de domingo As notícias atuais Jornal de fama O melhor Dos nacionais As noticias da semana Mente tudo não faz mal Tem garantia Um bom advogado Jornal de domingo O ridículo atual Atual do passado 394

Cf. LAMPERT, Rodrigo Alves. Mais profana do que Sagrada: A Festa (popular) de Nossa Senhora dos Navegantes e suas relações com o Bairro Navegantes em Porto Alegre – RS. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, 2010, p. 40. 395 SOLA, José Antônio. Bossa Nova: o movimento que ampliou os limites da MPB. São Paulo: J. A. Sola, 2000, p. 15.

182

Jornal mal humorado Que ainda tá longe De estar encaminhado Pro lado certo.

Retomando o contexto sociocultural, econômico e político do Município, no qual um único jornal de grande circulação (Jornal Rio Grande) praticamente detinha o monopólio da informação sobre os acontecimentos locais, – somente em 1977 a RBS TV Rio Grande entrou em atividade inicialmente com o nome de TV Tuiutí396 – o conteúdo da canção “Jornal de domingo”, ao criticar de forma pejorativa a forma como atuava a imprensa, além de indiretamente questionar a atuação do principal veículo de informação existente na Cidade, propunha uma reflexão crítica, por parte dos ouvintes, acerca da manipulação, distorção e ocultação dos fatos por parte da imprensa brasileira e local. Casos como o mencionado no primeiro capítulo deste trabalho (item 1. 1) envolvendo o médico e vereador Washington Ballester do MDB, – denunciado por fraudes contra a Prefeitura Municipal e o INPS – que pode prematuramente ser visto como um acontecimento isolado, um fato comum, corriqueiro, sem nenhuma relevância ou apenas mais um exemplo de corrupção no meio político, sobretudo se observado unicamente pelas páginas do Jornal Rio Grande, graças a pesquisa realizada em toda a documentação produzida pelos agentes da SOPS/RG na década de 1970, na qual foi possível não somente confirmar a denúncia feita pelo Jornal Rio Grande, bem como, ampliar o alcance dos fatos e entender melhor a amplitude do esquema do qual os trabalhadores portuários também fizeram parte, pode ser considerado como um principais escândalos políticos do período na cidade do Rio Grande, até mesmo, devido ao cuidado e protecionismo com que o periódico divulgava notícias relacionadas ao poder político. Ao ser executada no FURGÃO de 1970, “Jornal de domingo” denunciava as distorções do conteúdo veiculado pela imprensa da época, propondo aos ouvintes uma reflexão crítica sobre o papel dos meios de comunicação e informação, excitando os expectadores a formarem suas opiniões embasadas no questionamento daquilo que ouviram ou leram em forma de notícia. Neste caso especifico, em se tratando de Rio Grande, naturalmente o conteúdo da canção sugere também um questionamento da ordem vigente, 396

Cf. SCHIRMER, Lauro. Da voz-do-poste à multimídia. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 64.

183

confrontando o senso comum conformista muito praticado na época, ou seja, de que no “governo dos militares” não havia corrupção, visão que grande parte da população riograndina compartilhava – contribuindo para forjar o que denominei no primeiro capítulo de sensação de amparo – em razão da postura editorial do principal periódico da época em endossar e defender veementemente quaisquer atividades desenvolvidas pelos políticos ou demais grupos ligados a Ditadura Civil-Militar brasileira. Outro modo de utilização da subjetividade no conteúdo escrito da canção, que aparece enquanto forma de resistência, pode ser vista na composição vencedora do 2° Festival do Lemos Jr., denominada de “Apelos” – Letra e música de Farydo Salomão Jr. – na qual seu compositor fez uso, assim como outros compositores da época, da temática do trabalho no mar, precisamente da atividade pesqueira, para abordar um assunto extremamente delicado para a época e que poderia, inclusive, lhe trazer muitos problemas.

