UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Revista Querubim revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Ciências Sociai

Author Davi Garrido Palhares

32 downloads 261 Views 2MB Size
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 1 de 143 FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 13 Número 33 Volume 2 ISSN – 1809-3264

2017

2017

2017

REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2017

NITERÓI RJ

2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 2 de 143

Revista Querubim 2017 – Ano 13 nº33 – vol. 2 – 143 p. (outubro – 2017) Rio de Janeiro: Querubim, 2017 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Hugo Carvalho Sobrinho Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Mayara Ferreira de Farias Paolo Vittoria Pedro Alberice da Rocha Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 3 de 143

Sumário 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Edson Benedito Silva Sousa e Juliana Braga Guedes – No mundo da Palavra: PerroneMoisés encontra Drummond Elisa Rodrigues da Silva e Mariana Batista do Nascimento Silva – Psicologia e educação de jovens e adultos: reflexões necessárias Elizabete Oliveira e Cristiane Ivo Leite da Silva – Sacralidade cósmica no ‘Poema do Milho’, de Cora Coralina Elizângela Rodrigues de Aguiar e Marciléia Oliveira Bispo – Algumas reflexões sobre o ensino de geografia da população a partir do livro didático de geografia no ensino fundamental Eril Medeiros da Fonseca, Crisna Daniela Krause Bierhalz e Leandro Duso – Professores de ciências da natureza: levantamento sobre a formação continuada da rede municipal de Dom Pedrito/RS Fernando de Carvalho Pires – Plano Municipal de Educação: processo de construção no município de Espinosa, Minas Gerais Franciele Rosa Dal Forno e Pedro Antônio Batistella – Educação Física no ensino médio: um estudo sobre a motivação dos alunos Gabrielle Coelho dos Santos e Patrícia dos Santos Moura – Explorando as brincadeiras e os brinquedos nos anos iniciais: um relato através da prática docente

04

Geisa Borges da Costa – Variação semântico-lexical no nordeste do Brasil

60 65

Gislaine Rodrigues Couto e Sueli Menezes Pereira – O programa Bolsa Família: análise de uma realidade escolar Glauber Heitor Sampaio, Márcia Pereira de Almeida Mendes e Elizabeth Mello Barbosa – Unidade didática para ensino de PLE: um material-fonte de abordagem comunicativa Helena Beatriz Costa De Oliveira, Ramon Rodney Edmundo De Souza e Renan Lima Da Silva – Necessidade de modificações e de debates sobre os direitos autorais ligados ao espetáculo cênico Hugo Norberto Krug, Marilia de Rosso Krug, Rodrigo Rosso Krug, Cassiano Telles e Patric Paludett Flores – Os saberes do bom professor formador em Educação Física na percepção de acadêmicos concluintes da graduação Hugo Norberto Krug, Marilia de Rosso Krug, Rodrigo Rosso Krug, Cassiano Telles e Patric Paludett Flores – As representações sociais de diretores escolares sobre a Educação Física na educação básica Hugo Norberto Krug, Marilia de Rosso Krug, Rodrigo Rosso Krug, Cassiano Telles e Patric Paludett Flores – As contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de Educação Física iniciantes na educação básica Ismael de Mendonça Azevedo e Leandro Marcelo Cassimiro das Chagas – Dos dados ao conhecimento: o papel da subjetividade para à gestão do conhecimento das pessoas Israela Míriam de Melo, Rafael da Silva da Cunha, Mayane Ferreira de Farias e Mayara Ferreira de Farias – Relacionamentos amorosos/sexuais no espaço virtual: expressão pós-moderna da sociedade contemporânea José Júnior de Oliveira Silva e Luana Frigulha Guisso – A educação mediada pela tecnologia: estudo de caso com os docentes de uma escola estadual do município de Nova Venécia/ES Julia Kesia do Nascimento Fonseca, Mayara Ligia Fernandes dos Santos e Kettrin Farias Bem Maracajá – A percepção do consumidor sobre o marketing de relacionamento exercido por Celino Neto

11 18 23 33 40 46 53

73 83 90 97 104 110 116 127 136

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 4 de 143

NO MUNDO DA PALAVRA: PERRONE-MOISÉS ENCONTRA DRUMMOND Edson Benedito Silva Sousa1 Juliana Braga Guedes2 Resumo O objetivo deste trabalho é elencar algumas das indicações sobre “o fazer literário”, propostas, nos ensaios literários da escritora brasileira Leyla Perrone-Moisés e nas metapoesias de Carlos Drummond de Andrade. Considerando esses textos como fundamentação teórica, iremos citar/elucidar as formas de alcançar uma poética constante acerca da própria criação literária. Dessa maneira, constatamos que, para alcançar “o fazer literário”, o escritor/poeta precisa estar associado e compenetrado, diretamente, no mundo da palavra, pois este é a sua ferramenta e matéria-prima para a criação de sua obra de arte, que é o texto literário. Palavras-chave: Fazer literário; Criação literária; Palavra. Abstract The aim of this work is to list some of the indications on "literary making", proposed mainly in the literary essays of the Brazilian writer Leyla Perrone-Moisés and in the own metapoetic of Carlos Drummond de Andrade. Considering these texts as theoretical foundation, we will cite/elucidate the ways of achieving a constant poetics, about literary creation itself. Thus, we find that in order to achieve "literary making", the writer/poet must be associated and directly involved in the world of word, for this is his tool and material-For the creation of his work of art, which is the literary text. Keywords: Literary making; Literary creation; Word. 1 Introdução A sociedade literária, como sabemos, tem evoluído ao longo dos anos através de um processo constante e transformador. Ao longo desse processo, a literatura passou por diversas mudanças. Desde cedo, assistimos essa evolução e as descobertas literárias do homem, assim como a descoberta do seu próprio método de criação literária. A literatura veio modificando-se ao longo de nossa história e deixando um vasto caminho de riqueza intelectual por onde passou. Seu valor para a humanidade é incalculável. Tudo que se tem registro sobre nossa cultura, costumes e técnicas foram perpetuados pela literatura. Trechos da nossa civilização estão imortalizados, desde os textos convencionais desenvolvidas pelas gerações anteriores, como os versos da Ilíada, de Homero, até as obras do movimento literário contemporâneo que lemos hoje. Os leitores buscam e encontram, na literatura, tanto na antiga quanto na contemporânea, uma fonte de conhecimento e informação de que possam beber. Os textos literários trazem em si uma infinidade de saberes que estão distribuídos em textos escritos em prosa e textos escritos em versos. A poesia, por exemplo, é uma nascente infinita de sentidos. O efeito da poesia está no conjunto de palavras lacunares que se encaixam e se posicionam de tal forma que produzem 1Universidade

2Universidade

Regional do Cariri-URCA. Graduando em Letras, ([email protected]). Federal do Ceará–UFC. Mestra em Literatura Comparada, ([email protected]).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 5 de 143

diversas sensações e sentimentos no leitor. Há, também, poesia nos textos em prosa, mas é nos versos que sentimos com maior repercussão a poética dessas escrituras. Alcançar a poesia, não é, nem nunca foi, tarefa fácil. É preciso um estudo minucioso e cuidadoso com as palavras, escolhê-las, lapidá-las e ressignificá-las. O “fazer literário” é, assim, um processo de criação bastante complexo. Ao verdadeiro escritor a criação literária é um desafio, não é simples extrair das palavras seus efeitos de sentido e encaixá-las umas nas outras como se fossem peças de um quebra-cabeça. Lidar com as palavras é um processo delicado, pois “com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas” (SARAMAGO, 2014, P. 72), além de impelir um grande poder de sedução sobre o escritor e o leitor. Partindo desse pressuposto, iremos analisar um texto crítico e uma poesia que abordam em suas temáticas esse processo pela busca da criação literária, da palavra. Basearemos a pesquisa em dois escritores que tratam da forma literária de escrever e de alcançar o íntimo das palavras: a pensadora brasileira, Leyla Perrone-Moisés, com o ensaio literário A criação do texto literário – que tratará sobre “o fazer literário” – e o poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade, com o poema Procura da poesia – no qual o eu-poético explica como alcançar a harmonia poética entre as palavras extraído da obra Antologia Poética. Iremos refletir sobre o trabalho artístico do poeta e da ensaísta, observando o manejo da principal ferramenta desse trabalho que é a palavra. Por essa razão, nos setores seguintes desse estudo, apresentaremos e analisaremos primeiro o texto teórico, já citado, de Leyla Perrone-Moisés, expondo suas concepções a respeito da criação literária. Depois evidenciaremos os conceitos do “fazer literário”, descritos no poema metapoético de Carlos Drummond de Andrade, que não fica alheio à discussão dos escritores contemporâneos atuais sobre a ideia de criação literária. E por fim, exporemos nossas considerações finais sobre esse estudo. “A criação do texto literário”, Perrone-Moisés O ato de escrever é um procedimento milenar e importantíssimo para nossa sociedade grafocêntrica. Desde que o ser homem começou a organizar o pensamento por meio de registros escritos, a nossa maneira de escrever foi se desenvolvendo e ganhando extrema relevância nas relações sociais, na difusão de ideias e informações. Com o tempo, a maneira como a escrita era construída e os efeitos que ela alçava, passou a receber uma atenção maior até que se considerou a escrita como uma arte. E a literatura tornou-se uma das preocupações e manifestações artísticas da humanidade. A partir dessas inquietações de como escrever com arte, surgiu o termo “criação literária”. Partindo desse título labiríntico A criação do texto literário, que nos arrebata para uma discussão bastante complexa sobre o processo de criação na produção literária, temos feito algumas observações baseados nas concepções descritas pela crítica e professora Leyla Perrone-Moisés em seu ensaio literário, que nos levaram a constantes reflexões. A escritora apresenta algumas questões sobre o “fazer literário”, mas deixa claro que suas intenções não são de teorizar um método de criação de textos literários, pois essa teoria já existe. Perrone-Moisés nos explica, inicialmente no seu texto, a relação entre as palavras criação, fazer e texto literário. Quando juntas numa mesma sentença revelam que o material literário passa a existir a partir do momento que é escrito, ou seja, quando se transforma em palavra. “Assim como Deus criou o mundo a partir do verbo, assim o autor literário instauraria um mundo novo, nascido de sua vontade e de sua palavra” (Perrone-Moisés, 1990, p. 102). O poeta/escritor tem, assim, um poder de trazer, ao mundo real, um novo mundo feito de textos literários. Ainda comparando a criação do texto literário com a criação do mundo, podemos associar que Deus, o criador do mundo, nos deu sua obra-prima de presente e o autor, criador do texto

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 6 de 143

literário, fez o mesmo, presenteando o leitor com sua obra-prima. Além da relação entre as palavras criação, fazer e texto literário, a escritora acrescenta a relação entre as palavras invenção, produção, representação e expressão com a palavra literária. Veja: As palavras devem ser revisitadas, reexaminadas e exploradas, elas nos ajudam na aproximação do saber que buscamos na medida mesma em que conhecemos seus pressupostos e seus limites. E essa foi minha intenção ao examiná-las aqui, de modo forçosamente sumário. Criação, invenção, produção, representação, expressão – qualquer dessas palavras já um tanto desgastas, com as quais se tenta captar o fazer literário, pode ser por nós agora retomada, contanto que explicitemos o modo como as estamos retomando. (MOISÉS, 1990, p. 102)

Neste trecho, percebemos claramente a exposição de um dos processos da criação literária, que é a análise das palavras e reconhecimento da sua matéria prima. A escritora tenta substituir a palavra criação pelas palavras invenção, produção, representação e expressão, e mesmo sendo palavras sinônimas, demonstra que não significam a mesma coisa. Podemos compreender, através dessa explicação, que as palavras sinônimas são irmãs umas das outras, mas isso não significa que são gêmeas. Cada uma traz em si sua própria significação. Perceber que as palavras são individuais é um recurso primordial no processo da criação do texto literário. A escritora destaca, também, os seguintes pontos: a) o texto literário cria um mundo irreal partindo do real; b) a literatura busca dizer algo, e acaba não dizendo, mas não dizer esse algo é dizer outra coisa; c) a literatura é um dizer desmembrado daquilo que queria dizer; d) o texto literário tenta imitar, mas ao imitar acaba criando algo novo. Partindo desses pontos, a ensaísta nos afirma que a literatura surgiu para suprir uma necessidade: a insatisfação do mundo real. Assim, o autor tenta criar um mundo semelhante ao mundo real, mas não igual, ou seja, um segundo mundo baseado no primeiro que irá suprir nossas frustrações vivenciadas neste. Perrone-Moisés (1990, p. 102) diz que “a literatura parte de um real que pretende dizer, falha sempre ao dizê-lo, mas ao falhar diz outra coisa, desvenda um mundo mais real do que aquele que pretende dizer”. O plano real não nos agrada. É insuficiente. Se o mundo real não agrada, se faz necessário a criação de um novo mundo habitável como o mundo real, mas que ampare nossas insatisfações e nos sacie. A literatura será o nosso alimento quando o real nos faltar. O texto literário será o nosso refúgio. Um mundo ficcional que está muito além do real e que só o autor e o leitor serão conhecedores, estabelecendo assim, uma relação de intimidade entre eles. Procuramos desesperadamente amansar nossa insatisfação nos entregando à imaginação provinda da literatura. Poderíamos começar esta reflexão sobre o mundo da imaginação, que a literatura nos apresenta como porto seguro, nos colocando como escritores, de onde poderíamos tirar a ideia de um mundo semelhante ao mundo físico e que pudesse compensar tantas insatisfações humanas? Onde podemos colhê-lo? As respostas para estas indagações são diferentes a todos que as fazem. Dentro de cada um de nós há um poço secreto e infinito de onde brotam os textos. Em nossa mente existe esse vulcão fumegante de ideias que merecem ser escritas, onde paixões devastadoras, amores platônicos e silêncios rompidos por ações inesperadas misturam-se e tentam escapar do mundo real através da criação literária. Ao buscarmos dentro de nós mesmos matérias para nossas criações e se tivermos uma análise aprofundada das palavras, podemos facilmente recriar, através da literatura, o mundo a nossa volta em uma ficção interessante. Mas, se assim o fizéssemos, o resultado talvez fosse à

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 7 de 143

produção da história de escritores que tentam escrever sobre o mundo real ou sobre o seu próprio mundo particular e pessoal ou o contrário. Ressaltamos aqui, que não devemos reduzir todo o processo de criação literária dentro da série de produções mentais originadas da própria vida consciente ou inconsciente do autor, que vão desde os momentos de epifania expressos pela palavra, passando pelos sonhos mais recorrentes até chegar às fantasias mais ocultas. A imaginação como fuga ou compensação, como prêmio de prazer, é exercitada por todos os seres humanos. Alguns, entretanto, exteriorizam sua imaginação, inscrevem-se em objetos expostos à percepção de outras pessoas. Esse é o modo artístico de exercer a imaginação e de compensar o que falta no mundo. Não nos importa, por enquanto, o valor desse fazer, isto é, se o objeto produzido realiza ou não o objetivo de substituir um real insatisfatório. Tentar dar uma forma concreta ao imaginado é, de qualquer modo, uma atividade de tipo artístico, o “fazer literário”. Sabemos que, não seria incorreto afirmar que toda criação artística não é estritamente diferente de nenhum desses pontos citados acima, mas a criação literária não se resume a apenas isto. Não é só a ação da imaginação querendo se materializar na palavra, mas respostas e manifestações do subconsciente do autor juntamente com uma infinidade de influências exteriores. O processo de criação do texto literário foge ao jogo de regras estabelecido pelas teorias da literatura e das múltiplas abordagens literárias. A literatura, sendo uma arte, pode ser entendida também como a sublimação da imaginação na escrita. Dessa forma, não fica difícil perceber que estamos trabalhando com a palavra, embora resultando na produção de textos muito diferentes e com efeitos diversos. Entretanto não entraremos neste campo que nos levaria a buscar as nuances dessas diferenças de efeito da palavra e nos afastaria do tema em debate que é a criação literária. Mas, deixamos aqui essa interessante proposta de refletir, numa outra ocasião, sobre a produção da palavra nesses vários campos de efeito. Fora da ordem da linguagem, o real é apenas caos. Como lembra Octavio Paz, ‘a palavra não só diz o mundo, mas também o funda – ou o transforma’. Pretendendo substituir o real ou, pelo contrário, espelhá-lo, sempre é a ele que a literatura se refere. Tanto a fuga como o mergulho obrigam-nos a ver esse real, a questioná-lo e a reinventá-lo (MOISÉS, 1990, p. 109).

O trecho nos diz que a capacidade para criar literatura consiste, inicialmente, em organizar as manifestações não só fora de si, mas também dentro de si. A criação literária busca, em primeiro lugar, recriar a partir do caos, usando a linguagem para dar forma ao que não tem forma. O sentido da literatura é frequentemente a sensação do vazio que se segue a uma perda, ou a uma experiência de ausência, de algo que se calou e se foi, ou que faltou. Assim, a literatura vem tentar preencher o que falta. Escrever literariamente é uma tentativa de restauração, de recomposição de uma falta presente e sentida no mundo real, assim como construir uma camada imaginária feita de palavras e sentidos que cobrem o leitor e o protegem do frio provindo da falta, do vazio do mundo real. Algo faltou ou foi perdido, apagado. A necessidade de escrever tanto pode surgir de uma vivência da falta - não de uma falta necessariamente concreta, mas da captação do vazio – quanto de uma necessidade de acentuar o que não está muito bem dito, ressaltar o que está em falta. A produção literária desempenha bem esse papel de nomear o inominável, de dar sentido ao que não tem sentido, de consertar o que não tem conserto, fazer acontecer o que deveria ter acontecido, de representar uma ausência, de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 8 de 143

substituir aquilo que se foi, recuperando-o em outro registro, tornando o irreal em real e o impossível em possível. Escrevendo é que se cria. A metapoesia de Drummond Continuaremos nossas reflexões sobre a criação do texto literário baseados, agora, na ideia de fazer literário proposta pelo eu-lírico do poeta Carlos Drummond de Andrade no seu poema metapoético Procura da poesia. Nessa sessão, buscaremos esclarecer, do ponto de vista da voz poética, a natureza da criação literária, compreender o que a movimenta e a apoia, entender os motivos que levam ao processo criativo dos poetas e onde se pode encontrar a poesia para fazê-la. Análise do poema “Procura da Poesia” Nos primeiros versos do poema Procura da poesia, o eu-lírico elenca, negativamente, algumas maneiras de se fazer poesia. Ele nega e proibi a maneira como a maioria dos poetas alcança a poesia. Para ele (o eu-lírico), não podemos retirar a poesia das coisas, das pessoas, dos acontecimentos, das situações, dos sentimentos e nem dos desejos. Todas essas coisas se perdem na linha do tempo, mas a poesia, esta é atemporal. Observemos os seguintes versos: Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. (DRUMMOND, 2012, P. 11)

Nos versos que acabamos de ver, notamos que o eu-lírico remete o seu discurso àqueles que se ocupam do ofício de ser poeta e lhes faz uma advertência sobre o modo como se deve alcançar o melhor do seu canto, do seu “fazer literário”. Esse eu-lírico critica a forma errônea de poetar. A poesia não está nas coisas materiais. Nos versos que se seguem, o eu-lírico assevera que a poesia não se limita a simples descrições de acontecimentos, memórias, objetos, pessoas, sentimentos, desejos, datas, cidades, natureza, sociedade, por esse motivo, pontifica que não se pode tirar a poesia dessas coisas. Muito menos se pode ser feita com o corpo, como expressa no sexto e no sétimo verso da primeira estrofe. Formulamos, aqui, uma ponderação, devemos ter a consciência de que o poeta, além de ser um grande observador do mundo e das coisas, é um valoroso criador e deve tomar o objeto de sua observação explorando o seu interior para que possa senti-lo em toda a sua plenitude. Dessa maneira, poderá ser capaz de “recriar” o objeto observado, atribuindo-lhe a sua verdade. Assim, alcançará a poesia, não pela coisa física, mas pelo seu âmago mais profundo somado ao seu próprio espírito criador. Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão todos os poemas que esperam ser escritos. [...] Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consome com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. (DRUMMOND, 2012, P.12)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 9 de 143

Na sétima estrofe, o eu-lírico nos apresenta uma segunda etapa do processo criativo da poesia. Após a observação e apoderação do âmago do objeto ou da coisa a ser cantada, o poeta funde-se com a coisa e essa fusão o permite adentrar em um reino particular e único, imperceptível ao mundo real, encontrado no “reino das palavras”. Este reino das palavras é, para o eu-lírico, um lugar como um limbo, uma terra onde os poemas habitam e esperam, pacientemente, o momento de serem escritos e adquirirem, enfim, sua forma concreta que será aceita no mundo real. Na poesia, conteúdo e forma são duas partes do todo que tem igual importância, mesmo nos movimentos literários, como, por exemplo, o concretismo, que pregam o desprendimento da forma, pois, ainda assim é necessária uma forma, mesmo que amorfa, para a concretização do poema. O eu-lírico ainda ressalta, assim como vimos nas considerações de Perrone-Moisés na seção anterior, que o poeta deve ter poder sobre as palavras, conhecê-las, pois, assim poderá partir para uma apresentação mesclada do poema sobre ele mesmo. Seu espírito criador falará através das palavras, a palavra escrita será a válvula de escape do poema que irá se libertar do limbo (reino das palavras) para o mundo real transmutado na sua forma física, no papel. Durante esse movimento de escape, o poema sente a manifestação do mundo do poeta pela ação particular que ele exerce no processo de criação poética. Quanto mais íntimo o tema for para o poeta, mais universal será para o mundo. Existe uma relação entre as palavras e o íntimo de cada leitor, de maneira que cada um sentirá uma sensação diferente ao ler determinado texto literário. Escritor e leitor estarão ligados pelo tema do texto literário, mas cada um sentirá sensações e sentimentos específicos, criando novos mundos. Não é tarefa fácil, na produção literária (prosa e verso), a materialização do poema, não é fácil regular essa válvula e alcançar uma harmonia entre as palavras e o seu limbo. É um trabalho árduo, pois, na fala cotidiana, o locutor busca atingir um ser específico, já na escrita, o locutor busca atingir o máximo de leitores possíveis. Sua linguagem deve ser universal para todos e íntima para cada um. O poeta/escritor, como o eu-lírico nos assegura, não descreve a coisa e nem seus sentimentos, mas recria-os. A literatura não é descrição, é recriação. E concerne ao poeta/escritor a tarefa de recriar o mundo real num segundo plano transpondo, no texto e com a harmonia das palavras, o que falta ou excedo no mundo, o que poderia ter e não tem. Por isso, “Não há criação nem morte perante a poesia”, há a recriação contínua, que não permite a poesia morrer, pois tudo está sendo constantemente recriado por ela. Considerações finais Concluímos que a criação literária, como foi proposta no percurso dessa discussão, é movida não pela repetição, mas pela transformação, pela recriação, já que é pela escritura que as vozes poéticas reinventam ou inventam um mundo através da palavra, eliminando limites. Baseados no ensaio de Leyla Perrone-Moisés e na poesia de Carlos Drummond de Andrade, entendemos que para se alcançar ou deixar ser alcançado pelo “fazer literário” é necessário ir de encontro às próprias palavras. É preciso buscá-las. Para alcançar esse “fazer literário” o escritor/poeta precisa estar associado e compenetrado, diretamente, no mundo das palavras, pois esta é a sua ferramenta e matéria-prima para a criação de sua obra de arte, que é o texto literário. Este, por sua vez, desperta o interesse do leitor, através do poder e da sedução das palavras.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 10 de 143

Concluímos também que, a palavra quando transformada em escrita artística, adquire ainda mais poder, pois passa a ser reproduzida por novas vozes, consequentemente, carregadas de múltiplos sentidos. E que para o poder das palavras funcione de forma eficaz e exerça uma sedução infalível sobre o leitor, o autor precisa ter um grande domínio sobre elas. É necessário estudá-las, confrontá-las e deixar-se ser seduzido por elas para que possa, enfim, seduzir um terceiro. A palavra é a principal ferramenta de trabalho do autor. É preciso e fundamental saber escolhê-la, para que o poema se transforme. Por fim, compreendemos que a arte de escrever é um conhecimento baseado no processo de criação literária. Ao construir seu texto, o autor joga com as palavras e demonstra suas reflexões no desenvolvimento da escrita, recriando um novo mundo. Enquanto escritor é preciso retirar a palavra do limbo de modo que formule um sentido perfeitamente particular que será a isca da sedução do leitor. Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ___________. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. MOISÉS, Leyla-Perrone. Flores da Escrivaninha: Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. SARAMAGO, José. As Intermitências da morte. São Paulo. Companhia das letras, 2005. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 11 de 143

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES NECESSÁRIAS Elisa Rodrigues da Silva3 Mariana Batista do Nascimento Silva4 Resumo Neste artigo, propomos um breve diálogo sobre as contribuições da psicologia na formação de professores e na atuação do psicólogo no espaço escola no contexto da EJA. Estas reflexões emergiram durante a participação das autoras no curso de aperfeiçoamento "Produção de Material Didático e Formação de Mediadores de Leitura para a Educação de Jovens e Adultos", no qual se tornou evidente a necessidade da psicologia na formação docente como área de conhecimento essencial para compreensão dos processos de desenvolvimento humana, na compreensão dos sujeitos e das formas de abordagens pedagógicas na construção de aulas e materiais didáticos. Espera-se que esta breve discussão possa contribuir para (re)pensar as relações entre psicologia, educação e EJA. Palavras-chave: Educação, psicologia, EJA. Abstract Our purpose in this paper is to briefly discuss the contributions of psychology to teacher training and to school psychologist practice in the context of adult education (EJA).Some reflection crossed our minds during the refresher course Produção de Material Didático e Formação de Mediadores de Leitura para a Educação de Jovens e Adultos (Producing Teaching Material and Training Reading Mediators for Adult Education), emphasizing the importance of psychology in teacher training as an area of knowledge essential to comprehend the processes of human development, the individuals and the teaching methods involved in both class preparation and teaching material production. We hope that this discussion might contribute to (re-)think the relationship between psychology, education and EJA. Keywords: Education, psychology, EJA. Introdução Segundo Paulo Freire (2005), os homens precisam se reconhecer como indivíduos formadores de cultura e sujeitos de ação política transformadora na sociedade; e a educação deve ser um elemento que possibilite essa conscientização. Para isso, a alfabetização precisa ultrapassar a técnica, deixando de ser mecânica e levando a formação critica do cidadão. Ainda de acordo com este autor, a alfabetização de adultos não pode se restringir à simples técnica de aprender a ler e escrever pela memorização de sílabas, palavras ou frases, mas, sobretudo, propor a reflexão crítica sobre o próprio processo de ler e escrever no contexto de compreensão da linguagem e da leitura de mundo, em que o educador considere a identidade cultural dos alunos em processo de ensinoaprendizagem da leitura e escrita. Neste sentido, Paulo Freire destacou a importância do processo de educação ocorrer de maneira dialógica, numa relação horizontal, sendo o diálogo uma ação humana de interação e não

3Graduada

em Psicologia e Mestranda em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador pela Universidade Federal de Uberlândia. 4Graduada em Letras e Pedagogia, Mestre em Letras e Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 12 de 143

de submissão, com respeito à condição, à cultura e ao conhecimento existente do educando. (FREIRE, 2005). Para Barcelos (2014), ensinar exige mais do que o domínio do conteúdo e o manejo das estratégias de ensino. É necessário, também, aprender a problematizar a realidade, a lidar com as improvisações do dia a dia e a fazer interlocuções críticas com a Psicologia, o que pode contribuir, de diversas maneiras, para a formação dos alunos da Educação de Jovens e Adultos. A Psicologia é um espaço significativo de diálogos com outras áreas do conhecimento e de problematizações no campo da subjetividade, nos contextos educacionais. Mais especificamente na Educação de Jovens e Adultos (EJA), é importante para fomentar o debate sobre temas que contribuem para a formação dos alunos (BARCELOS, 2014). Assim, neste artigo apresentaremos algumas das discussões emergidas de uma experiência de docência no curso de aperfeiçoamento "Produção de Material Didático e Formação de Mediadores de Leitura para a Educação de Jovens e Adultos", realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em parceria com o SisFor – Sistema de Gestão e Monitoramento da Formação Continuada do MEC. Dialogaremos sobre a psicologia na formação docente como área de conhecimento essencial para compreensão dos processos de desenvolvimento humana e sobre a presença do psicólogo na EJA como sujeito no espaço escolar que contribui para a compreensão e construção de praticas e de identidades na escola. Psicologia da educação na formação de professores Discutir a Psicologia da Educação na formação de professores é atualmente um imperativo, principalmente na EJA. Nos últimos anos, a formação de professores tem sido debatida e repensada e um debate necessário é o lugar da Psicologia da Educação nesta formação uma vez que esta é um dos elementos fundamentais que compõem a base do conhecimento do ensino também tem sido debatida. A formação docente é um processo permanente que se inicia antes mesmo do ingresso do professor em um curso de licenciatura e continua para alem do término desta etapa. Suas vivencias durante o período escolar, ao longo da vida e outras experiências, influenciam a forma como o educador olha para si mesmo e para o seu fazer pedagógico. As representações coletivas sobre o que é ser professor, o que é ser aluno, o que é escola, influenciam no trabalho desenvolvido pelos professores. Tomando a teoria de Nóvoa (1992) como referência, pode-se defender que é preciso diversificar os modelos e as práticas de formação de maneira a valorizar os saberes do próprio professor como sujeito ativo nos espaços de construção do conhecimento. Selma Pimenta e Maria do Socorro Lima (2010) propõem que a formação de professores seja compreendida como superação de uma formação apenas técnica, no âmbito de seus fundamentos teóricos. Ao longo dos anos (principalmente nas últimas décadas em que são velozes as mudanças) vão surgindo novas possibilidades de ensino, novas formas de sentir, de agir. Assim, a formação de professores tem exigido para nosso tempo uma superação curricular, uma nova forma de organização do trabalho pedagógico em que é preciso reinventar os espaços de formação de professores e de educação, as relação que se estabelecem entre prática e a teoria, além de ser necessário repensar o trabalho coletivo e interdisciplinar. O conhecimento que a Psicologia da Educação leva ao campo educacional é essencial para repensar as praticas docentes, o papel do professor e da escola, as relações que se estabelecem entre sujeito e o conhecimento e entre os sujeitos.Psicologia da Educação visa contribuir no processo de ensino-aprendizagem efetivamente por meio dos estudos desenvolvidos no campo sobre o desenvolvimento humano advindas de duas subáreas: a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia da Aprendizagem. Assim, nas licenciaturas, o campo de estudos da psicologia da educação tem contribuições importantes para a construção de praticas pedagógicas no processo de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 13 de 143

ensino aprendizagem, em especial, destacam-se as teorias sobre o desenvolvimento e a aprendizagem (Piaget, Vigotski e Wallom). Entretanto, é preciso também pensar este campo na perspectiva interdisciplinar, isto é, nas relações e nas intersecções com outras ciências e com a prática, como a lingüística e a pedagogia. Assim, é necessário discutir o significado científico, social e político dessa área de conhecimento, suas contribuições para o processo de ensino-aprendizagem e suas perspectivas. Porém, para, além disto, torna-se importante a Psicologia da Educação para a formação da identidade docente. Neste processo, torna-se necessário que os professores conheçam e tenham consciência de suas crenças, filiações teóricas e seus saberes, de maneira que possam ressignificá-las e (re)construir conceitos, proposições e princípios sobre os saberes docentes, bem como a próprias práticas pedagógicas. Trata-se de pensar a formação e a psicologia na formação como campo de reflexão teórico-prático que contribui para a compreensão e constituição de sentidos para a práxis pedagógica que são dialogicamente construídos nas relações entre os sujeitos e também nas relações com os saberes, as práticas, os conhecimentos. Os saberes do campo da psicologia devem ser mobilizados de diferente modos em diferentes momentos, afinal, cada situação de aprendizagem ou de relações em sala são únicos, “experienciados” por sujeitos únicos. Nesta perspectiva, é preciso que na formação docente, haja momentos de vivências em que os professores possam entender como mobilizar os conhecimento deste campo no cotidiano escolar, seja nas relações entre sujeitos, seja no processo de ensino aprendizagem, em especial no ensino de jovens e adultos que fica por muitas vezes a margem das reflexões realizadas no ambiente acadêmico. Nossa defesa é que a educação seja, como defendeu Paulo Freire, transformadora. Por isso, o professor precisa compreender o lugar que ocupa dentro da escola e compreender como mobilizar saberes de diferentes áreas nas situações de aprendizagem, suas e de seus alunos, de maneira a intervir e transformar o contexto em que se encontram. Desta forma, a educação assume o papel social por muitos autores defendida: transformadora do contexto social e não apenas uma instituição de perpetuação das relações de poder estabelecidas socialmente pelo sistema sócioeconômico capitalista. Em suma, a Psicologia da Educação precisa ser pensada na formação de professores e a fim de que interaja com outros saberes para que não se torne um estudo psicologizado, abstrato e sem interface com outras áreas de saber e com a prática docente. Atuação do psicólogo na EJA O psicólogo tem representado uma demanda atual na Educação de Jovens e Adultos, mas ainda precisa construir seu espaço junto a todos do contexto escolar, em especial por se tratar de uma prática inovadora neste campo específico da educação. (RODRIGUES et al., 2014) Essa proposta tem gerado inúmeros desafios em função da ausência da disciplina Psicologia no processo de formação dos estudantes; ao mesmo tempo, proporciona diversas interlocuções com outras áreas do conhecimento (Filosofia, Sociologia, Biologia, História, Literatura etc) e com os temas transversais previstos nas orientações curriculares nacionais vigentes da Educação Básica. (BARCELOS et al., 2014) Um dos primeiros passos é considerar e respeitar a delimitação entre as práticas do psicólogo e do professor, entendendo que há diferença entre a demanda da coordenação e docência e a real função do psicólogo neste contexto. Avante, é preciso alargar os espaços escolares já cristalizados pelas práticas historicamente construídas. (RODRIGUES et al., 2014)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 14 de 143

É preciso se atentar para formas de atuação do psicólogo no contexto escolar/educacional que rompem com as intervenções tradicionais, focadas nas teorias psicológicas que pouco problematizam a produção concreta das formas de existência. (BARCELOS et al., 2014) Considerando que a Psicologia é uma ciência que esteve presente no campo da Educação ao longo da história do Brasil, cabe a ela compreender o aluno da EJA, seu passado, sua história de vida, seus desejos e aspirações para o futuro, a fim de auxiliar na elaboração e na prática de metodologias de ensino mais efetivas e humanizadoras (SZANTO, 2006). Segundo Rodrigues et al. (2014), o psicólogo pode contribuir na área escolar a partir de suas bases teóricas, que consideram a concepção de homem e de mundo para a execução da intervenção, ou seja, percebe o indivíduo integrado aos sistemas relacionais constituídos cultural e historicamente, e reconhece a complexidade das práticas sociais das quais a educação constitui uma expressão. De fato, o psicólogo considera as esferas em que o sujeito participa (família, escola, sociedade, etc.), compreendendo melhor quais os fatores que levam os indivíduos a ter dificuldades no processo de ensino-aprendizagem e, com isso, pode auxiliar na reestruturação da metodologia. É importante caracterizar o aluno em suas múltiplas determinações (individuais, sociais, econômicas), compreendendo-o e contextualizando-o como sujeito no mundo, e não apenas abordá-lo na sua condição de aluno, com questões que envolvem a instituição escolar e o processo de ensino-aprendizagem, como o currículo e os aspectos metodológicos (SZANTO, 2006). Além disso, o psicólogo pode auxiliar na co-construção das atividades tanto pedagógicas quanto psicossociais, sempre buscando a problematização e a ressignificação das questões que surgem, entendendo o grupo como elemento fundamental para este processo, podendo aprimorar as relações entre os atores sociais desse contexto e o favorecimento dos processos educativos. (RODRIGUES et al., 2014) Para Barcelos et al. (2014), o psicólogo pode ajudar elaborando projeto de docência, delimitando e trabalhando temas de forma biopsicossocial e numa perspectiva histórica e cultural, a partir dos contatos com professores e da aproximação com as disciplinas, cujas áreas têm interface com a Psicologia. Somado a isso, deve colaborar para a desconstrução das práticas que reforçam preconceitos/discriminações e a construção de novas formas de subjetivação, criando de condições que visem eliminar a opressão e a marginalização do ser humano, na promoção de reflexões sobre o preconceito e eliminação do racismo. (BARCELOS et al., 2014) O psicólogo também é peça fundamental no ambiente escolar ao trabalhar com foco nos saberes e práticas institucionais quanto aos “alunos-problema”, seus familiares e o papel e significado da escola em suas vidas, bem como na falta ou insuficiência de planejamento das ações do grupo, tentando construir atividades em conjunto com a equipe de professores e coordenador, e mesmo com os alunos (RODRIGUES et al., 2014). No contexto atual da EJA nas cidades brasileiras, em que o número de adolescentes tem crescido, é fundamental a figura na discussão dentro do espaço escolar sobre estes alunos e a inclusão deles de fato na escola. Neste sentido, conforme Menezes (2013), é função do psicólogo, no contexto escolar, participar de reuniões com pais, professores e administradores, esclarecendo o desenvolvimento dos alunos; participar dos conselhos de classe, avaliando o processo metodológico e promovendo orientações metodológicas de acordo com as características e particularidades dos indivíduos do grupo; observar a escola como um todo, acompanhando a relação professor e aluno, aluno e aluno, favorecendo a integração; auxiliar os educadores na compreensão de problemas na sala de aula, sugerindo atividades, oferecendo estratégias e apoio.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 15 de 143

Por meio de técnicas e métodos próprios, o psicólogo pode também possibilitar a melhoria das condições do processo de aprendizagem, elegendo uma metodologia de intervenção com o objetivo de facilitar e até mesmo desobstruir tal processo, bem como a prevenção dos problemas de aprendizagem, mobilizando a construção de um espaço adequado às condições de aprendizagem de forma a evitar comprometimentos. (MENEZES, 2013) A Psicologia também pode auxiliar na promoção de saúde, demanda fundamental na realidade educacional brasileira, agregando com reflexões críticas e peculiares da área sobre o processo saúde/doença, que contribuem para a formação pessoal, na busca de hábitos saudáveis e qualidade de vida. Afinal, a saúde, em sentido amplo - bem estar físico, social, mental e uma dimensão essencial do desenvolvimento humano -, é um direito de cidadania que deve ser promovido em todos os espaços sociais. (BARCELOS et al., 2014) Por fim, pode contribuir com levantamento de habilidades de enfrentamento e formas de intervenção dos desafios, limites, dificuldades e perspectivas, no sentido de reduzir qualquer tipo de sofrimento proveniente do contexto educacional da EJA. (BARCELOS et al., 2014) Assim sendo, na prática, o psicólogo atua a partir de seus conhecimentos teóricos, observação e levantamento das características, necessidades e demandas subjetivas e institucionais, propondo ações educativas que contribuam, efetivamente, com os processos de formação dos alunos e até mesmo dos professores. Tais ações incluem reuniões de planejamentos, oficinas, dinâmicas de grupo, grupos de estudo para dialogar sobre a realidade institucional escolar, entre outras atividades que possibilitem espaços transversais de diálogos e reflexões críticas sobre temas urgentes e necessários. Nesses espaços, é preciso repensar as ações e técnicas dos profissionais envolvidos, elaborando planos e/ou projetos que possam aprimorar a sua prática educativa; manejar situações de grupo que fortaleçam redes de cooperação e tolerância à diversidade; bem como construir vínculos afetivos que criem e mantenham um clima positivo, favorecendo a aprendizagem e a permanência do aluno na escola. Em poucas palavras, o psicólogo deve se inserir na escola com o objetivo de conhecer o ambiente, o funcionamento da instituição e estabelecer uma aproximação com os professores e os alunos da EJA, observando a escola, conversando com o educador responsável pela disciplina para, em seguida, efetivar ações educativas de acordo com a demanda institucional e adaptado à clientela em questão. Considerações finais Mediante as discussões elucidadas, percebe-se que, na sociedade atual, a escola, ou melhor, as práticas pedagógicas devem ser reinventadas, uma vez que as metodologias tradicionais têm perdido seu espaço em salas de EJA, para uma linha de trabalho mais dinâmica e contextualizada a realidade desses jovens, adultos e idosos, que torna a prática mais atrativa e menos massificante a esse tipo de aluno. (MENEZES, 2013) Diante disso, percebe-se que a Psicologia é um campo de estudos fundamental à Educação de Jovens e Adultos, na medida em que, entendendo o indivíduo no aspecto afetivo, cognitivo, social, corporal, cultural, pode sensibilizar os professores a visualizar o aluno sobre todos os enfoques que levam a aprendizagem; orientá-los para que analisem as capacidades adquiridas por seus alunos evitando sempre o negativismo e os motivando no seu dia a dia; ajudar a pensar em outras abordagens, buscando recursos didáticos adequados àquela realidade; atuar de forma eficaz, tendo a capacidade de avaliar, fazer diagnósticos e intervir, tendo como base as necessidades dos alunos. (MENEZES, 2013)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 16 de 143

Os profissionais que atuam no contexto escolar precisam considerar a aprendizagem como processo de construção coletiva, bem como seus efeitos no contexto escolar. É necessário que o facilitador comprometa-se efetivamente com a aprendizagem de seus alunos, orientando, estimulando e buscando junto a eles o crescimento e até mesmo o envolvimento afetivo em seu meio, pois assim eles enfrentam quaisquer obstáculos para aprimorar seus conhecimentos e aprender junto ao seu educador. (MENEZES, 2013) De fato, os adultos precisam ser incentivados para que tenham motivação e não deixem que os problemas rotineiros os afastem da escola. Também é preciso considerar e aproximar os alunos da sua própria realidade, à sua rotina do dia a dia. Apesar de todo esse repertório de contribuição, percebe-se dificuldades na busca de conteúdos e estratégias metodológicas adequadas à realidade dos alunos e aos temas propostos, que exige leituras e diálogos críticos com a Psicologia. Educação de Jovens e Adultos apresenta muitos desafios, é preciso intervir na adequação das práticas metodológicas, e investir na formação continuada do profissional dessa modalidade de ensino. Nesse contexto, ressalta-se a contribuição da Psicologia que, promovendo uma análise mais aprofundada do processo de aprendizagem e reconhecendo que as dificuldades fazem parte de um sistema bio-psico-social que envolve os alunos, a família, a escola e o meio social onde vive, pode proporcionar uma reinterpretação do verdadeiro fator que leva às dificuldades de aprendizagem, bem como uma reestruturação das práticas metodológicas. Por isso, é preciso estimular e reforçar a importância da Psicologia no contexto da EJA, no sentido de complementar a formação dos educadores com conhecimentos específicos desta área, mas que, simultaneamente, tenham interface com a área da Educação. O psicólogo no contexto escolar pode contribuir tanto de forma direta com os alunos em suas dificuldades e limitações pessoais, considerando suas condições socioeconômicas, ambientais, familiares, fatores genéticos e de personalidade; quanto de forma indireta, em contato com os educadores e administradores da escola, auxiliando na compreensão e reestruturação das práticas metodológicas e até mesmo das relações do ambiente escolar. Por fim, é preciso refletir sobre a formação permanente de professores nas universidades a partir das relações entre prática e teoria. A prática educativa do professor na formação de professores implica na passagem do conhecimento científico para o acadêmico e, para os professores em formação que atuaram na educação básica, cabe construir por meio deste conhecimento, saberes escolares. A transposição didática exige do professor, além de conhecimentos de uma área específica, conhecimentos pedagógicos e de outras muitas áreas de conhecimento. Além disto, na formação de professores deve-se primar pela formação de sujeitos reflexivos capazes de compreender seu papel social, cultural e político dentro da sociedade e no ambiente escolar. Referências BARCELOS, T. M.; FERNANDES, A. A.; PEREIRA, G. J.; PINTO, A. L.; RIBEIRO, L. A. C.; SILVA, J. M.; SILVA, E. R. A.; TONACO, H. A. Experiências da Psicologia na EJA: o estágio de licenciatura da UFG/Campus Catalão. Olhares & Trilhas. Escola de Educação Básica (Eseba) / Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Revista de Educação e Ensino. Ano XVI. Número 19 (JAN./JUN. 2014) FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. MENEZES, E. N. Contribuições psicopedagógicas para o processo de apropriação da leitura e escrita no eja. In: 6ª Encontro Internacional de Formação de Professores e 7º Fórum Permanente de Inovação Tecnológica, 2013, Aracaju. Encontro de Formação de Professores - Ano 2013 /, 2013. v. 4. RODRIGUES, G. T.; AGOSTINHO, S. C.; GESSER, MARIVETE; OLTRAMARI, L. C.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 17 de 143

Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP; v. 18, n. 1, p. 181-184, jan/abr. 2014. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista Poíesis, v. 3, n. 3, p. 5-24, 2005. SZANTO, J. O. Psicologia e Educação de Jovens e Adultos: histórias de vida e caminhos percorridos pelos jovens que voltarim à escola. São Paulo, 2006. 180 p. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 18 de 143

SACRALIDADE CÓSMICA NO ‘POEMA DO MILHO’, DE CORA CORALINA Elizabete Oliveira5 Cristiane Ivo Leite da Silva6 Resumo Esta abordagem apresenta algumas reflexões pautadas no “poema do milho”, da autora goiana Cora Coralina. Trata-se de uma obra destinada ao público infanto-juvenil, onde se personifica o milho, destacando o seu poder de superação e a sua necessária presença nos quintais da classe popular. Entre a representação do real e a sensibilidade advinda da palavra poética, Cora apresenta a envolvente tríade narrativa, ora o milho, ora o lavrador, ora a figura enigmática e envolvente da poetisa. Para o diálogo com os saberes da experiência de Cora Coralina, contamos com Mircea Eliade (1992), Roland Barthes (1988), Maurice Merleau-Ponty (1999), entre outros. Palavras-chave: Literatura; Experiência; Cultura. Resumen Este enfoque presenta algunas reflexiones pautadas en el "poema del maíz", de la autora goiana Cora Coralina. Se trata de una obra destinada al público infanto-juvenil, donde se personifica el maíz, destacando su poder de superación y su necesaria presencia en los patios de la clase popular. Entre la representación del real y la sensibilidad proveniente de la palabra poética, Cora presenta la envoltura tríada narrativa, ora el maíz, ora el labrador, ora la figura enigmática y envolvente de la poetisa. Para el diálogo con los saberes de la experiencia de Cora Coralina, contamos con Mircea Eliade (1992), Roland Barthes (1988), Maurice Merleau-Ponty (1999), entre otros. Palabras clave: Literatura; Experiencia; Cultura. Não é preciso ser um especialista para ler uma ficção. Não é preciso ostentar títulos, apresentar currículos, ou credenciais. A literatura é para todos. Dizendo melhor: é para os corajosos ou, pelo menos, para aqueles que ainda valorizam a coragem. Se você deseja sair de si e experimentar novas possibilidades do existir, então leia. Se deseja correr riscos e perder-se um pouco no instável e no precário, leia. Se você acha a vida insuficiente e deseja o inesperado, leia. Este é o pequeno, mas também precioso, poder da literatura. José Castello7

O texto – Sacralidade cósmica no ‘Poema do milho’, de Cora Coralina - visa destacar no ciclo da vida de uma planta comum pelo povo brasileiro, o jeito próprio de Cora Coralina de olhar o mundo sob as lentes de sua espiritualidade. Trata-se de uma obra que traz como referencial a sensibilidade da autora ao abordar por meio das metáforas, a vida sofrida pela qual passa os povos do interior do Brasil e seu poder inenarrável de superação. No contexto supracitado, a autora implicitamente nos diz que sem humanidade não há espiritualidade, na compreensão de que somos apenas mais um na dimensão do cosmo. Como afirma Mario Sergio Cortella (2012), trata-se de perceber nossa “capacidade de olhar que as coisas Doutoranda em Estudos literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso-PPGEL/UNEMAT. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso/FAPEMAT. Mestre em educação pela UFMT/Universidade Federal de Mato Grosso. 6 Mestranda em Estudos Literários - PPGEL/UNEMAT. Especialista em Literatura e professora de Letras na Educação Básica no município de Curvelândia/MT. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso 7 CASTELLO, José. O poder da literatura. Acesso em 08/09/2013. Em: http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/posts/2012/05/30/o-poder-da-literatura-444909.asp 5

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 19 de 143

não são um fim em si mesmas, que existem razões mais importantes do que o imediato”, que a experiência construída pelo entrelaçamento de saberes e sabores nos ajuda a compreender a riqueza do inefável. São, portanto, saberes que nos permitem abertura para perceber as bonitezas do mundo, nos permitindo sentir prazer nas coisas ínfimas, àquelas imbricadas ao nosso cotidiano. No livro “O sagrado e o profano”, do autor Mircea Eliade, a experiência religiosa surge a partir da construção da vivência situada nas ideias de espaço e tempo, para abordar a manifestação do sagrado o autor romeno propõe o termo hierofania, o qual, segundo o autor, significa que algo novo se mostra por meio de uma realidade diferente daquela vivenciada. Mircea Eliade (1992) destaca ainda que: [...] manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa, e contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do seu meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (com maior exatidão: de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, a sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural. Por outros termos, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmos na sua totalidade pode tornar-se uma hierofania. (ELIADE, 1992, p.13)

É possível observar na narrativa de Cora Coralina, que ao longo do enredo, as percepções de Mircea Eliade (1992) se projetam por intermédio da voz do narrador, onde o milho destaca sua humildade e seu poder alimentício, não só do corpo, como também da alma. O leitor é envolvido de modo a perceber a sacralidade cósmica que se apresenta pelo enredo, ora com uma linguagem metáforica, ora referencial. Além disso, o ‘Poema do Milho’ traz de modo sutil o paradoxo existente na vida social, de um lado o proletariado, suas dificuldades e necessidades de rupturas, de outro a vida cômoda da burguesia e o seu poder de exploração. O princípio de sacralidade se efetiva no momento em que a imagem do milho aponta para além do seu sentido literal, transcende de forma que carrega consigo a existência do ser humano no pulsar de suas vivências cotidianas. Nesse sentido, Mircea Eliade (1992, p. 15), destaca que conhecer essas vivências interessa não apenas ao historiador de religiões, mas “[...] a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana”. Nesse sentido, vale destacar que, o sagrado, tal como queremos delimitar, não reside em discursos didáticoreligiosos ou na determinação de rituais, elementos dogmáticos ou símbolos comuns às religiões universalmente conhecidas. O sagrado, como aqui tratamos, necessita de um processo de interpretação semelhante à metáfora. (GRIBL, 2001, s/p)

A espiritualidade, dessa forma, é construído nas vivências dos contextos socioculturais, históricos e ambientais, na (re)existência humana. Portanto, acreditamos que não depende de contextos religiosos particulares, já a religiosidade, muitas vezes, é tratada como uma adesão às crenças e práticas de um determinado sistema religioso. Embora não iremos aprofundar no distanciamento entre os dois conceitos, é importante destacar que é a aproximação e o entrelaçamento entre os dois aspectos que nos permitem a simbologia de sentidos. Cora Coralina personifica o milho, de modo que ele mesmo é quem constrói o início da narrativa, declarando em primeira pessoa: Senhor, nada valho. Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 20 de 143

Nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor, Mesmo planta de acaso, solitária, Dou espigas e devolvo em muitos grãos O grão perdido inicial, salvo por milagre, Que a terra fecundou. (CORALINA, 2006, p.04) O narrador durante toda a construção do enredo vai se desfazendo e se refazendo, de modo a enfatizar a dualidade existente entre o existir e o não existir, na qual vai construindo sua resistência em meio às adversidades a ele atribuídas. Vejamos: “Sou a planta primária da lavoura. Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal. O justo não me consagrou pão de vida, nem lugar me foi dado nos altares” (CORALINA, 2006, p.04). Ao apresentar suas características, o milho, vai pela lente generosa de sua progenitora traçando sua desimportância, como diria o poeta Manoel de Barros e, nesse afã, constrói o quão necessário é para a alegria dos animais e do proletariado. Além disso, o poema traz uma denúncia à feroz corrida pelo capitalismo. Sou a farinha econômica do proletariado. Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha. O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro. Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paios. Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, Que me fizestes necessário e humilde. Sou o milho. (CORALINA, 2006, p.07) No jogo entre desconstrução e construção, o narrador ainda nos aproxima dos saberes tradicionais do lavrador, “Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais: observatório: lua virada. Lua pendida... circo amarelo, distanciado, marcando chuva. Calendário, Astronomia do lavrador” (CORALINA, 2006, p.12). São, portanto, saberes advindos da vivência e passado de geração a geração. Por meio do elemento sensível, o milho apresenta ainda a comunhão indissociável entre o ser humano-natureza, enfatizando a aliança entre ambos: “Pai da terra. Ascendente da terra. Descendente da terra. Ele, mesmo, terra” (CORALINA, 2006, p. 14). Nesse sentido, podemos afirmar que: Transformando a natureza em palavras, o poeta devolve-lhe também o seu estado original, onde esta não mais é concebida ao usufruto do ser humano, ao contrário, é vista como ele próprio, ser humano-mundo aliado à busca incessante pelo bem viver em comunhão com o outro. Esta unicidade torna-se necessária para se perceber as outras coisas que, juntamente, com ele, perfazem o ambiente. (OLIVEIRA, 2012)8

O conhecimento acadêmico na obra de Coralina dá lugar aos saberes dado pela vivência histórica, social e ambiental dos seres humanos “Cava e planta. Gestos pretéritos, imemoriais.

8

OLIVEIRA, Elizabete. Disfunções líricas: delírios verbais de um poeta mato-grossense. Em: http://dessaberes8.blogspot.com.br/2012/06/disfuncoes-liricas.html - Acesso em: 14/09/2013.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 21 de 143

Oferta remota, patriarcal. Liturgia milenária. Ritual de paz”(CORALINA, 2006, p.15). À memória, portanto, é dado o poder de guardar e proliferar conhecimentos, de modo que ultrapassem as barreiras do tempo e ecoem pela eternidade. Observa-se que o ser humano, tal qual descrito pela poetisa, se percebe dentro da magia cósmica do mundo, compreendendo que os saberes existem para que sejam com-partilhados. Durante o enredo o milho parece dar lugar ao lavrador que destaca as intempéries pelo qual passa o milho até chegar à colheita, a ruptura que enfrenta com as adversidades do tempo, a perseguição que sofre pelos seus predadores, o mato crescente, entre tantas outras intempéries. “E vém a perseguição: o bichinho anônimo que espia, pressente. A formiga-cortadeira-quenquém. A ratinha do chão, exploradeira [...]”. Mas, enfim, nasce. Porém, logo após ainda surgem outros desafios, “as pragas todas, conluiadas. Carrapicho. Amargoso. Picão”, mas com a ajuda da enxada, ele cresce entonado, disciplinado e sadio. Observa-se, nesse fragmento, que o sofrimento dá força e vivacidade, aumenta o poder de superação, momento em que se percebe novamente a dinâmica entre a natureza e o ser humano, pois além de ressaltar que são as dores e sofrimentos que o torna forte, ainda ressalta que a união o faz superar as dificuldades. Após o milho embandeirado, a autora assume a narrativa e traz delírio ao cenário da abundância vegetal, dando maior poeticidade à narrativa. Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas. Cabelos prateados, verde-gaio. Cabelos roxos, lisos, encrespados. Destrançados. Cabelos compridos, curtos, Queimados, despenteados... Xampu de chuvas... Fragrâncias novas no milharal. - Senhor, como a roça cheira bem! (CORALINA, 2006, p.26). Outro fator interessante da obra é que a autora não se afasta da sua identidade em dar destaque à linguagem oral: “- O mio ta bonito...”, “- Vai sê bão o tempo pras lavoras todas...”, “- O mio ta marcando...” e, assim, entre conluios, a poetisa vai se imortalizando. Observa-se que a autora trabalha com os saberes do povo e, é na descrição de sua escuta que podemos dizer que Cora Coralina traz o seu testemunho, para que o leitor observe a veracidade dos fatos, pois para Barthes (1988), Na história auditiva, o ouvido volta a ser o que era na Idade Média: não apenas o primeiro dos sentidos (antes do tato e da vista), mas o sentido que fundamenta o acontecimento. [...] A palavra [...], nos termos da cultura ocidental, em que nada privado de sentido pode ser captado, ela era o próprio acontecimento. A distância milenar entre o ato e o discurso, acontecimento e testemunho, atenuou-se [...].

Para Walter Benjamin (1994), o verdadeiro narrador é aquele que conta sua histórias calcadas nas suas experiências e/ou nas experiências alheias e, constatamos que Cora Coralina se aproxima do perfil destacado pelo autor, pois publicou seu primeiro livro aos 70 anos e teve como trans/inspiração suas próprias vivências e saberes. Se considerarmos a biografia da autora verificaremos que há espaços mais significativos que outros, que se fazem a partir das experiências sociais, afetivas e/ou culturais. A esse respeito vale à pena trazer um pequeno fragmento de um outro poema de Cora Coralina, onde a poetisa declara o valor da experiência, a qual se obtém ao longo da existência humana, bem como, o poder que este conhecimento pode influir nas gerações futuras.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 22 de 143 Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos, esclarecer aos jovens suas posições e mostrar-lhes as verdades que viveram e que os tornaram melhores. Entreguemos o amor ao ser amado, sem vergonha e sem medo, e vivamos esse amor intensa e completamente, na alma e no corpo. Se disserem que idade não é documento..., mostremos que é sim, documento importante porque repleto de experiência e de aprendizagens muitas vezes à custa de sofrimento. Somos todos lindos, independente de aparência física, porque é linda nossa alma e linda a nossa coragem de amar! Portanto, não nos enterremos antes da hora. Vivamos, vivamos! No momento certo, outros nos enterrarão, gratos pelas lições que lhes deixamos (CORALINA)9.

Com as palavras acima, Cora reforça a importância de deixar fluir o poder da literatura em nossas vidas, de modo que os saberes dela advindos sejam capazes de contaminar outros seres humanos, a fim de legar a outros nossa crença em um mundo inclusivo, libertador e democrático. A obra em destaque é destinada ao público infanto-juvenil, onde Cora Coralina com sua perspicácia poética personifica o milho e destaca o poder de superação dessa planta. No entanto, se estudada com maior profundidade veremos que não há público especifíco, pois trata-se de uma produção que reacende no ser humano a necessidade de romper com as normas de um saber cartesiano, convencional, pois não há fronteira específica entre um saber e outro, o conhecimento se faz é na espiral não linear dos acontecimentos e das coisas. Nessa perspectiva, acreditamos que a poetisa coloca em evidência a perspectiva tridimensional da educação, pois considera, respeita e valoriza a relação entre o eu, o outro e o mundo, como aborda Merleau-Ponty (1999), no livro “Fenomenologia da percepção”. Entre a representação do real, a magia que permeia os devaneios humanos e a sensibilidade advinda da palavra poética, Cora apresenta a envolvente tríade narrativa, ora o milho, ora o lavrador, ora a figura enigmática e envolvente da poetisa. Assim, entre a construção metafórica, a linguagem oral e os saberes decorrentes da experiência, a autora evidencia o poder despretensioso e necessário da arte literária, a qual se movimenta na/pela sinestesia presente na diversidade que habita o cosmo. Referências bibliográficas BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. Trad. Mario Laranjeira, Brasiliense, 1988. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. CORALINA, Cora. Poema do milho. Ilustração: Lélis. São Paulo: Global, 2006. CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petropólis, RJ: Vozes, 2012. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz & Terra, 1996. GRIBL, Heitor. Em busca pelo sagrado na obra de Cora Coralina. UNICAMP/IEL. 2001. Acesso em: 05.09.2013. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

9

Fragmento retirado do site: http://www.paralerepensar.com.br/coracoralina.htm. Acesso em: 08/09/2013.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 23 de 143

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL Elizângela Rodrigues de Aguiar10 Marciléia Oliveira Bispo11 Resumo Em sua pratica pedagógica o professor busca diversificar os recursos disponíveis para suporte em suas aulas, no entanto o livro didático ainda é um dos recursos mais utilizados. A presente pesquisa teve como objetivos: analisar o ensino da Geografia da População no livro didático; descrever os temas de geografia da população e como a geografia da população é abordada no livro didático. A investigação ocorreu nos livros didáticos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, verificando como se apresenta a geografia na população nos livros do Ensino fundamental na rede municipal na cidade de Gurupi – Tocantins. O estudo se caracteriza como pesquisa qualitativa. Como um dos resultados encontrados na pesquisa, vemos que um currículo de Geografia que aborde a Geografia da População nas séries iniciais deve ter em vista as transformações sociais que impulsionaram um olhar crítico na ciência geográfica, ramo do conhecimento que precisa entender as relações produtivas e espaciais. Palavras-chave: Geografia da População; Livro didático; Ensino Fundamental Resumén En su práctica pedagógica el profesor busca diversificar los recursos disponibles para soporte en sus clases, sin embargo el libro didáctico sigue siendo uno de los recursos más utilizados. La presente investigación tuvo como objetivos: analizar la enseñanza de la Geografía de la Población en el libro didáctico; Describir los temas de geografía de la población y cómo la geografía de la población es abordada en el libro didáctico. La investigación ocurrió en los libros didácticos del 1º al 9º año de la enseñanza fundamental, verificando cómo se presenta la geografía en la población en los libros de la Enseñanza fundamental en la red municipal en la ciudad de Gurupi - Tocantins. El estudio se caracteriza como pesquisa cualitativa. Como uno de los resultados encontrados en la investigación, vemos que un currículo de Geografía que aborde la Geografía de la Población en las series iniciales debe tener en vista las transformaciones sociales que impulsaron una crítica en la ciencia geográfica, ramo del conocimiento que necesita entender las relaciones productivas y espaciales . Palavras –clave: Geografía de la Población; Libro Didáctico; Enseñanza Fundamental Introdução O texto que se apresenta refere-se a uma pesquisa realizada com intuito de analisar como é ensino de Geografia da população e como esta se apresenta nos livros didáticos da Educação Básica, sobretudo nos anos iniciais do Ensino fundamental. O tema apresenta-se numa escala local, investigando os livros didáticos de Geografia utilizados nas escolas municipais da cidade de Gurupi – TO. Nas primeiras décadas do século XXI, o ensino da disciplina Geografia tem passado por processos de transformações que levam em conta a percepção dos alunos no que se refere aos

Graduada em Geografia pela Universidade Federal do Tocantins. Professora Doutora do curso de Graduação e Pós-graduação em Geografia, campus de Porto Nacional, Universidade Federal do Tocantins. 10 11

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 24 de 143

fundamentos geográficos. Na sala de aula, costumam-se encontrar práticas escolares que se apoiam em propostas pedagógicas tradicionais e as que recorrem a abordagens críticas da disciplina. Sabemos que um dos recursos didáticos que está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da Geografia na escola é o livro didático, que, em muitos casos, foi e é o único orientador das aulas. Mesmo sendo importante, o livro didático pode apresentar lacunas relacionadas aos conteúdos voltados para a realidade do município onde o aluno vive. Nesse sentido, propomo-nos a contribuir para a análise e reflexão acerca do ensino de Geografia da População, entender as diferentes formas que o tema população é abordado nos livros didáticos e investigar a prática do professor relacionada ao conteúdo de Geografia da População referente ao município de Gurupi - TO. Enquanto disciplina escolar, a Geografia foi institucionalizada no Brasil desde o início do século XIX (VESENTINI, 2004), passando por períodos de evidência e de decadência. Atualmente, a Geografia faz parte do currículo escolar do 1º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio 12. Durante todos os anos estudados no ensino fundamental, novos conteúdos são ministrados pelos professores a partir e por meio dos livros didáticos. Analisando a importância dos livros didáticos na sala de aula, a pedagogia contemporânea propõe que os professores os utilizem como apoio e não como guia exclusivo de suas práticas didático-pedagógicas, sugerindo o uso de outros recursos didáticos para facilitar a aprendizagem dos alunos. Diante dessas observações, levantamos as seguintes questões: os conteúdos sobre Geografia da População abordados nos livros de Geografia adotados pelo município de Gurupi contemplam dados locais? De que maneira inserir dados sobre Geografia da População relacionados a Gurupi na proposta curricular de Geografia? Foram estabelecidos os seguintes objetivos: analisar o ensino da Geografia da População no livro didático utilizado em escolas municipais; destacar a importância do ensino da Geografia da População; descrever os temas de geografia da população presentes no livro didático utilizado nas escolas municipais; discutir a importância da Geografia da População abordada no livro didático e a sua relação com a realidade local; sugerir estratégias de inserção da Geografia da População com dados de Gurupi na proposta curricular de Geografia. Como procedimento metodológico primeiramente, foi feito um levantamento bibliográfico, seguido de pesquisa de campo realizada em oito escolas de ensino fundamental, nas quais foram entrevistados oito professores de Geografia. Por último, a produção deste texto, dedicado à organização das informações e análise dos livros didáticos e da estreita relação deles com o ensino de Geografia, propondo algumas reflexões que nos fazem repensar a prática pedagógica enquanto professores de Geografia. A Geografia e o estudo da população no Brasil A Geografia é uma das várias ciências que estuda a população. Na Geografia há um ramo chamado Geografia da População que aqui denominaremos segundo Dantas (2011, et al), é o ramo do conhecimento geográfico que identifica e analisa os fenômenos que se (re) produzem no espaço, visando a compreender as múltiplas relações que se estabelecem entre as pessoas na dinâmica que envolve a sociedade, os recursos ambientais e os meios técnicos. Há uma proposta em curso do ministério da Educação, ano 2017, para mudanças no currículo do Ensino Médio que será vai ser dividido em dois, uma parte com disciplinas fixas obrigatórias e outra com optativas. E a haverá alterações na carga teórica da disciplina de Geografia . 12

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 25 de 143

Ainda segundo Dantas et al (2011, p. 13), [...] a Terra vai se transformando nesse ambiente plural, legando à Geografia da População outras variáveis que precisam ser compreendidas para completar as chaves de leitura que compõem o seu arquivo de interpretação. Assim, aos aspectos biológicos agregam-se a organização cultural, política, econômica e territorial da sociedade, que repercutem, por exemplo, no número de pessoas empregadas (população economicamente ativa), no número de pessoas que se desloca de um lugar para outro e nas razões e consequências dessa mobilidade (migração), no número de pessoas que nascem e morrem em um local (crescimento populacional) e no número de pessoas que vivem em uma localidade e na forma como ocupam esse espaço (distribuição populacional). A busca pela compreensão dos fenômenos que geram essas diferenças, suas causas e consequências conduz a análise da dinâmica populacional que, na perspectiva da Geografia da População, é investigada a partir da espacialização dos seguintes aspectos: crescimento, migrações, estrutura e distribuição populacional. (Grifos nossos)

Para a autora, a geografia da população deve ser entendida nos aspectos biológicos que se agregam à organização cultural, política, econômica e territorial da sociedade. Já para Mormul (2013, p. 40), [...] a Geografia na maioria das vezes discute a população priorizando a questão da migração, ou a questão da distribuição. Contudo, sabemos que não encontraremos manifestações “puras” dos estudos populacionais na ciência geográfica, encontraremos sim, momentos de maior adesão aos estudos de população e outros de “desaquecimento” frente a esta temática.