Manhã branca, maré mansa, Brisa calma à Beira-mar. Jangadeiro se despede Da Maria, e vai pescar. O jangadeiro pega a rede, A jangada e vai pro mar, Tem no peito uma esperança: À tardinha retornar. Aconteceu que o bom tempo Foi ingrato em alto-mar. Transformou-se em vento forte, Querendo a jangada virar. E ao bom homem do mar, Janaína foi buscar. E o levou para outras terras As boas terras de Aiocá. Jangou, Jangou, Jangadeiro foi pro mar. Lançar a sua rede, Nas águas de Iemanjá. 184

E agora seus apelos são: Ah! Se eu pudesse voltar

Farydo Salomão Jr., que era filho do ex-prefeito de Rio Grande cassado logo após o Golpe de 1964, muito provavelmente tenha construído a canção “Apelos” com o objetivo de manifestar sua concepção política de formação e prática democrática. Utilizando o trocadilho “Jangou, Jangou”, em letras maiúsculas, o compositor deixa transparecer sua intenção de abordar o processo antidemocrático que levou a deposição forçada do presidente João Goulart, interpretação que é reforçada levando em conta que o nome da esposa do “jangadeiro”, “Maria”, aparece enquanto uma referência à esposa de João Goulart, Maria Teresa Fontela Goulart. Utilizando elementos que remetiam a divindade dos umbandistas que fora muito cultuada em Rio Grande, – Iemanjá aparece na canção também com o nome de Janaína – como a responsável por buscar e conduzir o “jangadeiro” até suas terras “Aiocá”, numa nítida alusão a ida de Jango para o exílio no Uruguai. Nas últimas linhas da canção, o compositor concluiu sua ideia de restabelecimento da democracia no país, destacando que o “jangadeiro” faz “apelos” para retornar ao seu lugar, ou seja, retomar a posição de líder político da nação. Contrariando a afirmação de que obrigatoriamente “as pesquisas sobre música popular devem levar em conta as condições de produção fonográfica e sua relação com a indústria cultural”397, pois desta forma, descartaríamos a maior parte de tudo o que foi construído em forma de letra e música que não foram destinadas a indústria cultural e por este motivo não possuem registros fonográficos, no decorrer deste último item, além de demonstrar que esta afirmação não se aplica a grande maioria de tudo que foi produzido em termos de música popular no Brasil, sobretudo porque a canção popular, é, antes de tudo, uma expressão proveniente do povo e destinada ao povo e não um produto cultural moldado, difundido pelos meios de comunicação, adaptado e apto a comercialização e ao consumo em forma de disco. [...] precisamos ter cuidado quanto a generalizações como “cultura popular”. Esta pode surgir, numa inflexão antropológica influente no âmbito dos historiadores sociais, uma perspectiva ultraconsensual dessa cultura, entendida como “sistema de atitudes, valores e 397

ZAN, José Roberto. Música Popular Brasileira, indústria cultural e identidade. EccoS Rev. Cient., UNINOVE, São Paulo: (n. 1, v. 3), 2001, p. 105.

185

significados compartilhados, e as formas simbólicas (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados. Mas uma cultura é também um conjunto diferente de recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um “sistema”. E na verdade o próprio termo “cultura”, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto.398

A abordagem temática das canções construídas pelos compositores riograndinos em sua multiplicidade, que abrangiam o modo de vida dos jovens, as relações amorosas, os problemas sociais (relacionados ao contexto do Município ou do país), os fatores locais (o mar, o ambiente urbano) e suas formas de sociabilidades, a religiosidade, as festas populares ou as articulações políticas da época, estiveram atreladas ao conformismo e resistência manifestado pela sociedade e retratado através do conteúdo textual de suas composições. O processo antidemocrático proveniente do Golpe de 1964 que, ao mesmo tempo em que elevou o status do Município à condição de Área de Segurança Nacional, inaugurou em Rio Grande um período de desenvolvimento em diversos setores da indústria e comércio impulsionado pelos investimentos na sua infraestrutura portuária, contando sempre com a participação ativa do conterrâneo Golbery do Couto e Silva, que entre as principais benesses atribuídas as suas articulações com os altos escalões do poder político da época e sua ligação de serventia para com as elites políticas locais, estão a federalização da Universidade do Rio Grande e a construção do canal adutor da CORSAN, refletem alguns dos principais aspectos políticos e econômicos que apesar de seus impactos sobre a vida de alguns setores da sociedade riograndina, em certos pontos tiveram um alcance direcionado, limitado e desigual, constituindo assim, espaços conflitantes onde acabaram ocorrendo as principais manifestações da cultura popular, praticadas pelas iniciativas conformistas dos setores ligados as diretrizes políticas e econômicas dos situacionistas e a resistência daqueles que se opuseram aos meios

398

THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 17.

186

arbitrários e aos objetivos pouco abrangentes traçados para o desenvolvimento econômico e social do Município e do país. Em suma, se não levasse em consideração a interpretação do conteúdo das canções analisadas neste trabalho, o levantamento das fontes desta pesquisa reverteria pouquíssimas informações referentes aos assuntos abordados pelos indivíduos ou grupos que atuaram como opositores ao Regime, assinalando a predominância de uma organização social homogênea, com poucos e residuais aspectos antagônicos. Porém, ainda que as demais fontes forneçam subsídios para tentativa de apreender e compreender este período histórico que marcou profundamente a sociedade riograndina, cabe mencionar que em razão de interesses comuns que não necessariamente políticos, foi possível observar a ocorrência de interações socioculturais através das práticas realizadas em razão da religiosidade (cultos e procissões aos santos católicos e divindades da umbanda), dos hábitos e costumes do cotidiano do meio urbano, (a velocidade da vida na cidade, o costume de degustar a goma de mascar ou os passeios de automóvel) ou ainda, através das atividades de entretenimento restritas aos indivíduos com melhores condições financeiras (cinemas, bares, bailes ou festas), ou em virtude do advento do ciclo de festivais de música entre os anos de 1970 e 1976, a existência de locais com acesso facilitado que passaram a concentrar um grande número de pessoas com o interesse comum de usufruírem de eventos nos quais a principal atração era a atividade musical dos artistas locais. A interpretação textual do conteúdo das canções dos compositores riograndinos demonstram a diversidade e complexidade das relações socioculturais, econômicas e políticas da sociedade da época, expondo as falhas ou o desinteresse por parte do poder público na formulação de planejamentos e ações políticas que privilegiassem a obtenção de melhorias nas condições de vida da população riograndina e do país. Neste sentido, a pluralidade da cultura popular foi abordada através do conteúdo das canções dos compositores riograndinos também quando expuseram concepções sociais antagônicas, a final, todas as canções analisadas possuem um discurso proveniente do povo e destinado ao povo, pois não sofreram interferência direta das elites, ligadas aos meios de comunicação e indústria cultural, que comandavam e orientavam tudo o que foi produzido em termos de música popular comercializável em nosso país, e que continuam como as principais fontes utilizadas para a escrita da história do período.

187

Considerações finais Ao longo deste trabalho, procurei a todo o momento destacar a maior quantidade possível dos aspectos socioculturais, políticos e econômicos, apreendidos através do diálogo interpretativo pautado pela utilização de um montante considerável de fontes, construído através de uma minuciosa investigação em todos os locais que poderiam conter qualquer material primário ou bibliográfico que servisse de apoio para esta pesquisa399. Isso se deve ao intuito de descrever de modo acurado a forma como observei através no tempo presente, – no qual há por parte de muitos indivíduos e grupos que compõem a sociedade riograndina um saudosismo dos tempos da Ditadura – a compreensão de um passado recente de extrema complexidade, sobretudo relacionado aos acontecimentos que impactaram de forma direta ou indireta as atividades políticas, econômicas e culturais, e a existência e identificação de suas possíveis inter-relações, e até que ponto elas foram decisivas e orientaram os caminhos percorridos pela sociedade riograndina ao longo da década de 1970, que atualmente constituem sua história, e que também é parte do passado do país. No decorrer da historização observei que as condições geográficas favoráveis e a existência de um porto marítimo, destinado à navegação comercial de importação e exportação de produtos industrializados, manufaturados ou agrícolas, somado a sua utilização como ponto estratégico de defesa do litoral brasileiro o que lhe atribuía à alcunha de “Área de Interesse e Segurança Nacional”, foram de fato essenciais para o Munícipio integrar e colaborar em beneficio da política econômica do país, conhecida como o “milagre brasileiro”. Neste sentido as articulações do Governo Federal que visavam o aproveitamento das potencialidades do Município, porém, sem nenhum compromisso explícito de revertê-las em políticas sociais que beneficiassem a sua população, foram amenizadas através de um canal de diálogo sempre constante entre o Executivo, o Legislativo e demais grupos que detinham interesses políticos da época e Golbery do Couto e Silva, que sempre quando chamado procurou atender as demandas da sociedade riograndina. Foi assim quando exerceu sua interferência nos casos que envolvera a construção a canal adutor da CORSAN e da 399