Ainda para Mormul (2013, p. 41), a população não é um conceito numérico, por isso uma só ciência não dá conta de explicá-la. Assim sendo, a autora destaca a Demografia, a Biologia, a Antropologia, a Filosofia, cada uma contribuindo a seu modo. Reconhecemos, portanto, que a troca de conhecimentos entre algumas áreas definidas como ciências humanas pode contribuir para que temas como população passem a ser estudados de forma mais comprometida, inclusive pela Geografia. De acordo com Rique (2004, p.30), [...] o estudo da população na Geografia exige o aporte de outras ciências sociais como a Economia Política e a Sociologia, para explicar o porquê do lugar de pessoas nas classes sociais, a perda dos indivíduos na coisidade da força de trabalho do homem genérico, ao mesmo tempo submetido na sociedade, não por obra do acaso, mas das leis sociais dominantes.

A Geografia da População tem como objetivo a análise da dinâmica do crescimento populacional e de sua distribuição espacial. A velocidade e a intensidade com que esse crescimento tem ocorrido vêm despertando na comunidade internacional o interesse para os estudos focados nas relações entre o desenvolvimento econômico, o crescimento populacional e os recursos naturais disponíveis. Para Zelinsky (1969, p. 2), a geografia da população pode ser definida com precisão [...] como a ciência que trata dos modos pelos quais o caráter geográfico dos lugares é formado por um conjunto de fenômenos de população que varia no

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 26 de 143 interior deles através do tempo e do espaço, na medida em que seguem os outros e relacionando-se com numerosos fenômenos não demográficos.

A elaboração de uma disciplina identificável como Geografia da População só começou por volta dos anos 1950, “[...] cuja principal diferença estava na multiplicação de títulos consagrados integralmente à compreensão do tema população no interior da ciência geográfica” (MORMUL, 2013, p. 43). A partir de então, Geografia da População não só foi definindo sua posição no contexto da sociedade geográfica, como também, na prática, passou a contribuir para a melhor explicação das realidades espacialmente observáveis. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi criado em 1937 com a missão de identificar e analisar o território, apresentar a população, mostrar como a economia evolui através do trabalho e da produção das pessoas e revelar como elas vivem. Para a efetivação desse trabalho, a Geografia da População representa valiosa contribuição. O IBGE é uma entidade da administração pública federal, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que possui quatro diretorias e dois outros órgãos centrais. Uma das suas ações é a realização do censo populacional, com objetivo de coletar informações sobre quem somos, quantos somos, onde estamos e como vivemos (IBGE, 2014). Os primeiros resultados definitivos, divulgados em novembro de 2010, apontaram para uma população de 190.732.694 pessoas. Em abril de 2011, foi divulgada a Sinopse do Censo Demográfico, com informações sobre domicílios recenseados, segundo a espécie, população residente, segundo as unidades da federação e municípios. Em novembro de 2011, mais resultados chegaram ao conhecimento do público com a publicação de Censo Demográfico: Características da população e dos domicílios: resultados do universo; Censo Demográfico: Resultados preliminares da amostra; Indicadores Sociais Municipais: Uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico e Base de Informações do Censo Demográfico: Resultados do universo por setor censitário. Essas informações são importantes porque “em conjunto contextualizam as mudanças contemporâneas na Geografia da População brasileira, vindo ao encontro do crescente interesse despertado, nos últimos tempos, pelo entendimento do território em múltiplas escalas geográficas” (IBGE, 2014). A seguir, apresentamos alguns dados populacionais de Gurupi, uma vez que fazemos um diagnóstico sobre a Geografia da População a partir dos livros didáticos utilizados nesse município. Geografia da População e algumas informações populacionais de Gurupi - To Entendemos que para compreender a abordagem da Geografia da População no ensino municipal, é necessário conhecer o município e sua população. Assim, a cidade de Gurupi teve como primeiros habitantes os índios Xerentes, que, aos poucos, foram se afastando do local de origem, em consequência da presença dos primeiros desbravadores atraídos pelas descobertas de manchões de cristal e, principalmente, com o objetivo de formar fazendas para criação e agricultura.O topônimo “Gurupi” significava “diamante puro” na língua xerente. Gentílico: gurupiense (Prefeitura municipal de Gurupi). Segundo o IBGE (2010), a descoberta do local em que hoje é a cidade de Gurupi ocorreu em 1932 (a época ainda estado de Goiás). Entretanto, somente a partir de 1946 é que exploradores, procedentes de Dueré, Porto Nacional e outras regiões, fixaram-se no lugar, dando início à

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 27 de 143

formação do arraial. Concorreu fortemente para o seu desenvolvimento a construção da rodovia BR-14, ou Belém-Brasília, quando se fez uma planta rústica da cidade, com localização da igreja matriz e a abertura das principais avenidas. Em 1956 elevou-se o povoado a distrito, pertencente ao município de Porto Nacional e, em 1958, pela lei estadual nº 2140, alcançou sua emancipação político-administrativa, dando-se a instalação em 1959 (IBGE, 2010). Atualmente (2017), Gurupi é a terceira maior cidade do Tocantins em termos populacionais, é um polo regional do sul do estado. As principais fontes de renda do município são a pecuária e a agricultura. As avenidas de Gurupi têm os nomes dos estados brasileiros, sendo a principal a Avenida Goiás. As ruas, apesar de renomeadas para homenagear personalidades históricas, ainda são chamadas de acordo com sua numeração. Possui um campus da Universidade Federal do Tocantins (UFT) oferecendo os cursos de Agronomia, Biologia, Engenharia Florestal, Engenharia Biotecnológica e de Bioprocessos e Química Ambiental. Também está presente o Centro Universitário Unirg, contando com diverosos cursos em nível de graduação. De acordo com o Censo do IBGE (2010), a evolução populacional de Gurupi teve um aumento considerável de 1991 a 2010, sendo o ultimo censo acusando uma população de 169.799.170. O panorama educacional da Educação Básica de Gurupi é retratado de acordo com o Censo de 2012, com um total de 12.389 matriculas. Segundo Martins (2014), a cidade está dividida em cerca de 30 bairros. Conforme o censo 2010, a população masculina é de 38.107, e a feminina é de 38.648 habitantes (IBGE, 2010). Esses dados que conseguimos coletar sobre o município e os aspectos populacionais evidenciam a escassez de fontes sobre o assunto. Pois encontramos informações somente no site do IBGE e na Prefeitura Municipal. Quanto à literatura específica sobre o município, encontramos duas obras que narram a história dele, mas não trazem dados populacionais. Diante disso, retomamos o questionamento apresentado na introdução: de que maneira podem-se inserir dados sobre Geografia da População relacionados a Gurupi na proposta curricular de Geografia? Assim, passamos à discorrer sobre como se apresenta o livro didático e o ensino de Geografia da População no ensino municipal em Gurupi. O livro didático e o ensino da Geografia da População O livro didático é muito valorizado como instrumento pedagógico pelo professor e que o aluno utiliza em sala de aula. O livro didático assume certa importância dentro da prática de ensino brasileira nestes últimos anos, isso é notável, principalmente, em países como o Brasil, onde a precaríssima situação educacional faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 6).

Para melhor aprendizagem dos alunos, o professor comprometido com a prática educacional busca na diversidade de recursos disponíveis o apoio para a construção do conhecimento. Aulas ilustradas com mapas, globo terrestre, gravuras, cartazes, o livro didático, além do uso de tecnologia, como data show, entre outras técnicas de pesquisas informacionais, deveriam ser recorrentes em sala de aula.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 28 de 143

Entre os recursos usados pelo docente de Geografia, o livro didático é importante, no entanto, é tido como essencial por muitos docentes. Deveria ser um recurso de complemento às atividades didático-pedagógicas, pois, de acordo com Libâneo (1994, p.128), Não basta a seleção e organização lógica dos conteúdos para transmiti-los. Antes, os próprios conteúdos devem incluir elementos da vivência prática dos alunos para torná-los mais significativos, mais vivos, mais vitais, de modo que eles possam assimilá-los ativa e conscientemente.

Desse modo, um professor comprometido com sua profissão, responsável pela boa formação de seus alunos, coloca-os como sujeitos na produção do conhecimento. Assim, concordamos com Mormul e Rocha (2012, p.144) quando questionam: Então, como nós geógrafos e professores de Geografia, podemos entender a População e, ao mesmo tempo, contribuir de forma significativa para repensar as questões ligadas à População? Percebemos que isso está baseado na concepção de ciência e de Geografia que temos, ou seja, enquanto professores e pesquisadores nos apropriamos e sofremos influência de ideias já existentes, e acima de tudo, buscamos construir algo novo. Neste sentido, nossa indagação faz sentido na medida em que situamo-las na realidade e continuamos a busca de desvelar nossa inquietação.

A ideia de que os livros didáticos trazem uma verdade absoluta já faz parte da cultura escolar. Silva (2006, p. 206) lembra que [...] a escola é uma instituição da sociedade, que possui suas próprias formas de ação e de razão, construídas no decorrer da sua história, tomando por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as determinações externas a ela e as suas tradições, as quais se refletem na sua organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e cotidianas, nas salas de aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo, segmentado, fracionado ou não.

O livro didático exerce um papel de importância e influência na sala de aula e seu uso já tem se tornado tradição. Vemos que o problema está em creditar por boa parte dos professores, de que o livro está acima de contestações, Acreditamos que, diante da realidade atual, a perspectiva de considerar o livro didático uma verdade absoluta precisa ser repensada ou minimizada. Diante do debate teórico acerca das funções do livro didático, pode-se dizer que ele “constituiu-se em um instrumento privilegiado do controle estatal sobre o ensino e aprendizado dos diferentes níveis escolares” (BITTENCOURT, 1993, p.18). “O uso e a posse do livro didático inserem-se em uma complexa teia de relações e de representações sociais” (BITTENCOURT, 1993, p. 02), que vão desde sua concepção como um dos principais produtos do mercado editorial, até sua relação com a aprendizagem do educando e a prática docente. Dessa forma passamos, assim, à análise sobre o ensino de Geografia da População e dos livros didáticos no ensino municipal de Gurupi. O ensino da Geografia da População nos livros didáticos adotados nas escolas municipais de Gurupi Gurupi possui 16 escolas municipais, dessas, uma fica na zona rural e as demais no perímetro urbano. Todas utilizam o mesmo livro de Geografia adotado pelo município. Antes de fazer entrevistas com os professores das escolas municipais, analisamos os livros de Geografia que abordam o tema população. Os do ensino fundamental do 1º ao 9º ano eram da

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 29 de 143

Editora Porta Aberta e do Projeto Araribá. Dos livros analisados, os que contemplavam Geografia da População eram o do 5º (Editora Porta Aberta), do 7º e 8º anos (Projeto Araribá). As escolas públicas municipais pesquisadas recebem todos os materiais escolares pelas editoras e escolhem o livro a ser adotado. Em relação ao livro de Geografia, as escolas municipais de Gurupi procuram adotar o mesmo que as estaduais (Tocantins). O livro do 5º ano, da editora Porta Aberta, aborda a temática da população na unidade 2. Fala sobre quem são os brasileiros, o cidadão brasileiro, a população brasileira e onde vivem os brasileiros. No livro do 7º ano, do Projeto Araribá, a temática da população aparece na unidade 2, na qual são abordados os aspectos demográficos e a formação da população brasileira, os movimentos migratórios, a população e o trabalho no Brasil. O livro do 8º ano aborda a população da América – características demográficas, indicadores sociais e a estrutura etária dos países. Percebemos que em nenhum dos livros citados, aborda-se enfaticamente sobre o município, o que provocou o desenvolvimento deste texto. A pesquisa foi feita utilizando a abordagem qualitativa. Foi realizado um levantamento bibliográfico a respeito do tema e feita uma análise do livro didático adotado pela secretaria de educação do município quanto ao crescimento populacional, à distribuição geográfica da população e à estrutura da população. Foi aplicado um questionário semiestruturado a sete professores de Geografia que trabalham em oito escolas. Lembramos que o município possui um total de 16 escolas de ensino fundamental. Ao aplicarmos questionário aos professores de geografia das oito escolas municipais, notamos que a maioria possui formação em outra área que não a geografia. 90% dos professores entrevistados são formados em Pedagogia Normal Superior e História e apenas 10% são licenciados em Geografia. No questionário aplicado aos professores, constaram questões sobre a abordagem de Geografia da População no livro didático e sua importância para o ensino da Geografia. A entrevista continha nove questões, desde identificação do profissional, tempo de ministração da disciplina, até questões pertinentes ao ensino de Geografia. Tardif (2006, p. 39) aponta como características de um professor ideal: “[...] conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”. Partindo dessa caracterização, percebemos que os professores que ministram a disciplina Geografia possuem dificuldades para ministrá-la. Na pesquisa o tempo de atuação em sala de aula varia. Alguns estão há mais de cinco anos, outro até cinco anos e um a menos de um ano. Quando questionados sobre os conteúdos de Geografia da População que o livro didático aborda. Os professores responderam o seguinte: “Geralmente são aspectos geográficos relacionados à ocupação” “A formação da população brasileira. Os movimentos migratórios. A população e o trabalho no Brasil”. “Aborda a população brasileira em geral, sendo destacado os estados mais populosos, mais ou menos populosos e menos populosos e a densidade demográfica por km”. “Quem são os brasileiros. O cidadão brasileiro. A população brasileira. Onde vivem os brasileiros” “São vários. Distribuição, composição, migração, regionalização, natureza, lugares, perspectivas geográficas, crescimento, diminuição do número da população, etc”. “Migrações, miscigenação, imigrações e emigrações, urbanização”

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 30 de 143

Percebemos que alguns relacionaram todo o conteúdo contido no livro didático, enquanto outros apenas o citaram superficialmente, no entanto, as respostas condizem com o que é trabalhado a partir do livro didático nas séries citadas. Ao serem questionados se os conteúdos abordados pelo livro didático eram adaptados à realidade dos alunos, dos oito professores 6 disseram que não e a dois disseram que sim. Aqui se abre uma indagação importante e conflituosa. A Geografia é a ciência que tem como objeto o espaço, que deve ser abordado de forma multiescalar, relacionando os espaços local, regional e global. Portanto, se os professores não trabalham com a realidade do aluno, significa que o espaço objeto da Geografia não é apresentado ou estudado de forma multiescalar. Essa questão é central para o ensino de Geografia, e mais ainda quando da abordagem da Geografia da População. Sobre a importância de se trabalhar a Geografia da População no ensino fundamental, 80% dos professores responderam que era de grande importância para a aprendizagem dos alunos, principalmente sobre a população de seu município. O objetivo da prática em Geografia é de formar cidadãos com sensibilidade ao espaço das coisas, aos fenômenos que elas vivenciam ou não, é definir o espaço ocupado por nós e pelas coisas. É entender que vivemos em um espaço, e que tudo que existe ocupa um lugar nesse espaço. Quando perguntados sobre a forma como trabalhavam os dados relacionados à Geografia da População sobre Gurupi, todos afirmaram ter muita dificuldade, pois poucos são os meios de acesso a essas informações e quando encontram são insuficientes. Todos os professores entrevistados, formados ou não em Geografia, utilizam os mesmos meios e métodos de pesquisa para planejar e ministrar as aulas voltadas para o estudo da população. Citaram: sites (oficiais ou não), livros didáticos, dentre outros. Lembramos que, para escrever este texto, também tivemos dificuldades em obter dados relacionados à população de Gurupi. Quanto à inserção de dados referentes a Gurupi na proposta curricular de Geografia do município, alguns professores responderam que o tema deve ser debatido e analisado entre os professores de Geografia, para depois ser inserido na proposta curricular do município. Um professor, disse que “é importante que os alunos conheçam primeiro a geografia do município em que vive para depois conhecer o Estado, o Brasil e o mundo”. Outro já entende que a inserção do tema geografia d a população deve ser feita no Plano Anual. Cavalcanti (2002, p. 29-30) destaca que, A partir de estudos e pesquisas produzidas nos últimos anos, é possível realizar um balanço provisório e, a partir dele, encontrar orientações curriculares que convirjam para uma proposta de ensino de geografia voltada para a formação de cidadãos críticos e participativos.

Cavalcanti destaca que a construção de uma visão crítica pelo professor, o domínio das teorias educacionais, a articulação da realidade cotidiana com a realidade mundial e a construção de uma ação pedagógica referem-se pela mediação entre os conteúdos ministrados e os alunos. Assim, eles devem articular-se na compreensão dos saberes pedagógicos e dos conceitos geográficos. Para isso acontecer, é necessária a reflexão sobre a prática de ensino. Diante das respostas, observamos que é incipiente a discussão sobre a geografia da população no ensino fundamental de Gurupi e ate mesmo os dados no que diz respeito ao estudo populacional de Gurupi. A inserção da discussão sobre os dados populacionais de Gurupi deve ser construída no currículo, nunca entendido apenas como

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 31 de 143 [...] um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 2001, p. 8).