Realizei um esforço de pesquisa considerável, sobretudo nos arquivos que julguei serem os mais importantes para o desenvolvimento do trabalho, porém, destaco que, infelizmente não foi examinar a documentação onde estão registradas todas as articulações políticas da época, disponíveis na Câmara de Vereadores do Município. Acredito que este arquivo, apesar de não pesquisado, continua de extrema relevância para este ou qualquer outro trabalho realizado no futuro.

188

federalização da Universidade do Rio Grande. Suas ações agregadas aos planos da política econômica do Governo Federal, amplamente divulgadas e defendidas pela propaganda favorável efetuada pelo principal meio de informação da época, o Jornal Rio Grande, acabaram por toda a década de 1970 contribuindo para aliciar grande parte da população riograndina no sentido de legitimarem a Ditadura, consentindo com a prática de ações repressivas, torturas físicas e psicológicas ou cerceamentos cometidos contra indivíduos ou grupos, generalizados enquanto „comunistas‟, considerados opositores pelos agentes da Ditadura, lotados na SOPS/RG, Polícia Federal, Polícia Civil e Militar, como a única forma de preservar o status de “Área de Interesse e Segurança Nacional”, considerado fator fundamental por grande parte da população para que os investimentos financeiros provenientes deste novo ciclo de desenvolvimento do Capitalismo trouxessem ainda mais benefícios a Rio Grande. Mesmo sabendo das práticas levadas a cabo pelos agentes da repressão, grande parte da população riograndina acabou consentindo, defendendo e estimulando a continuidade destas atrocidades cometidas pelo autoritarismo da Ditadura Civil-Militar, tornando Rio Grande um local extremamente vigiado, onde não houve limites para a manutenção da defesa territorial e da ordem vigente contra as quaisquer possíveis ameaças. No decorrer da década de 1970, este jogo de interesses foi ganhando contornos paternalistas, na medida em que, com o passar dos anos foi estreitando a relação dos habitantes da Cidade com o Governo Federal e Golbery do Couto e Silva, em razão desta prática política de orientação econômica da qual todos os envolvidos esperavam algum beneficio, a aproximação dos riograndinos com os grupos e indivíduos que compunham as elites do poder político em âmbito nacional, acabou entendida e disseminada pela sociedade como uma relação de apadrinhamento, denominado neste trabalho de sensação de amparo. Por isso, atualmente, mesmo depois de quase três décadas após o término da última Ditadura ocorrida no Brasil, em Rio Grande ainda são evidentes as marcas deixadas por esta relação. Numa das últimas manifestações deste saudosismo da Ditadura e admiração por Golbery do Couto e Silva, militares, políticos, empresários e parte da sociedade, tentaram erguer um busto em homenagem ao “filho ilustre” que tanto contribuiu para o desenvolvimento de sua Cidade, numa tentativa de encobrir as atrocidades cometidas pelos órgãos da repressão, bem como, os muitos problemas, contradições e desigualdades sociais, disseminando um discurso de exaltação do passado recente do Munícipio que exaltava todos 189