Considerações finais Assim, um currículo de Geografia que aborde a Geografia da População nas séries iniciais deve ter em vista as transformações sociais que impulsionaram um olhar crítico na ciência geográfica, ramo do conhecimento que precisa entender as relações produtivas e espaciais. Defendemos que como professores de geografia, faz necessário desmistificar dogmas, questionar teorias, praticar a dúvida, esclarecer as diferenças, propor soluções, analisar os conflitos e buscar mudar ou transformar a realidade para melhor. São grandes os desafios enfrentados pelo profissional docente, mas manter-se atualizado e desenvolver práticas pedagógicas eficientes faz o diferencial tão necessário a essa profissão. Com relação à análise dos livros didáticos adotados pelas escolas envolvidas na pesquisa, destacamos que a coleção do Projeto Araribá, coleção de Geografia, apresenta uma estrutura adequada em termos de organização de conteúdos e desenvolvimento para o ensino fundamental, embora apresente carência metodológica de inovações em relação à dinamicidade do mundo atual. Verificamos como ponto positivo nos livros analisados que eles incentivam a busca por outras fontes de informações para aprofundar o conhecimento, dando sugestões de leituras e sites da internet, por exemplo, aqui caso especifico da geografia da população. O ensino de Geografia da População por meio da utilização de dados relacionados ao município de Gurupi, encontrados em sites oficiais, livros, revistas e pesquisas acadêmicas, é um passo inicial para começarmos a inserção da disciplina nas escolas. Histórias em quadrinhos, narrativas orais, textos em jornais e revistas, quebra-cabeças e mapas são estratégias importantes de ensino para o professor de Geografia. O caminho para a inserção da Geografia da População no currículo de Geografia no município de Gurupi precisa ser construído na perspectiva de potencialização e operacionalização das instituições de ensino municipal. E ainda com a realização deste trabalho, aprendemos que a prática educativa necessita está em constante avaliação, para diversificar os métodos e os recursos didáticos. Referências APPLE, Michael. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A.F. (Org). Currículo, Cultura e Sociedade. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001,59-91p. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico: uma História do saber escolar. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo: São Paulo, 1993. CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino/ Lana de Souza Cavalcanti. [Goiânia]: Alternativa, 2002. DAMIANI, Amélia. População e geografia. São Paulo: Contexto, 1991. DANTAS, Eugênia Maria; MORAIS, Ione Rodrigues Diniz; FERNANDES, Maria José da Costa. Geografia da população. – 2 ed. – Natal: EDUFRN, 2011. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. Editora Atlas, São Paulo, 2008; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Cidades. Disponível em: . Acesso em 20 Mai. 2014

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 32 de 143

___________. População (2010). Disponível em: . Acesso em 27 jun. 2014. LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (Quase) manual de usuário. Revista Em Aberto, ano 16, n. 69, p. 3-9, 1996. LIBÂNEO, José Carlos: Didática, São Paulo: Cortez. 1994. MARTINS, Zacarias. Histórias de Gurupi. Disponível em http://historiasdegurupi.blogspot.com.br/search?updated-min=2013-01-01T00:00:0008:00&updated-max=2014-01-01T00:00:00-08:00&max-results=1. Acesso em 27 Jun 2014. MORMUL, Najla Mehanna. Geografia Humana e Geografia da População: pontos de tensionamento e aprofundamento na ciência geográfica. Caderno de Geografia, v.23, n.40, p. 33, 2013. ___________; ROCHA, Márcio Mendes. Reflexões sobre população à luz do pensamento geográfico. Revista Percurso - NEMO Maringá, v. 4, n. 1, p. 135- 150, 2012. RIQUE, Lenyra. Do senso comum à geografia científica. São Paulo: Contexto, 2004. SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Cultura escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa. In. Educar, nº 28. Curitiba: Editora da UFPR, 2006. VESENTINI, José William; VLACH, Vânia Rúbia Farias. Geografia Crítica, 4 volumes. São Paulo: Ática, 2004. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. ZELINSKY, Wilbur. Introdução a Geografia da População. Rio de Janeiro: Zahar 1969. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 33 de 143

PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA: LEVANTAMENTO SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE DOM PEDRITO/RS Eril Medeiros da Fonseca13 Crisna Daniela Krause Bierhalz14 Leandro Duso15 Resumo Objetiva-se traçar o perfil dos professores de Ciências da rede municipal de Dom Pedrito/RS e discutir a formação continuada dos mesmos, compreendendo: periodicidade, concepção e condições de efetivação. É uma pesquisa qualitativa, explicativa por levantamento de dados. Utilizou como instrumentos: documentos legais e questionários aplicados aos nove professores. Pela análise de conteúdo a maioria dos professores não possui formação na área de atuação (Ciências da Natureza) e a formação continuada ocorre por palestras/seminários. Necessita-se articular a formação continuada com o perfil dos professores da rede municipal, coerentes com o contexto. Palavras-chave: Ensino de Ciências, formação de professores, perfil dos professores. Resumen: Esta investigación, se pretende trazar el perfil de los profesores de Ciencias de la red municipal de Dom Pedrito/RS y discutir la formación continuada, comprendiendo: periodicidad, concepción y condiciones de efectividad. Es una investigación cualitativa, realizada por levantamiento de datos. Utilizó como instrumentos de análisis: documentos legales y cuestionarios aplicados a los nueve profesores. Las análisis, podemos destacar que la mayoría de los docentes no posee formación en su área de actuación y el proceso de formación continuada ocurre por conferencias o seminarios. Se necesita articular la formación continuada con el perfil de los profesores, coherentes con el contexto. Palabras-clave: Enseñanza de ciencias, formación de profesores, perfil de los profesores. Introdução A formação de professores é considerada por Marcelo García (1999) como uma área de conhecimento, um encontro entre as pessoas em processo formativo, que pressupõe investigação, propostas teóricas/práticas e reflexão. Este autor afirma que os cursos de formação de professores devem formar pessoas que consigam compreender a sua responsabilidade no desenvolvimento da escola e adquiram uma prática reflexiva. Por isso, o enfoque na profissionalização de professores ganha sentido pela própria inconclusão do ser humano em seu percurso formativo (FREIRE, 2005). Gatti et al (2011) Licenciatura em Ciências da Natureza – Unipampa. Mestre em Ensino no Programa de Pós-Graduação em Ensino – Unipampa. Professor da rede municipal de ensino de Dom Pedrito/RS, e supervisor no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Subprojeto Ciências da Natureza. Membro do Núcleo de Pesquisa sobre Ensino de Ciências na Educação do Campo NPEC - Unipampa. 14 Professora Adjunta – Educação – Unipampa. 15 Professor adjunto – Educação – Unipampa, Campus Dom Pedrito. – RS.. Secretário da regional 3 da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBENBIO). Lider do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências e Educação do Campo (NPEC). 13

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 34 de 143

considera formação docente como um processo contínuo que se inicia na formação inicial e prossegue ao longo da vida profissional, integrando os conteúdos da disciplina, organização teórica e os resultados de experiências relevantes (MALUCELLI, 2007). Freire (1997) menciona que corresponde a uma fase de formação permanente, baseada na análise crítica de sua prática e na tensão dialética entre teoria e prática. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 institui em seu artigo 62 e 80 que os entes federados deverão promover a formação tanto inicial como continuada e a qualificação dos profissionais do magistério e incentiva os programas de educação continuada e de ensino a distância (BRASIL, 1996). Enquanto política pública a formação de professores demanda o preparo de profissionais que formem sujeitos ativos, capazes de lidar com a dinâmica da sociedade e seu entorno. As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013) orientam para cursos de formação continuada (FC), critérios de acesso, permanência e remuneração compatível com a jornada de trabalho definida. O Plano Nacional de Educação (PNE) 13.005/14 prevê pelas metas 15 e 16 a formação específica de professores da Educação Básica em curso superior de licenciatura e a FC em sua área de atuação (BRASIL, 2014). Assim, a partir dos aspectos legais mencionados, atenta-se para a necessidade de valorar as contextualizações dos sistemas de ensino, articulados com as práticas docentes e convergentes com a discussão de uma formação reflexiva, opondo-se a abordagem individualista e reducionista da realidade. Nóvoa (2009) aponta para a necessidade de uma FC de professores construída dentro da profissão, considerando o conhecimento, a cultura profissional, o saber pedagógico, o trabalho em equipe e o compromisso social, referenciados no trabalho escolar que se efetiva no estudo dos casos concretos na aprendizagem do aluno. Sendo assim, no intuito de abordar aspectos sobre o processo de FC, este trabalho é um recorte da pesquisa desenvolvida no curso de Especialização em Ensino de Ciências na Educação do Campo, da Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito - Rio Grande do Sul (RS), e tem como propósito traçar o perfil dos professores de Ciências do município de Dom Pedrito e discutir a FC dos mesmos, compreendendo aspectos como, periodicidade, concepção e condições para efetivação. Referencial Teórico Tendo em vista a profissão docente imersa em um contexto de relações e a articulação entre teoria e prática, considera-se a formação de professores como uma área que “estuda os processos através dos quais os professores se implicam individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos” (MARCELO GARCÍA, 1999, p. 26). As concepções e finalidades das modalidades de formação modificaram-se com o tempo, até mesmo suas denominações, como treinamento e reciclagem. O treinamento apontava para a obtenção de habilidades específicas, de modo que a reciclagem visava a preparação de forma ampla para uma determinada função, para tornar-se perfeito (ANDALÓ, 1995). À medida que a concepção de FC de professores assumiu diferentes significados e funções, começou a influenciar também a discussão sobre um professor reflexivo e pesquisador (ALFERES e MAINARDES, 2011). Nos anos de 1970 iniciaram-se os processos de planejamento das atividades de formação inicial e a FC seguiu a lógica da complementaridade individual. Já em 1980 a FC era considerada um

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 35 de 143

produto assimilável de maneira individual, como uma receita ditada em cursos e conferências (IMBERNÓN, 2010). A preocupação pela profissionalização do professor começou a desvincular-se de aspectos apenas técnicos e políticos entre o final da década de 80 e o início da década de 90. Em 1990 enfatizou-se questões como a “globalização da cultura e da economia, exigindo dos professores respostas e posicionamentos” (ALFERES e MAINARDES, 2011, p. 2), demandando aos docentes a busca por qualificação e tentando resgatar o papel do professor. As formações tinham como característica a aquisição de habilidades e conhecimentos, por meio de seminários e oficinas, que auxiliassem na prática de sala de aula (IMBERNÓN, 2010). A partir dos anos 2000 surgem novos espaços e recursos na construção de redes e formação em processos de prática reflexiva. Na atualidade ocorre a elaboração de projetos de transformação e intervenção da comunidade e pesquisas sobre a prática, envolvendo vários sujeitos sociais (IMBERNÓN, 2010). Bonzanini e Bastos (2009) entendem que os espaços para FC são necessários no sentido de suprir lacunas da formação inicial dos docentes, mantê-los atualizados e oportunizando reflexão sobre seu papel de educador. Desta forma “não pode ser concebida apenas como um meio de acumulação de cursos, palestras, seminários, ou transmissão de conhecimentos ou técnicas” (BONZANINI e BASTOS, 2009, p. 7). Metodologia Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, que, segundo Moreira (2011), trabalha a partir da subjetividade e do simbolismo, a luz das relações e atividades humanas, pelos significados de diferentes fenômenos. É caracterizada em vista de seus objetivos como explicativa. Em relação aos seus procedimentos técnicos assume primeiramente um caráter documental, pois analisou-se o Plano Municipal de Educação (PME) do município, em um segundo momento caracteriza-se pelo levantamento de dados, realizado através da aplicação de questionários. Os sujeitos da pesquisa são nove (09) dos onze (11) professores que atuam no componente curricular de Ciências da Natureza no município de Dom Pedrito. Um professor não participou da pesquisa por estar em licença e outro optou por não responder. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, ancorada nas concepções de Minayo (2006). A autora afirma que na análise de conteúdo pode-se ir além das aparências que estão sendo comunicadas, caminhando na descoberta do que está atrás do conteúdo, já que é através do contexto da fala que busca sua compreensão, seguindo a objetividade, cientificidade, no sentido de ultrapassar o processo apenas descrito e realizar uma interpretação mais profunda. Elencou-se duas categorias para discussão: i) Perfil da formação dos professores e ii) Processo de Formação. Na primeira identificou-se a formação, o ano de conclusão, bem como a carga horária de trabalho cumprida por cada docente. A segunda se subdivide em: PME e Formação continuada e perspectivas dos professores. Resultados e discussões Primeiramente traçou-se o perfil dos professores que atuam no componente curricular de Ciências da Natureza no município, pois torna-se importante identificar o perfil para pensar em uma FC direcionada ao contexto em que se desenvolve a formação, atendendo a demandas emergentes. Em um segundo momento, discutiu-se alguns aspectos sobre a FC dos professores, percebidos através da documentação legal do município e questionário aplicado dos professores.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 36 de 143

Perfil da formação dos professores Em relação a formação em nível superior constatou-se que dos nove (09) professores, quatro (04) possuem formação específica em Ciências da Natureza ou Biologia, três (03) em Pedagogia e dois (02) em Matemática. Ou seja, cinco (05) professores desenvolvem à docência em áreas que não correspondem à sua formação. Todos estes professores concluíram sua graduação entre 1986 e 2003, há mais de dez anos. Percebe-se que o período de formação dos sujeitos da pesquisa, concentra-se, na maior parte, na transição entre a década de 1990 e 2000, momento em que as políticas educacionais no Brasil tornaram a profissionalização docente como um eixo articular, começando a surgir a institucionalização da FC, no intuito de adequar os professores através de aperfeiçoamentos (IMBERNÓN, 2010; NUÑES et al, 2009). Quatro (04) professores possuem curso de pós-graduação: Gestão educacional (2004); Matemática/Educação do Campo e Ciências da Natureza (2002/2017); Matemática (2004) e Práticas educativas em Ciências da Natureza e Matemática (2014). A partir da sistematização dos dados percebe-se uma disparidade entre a formação e a atuação dos professores, indicador corroborado pelo observatório do PNE (MEC, 2016), que destaca que apenas 40,3% dos professores de Dom Pedrito possuem formação compatível com a área de conhecimento que lecionam, reforçando a intencionalidade da meta 16 16 da formação específica na área de atuação. Alguns professores, além de atuarem no município, também possuem vínculo com escolas estaduais (04) e escolas particulares (02). Com isso a carga horária semanal de trabalho acaba sendo extensa, a exemplo: 60h (01), 40h (05), 30h (01) e 20h (02). PME e Formação continuada O PME (instrumento analisado) de Dom Pedrito foi disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura, é estruturado em metas e estratégias, que são baseadas no PNE/2014, e normatiza as diretrizes educacionais municipais. O PME caracteriza-se como um documento oriundo de um diagnóstico da situação educacional do município, que é discutido em diversos segmentos da sociedade (PÁDUA, 2015). Em relação a FC dos professores não foram identificadas normativas específicas no PME, porém o PNE/2014 aborda questões referentes à qualificação e FC com as metas 15 17 e 16. No entanto, as mesmas, pelo que se percebeu não são objeto de estudo e implementação no município. Gatti e Barretto (2009) mencionam que numerosos estudos mostram que os programas de formação não consideram as reais necessidades e dificuldades dos professores e das escolas, pois: a) não preveem acompanhamento as práticas pedagógicas; b) os professores possuem dificuldade de

Formar, em nível de pós-graduação, cinquenta por cento dos professores da educação básica, até o último ano de vigência do PNE, garantindo a todos os profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino (BRASIL, 2014). 17 Garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação (BRASIL, 2014). 16

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 37 de 143

prosseguir sua prática com inovações após o término da formação; e, c) a descontinuidade das políticas e orientações dificultam maiores avanços. Neste sentido, é pertinente reconhecer o perfil dos docentes que compõem os sistemas de ensino e a partir disso articular processos de formação relacionados às práticas e contexto vivenciados. Também não se identificou normativas que descrevem a concepção de FC ou que possibilitem pensar em um processo de formação contínuo no município. Perspectivas dos professores O questionário aplicado aos professores continha doze questões, porém foram analisadas seis, que tratam sobre a formação, carga horária de trabalho, concepções sobre FC e condições para esta. Em relação a concepção sobre FC constatou-se a prevalência da modalidade palestras, jornadas pedagógicas e seminários (06), com periodicidade mensal, semestral e anual. Mas ressaltase a menção por parte de alguns sujeitos (03) ao fato de não haver nenhum tipo de formação ofertada pelo município. A concepção da documentação legal e dos professores do município sobre FC está vinculada ao que Nóvoa (1992) descreve como modelo estrutural de formação de professores (fundamentado na racionalidade técnico-científica, com transmissão de conhecimento e caráter instrutivo), que engloba propostas previamente organizadas, com palestras, cursos e seminários pontuais, que de acordo com a legislação nacional vigente e o referencial aqui adotado não se considera FC. Essa discussão evidencia que a articulação de um processo formativo depende da concepção que se atribui a formação, que direciona sua organização e a renovação da prática. Alguns estudos apontam que a FC, enquanto processo formativo, se desenvolve em um campo complexo, condicionado a um conjunto de forças que se adequam a determinada realidade, sendo a escola também um lugar de formação (GATTI, 2003; MARCELO GARCÍA, 1999; NÓVOA, 1991). Sobre a disponibilização de FC pela rede de ensino municipal, sete (07) professores responderam não e apenas dois (02) responderam sim, justificando que o município concede, eventualmente, liberação das aulas para formação, de modo que neste período os estudantes são dispensados. Percebe-se que não há um tempo além do período de aula para realização de uma formação, de modo que a disponibilidade desses docentes acaba sendo limitada pela própria carga horária cumprida por cada um. Com isso, detêm um ritmo intenso de trabalho, provavelmente exercido em mais de uma escola, com uma longa rotina diária, o que pode afetar o tempo para planejamento e de pensar em sua própria formação, enquanto renovação. Nuñes et al (2009, p. 3) menciona que “a sobrecarga na jornada de trabalho obstaculiza a inovação, a criatividade, o compromisso docente assim como o desenvolvimento profissional”, neste sentido o espaço e tempo para renovação/reflexão na/da prática é ocultado por uma demanda rígida a ser cumprida, e os professores passam de sujeitos a objetos da profissão, a fim de cumprirem tarefas. Nesse sentido, deixa-se de lado o olhar pedagógico que poderia desenvolver um processo de formação reflexiva, reflexão-na-ação e reflexão-sobre-a-ação (SCHÖN, 1998). Esse processo requer uma discussão conjunta entre orientadores pedagógicos, supervisores e professores, buscando possíveis soluções às problemáticas emergentes (COSTA, 2004; MENDONÇA, 1991).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 38 de 143

Percebe-se, pela análise das questões, que o município não elencou como prioridade a qualificação dos professores e o incentivo a formação destes ocorre de modo muito pontual, descrito por palestras e jornadas pedagógicas, sobre contextos amplos. Sobre essa questão, Imbernón (2010) menciona que a falta de verbas para atividades de formação coletiva e de formação autônoma nas instituições educacionais é um obstáculo ainda a ser vencido, assim como a sobrecarga de horários que intensifica o trabalho docente. Algumas considerações Sobre o perfil dos professores de Ciências identificou-se que a maior parte não possui formação na área em que atua. Em relação ao incentivo e possibilidade de FC, percebeu-se, tanto na documentação legal como nos questionários, que o processo de renovação da prática docente possui fragilidades, comprovado pela periodicidade (anual, semestral) e pelo modo como é realizado (palestras e seminários). A concepção de formação docente se reduz a realização de tarefas e ao cumprimento de carga horária, descaracterizando a finalidade reflexiva e potencialmente formadora que a profissão possui. Torna-se urgente desconstruir a visão fragmentada de formação descrita por seminários e palestras. Ressalta-se também a importância de reconhecer/identificar os profissionais que atuam não apenas no componente de Ciências, mas conhecer o perfil dos professores da rede de ensino, para que a partir disso possa se discutir uma proposta de formação adequada a tal realidade e aos anseios dos professores. Desta forma, no que se refere a FC, caracteriza-se como uma necessidade um processo de ressignificação da prática pelos docentes e a revisão/implementação de políticas de incentivo a FC, contribuindo para uma nova maneira de ver, agir e pensar sobre o ensino e a própria prática. Referências ALFERES, M. A; MAINARDES, J. A formação continuada de professores no Brasil. In: Atas do seminário de pesquisa do PPE, universidade estadual de Maringá, 2011. ANDALÓ, C. S. de A. Fala, professora!: repensando o aperfeiçoamento docente: Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. BONZANINI, T. K.; BASTOS, F. Formação continuada de professores de ciências: algumas reflexões. In: Encontro nacional de pesquisa em educação em ciências, 2009, Florianópolis. Atas... Florianópolis, 2009. Disponível em: Acesso em: 01 ago. 2017. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. ______. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. COSTA, N. M. de L. A formação contínua de professores – novas tendências e novos caminhos. Holos, Ano 20, dezembro de 2004. IMBERNÓN, F. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010. FREIRE, P. Professora sim, Tia não: Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’ água, 1997. FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2005. GATTI, B. A. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa – Fundação Carlos Chagas. Julho 2003. GATTI, B.; BARRETTO, E. S.de S. Professores no Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco, 2009.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 39 de 143

MALUCELLI, V. M. B. Formação dos professores de ciências e biologia: reflexões sobre os conhecimentos necessários a uma prática de qualidade. Estudos de Biologia, 2007, jan/mar, v. 29, n. 66, p. 113-116. MARCELO GARCÍA, C. Formação de professores: Para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. MEC. Observatório do PNE. 15 - Formação de professores. 2016. Disponível em: < https://goo.gl/7iEbz4> Acesso em: 10 ago. 2017. MENDONÇA, A. W. PC. A escola como espaço de formação continuada do professor. Brasília, DF: Revista de educação da AFC, n. 79, 1991, p. 39-42. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. rev. e aprimorada. São Paulo: Hucitec, 2006. MOREIRA, M. A. Metodologias de Pesquisa em Ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2011. NÓVOA, A. Concepções e práticas da formação contínua de professores: In: Nóvoa, A. (Org.). Formação contínua de professores: realidade e perspectivas. Portugal: Universidade de Aveiro, 1991. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1992. NÓVOA, A. Professores: Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009. NUÑES, I. B.; RAMALHO, B. L.; UEHARA, F. M. G. GÓIS, F. L. O tempo e o profissionalismo docente: o caso de professores do ensino médio. In Anais do 19° Encontro de Pesquisa Educacional Norte Nordeste EPENN. João Pessoa – Paraíba, 2009. SCHÖN, D. A. La formación de profesionales de los profesores. In: Série Fundamentos. número 9, edição 1. SEvilla: Díada, 1998. PÁDUA, A. E. de C. Educação pública municipal: a importância dos Planos. Interação urbana. 2015. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2017. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 40 de 143

PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO NO MUNICÍPIO DE ESPINOSA, MINAS GERAIS Fernando de Carvalho Pires18 Resumo Esse artigo investiga o processo de construção do Plano Municipal de Educação de Espinosa, Minas Gerais. O instrumento para se levantar informações foi Análise Documental, por onde se fez o exame da Ata da Reunião da Câmara de Vereadores que aprovou a Lei do Plano de Espinosa e dos textos de leis Federais e Municipais correlatos. As informações utilizadas constam da Constituição Federal de 1988, da Lei Federal 13.005/2014, da Lei Municipal 1.568/2015 e dos Atos expedidos pelo município. Verificou-se que a construção do Plano de Educação da cidade foi realizada em observância à literatura científica e aos princípios que regem o Poder Público. Palavras-chave: Planejamento; Políticas Públicas; Educação. Abstract This article investigates the process of construction of the Municipal Plan of Education of Espinosa, Minas Gerais. The instrument for gathering information was Documentary Analysis, where it was examined the Minutes of the Meeting of the City Council that approved the Law of the Plan of Espinosa and the texts of related federal and municipal laws. The information used is contained in the Federal Constitution of 1988, Federal Law 13,005 / 2014, Municipal Law 1,568 / 2015 and Acts issued by the municipality. It was verified that the construction of the Education Plan of the city was carried out in compliance with the scientific literature and the principles that govern the Public Power. Keywords:Planning; Public policy; Education. Introdução O objetivo deste estudo é o de analisar o processo de construção do Plano Municipal de Educação (PME) do Município de Espinosa (MG), além de discutir os fundamentos legais que endossam a formulação de um PME, identificar as etapas de elaboração do PME à luz do pensamento de alguns teóricos e apontar as estratégias de construção do PME de Espinosa (MG). Algumas questões inspiraram essa pesquisa: quando e como foram articuladas as etapas da construção do PME? Quais foram os sujeitos envolvidos em sua construção? Que concepção de planejamento foi adotada nessa tarefa? Quais foram as dificuldades enfrentadas? A pesquisa partiu da hipótese de que o processo de construção do PME de Espinosa seguiu as linhas de pensamento da literatura científica. Esse processo será investigado a partir da análise dos documentos oficiais que subsidiaram sua construção e também por meio da aplicação de Questionário aplicado aos membros da Comissão Representativa da Sociedade Civil, instância esta que esteve à frente dos trabalhos de formulação do Plano. As informações utilizadas nessa pesquisa constam da Constituição Federal de 1988, da Lei Municipal n° 1.568, de 16 de junho de 2015, da Lei Federal n° 13.005, de 25 de junho de 2014, dos Documentos Orientadores emanados do Ministério da Educação inerentes à formulação dos Planos, dos sites oficiais desse Ministério e dos Atos Administrativos expedidos pela Prefeitura de Espinosa. 18Mestre

em Educação. Universidade [email protected]

Federal

dos

Vales

do

Jequitinhonha

e

Mucuri.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 41 de 143

Métodos Trata-se de um estudo qualitativo, uma vez que sua intenção é investigar um processo social de relevância, ao mesmo tempo em que busca entender o comportamento dos sujeitos atuantes nesse mesmo processo. No tocante aos objetivos, esta pesquisa é de caráter descritivo, pois busca mapear o processo histórico de construção de um ordenamento jurídico-social, delineado por um grupo social específico. Quanto aos procedimentos, esta pesquisa é documental, pois avalia e examina documentos e peças oficiais que ensejaram a criação do PME de Espinosa. Resultados e discussão Os documentos de que se dispõe tratamda composição das Comissões incumbidas de proceder aos trabalhos de discussão, dos prazos de realização, dos princípios adotados para o estabelecimento das Metas, das Estratégias firmadas para consecução e da aprovação do Plano na Câmara de Vereadores da cidade. Assim sendo, os documentos utilizados foram: a Lei 9394/96, LDB, a Lei 13005/2014, PNE, a Constituição Federal de 1988, o Decreto Municipal n° 1641/2014, a Lei Municipal 1568/2015, a Ata da Oitava Reunião Ordinária da Sessão Legislativa do ano de 2015 da Câmara de Vereadores de Espinosa (MG). Enfatiza-se a Análise dos Documentos produzidos pelo Município. Assim sendo, o Decreto Municipal n° 1.641, de 25 de novembro de 2014, trata da instituição da Comissão Representativa da Sociedade Civil e da Equipe Técnica para elaboração do Plano Municipal de Educação de Espinosa. Esse diploma legal é formado por quatro artigos, 10 incisos, três parágrafos e 33 alíneas. Logo no início do Decreto, é mencionado que tal documento é respaldado pelo art. 8° da Lei Federal n° 13005/2014, Lei do Plano Nacional de Educação/PNE, e que o Prefeito Municipal o faz de acordo suas atribuições legais. O artigo primeiro estabelece as competências legais da Comissão Representativa da Sociedade Civil, distribuídas entre cinco incisos, um dos quais dão grande destaque ao papel dos membros nomeados, no sentido de tê-los como elo entre a própria sociedade e o poder público. Os incisos II e III, do mesmo artigo, conferem legitimidade aos membros da Comissão para apresentarem as demandas oriundas da categoria a que pertencem. Ainda no artigo 1°, o inciso IV delega à Comissão Representativa a tarefa de apresentar ao Chefe do Executivo todo o resultado proveniente das discussões, deliberações e anseios, frutos do trabalho realizado por este colegiado. Por fim, no inciso V, é delegado à Comissão o dever de acompanhar todo o processo legislativo inerente à aprovação do Plano Municipal de Espinosa na Câmara de Vereadores. Finalizando o artigo 1°, há um parágrafo único que nomeia os 14integrantes da Comissão Representativa da Sociedade Civil, cujos nomes são seguidos da categoria daqual é representante. Nesse sentido, a nomeação desses representantes como forma de promover a construção participação do Plano Municipal de Educação encontra-se respaldo na literatura científica. No artigo 2° tem-se a nomeação dos dezenove integrantes da Equipe Técnica, sem especificar de qual categoria pertencem. No parágrafo primeiro, é previsto que o documento seja

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 42 de 143

formulado com a parte principal, ou seja, o texto da lei que cria o PME, e por dois anexos distintos, isto é, o Diagnóstico Situacional e as Metas Municipais. É muito importante entender que o Diagnóstico é a compreensão da realidade atual, ou seja, como a educação do Município se encontra no tempo presente. A partir da leitura de todo o contexto é que se consegue traçar objetivos, diretrizes e metas para o setor (BORDIGNON, 2013). As competências da Equipe Técnica são estabelecidas no parágrafo segundo desse mesmo artigo, destacando sua função legal de assessorar a Comissão Representativa no sentido de fomentar as discussões com informações técnicas e dados estatísticos do Município de Espinosa. Finalizando o Decreto, os artigos 3° e 4° dispõem sobre sua validade e vigência no tempo e no espaço, ou seja, a partir de quando produzirá efeitos e onde terá abrangência. A propósito, o Decreto produziu efeitos a partir da data de sua publicação, em todo o território municipal de Espinosa (MG). Percebemos que a formação da Comissão Representativa e da Equipe Técnica deu-se no dia 24 de novembro de 2014, sete meses antes da aprovação do PME. Entendemos que esse período de sete meses se tornou suficiente para a realização dos trabalhos de apresentação de um anteprojeto de lei de Plano de Educação no âmbito municipal. Único documento disponibilizado pela Câmara de Vereadores de Espinosa, a Ata da Oitava Reunião Ordinária é lavrada em livro próprio sob as folhas de número 110 (frente e verso) e 111 (frente). A sessão plenária ocorreu às 10 horas do dia 15 de junho de 2015 e foi dirigida pelo então Presidente Luiz Lima da Silva, havendo o comparecimento de 11 (onze) membros, todos aptos a proferirem voto. Nesse sentido, houve quórum exigido pelo Regimento Interno da Casa para apreciar e deliberar Projetos de Lei. Na pauta da Sessão, havia dois Projetos de Lei, dois Projetos de Resolução e uma Indicação para Cargo em Comissão. O Projeto de Lei do PME esteve cadastrado sob o número 420/2015 e obteve aprovação unânime, após ser discutido e deliberado pelos parlamentares. Percebemos que a tramitação do Plano Municipal na Câmara ocorreu dentro dos princípios constitucionais, pois, conforme prevê a Constituição Federal, compete aos Municípios legislar sobre assunto de interesse local e que se limite ao seu espaço territorial. É observado também que a utilização do critério da maioria satisfaz os ensinamentos de Bobbio (2015), quando este afirma que a democracia representativa é alcançada pela manifestação da maior parte dos membros aptos a votarem (BOBBIO, 2015). Assim sendo, tendo aprovação unânime dos vereadores, o Projeto de Lei 420/2015, mais tarde, se converteria na Lei 1568/2015. Analisou-se, em seguida, o texto da Lei 1568, Plano Municipal de Educação de Espinosa (MG), enfocando os princípios legais e democráticos. A Lei inicia-se com a ementa, informando se tratar da aprovação do PME e dispondo sobre outras providências. Na parte inicial, o texto esclarece que o Prefeito sanciona a Lei após a decretação pela Câmara dos Vereadores. A lei é composta pela parte normativa e por dois Anexos. A parte normativa é composta por 14 artigos, 18 incisos e oito parágrafos, os quais dispõem, dentre outras coisas, sobre as diretrizes balizadoras do Plano Municipal, prazos de execução, formas de monitoramento e avaliação e ainda sobre a adequação de leis municipais às metas aprovadas para no Plano.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 43 de 143

No artigo 1°, é disposto que o PME tem vigência de 10 anos e que se respalda nos termos do artigo 214 da Constituição Federal e na Lei 13005/2014, Plano Nacional de Educação, o que configura forte convergência entre a política educacional do Município e da União. É o que afirma Bordignon (2013, p. 103), ao entender que “os objetivos municipais se situam no contexto da nacionalidade e realizam, no âmbito do poder local, as aspirações dos cidadãos, sem perder de vista a dimensão da nacionalidade”. Percebemos que as diretrizes do PME, elencadas no artigo 2°, se alinham exatamente às diretrizes estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE), demonstrando que “Para realizar as metas do plano, o município precisa estabelecer as articulações necessárias com as ações estaduais e nacionais” (BORDIGNON, 2013, p. 103). Constituindo parte integrante da Lei n° 1.568/2015, o Anexo I apresenta as Metas e as Estratégias para o sistema municipal de ensino. A organização deste Anexo é feita com a exposição de vinte Metas, seguidas de tantas estratégias quantas forem necessárias para a sua consecução. Outro detalhe relevante é a quantificação dessas metas e a determinação de prazo para o seu alcance, isto é, cada meta apresenta uma porcentagem de alcance dentro de um período estipulado. Nessa perspectiva, observamos que o Anexo I do PME de Espinosa (MG) foi construído nos pilares da literatura científica, já que as metas devem indicar a finalidade específica para a qual foi estabelecida, quantificando e determinando prazos para execução, e as estratégias se tornam os caminhos necessários para a consecução das metas (BORDIGNON, 2013). As porcentagens variam bastante de meta para meta, assim como os prazos. Há metas bem ambiciosas, cujo alcance exigirá uma contrapartida robusta do Município. Outras, no entanto, parecem ser realizáveis, seja em quantidade, seja em prazo de cumprimento e execução. Constatou-se a ausência, por parte do Município, de prudência na eleição de algumas metas, por serem de difícil alcance. “É necessário cautela na escolha, porque pode ocasionar desencantos e descréditos perante a comunidade. Essa afirmação é encarada como um princípio de administração, isto é, o princípio da governabilidade”(BORDIGNON, 2013, p. 103). Conforme a organização do Anexo I, as metas foram agrupadas por natureza, ou seja, é perceptível a ordenação dessas metas de acordo uma finalidade central. Assim sendo, as Metas 1, 2, 3, 4, 5 e 6 se destinam a garantir a universalização de toda a educação regular básica, além de assegurar o acesso e a permanência dos estudantes nos espaços escolares da educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação especial. Na sequência, as metas 7 e 8 destinam-se a assegurar a qualidade da educação básica, demonstrando a grande preocupação com a elevação dos índices educacionais obtidos no IDEB. Dentre as inúmeras estratégias para estas metas, destaca-se o emprego e aprimoramento de instrumentos de avaliação contínua do sistema de ensino e escolas de modo a evidenciar a evolução, ou retrocesso, da educação local. Outro grupo, formado pelas metas 9, 10 e 11, estabelece políticas voltadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA), no sentido de garantir a educação para o público com mais de 15 anos. Também é estabelecida nestas metas a expansão da oferta de cursos técnicos profissionalizantes, a serem ministradas de forma integrada ou subsequencial ao ensino médio.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 44 de 143

Para a educação superior, as metas 12, 13 e 14 dispõem sobre sua garantia. A novidade é o Município aspirar à viabilização de matrículas em cursos de Pós-Graduação stricto sensu dos professores da rede municipal. Os cursos de mestrado e doutorado têm sido uma modalidade de ensino em franca expansão pelo Brasil, mas requer elevado rigor acadêmico dos seus estudantes. Observou-se, nas estratégias construídas para esta meta, que o Município de Espinosa (MG) não articulou bem a ideia da Pós-Graduação stricto sensu, pois essa modalidade de ensino é oferecida pelas Universidades que possuam autorização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e detenham forte tradição na pesquisa. Dessa forma, estabelecer viabilidade para que os profissionais da educação do Município exigirá esforço imensurável, já que a carreira docente não conta com incentivos financeiros, contrapartidas salariais significativas, liberação amistosa do trabalho para estudar, dentre outros empecilhos. Talvez seja essa uma meta que exigirá bastante esforço por parte do Município para que atinja sua consecução. As Metas 15 a 18 tratam da valorização e formação de professores. Nelas, estão estabelecidas as políticas de carreira docente da educação básica, por meio da criação de um plano de carreira que contemple o piso nacional federal, os programas de formação inicial e continuada, a serem oferecidos em parcerias com universidades públicas, e o incentivo aos professores municipais para ingressarem em cursos de pós-graduação. De forma isolada, a Meta 19 propõe a implantação, no sistema municipal de ensino, da gestão democrática e participativa, abrindo espaço à comunidade escolar para se manifestar a respeito de quem melhor reúne condições técnicas e de desempenho para conduzir as escolas municipais. Nesse sentido, Dourado (2013) afirma que a implantação da eleição direta para dirigente escolar precisa estar regulamentada nos Projetos Políticos Pedagógicos de cada escola, não tendo, nesse caso específico, a Meta 19 aplicação imediata. Em outras palavras, a Meta 19 atua como uma diretriz a ser perseguida por todas as unidades escolares, e estas, em tempo hábil, precisam se adequar para produzir os efeitos jurídicos (DOURADO, 2013). O destaque maior é que o prazo estabelecido para o alcance da Meta 19 é de dois anos, contados da data da publicação da Lei que instituiu o Plano Municipal de Educação. O último ponto a descrever do PME é a Meta 20. Também concentrada numa única meta, o financiamento da educação básica vem determinada nesta Meta. É decretado que o Município de Espinosa deve aplicar, anualmente, o mínimo de 25% da sua receita tributária na manutenção e no desenvolvimento do ensino. As estratégicas para o cumprimento da Meta são várias, podendo destacar o controle mais rigoroso do sistema de arrecadação dos tributos municipais e a maior fiscalização por parte da população dos gastos efetuados pela Prefeitura. Observamos que a Legislação do Plano Municipal de Educação de Espinosa (MG) foi construída, em grande parte, em observância à Literatura Científica. O Plano, conforme mencionado anteriormente, foi construído pela parte Normativa e por (2) Anexos, sendo o Diagnóstico o componente do Anexo II. O Diagnóstico do Município é formado por alguns elementos indispensáveis ao conhecimento da realidade educacional da cidade. Dessa forma, o Diagnóstico de Espinosa/MG contém os seguintes elementos:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 45 de 143

  

Caracterização do Município (Aspectos Gerais, Aspectos Demográficos, Aspectos Sociais, Aspectos Sociais, Aspectos Econômicos, Administração Pública); Planos de Educação; Educação do Município (Histórico e Diagnóstico da Educação de Espinosa-MG).

Percebeu-se que essa estruturação vai de encontro ao entendimento de Bordignon (2013), o qual enumera alguns requisitos para um eficaz Plano de Educação ao longo prazo. Considerações Finais Foi identificado que a construção do Plano Municipal de Educação de Espinosa (MG) teve o processo de construção e de implementação embasado na literatura científica, e nos princípios que regem a ações do Poder Público. Assim sendo, o conceito de planejamento e suas características foram levados em consideração pelo município em todo o trabalho de construção. A realização do Diagnóstico, por exemplo, é feita no intuito de mapear a situação educacional da cidade, apontando limitações, defasagens, recursos e/ou disponibilidades.O estabelecimento de metas e das respectivas estratégias também são elementos da literatura científica concernente ao planejamento que reforçam uma parte da hipótese. Assim, observou-se tais elementos durante a discussão do PME, os quais incorporaram-se ao PME na forma de Anexo. De forma semelhante, os princípios que regem o poder público foram observados pelo município na formulação do Plano. No que tange à discussão dos fundamentos legais, entendemos que o Município de Espinosa formulou os documentos legais necessários à construção, tramitação e aprovação do PME. Expediu-se Decreto, abriu-se espaço para que as propostas fossem estabelecidas e debatidas pela Comissão Representativa da Sociedade Civil, encaminhou-se o anteprojeto de lei à Câmara de Vereadores que, no prazo estabelecido, o aprovou por unanimidade, e sancionou-se a respectiva Lei. A tramitação legal do Plano de Educação, desde a composição da Comissão Representativa até a sua aprovação e sanção, satisfez aos dispositivos e princípios elencados pela Constituição Federal e pelos estudos afetos às políticas públicas. Os documentos oficiais e toda a legislação normativa demonstraram que o Município de Espinosa percorreu os ditames legais. Em relação às etapas de elaboração do Plano à luz dos teóricos, verificamos que houve, na fase de construção, a observância quase que unânime aos princípios defendidos por estudiosos do campo educacional. Referências

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra,2015. BORDIGNON, Genuíno. Gestão da Educação no Município sistema, conselho e plano. 2. Ed. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2013. BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 de Abril de 2016. DOURADO, Luiz Fernandez. Reforma do estado e as políticas para a educação superior no Brasil nos anos 90. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, Setembro/2002, p. 234-252. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. MINAS GERAIS. Decreto nº 1.641/2014. Espinosa: Prefeitura Municipal de Espinosa, 2014. ____________. Lei nº 1.568/2015. Espinosa: Prefeitura Municipal de Espinosa, 2015. Plano Nacional de Educação. ___________. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso em: 14 de Abril de 2015. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 46 de 143

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: UM ESTUDO SOBRE A MOTIVAÇÃO DOS ALUNOS Franciele Rosa Dal Forno19 Pedro Antônio Batistella20 Resumo O presente estudo caracterizou-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo descritiva e teve como objetivo analisar a motivação dos alunos no Ensino Médio de uma escola de Cruz Alta para com a Educação Física. A amostra foi constituída de 52 estudantes. Para analisar o contexto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas no intuito de identificar quais são os fatores que levam os mesmos a participarem ou não das aulas de Educação Física. Constatou-se que 70% dos alunos consideram a matéria importante e se sentem motivados, e que se as aulas forem bem planejadas, haverá uma participação mais efetiva dos alunos. Palavras-chave: Educação Física; motivação; participação. Abstract The present study was characterized as a research of qualitative approach of the descriptive type and had as objective to analyze the motivation of the students in the High School of a school of High Cross to the Physical Education. The sample consisted of 52 students. To analyze the context, semi-structured interviews were conducted in order to identify the factors that lead them to participate or not in Physical Education classes. It was found that 70% of the students consider the subject important and feel motivated, and that if the classes are well planned, there will be a more effective participation of the students. Keywords: Physical Education; motivation; participation. Introdução A Educação Física é o espaço escolar onde o aluno tem para desenvolver um conhecimento corporal, experimentar movimentos e ter uma consciência dos motivos que os levam a prática desses movimentos. Parece que para que isto aconteça os mesmos devem se mostrar motivados, caso contrário pouco poderá acrescentar nas suas aprendizagens e em seus rendimentos. Segundo Betti e Zuliani (2002), essa desmotivação dos alunos tem início no final do Ensino Fundamental, quando os mesmos passam a ter uma visão mais crítica da realidade não atribuindo à Educação Física tanta importância. Os alunos possuem visões diferentes do que a Educação Física representa, alguns a atribuem como uma aula competitiva, já outros como uma forma de lazer e socialização, para alguns as aulas podem se tornar maçantes e cansativas, mas para outros podem ser prazerosas e interessantes. Atualmente entende-se a Educação Física na escola como uma área que trata da cultura corporal de movimento e quem por finalidade introduzir e integrar o aluno nessa esfera, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e também transformá-la. “Nesse sentido, o aluno deverá ser instrumentalizado para usufruir dos jogos, esportes, danças, lutas e ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida” (BETTI, 1992).