golpistas que comandaram o país na época. Isso porque os políticos que anteriormente pertenciam a ARENA, em sua grande maioria afiliados ao PMDB, começaram a perceber que o Governo Federal a cargo do Partido dos Trabalhadores – seus inimigos comunistas de outrora – democraticamente eleito pelo voto da população brasileira, começava a realizar investimentos financeiros que inaugurariam um próspero período de progresso econômico acompanhado de políticas públicas, apesar de em muitos aspectos deficitárias, destinadas à sociedade riograndina. Neste contexto histórico de liberdades vigiadas, atos de censura, repressões, torturas físicas e psicológicas, porém visivelmente alterado pelos investimentos recebidos e aparentemente próspero em termos socioeconômicos, entre os anos de 1970 e 1976, ocorreram o ciclo de oito festivais de música promovidos por estudantes universitários dos cursos de Engenharia e Medicina e secundaristas da Escola Lemos Jr., bem como, pela União Riograndina dos Estudantes (URES). Logo após a realização do primeiro festival no ano de 1970, rapidamente estes eventos musicais foram difundidos em Rio Grande. Incialmente, o festivais de música organizado pelos estudantes de Engenharia Universidade do Rio Grande (1° FUMP), não conseguiu mobilizar a população no sentido de que prestigiassem a produção dos artistas da terra. O que não aconteceu em relação aos músicos, intérpretes e compositores riograndinos, que ao perceberem a existência de um espaço para a socialização de suas composições ou até mesmo de entretenimento e lazer, passaram a participar ativamente de cada um dos demais eventos, através da inscrição de milhares de composições. Com a produção de material sonoro e textual na forma de canções disponível em abundância, dado a efervescência das atividades musicais e a influência que os Festivais de Música da Televisão exerciam sobre a sociedade da época, e gozando da simpatia e participação maciça de expectadores, foi possível fazer com que estes eventos musicais perdurassem durante um determinado período de tempo, no qual, alguns setores da sociedade riograndina, ao viabilizarem a realização destes eventos, passaram a idealizá-los, organizá-los e executá-los nitidamente como forma de obterem vantagens políticas ou financeiras, o que em outros termos também demonstrava que, apesar da ausência de ligações com o mercado cultural, os meios de comunicação de massa e a indústria fonográfica, ao longo do século XX, os festivais de música realizados em diversas partes do país, foram sofrendo adaptações, continuidades e rupturas em suas formas organizacionais, dirigidas e determinadas por seus 190

propositores em razão da obtenção de melhores posições ou condições hegemônicas em diferentes estruturas de poder. Tendo em vista que a produção musical popular dos artistas riograndinos (músico, intérprete ou compositor), direcionada a participação nestes eventos musicais que estiveram sob a tutela de pessoas com intrínsecas ligações com o poder político do ARENA em âmbito local, estadual e país, ora com temáticas e conteúdos críticos em relação aos problemas sociais ou expondo as sociabilidades dos hábitos e costumes dos riograndinos, ou com abordagens conformistas e ufanistas que exaltavam as práticas políticas e econômicas da Ditadura Civil-Militar, concordo com a afirmação de que “a arte é para ser utilizada” 400 em todos os âmbitos da vida em sociedade, pois se constitui como uma ferramenta para aliciar pessoas, direcionando-as conforme os objetivos definidos por aqueles grupos ou indivíduos que a manipulam. Mesmo assim, todos a utilizam com o objetivo de extrair benefícios dos mais variados, os quais através da interpretação das fontes históricas, são pouco a pouco desvelados e entendidos.

400

HOGGART, Richard. As utilizações da cultura. Lisboa: Presença, 1975.

191

Anexos: Fotos e imagens. Anexo n° 1 – Navio Hidrográfico Canopus (O navio-prisão)

Anexo n° 2 – Maximiano Eduardo da Silva Fonseca.

192

Anexo n° 3 – Base de Mísseis dos EUA no Cassino – Rio Grande.

1

2

3 193

4

5 Anexo n° 4 – Propaganda do Banco do Estado do Rio Grande do Sul.

194

Anexo n° 5 – Imagem aérea do Porto do Rio Grande em 1973.

Anexo de n° 6 – Terminal da COTRIJUI.

1 195

2

3

196

4 Anexo n° 7 – Passeata URES

197

Anexo n° 8 – Lideranças da URES e os Generais-Presidentes.

1

2

198

Anexo n° 9 – Telegrama Oficial Municipal

Anexo n° 10 – Pedido de federalização da URG e encontro com Golbery do Couto e Silva

199

Anexo n° 11 – Edição Especial do Semanário O Peixeiro.