19 20

Acadêmica do curso de Educação Física Licenciatura – Unicruz, [email protected] Professor Mestre do curso de Educação Física Licenciatura – Unicruz, [email protected]

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 47 de 143

O aluno ao ingressar no Ensino Médio passa por diversas transformações no plano individual e coletivo, pois, já possuem experiências motoras adquiridas nas etapas anteriores. Os conteúdos então precisam ter uma complexidade crescente a cada série acompanhando o desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo do aluno. Na metodologia de ensino precisa existir uma relação entre teoria e prática, o que torna comum nas aulas de Educação Física no Ensino Médio, o impasse entre professores que querem desenvolver o conteúdo programado e os alunos, que querem apenas jogar. Mattos e Neira (2000) remetem ao professor a função de mediador de conhecimentos, com a responsabilidade de transmitir as informações assimiladas, e apresentar conhecimentos aos alunos indicando caminhos que façam com que eles cheguem a solução de problemas surgidos durante as atividades propostas e, desta forma, possibilitando uma participação efetiva nas aulas. Betti e Zuliani (2002) concluem que no Ensino Médio a Educação Física deve possuir características particulares, inovadoras e diferenciadas em relação à fase cognitiva, física, social, cultural e afetiva em que os adolescentes estão vivendo. Ao participar de uma aula em que o aluno tem interesse e se sente motivado, a participação do mesmo é ativa, tornando o ambiente prazeroso, recíproco para com o professor que formulou a aula, um ambiente tranqüilo, fazendo com que, o mesmo queira cada vez mais participar, cada vez mais aprender e estar apto para quaisquer atividades que serão exercidas nas aulas. Darido (2004), baseada no Parâmetro Curricular Nacional (Brasil,1999), acrescenta que o tratamento contextualizado propicia uma aprendizagem significativa para o aluno, pois estabelece uma relação de reciprocidade entre ele e o conteúdo. È possível ainda associar essa contextualização com experiências cotidianas e conhecimentos adquiridos espontaneamente, fazendo com que o aluno deixe a condição de espectador. Para que essa condição de espectador seja diminuída, também é interessante trabalhar o planejamento participativo, onde o conteúdo é formulado de acordo com os interesses dos alunos. O fator a ser pesquisado no estudo, nos remete a compreender a participação dos alunos para com as aulas de Educação Física, podendo apontar como aspecto de maior relevância a motivação, que nesse caso pode ser intrínseca que se origina do próprio sujeito, inclui fatores como a dedicação, satisfação e comprometimento, e a extrínseca que é proveniente de fatores externos, influenciados pelo ambiente o qual o sujeito esta envolvido. Deste modo, se faz necessário compreender a influencia e importância do clima motivacional para com os professores e alunos nas aulas de Educação Física para que estas sejam atrativas para com a sua prática. Isto fazendo com que os alunos participem de forma efetiva nas aulas, visando atender o interesse pelo conhecimento a ser transmitido para que se tenha uma melhoria no desenvolvimento das aulas. Dentro da educação básica temos o Ensino Médio, onde os alunos são caracterizados ou considerados adolescentes, fase essa muito importante para suas vidas e onde ocorrem muitas modificações e indefinições. Portanto, esses adolescentes merecem uma atenção especial para que suas experiências vividas sejam significantes. Esta pesquisa pode ser considerada de suma importância para a Educação Física, uma vez que, basicamente o estudo é sobre um tema de grande relevância dentro da área, pois, quase tudo na Educação Física se baseia na motivação que existe entre os alunos em praticar as aulas, e na motivação em que os professores tem em dar essas aulas. Tornando o estudo uma base para atender as necessidades dos envolvidos, buscando alternativas inovadoras que possam ajudar na melhoria dessa motivação, para que o desenvolvimento das aulas melhore de maneira geral. A pesquisa em si pode se tornar importante para a escola na medida em que a mesma de posse dos resultados poderá saber se seus alunos durante a prática das aulas de Educação Física estão realizando de uma forma que lhes motive ou não.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 48 de 143

Já para com professores, esta pesquisa poderá ser de suma importância no papel de mediadora de resultados, uma vez que, sabedor dos resultados o professor será conhecedor das motivações que seus alunos tem durante a prática de suas aulas de Educação Física. Isto podendo levar a manutenção da condução de suas aulas ou mesmo servindo para possíveis modificações de estratégias para atender de uma forma mais significativa os interesses dos alunos, para que se obtenha um resultado melhor, fazendo com que os mesmos tomem gosto pela prática e absorvam o maior número de conhecimentos sobre suas habilidades, sua saúde e qualidade de vida. Com relação ao tema, para com os alunos a pesquisa pode ser considerada importante no âmbito de ver o que os mesmos consideram importante nas aulas de Educação Física, ou seja, o que eles gostam ou gostariam de trabalhar e como se exercitar nas aulas, para que exista uma fonte de ligação entre alunos e professores, na melhoria como um todo das aulas e principalmente da participação dos mesmos. Baseado nos escritos dos parágrafos acima parece justificar plenamente a realização da presente pesquisa. Assim justifica-se este estudo que pretende analisar a motivação dos alunos do sexo masculino e feminino de um Instituto Estadual de Ensino Médio do município de Cruz Alta para com a Educação Física. Procedimentos metodológicos Este estudo caracterizou-se como uma abordagem qualitativa e quantitativa do tipo descritiva. Segundo Diehl (2004), a pesquisa qualitativa, descreve a complexidade de determinado problema, sendo necessário compreender e classificar os processos dinâmicos vividos nos grupos, contribuir no processo de mudança, possibilitando o entendimento das mais variadas particularidades dos indivíduos. Ela também se caracteriza como uma pesquisa descritiva, que segundo Gil (2008), ela descreve as características de determinadas populações ou fenômenos. E para os dados quantitativos foi utilizado percentuais. A População da presente pesquisa se constituiu de todos os alunos devidamente matriculados no turno diurno no Ensino Médio de uma Escola Estadual de um município da região Sul do Brasil, que participavam das aulas de Educação Física, do sexo masculino e feminino. A Amostra desta pesquisa se constituiu de 30% dos alunos de cada clube de Educação Física em que a escola oferece, o que resultou em 52 alunos. Os escolhidos foram através de sorteio da população e que aceitaram participar. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi um questionário semi-estruturado , que para Manzini (1990/1991, p. 154), a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas. Um ponto semelhante se refere à necessidade de perguntas básicas e principais para atingir o objetivo da pesquisa. Dessa forma, Manzini (2003) salienta que é possível um planejamento da coleta de informações por meio da elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O roteiro serviria, então, além de coletar as informações básicas, como um meio para o pesquisador se organizar para o processo de interação com o informante. A pesquisa teve início quando se entrou em contato com a escola do município de Cruz Alta para que tivesse a liberação através de um termo de consentimento , para fazer a entrevista com os alunos da escola, após a liberação foram identificados os alunos, tanto do sexo masculino como feminino, nos quais estavam devidamente matriculados, em seguida foi realizado um sorteio,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 49 de 143

identificando os alunos sorteados, foi feito um convite a participar da pesquisa, aceito o convite foi marcado o dia e à hora para a realização da entrevista. O processo que foi utilizado para compreender o pensamento docente sobre a temática da saúde referendar-se-á na análise de conteúdo (BARDIN, 2011), pois através dela tornar-se-á possível descrever, analisar e interpretar as ideias expressas nas entrevistas. A análise de conteúdo foi composta por três etapas: a pré-análise, onde se realizará a organização e seleção do material; a exploração do material, onde será realizada a leitura do material, codificação e escolha das categorias; e, a análise, onde ocorrerá a descrição e a análise dos dados (BARDIN, 2011). Resultados e discussões A análise e as descrições dos dados obtidos neste estudo foram elaboradas tomando como referência as respostas extraídas das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa. Inicialmente é apresentado o perfil da amostragem que participou do estudo. A amostra foi composta por um total de 52 alunos, que estão matriculados no Ensino Médio, sendo destes 30% de cada clube de Educação Física oferecido na escola. Inicialmente foram feitas perguntas sobre a Motivação dos alunos, ou seja, se os mesmos se sentem motivados para com as aulas de Educação Física, e analisando as respostas dos alunos no que se refere a motivação, observa-se que 70% dos alunos dizem ter motivação para com a prática das aulas de Educação Física e 30% dizem não ter motivação. Quando perguntados quais são suas motivações para com a prática da Educação Física, a resposta predominante foi por gostarem de esportes, também observou-se outras motivações como saúde e bem estar, prevenção do sedentarismo e com menor freqüência dizem ser um momento de interação entre os colegas. Como podemos perceber através do relato do aluno 1FM, ao se referir aos motivos nos quais se sente motivado diz: ‘’O que me motiva é que a prática de esportes na escola é a melhor ferramenta para o aprendizado e interatividade dos alunos e a oportunidade de praticar exercícios físicos de uma forma que eu goste.’’ Zenorini et al. (2011) destaca que muitas variáveis podem interferir na motivação dos estudantes como o ambiente de sala, as ações do professor, o aspecto emocional, o uso inadequado de estratégias de aprendizagem, entre outras. Um estudo De Betti e Liz (2003) com 151 alunos do Ensino Fundamental onde foi feita a pergunta ‘’A Educação Física para você lembra...’’, que listava 26 palavras, podendo os escolares escolher quantas quisessem, a palavra ‘’prazer’’ apareceu em 42% das respostas. Podendo concluir que os alunos, ao participar das aulas, fazendo algo que gostam, com as pessoas que gostam também, sentem prazer em praticar, o que pode acarretar em uma vida mais ativa tanto no presente, quanto em seus futuros. Já os que se dizem desmotivados relatam que não gostam de esportes como resposta predominante, também foi relatado nesse grupo a falta de interesse pelos professores e aulas desanimadas e repetitivas. Podemos perceber através do relato do aluno 3G: ‘’Não me sinto motivada, pois, nunca gostei de praticar esportes, o que me faz praticar por notas.’’ Segundo Martinelli e Genari (2009) um aluno motivado tem melhor desempenho se comparado aos demais, pelo investimento que coloca nas tarefas. Porém, pesquisas atuais concluíram que a relação entre motivação e aprendizagem não é uma condição e sim uma relação de reciprocidade. O mesmo autor ainda cita que a motivação intrínseca e as ações do professor em sala de aula são importantes na influência da aprendizagem do aluno. O segundo tema no qual foram feitas perguntas, foi com relação as instalações (estrutura) da escola, perguntas para saber se os alunos as consideram adequadas ou o que faltam nelas. Ao analisar as respostas dos alunos, podemos concluir que 50% dos mesmos, consideram

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 50 de 143

as instalações adequadas ao esporte em que praticam. No entanto, 50% dos alunos responderam que não as consideram adequadas, uma vez que a sala de ginástica por exemplo, é muito pequena e pouco ventilada como relata o aluno G10: ‘’A sala de ginástica é bem organizada, porém um pouco apertada, quando esta quente preferimos fazer do lado de fora, pois falta ventilação na sala.’’ Já com relação a quadra de futsal, faltam redes atrás do gol e dos lados, o que faz os alunos perderem tempo quando a bola cai na casa do vizinho para ir buscar a bola. A quadra de vôlei também tem defeitos, pois, é descoberta e o chão de concreto, o que dificulta a prática, pois, segundos os alunos eles dependem do tempo para praticar o esporte. Já a quadra de basquete, tem apenas uma tabela e o chão também é de concreto, o que dificulta a prática, como podemos perceber através do relato do aluno 4B: ‘’A quadra de basquete pode ser considerada a mais inadequada, porque só possui uma tabela antiga, não possui as marcas no chão, precisaria de uma boa melhora.’’ E para finalizar, os alunos relatam que a pista de atletismo precisa apenas de uma limpeza em volta da mesma. O terceiro tema a ser analisado através da respostas dos alunos é com relação aos materiais que a escola disponibiliza para cada clube, se os alunos consideram os mesmos adequados para a prática. Analisando as respostas, pode se observar que 70% dos alunos, consideram os materiais adequados para uma boa prática, tendo como resposta predominante que se possui bolas novas e em bom estado, rede nas goleiras e redes de vôlei também adequadas. Podemos perceber através da resposta do aluno 10FM: ‘’Os materiais são completos, acredito que estão de acordo para que se tenha uma boa prática.’’ No entanto, pode se perceber também que os mesmos 70% que consideram os materiais adequados, também os consideram limitados, como relata o aluno 1V: ‘’Acredito que pela quantidade de alunos, os materiais não são suficientes, pois ainda faltam bolas.’’ Já os que dizem que não consideram os materiais adequados contabilizaram 30% dos alunos, relatando a falta de bolas para o futsal, e que os materiais de ginástica são limitados, porque faltam para que todos pratiquem, como relatou o aluno 12G: ‘’Deveriam ter mais pesos com o mesmo número, faltam steps quando todos estão presentes na aula e assim nem todos podem praticar, pelo fato dos materiais serem limitados.’’ O quarto tema a ser analisado, é com relação a motivação do professor que ministra as aulas de cada clube em que praticam, se os alunos os consideram motivados em dar aula. E analisando as respostas, a grande maioria, ou seja, 76% dos alunos consideram seus professores de Educação Física motivados a dar suas aulas, relatando que eles gostam de do que fazem, transmitindo muita energia, vontade, transparecendo sentir amor pela profissão mesmo com todas as dificuldades. Também dizem que os mesmos estão sempre presentes, ativos e participando junto, incentivando seus alunos através de aulas dinâmicas e diversificadas. O método que o professor utiliza na sala de aula interfere no processo de aprendizagem, o que pode ter uma ligação com o preparo e a formação dele. Além dessa relação metodológica no caráter motivacional para a aprendizagem entre o professor e o aluno, a relação afetiva também contribui nesse aspecto. Quando existe uma relação de empatia, o professor motiva e reconhece o desempenho do aluno e o rendimento dos dois é diferente. Essa característica se torna uma motivação intrínseca para o aluno, acompanhada de uma motivação extrínseca, que são os elogios e as recompensas que o professor dispõe (SANTOS et al , 2008). Já os outros 24% dos alunos, não consideram seus professores motivados, uma vez que não demonstram tanto interesse nas aulas e nem sempre estão presentes como relata o aluno FM8: ‘’Nosso professor não participa muito de nossas aulas, o que demonstra não ter muito interesse por aquilo que faz.’’ Tokuyochi et al. (2008) fizeram um estudo com professores apontando os principais problemas que os levavam à desmotivação no trabalho, e dentre os mais citados foram a falta de material e espaço físico, que transformavam o cotidiano estressante e a questão salarial que os obrigam a aumentar sua carga horária e com isso também reduz o tempo do professor para investir em sua formação. O quinto tema de perguntas é com relação a Educação Física de um modo geral, ou seja, se

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 51 de 143

os alunos consideram a mesma como uma matéria importante e o porque. Podemos concluir que 92% dos alunos, consideram a Educação Física como uma matéria importante, onde dizem que a mesma os mantém mais saudáveis e menos sedentários quando praticam, outro fator importante de ressaltar é que a matéria ajuda na descoberta de atletas na escola, também os mantém mais conectados com seus amigos, saindo de suas rotinas, como podemos perceber através do relato do aluno FM8: ‘’ A Educação Física me ajuda a interagir mais com meus amigos e colegas, fazendo algo em que gosto junto com eles.’’ No entanto, 8% dos alunos não consideram a matéria importante, uma vez que relatam que não irão utiliza - lá de certa forma para sua vida futura ou profissional. E para finalizar o ultimo tema de perguntas analisadas, foi com relação as mudanças na Educação Física, onde a grande maioria dos alunos, quase que unânime, consideram que a mudança deve vir tanto dos alunos, quanto dos professores, buscando uma colaboração, compreensão de ambos, para que as aulas se desenvolvam de uma forma melhor, criando uma sintonia maior, acarretando numa participação mais efetiva nas aulas, como relata o aluno 1G: ‘’ A mudança deve vir de ambos, aluno e professor, através de uma colaboração, compreensão e participação maior para um desempenho melhor também.’’ Para Laochite et al. (2011) a Educação Física vem, ao longo desses últimos dez anos, passando por muitas transformações políticas, pedagógicas e profissionais em seus diversos campos de atuação. Essas mudanças podem afetar tanto o pensamento quanto a ação do professor no exercício da prática docente. Conclusão Concluiu-se com este estudo, que as aulas de Educação Física Escolar precisam ser planejadas e desenvolvidas para atender às necessidades dos alunos. É preciso que se considere o conhecimento como uma construção individual e coletiva e que a escola forneça condições adequadas tanto para professores como para alunos. Através dos objetivos específicos, podemos verificar que os alunos que praticam Educação Física no Ensino Médio de uma Escola Estadual de um município da região Sul do Brasil estão motivados para com a prática da Educação Física na escola, uma vez que a grande maioria dos alunos se diz participar das aulas com gosto naquilo em que estão praticando, vendo o lado positivo da prática em si. Investigando através das perguntas, com relação às instalações que possuem em sua escola, o que podemos concluir que ainda falta uma estrutura melhor para se trabalhar, ou seja, que os alunos sentem falta de um ambiente mais adequado e organizado para que se tenha uma prática mais adequada e sem riscos no decorrer das aulas. Verificando também os materiais que a escola possui, a conclusão na qual chegamos é que a grande maioria dos alunos os considera adequados, uma vez que os mesmos são de boa qualidade, estão em bom estado para a prática escolar de Educação Física. Com relação aos professores que ministram as aulas de cada clube de Educação Física na escola, a conclusão em que se chega é a de que a maior parte dos alunos considera seus professores motivados para aquilo que fazem, ou seja, se sentem motivados em dar suas aulas, mesmo com todas as dificuldades nas quais passam em seu dia a dia, possuem destreza, vontade de estar presente e se fazer presente em suas aulas, dando o seu máximo e principalmente incentivando seus alunos a darem o melhor de si. Verificando de modo geral o que a Educação Física significa para seus alunos, chegamos ao contexto de que os mesmos consideram a matéria de suma importância, tendo em vista principalmente como um fator de ajuda em suas vidas, mantendo-os mais saudáveis, prevenindo-os

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 52 de 143

contra doenças, tirando muitos alunos do sedentarismo, da rotina espantosa em que se vive hoje em dia com relação à tecnologia em si. Com relação às mudanças na Educação Física, pode-se concluir que de uma maneira geral, os alunos consideram que a mudança deve vir tanto do professor, quanto do aluno, buscando uma interação maior, uma sintonia e até mesmo uma inovação no que diz respeito à relação entre os mesmos, buscando sempre o melhor que cada um possa dar de si mesmo. Portanto, podemos responder através deste estudo a questão inicial do trabalho, na qual diz respeito ao o que motiva professores e alunos para a prática de Educação Física na escola, e através disto, buscar soluções possíveis para uma melhora nas aulas de um modo geral. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BETTI, I.C.R. O prazer em aulas de Educação Física Escolar: a perspectiva discente. Dissertação (Mestrado em Educação Física Escolar), Campinas: FEFUNICAMP, 1992. BETTI, M; ZULIANI, L. R. Educação Física Escolar: Uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo: Editora Mackenzie. Ano I, n.1, 2002. BETTI, M.; LIZ, M. T. F. Educação Física escolar: a perspectiva de alunas do ensino fundamental. Revista Motriz, Rio Claro, v. 9, p. 135-142, 2003. DARIDO, S. C. A educação física na escola e o processo de formação dos não praticantes de atividade física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas: V. 18, n.1, p.61-80, 2004. DIEHL, A. A. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Prentice Hall, 2004. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed, São Paulo: Atlas, 2008. IAOCHITE, R. T; AZZI,R. G; POLYDORO, S. A. J; WINTERSTEIN, P. J. Autoeficácia docente, satisfação e disposição para continuar na docência por professores de Educação Física. Revista Brasileira de Ciência do Esporte. v. 33, n. .4, p. 825-839, 2011. MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, p. 149-158, 1990/1991. MANZINI, E. J.; SIMÃO, L.M. Formas de raciocínio apresentadas por adolescentes deficientes mentais: um estudo por meio de interações verbais. In: MANZINI, E. J. (Org.) Linguagem, cognição e ensino do aluno com deficiência. Marília: Unesp, 2001. MARTINELLI, S. C; GENARI, C. H. M.. Relações entre desempenho escolar e orientações motivacionais. Estudos de Psicologia. n. 14, v. 1, p. 13-21, 2009. MATTOS, M. G; NEIRA, M. G . Educação Física Infantil: construindo o movimento na escola. Guarulhos, São Paulo, Phorte Editora, 4º Ano, 2002. SANTOS, Bárbara Cristina Barbosa; QUEIROZ, José Sólon C.; FILHO, Ueliton da Silva Pereira. Motivação no processo de aprendizagem. O Portal dos Psicólogos, 2008. Curso de Psicologia da Faculdades Jorge Amado. TOKUYOCHI, J. H; BIGOTTI, S; ANTUNES, F. H. C; CERENCIO, M. M; DANTAS, L. E. P. B. T; LEÃO, H; SOUZA, E. R.; TANI, G. Retrato dos professores de Educação Física das escolas estaduais do estado de São Paulo. Revista Motriz, Rio Claro. v.14, n. 4, p. 418 – 428, 2008. ZENORINI, Rita da Penha Campos; SANTOS, Acácia Aparecida Angeli de; MONTEIRO, Rebecca de Magalhães. Motivação para aprender: relação com o desempenho de estudantes. Paidéia. Universidade São Francisco, Itatiba – São Paulo. Maio-Ago 2011, vol.21, n.49, p 157-164. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 53 de 143

EXPLORANDO AS BRINCADEIRAS E OS BRINQUEDOS NOS ANOS INICIAIS: UM RELATO ATRAVÉS DA PRÁTICA DOCENTE Gabrielle Coelho dos Santos21 Patrícia dos Santos Moura22 Resumo Esta escrita se construiu a partir da prática pedagógica realizada em anos iniciais do ensino fundamental. Partindo do fio condutor “O que é brincar? As brincadeiras e os brinquedos no espaço escolar” sendo analisado teoricamente com o intuito de refletir sobre o processo de alfabetização constituído através de diversas metodologias por meio das brincadeiras e brinquedos em uma turma do terceiro ano de uma escola da cidade de Jaguarão/RS. As diversas metodologias utilizadas, assim como os planejamentos diferenciados de acordo com o nível de escrita de cada criança, foram determinantes para uma prática pedagógica pensada e delineada com enfoque nas necessidades individuais e coletivas da turma. Palavras-Chaves: alfabetização; brincadeiras; prática pedagógica. Resumen Esta escritura se construyó a partir de la práctica pedagógica realizada en años iniciales de la enseñanza fundamental. A partir del hilo conductor ¿Qué es jugar? Los juegos y los juguetes en el espacio escolar "siendo analizado teóricamente con el propósito de reflexionar sobre el proceso de alfabetización constituido a través de diversas metodologías por medio de los juegos y juguetes en una clase del tercer año de una escuela de la ciudad de Jaguarão / RS. Las diversas metodologías utilizadas, así como las planificaciones diferenciadas de acuerdo con el nivel de escritura de cada niño, fueron determinantes para una práctica pedagógica pensada y delineada con enfoque en las necesidades individuales y colectivas de la clase. Palabras claves: alfabetización; juegos; práctica pedagógica. Considerações Iniciais Esta escrita surgiu através da prática de estágio obrigatório em anos inicias do curso de Licenciatura em Pedagogia, como uma reflexão sobre as principais atividades realizadas no decorrer desse período em uma turma de terceiro ano de uma escola estadual do município de Jaguarão/RS. O fio condutor abordado durante minha prática pedagógica é intitulado “O que é brincar? As brincadeiras e os brinquedos no espaço escolar”, partindo de algumas inquietações referentes às brincadeiras que eram realizadas no recreio durante as primeiras observações da turma do terceiro ano. Enquanto algumas crianças utilizavam a pracinha e a quadra de esportes, outras utilizavam armas e facas de plástico que os “policiais” utilizavam para “prender” os colegas que eram os “ladrões”, tais brincadeiras estimulavam atos violentos entre os alunos. Em consonância com tais observações, notei que em sala de aula o assunto também era comentando pelas crianças, que combinavam as tarefas que iriam desempenhar durante o recreio, assim como combinavam quem

Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) do campus Jaguarão no estado do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. 22 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora adjunta do Curso de Licenciatura em Pedagogia do campus Jaguarão no estado do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. 21

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 54 de 143

levaria para a escola as armas e as facas. Em alguns momentos, a professora ainda intervinha solicitando que falassem sobre o assunto em outro momento. A partir do fio condutor escolhido, busquei mostrar para todos que a sala de aula poderia ser um espaço de aprender brincando, interagindo com diferentes textos e diversas metodologias que através das brincadeiras, que não utilizassem princípios violentos, e por meio do diálogo poderiam ser relevantes nas aprendizagens de cada educando. Com isso, e a partir do plano de estudos disponibilizado pela professora titular, três eixos foram delimitados: ● ● ●

As brincadeiras e a relação com o meu corpo. As brincadeiras e as múltiplas linguagens. As brincadeiras e o lugar onde vivo.