200

Anexo n° 12 – Imagem do Semanário O Peixeiro.

1

2 Anexo n° 13 – Homenagem ao Interventor

201

Anexo n° 14 – Alagamento no centro comercial e urbano.

Anexo n° 15 – Henrique Pancada: Uma rua doente e miserável.

1

202

2

3

4 203

Anexo n° 16 – Imagem do documentário “Rio Grande, imagens do século XX.

Nesta imagem, da esquerda para a direita: Interventor Rubens Emil Corrêa, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva.

Anexo n° 17 – Obras do Estaleiro Rio Grande.

1

2

204

3

4

5

205

6

Anexo n° 18 – Troféu Golbery do Couto e Silva.

Imagem do Jornal A Lucta, noticiando a entrega do Troféu Golbery do Couto e Silva.

206

Anexo n° 19 – Homenagem do 6° GAC a Golbery do Couto e Silva.

1

2

3

207

Anexo n° 20 – Solicitação de censura prévia.

208

Anexo n° 21 – Carta-Resposta de Golbery do Couto e Silva ao Diretor do Colégio Lemos Jr.

209

Anexo n° 22 – Recorte de O Peixeiro.

Anexo n° 23 – Ato público de colocação da pedra fundamental em homenagem a Golbery do Couto e Silva.

Anexo de n° 24 – Renato Tubino Lempek e Eurípedes Falcão Vieira

210

Anexo n° 25 – 2° Festival de Música Popular do Lemos Jr.

Anexo n° 26 – Raul Torres de Bem (Premiação)

211

Anexo n° 27 – 1° Festival Inter-Colegial da Canção

1

2

212

Anexo n° 28 – Premiação 3° FICC

Anexo n° 29 - 4° FICC (Vencedores)

1 – A banda executando a apresentação.

213

2 – Marlene Silva da Silva durante a apresentação.

214

3 – Troféu “Sereia de Ouro”

4 – Troféu “Sereia de Ouro”

5 – José Galhardo após receber a premiação.

215

6 – Público e artistas confraternizando a premiação.

7 – Kleiton e Kledir (Os Almondegas)

216

Anexo de n° 30 – Roberto e Seu Conjunto.

Anexo de n° 31 – Conjunto Bossa Sul

217

Anexo de n° 32 – The Dizzies

Anexo de n° 33 – Os Mugs

218

Anexo de n° 34 – Os Yankes

Anexo de n° 35 – Raul Torres de Bem Júnior

219

Anexo de n° 36

Anexo de n° 37

220

Anexo de n° 38 – Dejair Siqueira Claro

Anexo de n° 39 – Marlene Silva da Silva

221

Anexo de n° 40 – Mario Luiz Schramm

Anexo de n° 40

1

222

2

3

223

Anexo de n° 41

224

Anexo de n° 42

1

2

225

Fontes consultadas

Periódicos: - Jornal Agora – Biblioteca Municipal do Rio Grande, Rio Grande – RS. - Jornal A UNIÃO – Órgão Oficial da União Rio-Grandina dos Estudantes. Rio Grande – RS. - Jornal da FURG – Arquivo Morto da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande. - Jornal Rio Grande – Biblioteca Municipal do Rio Grande, Rio Grande – RS. - O Passo – Órgão da Secretaria de Divulgação do Diretório Central Estudantil da Universidade Federal do Rio Grande – RS. - Semanário O Peixeiro – Biblioteca Municipal do Rio Grande, Rio Grande – RS. - Semanário O Peixeiro – Arquivo do Jornal Agora, Rio Grande – RS.

Documentos oficiais - Documentos da Secretaria de Ordem Pública e Social do Rio Grande (SOPS/RG) – Acervo da Luta Contra a Ditadura; Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. - Telegrama Oficial Municipal – Arquivo Morto da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande.

Outras Fontes - Imagens do documentário “Rio Grande, imagens do século XX”. Direção e pesquisa do Jornalista Willy Cesar. Volume IV – Museu da Comunicação Rodolfo Martensen. - Entrevista cedida pelo Vereador do PMDB, Renato Albuquerque transmitida ao vivo pela Rádio da Universidade Federal do Rio Grande – FURG FM. - Documentário sobre os 50 anos da União Rio-Grandina dos Estudantes. Pesquisa, produção e apresentação: Willy Cesar. Gravado nos Estúdios da Rádio Universidade FM, em julho de 2003 – Museu da Comunicação Rodolfo Martensen.

Fontes orais:

226

- Entrevista com militar da reserva – (Anônimo). - Entrevista com policial civil que atuou na repressão – (Anônimo). - Entrevista com o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, senhor Péricles Antônio Fernandes Gonçalves. - Entrevista com o ex-presidente da URES e organizador do 1° Festival Intercolegial da Canção, senhor Renato Tubino Lempek. - Entrevista com o aposentado da indústria do petróleo Luiz Gonzaga Padim Palacios. - Entrevista com o portuário aposentado, senhor Alzemiro Alves Lobo. - Entrevista com o sargento reformado da Polícia Militar, senhor Luís Marques. - Entrevista com a secretária, senhora Jaqueline Figueiredo Acosta. - Entrevista com o comerciante Luciano Conceição da Silva. - Entrevista com participante do 1° Festival Universitário de Música Popular (1° FUMP), que trabalhou na montagem da iluminação e decoração do evento, José Luiz Antonacci Carvalho. - Entrevista com o vencedor do 1° Festival Universitário de Música Popular (1° FUMP), Mario Luiz Schramm. - Entrevista com o músico instrumentista e compositor letrista, Dejair Siqueira Claro. - Entrevista com o músico instrumentista, Sulivan Mello. - Entrevista com o músico instrumentista, Luiz Carlos Fernandez Rivera. - Entrevista com o músico instrumentista, Ivo Vitória. - Entrevista com o músico instrumentista, Ricardo Albuquerque. - Entrevista com o compositor Raul Torres de Bem Júnior. - Entrevista com a compositora Marlene Silva da Silva. - Entrevista com a compositora Hilda Orquídea Hartmann Lontra. - Entrevista com o instrumentista Paulo Antonio Pinto Juliano. - Entrevista com o instrumentista, intérprete e compositor Gilberto Medeiros de Oliveira.

Fontes online:

- Mapa do Analfabetismo no País. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Disponível em:

227

- Senado Federal: Comissão Parlamentar de Inquérito, Resolução n° 48/75, CPI do MOBRAL,

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II,

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1976.

Disponível

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- Jornal A Lucta: Rio Grande – RS; Dezembro de 2008, n° 45, p. 1. Edição Especial de Aniversário de 120 anos da Associação Comercial dos Varejistas. Disponível em: - Jornal Valor Econômico - Jornal Agora: Rio Grande – RS. 1) 2) 3) - Tribunal Eleitoral Regional do Rio Grande do Sul – TRE/RS. - Marinha do Brasil: Consulta aos homenageados com a Medalha “Mérito Tamandaré”: - O Sul 21. -

Palácio

do

Planalto

Brasileiro

(Portal

da

Legislação):

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del1135.htm - Câmara de Vereadores do Rio Grande – Notícias da Câmara: 1) 2) 3) - Revista ISTOÉ Dinheiro: - Agência de Notícias T1. Disponível em: - Ordem dos Músicos do Brasil – São Paulo. Lei N° 3.857 de 22 de dezembro de 1960. Lei de

Criação

da

Ordem

dos

Músicos

do

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Disponível

em:

- Imagens do Site O Papareia: . 228

- Site de notícias Portogente: . - Site de notícias G1: . - Site da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Documento pesquisado

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Diário

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http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-palavra-

chave/associativismo

229

Referências Bibliográficas ABRANCHES, Sérgio Henrique. Os despossuídos: crescimento e pobreza no país do milagre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (Brasil: os anos de autoritarismo), 1985. AGUIAR, Joaquim Alves de. Música Popular e Indústria Cultural. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária da UNICAMP, 1989. ALAMBERT, Francisco. Indústria cultural no Brasil contemporâneo: Tropicalismo, mídia e engajamento.

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