O primeiro eixo buscou integrar diferentes pontos referentes ao corpo como: os diferentes padrões de beleza, músicas e construção do tesouro dos números importantes na vida de cada educando. O segundo eixo buscou através de múltiplas linguagens como a leitura de imagens, de textos, assim como a interpretação de situações-problemas, a interação entre as formas de comunicação e de se comunicar. O terceiro eixo ressaltou características do lugar onde vivemos, através de músicas, mapas e o estudo da escola, para que, através destes, aspectos importantes sobre a vida dos alunos fossem discutidos. A interdisciplinaridade esteve presente em todos os planejamentos, perpassando os três eixos e as temáticas que deveriam ser abordadas em cada aula. Durante toda a minha prática, entendi o erro como um processo construtivo, em que as hipóteses dos alunos eram compreendidas como parte de seu processo de pensamento (HOFFMANN, 2013). Assim, quando questionada sobre se alguma atividade estava certa ou errada, procurava intervir com questionamentos sobre o que o aluno pensava acerca de tal atividade e a forma como a fez. Então tentava direcioná-los para a compreensão do que deveria ser feito. Os textos produzidos pelos alunos, ao longo de minha prática pedagógica, eram sempre pautados pela ideia de que suas escritas estavam sendo constituídas a partir do que sabiam e do que estavam pensando, sem utilizar como meta o certo ou o errado. As brincadeiras foram sendo inseridas por diferentes metodologias com a intenção de que os alunos pudessem pensar sobre do assunto e do que poderia ser considerado brincadeira ou brinquedo ao longo das atividades propostas. Em uma conversa específica, a partir de alguns questionamentos sobre o documentário “A Invenção da Infância”, um aluno relatou à turma que utilizava armas “de verdade” para brincar. Então perguntei ás crianças o que pensavam sobre esse “brinquedo”. As respostas foram variadas, mas a turma chegou à conclusão de que a arma não poderia ser considerada um brinquedo. Este texto será organizado de acordo com os eixos desenvolvidos durante o projeto. Primeiramente, destaco as atividades permanentes que foram importantes para a compreensão da passagem do tempo, da contagem pelos ajudantes e para o reconhecimento dos nomes dos colegas. Em seguida, os três eixos serão abordados sequencialmente nas próximas sessões trazendo aspectos que foram relevantes durante minha prática pedagógica. Atividades Permanentes As atividades permanentes são aquelas que ocorrem frequentemente ao longo do período de aula, como o preenchimento do calendário ou da chamada, e apresentam desafios diferentes para as crianças ao longo de sua realização. Tais atividades, em determinado momento da aula, se tornam previsíveis, favorecendo a autonomia das crianças que tem a capacidade de prever o que acontecerá e a forma como será realizada.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 55 de 143

Observei que os alunos não seguiam uma rotina no decorrer das aulas, nem compreendiam a passagem do tempo com o calendário pronto que lhes era oferecido para circular o dia do mês. Então, levei atividades permanentes que movimentassem todas as crianças a pensarem juntas com o ajudante do dia, demonstrando que poderiam se conceber como um grupo que poderia e deveria se ajudar em todos os momentos possíveis. As atividades permanentes do calendário e do ajudante do dia tiveram papel relevante no desenvolvimento das aulas, em função de que proporcionaram aos alunos pensar sobre o tempo e uso da matemática em atividades do cotidiano. O calendário tinha por intuito que os educandos pudessem identificar o dia do mês e o dia da semana, além de perceber a passagem do tempo, fazendo com que observassem que os dias seguem uma sequência numérica lógica. Nos primeiros dias, pude observar que ainda havia muitas dificuldades por parte de alguns alunos em compreender a lógica do cartaz, que continha três prendedores para o dia do mês e três prendedores para os dias da semana, que deveriam ser trocados diariamente para compor o dia anterior, o dia atual e o próximo dia do mês e da semana. Para que todos pudessem pensar juntos sobre o calendário e auxiliar o colega encarregado de trocar as fichas, procurei em todas as aulas, questionar, no decorrer das atividades, sobre os dias com a intenção de que a turma compreendesse que não era apenas o ajudante que deveria saber sobre o calendário. Dessa forma, a rotina que utiliza a repetição de atividades diariamente “[...] pode dar às experiências das crianças o sentido de continuidade, de ser a chave do tempo que comporta a ideia de concluir amanhã algo iniciado hoje.” (BARBOSA, 2006, p. 149). O cartaz do ajudante do dia tinha como intuito, apenas que um aluno contasse quantos colegas já foram e quantos ainda seriam ajudantes, porém pude observar que alguns alunos foram além da contagem. No decorrer da aula, uma aluna afirmou que, depois daquele dia ainda, faltariam dez dias para que todos tivessem sido ajudantes, o que me surpreendeu pelo fato de que, mesmo após a realização da atividade inicial do cartaz, esta aluna estava refletindo sobre o que conversávamos em relação ao tempo e a passagem dos dias, assim como sobre a contagem. Ao longo dos dias, a atividade se tornou mais prática para alguns alunos que compreendiam que os números daquele cartaz também seguiam uma seriação composta por: antes/agora/depois. Mesmo com a designação da tarefa sendo apenas do ajudante, os outros colegas sempre procuravam auxiliar o colega, contando junto e me questionando se tal resultado estava correto. Com relação a este ponto, pude notar que a turma, em geral, sempre estava disposta a ajudar e a cooperar com as dificuldades que um ou outro educando viesse a ter, o que acabou por me motivar a proporcionar outras atividades em que todos pudessem se ajudar e trabalhar juntos. As Brincadeiras e as Múltiplas Linguagens As múltiplas linguagens se caracterizam por diferentes sistemas de representação, que por meio de brincadeiras, imagens, obras de arte fornecem diversos recursos metodológicos que proporcionam um novo olhar sobre as aprendizagens escolares. Destaco nesse eixo, a utilização de situações-problemas ocorridas com uma família de monstros, no lugar dos tradicionais problemas matemáticos, como uma linguagem matemática diferente daquela conhecida pelas crianças. Utilizei nas aulas de Matemática o livro “Os problemas da família Gorgonzola” (Eva Furnari), em que são apresentadas pequenas histórias sobre os membros da família Gorgonzola e alguma situação que envolva a resolução de um problema através de cálculos matemáticos. Esta atividade teve como intuito que os alunos pudessem resolver situações matemáticas vividas pelos personagens dos livros, além de apresentar para os colegas a maneira encontrada para chegar a resposta final. Na resolução de cada problema pude observar que cada aluno buscou uma maneira

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 56 de 143

diferente de resolver: alguns logo faziam cálculos de multiplicação, outros, porém, fizeram desenhos para representar cada parte do cálculo. Enquanto fui acompanhando o desenrolar individual do pensamento de cada aluno, tive como intenção intervir nos momentos em que era questionada se os cálculos estavam certos ou não, devolvendo o questionamento para os alunos sobre a forma como chegaram a tal resultado, que tipos de cálculos foram feitos e o qual era dúvida de cada um. O professor necessita da observação contínua das tarefas realizadas pelos educandos para que possa “[...] intervir para influir no processo de pensamento da criança em vez de responder à pergunta.” (KAMII, 2011, p. 62). No decorrer da resolução das situações-problema, os alunos puderam ir além de apenas resolver no seu caderno com os seus cálculos, em função de que sempre estavam interagindo com os colegas e auxiliando aqueles que apresentavam maiores dificuldades. Uma aluna, ainda em fase de alfabetização, que muitas vezes se negava a realizar as atividades de outras disciplinas, após a apresentação no quadro da resolução de dois problemas pelos colegas, conseguiu compreender o raciocínio que estes empregaram e rapidamente resolveu o terceiro problemas, o que fez com que ela se mostrasse empolgada com a atividade. Busquei, ao longo desta atividade, envolver as crianças no que estava propondo, mostrando para elas um novo olhar sobre o que estavam fazendo e que pudessem compreender de uma forma lúdica as situações-problemas presentes no livro. Pude observar que para a resolução de situaçõesproblemas, “[...] as crianças precisam ser ativas, envolvidas nas tarefas e nas relações com pessoas e objetos, ser cooperativas e responsáveis.” (MACEDO, PETTY E PASSOS, 2000, p. 6). Após a realização desta atividade, no decorrer da semana, as crianças ainda me questionavam se iríamos “fazer matemática” daquele jeito novamente, pois haviam gostado. As Brincadeiras e o Lugar Onde Vivo Os mapas, assim como a história sobre o lugar onde vivemos, foram abordados nesse eixo com intuito de que todos se sentissem parte de um lugar, como membros de uma sociedade que sofre transformações a todo o momento. Então, disponibilizei para os alunos o globo terrestre com a intenção de que localizassem o país onde viviam e, posteriormente, o mapa do Brasil, para que pudessem localizar o Estado e a cidade onde vivem. Questionei os alunos se sabiam onde se localizava o Brasil no globo e após algumas investigações, um aluno localizou o Japão e disse aos colegas que deveriam procurar do outro lado, pois o Brasil ficava do lado oposto ao Japão. A partir desse momento rapidamente o país foi encontrado, além de outros países que chamaram a atenção dos alunos, como a Mongólia e o Egito. Quando coloquei o mapa do Brasil no chão (figura 3) e questionei os alunos sobre qual era o nome do Estado onde viviam, notei que ninguém sabia essa informação. Então expliquei para a turma que o Estado onde moramos se chama Rio Grande do Sul e ressaltei a importância desta informação na vida das pessoas. Em seguida, os alunos foram à procura do estado onde vivemos e o encontraram, após algum tempo de observação e algumas orientações espaciais. Outros aspectos do mapa chamaram a atenção das crianças, como o fato do Uruguai estar ao lado do Brasil e da nossa cidade ficar bem ao lado da cidade de Rio Branco. Além disso, se impressionaram com a quantidade de água que se encontra ao redor do país e a distância da cidade de Pelotas, que muitos já haviam visitado, da cidade de Jaguarão. Após a observação dos mapas, solicitei que os alunos escolhessem o mapa do Brasil ou o globo terrestre, para representar através de desenhos e que escrevessem nessa ilustração o nome do país, do Estado e da cidade onde vivemos. Com essa atividade, tinha a intenção de observar se os

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 57 de 143

alunos haviam compreendido a estrutura do mapa ou do globo e se iriam considerar, em seus desenhos, aspectos espaciais e de organização dos mapas, como a distribuição dos estados. No entanto, alguns alunos foram além das minhas expectativas. Em um desenho feito por uma aluna, por exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul foi ilustrado na forma de um chimarrão, demonstrando conhecimentos prévios sobre as características culturais do estado, assim como um aluno, que, mesmo sem ser solicitado, fez questão de localizar o Uruguai em seu mapa, próximo ao sul do Brasil. Através dos desenhos, pude observar a compreensão que os alunos tiveram sobre a atividade, pois, como afirma Santos (2002, p. 196), “quando lidamos com desenhos, estamos lidando com o aspecto visual do pensamento e da memória.”. A partir dos estudos com mapas, primeiramente, em aulas anteriores, com o mapa da cidade, em que as crianças puderam localizar a rua e o bairro onde moravam e, posteriormente, com o mapa do Brasil e o globo terrestre, tive como intenção mostrar para as crianças que os mapas iam muito além de apenas ilustrações, mas que através destes poderíamos localizar espaços, desde o planeta Terra até a rua onde moramos. As crianças puderam observar algumas fotos antigas de vários ambientes da escola, como a cozinha, o gabinete da direção, as salas de aula, entre outros espaços. Primeiramente mostrei as imagens questionando se estas se referiam à escola ou a outro lugar. Em um primeiro momento, os alunos afirmaram que as fotos da parte externa se referiam à escola e as restantes, da parte interna, não eram da instituição. Então, mostrei novamente algumas fotos relatando que faziam parte da escola, mas que os espaços internos haviam mudado mais que o externo. Em um segundo momento, tivemos a intervenção da vice-diretora, que nos contou um pouco da história do patrono da escola, Dr. Alcides Marques, o qual viveu em nossa cidade no século passado, além de nos mostrar a foto do mesmo e relatar a história de uma senhora que o conheceu. Para finalizar a atividade, solicitei que os alunos listassem características entre a escola do passado e a escola dos dias de hoje. Porém, tive que interromper a atividade para o momento do lanche e, no refeitório, as crianças resolveram perguntar para a merendeira o que havia mudado naquele espaço. Nesse momento notei a surpresa de todos em saber que ali se localizava a secretaria e que não havia geladeira nem mesa na cozinha. Acredito que para os alunos foi de grande importância ouvir relatos de pessoas que convivem e integram o ambiente escolar. Assim como, a atividade mostrou que todos fazem parte da história que, nesse caso, partiu de seu cotidiano e do lugar onde estudam, brincam, conversam. De acordo com Schimidt e Cainelli (2009) o trabalho com a história local pode trazer à tona as vivências individuais e coletivas do educando, proporcionando que este tenha uma visão construtiva da realidade histórica ampliada, assim como produzir um conhecimento que poderá contribuir para a constituição de sua consciência histórica. Notei que os alunos ficaram curiosos para comparar as mudanças na escola, então sugeri que fôssemos passear por aquele espaço, com as fotos em mãos. Logo, várias mudanças foram percebidas, como as árvores, a ausência de uma pracinha e de pneus para as crianças, no passado, brincarem. Quando retornamos para a sala, os alunos foram escrever as características observadas, com isto notei, em alguns relatos, a escrita sobre a ausência de computadores e a utilização de máquinas de escrever. Além de observações referentes às mesas e cadeiras que eram de madeira e não de ferro, como as dos dias atuais. As Brincadeiras e a Relação com o Meu Corpo O eixo que teve como intuito problematizar as relações que eram estabelecidas entre o corpo e as brincadeiras foi introduzido através de problematizações acerca do Dia das Mães, com a

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 58 de 143

finalidade de refletir sobre os padrões de beleza das mulheres nas campanhas publicitárias e de analisar os diferentes tipos de corpos impostos pela mídia. Primeiramente, mostrei para as crianças fotos de mulheres com diferentes aparências: mulheres gordas, magras, negras, com diferentes tipos de cabelos e em diferentes épocas. Fixei as imagens no quadro e solicitei que observassem e relatassem o que estavam vendo. As respostas foram diversas, e chamou a atenção o fato de ter uma mulher do século XIX com roupas e aparência diferentes das que estavam acostumadas a ver. Além disso, os instiguei a refletir sobre a vida das crianças no passado, para assim introduzir a temática das brincadeiras. Após esta análise inicial, apresentei vídeos de campanhas publicitárias sobre o Dia das Mães, problematizando a forma como as “mães” dessas campanhas eram apresentadas, se estavam sempre bonitas, arrumadas e magras. A conclusão da turma veio através de sua preocupação com as mães que jogam seus filhos no lixo e com as mães que já morreram e com um cartaz coletivo que apresentou os diferentes tipos de mães, ressaltados durante a conversa: mães que são avós, mães felizes ou tristes, mães pobres ou ricas, mães magras ou gordas, mães com vergonha e mães que já morreram. Ao longo do planejamento das atividades, proporcionei que as crianças refletissem sobre uma temática que era naturalizada de uma determinada maneira, sem, no entanto, ser problematizada a partir do cenário que era apresentado a cada indivíduo e a sua família, que nem sempre tinha em sua constituição uma mãe bonita, magra e loira. Outro aspecto significativo neste eixo foram as aulas de recreação, que anteriormente eram realizadas com brincadeiras livres organizadas pelos próprios alunos, sem intervenção da professora. Estas foram trocadas por aulas com três momentos previamente definidos: o alongamento, o desenvolvimento e a volta à calma. A atividade em que os alunos demonstraram mais interesse foi o circuito psicomotor, no qual os alunos perpassaram por vários exercícios, como: bola ao cesto, pular corda, passar por cima de cadeiras e pular por cima de bambolês. Durante a atividade, o tempo que cada criança percorreu o exercício foi cronometrado e registrado por uma aluna. Ao final, informei o tempo que cada um precisou para concluir as tarefas e solicitei que descobrissem quem foi o vencedor. Considerações Finais As diversas metodologias utilizadas, assim como os planejamentos diferenciados de acordo com o nível de escrita de cada criança, foram determinantes para uma prática pedagógica pensada e delineada com enfoque nas necessidades individuais e coletivas da turma, que foram além da simples explicitação de um conteúdo ou de uma atividade, mas que partiam dos interesses e anseios de cada indivíduo para uma aprendizagem significativa. Durante toda a prática busquei de diversas formas transformar o ambiente em que estávamos, a sala de aula, em um lugar no qual as crianças pudessem falar sobre os assuntos que lhes interessavam. Por fim, destaco como pontos positivos a relação que construí com os alunos, baseada no respeito e individualidade de cada um, assim como as atividades que demonstraram através de sua metodologia que existem diferentes maneiras de aprender no espaço escolar e os momentos em que todos puderam se ajudar e compartilhar as suas ideias. Referências BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006. HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Mediadora, 2013. KAMI, Constance. A Criança e o Número: implicações educacionais na teoria de Piaget para a atuação com escolares de 4 a 6 anos. 39º edição, Campinas: Papirus, 2011.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 59 de 143

MACEDO, Lino de. PETTY, Ana Lúcia Sícoli. PASSOS, Norimar Christe. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artmed, 2000. SANTOS, Clézio. O uso de desenhos no ensino fundamental: imagens e conceitos. In: PONTUSCHKA, Nídia Nacib; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino (Org.). Geografia em perspectiva: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2002. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. 2º edição, São Paulo: Scipione, 2009.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 60 de 143

VARIAÇÃO SEMÂNTICO-LEXICAL NO NORDESTE DO BRASIL Geisa Borges da Costa23

Resumo O trabalho tem como objetivo descrever alguns aspectos da norma lexical do Português do Brasil. Para isso, focaliza as designações atribuídas à lexia feitiço por indivíduos pertencentes à região nordeste do Brasil. O corpus constitui-se a partir do questionário semântico-lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil. Em cada ponto linguístico, foram entrevistados quatro informantes, dois homens e duas mulheres, selecionados de acordo com os critérios da dialetologia contemporânea. Buscou-se fazer um levantamento do número das variantes lexicais documentadas nas capitais do nordeste. Os resultados demonstram a importância das pesquisas geolinguísticas para o conhecimento da norma lexical do português. Palavras-chave: Variação. Léxico. Atlas Linguístico do Brasil. Abstract This paper aims to describe some aspects of the lexical norm of Brazilian Portuguese. For this, it focuses on the designations attributed to the lexia spell by individuals belonging to the northeastern region of Brazil. The corpus is based on the semantic-lexical questionnaire of the Linguistic Atlas of Brazil Project. At each linguistic point, four informants were interviewed, two men and two women, selected according to the criteria of contemporary dialecology. It was sought to survey the number of lexical variants documented in the northeast capitals. The results demonstrate the importance of the geolinguistic researches to the knowledge of the Portuguese lexical norm. Keywords: Variation. Lexicon. Linguistic Atlas of Brazil. Introdução Os estudos dialetológicos e sociolinguísticos, que vêem a língua como um fato social, têm chamado atenção para esta realidade heterogênea e variável das línguas humanas. Dessa forma, esses estudos têm demonstrado, por exemplo, que falantes de uma mesma língua, mas de regiões diferentes e de níveis sócio-econômicos diferentes, têm hábitos lingüísticos diversificados, ou ainda falantes de uma mesma localidade, mas de níveis sócio-econômicos distintos vão ter realizações lingüísticas diferentes. Estas variações na língua falada estão sendo amplamente documentadas, mediante estudos sociolingüísticos e dialetais, que buscam descrever a heterogeneidade nos diferentes níveis da língua: fonético-fonológico, morfossintático, semântico e lexical, a fim de se ter um conhecimento mais abrangente da realidade lingüística brasileira. O nível lexical da língua é considerado um produto cultural, pois, ao escolher formas linguísticas para nomear as coisas que existem no mundo físico e no universo cultural, o indivíduo revela não somente a sua percepção da realidade, mas compartilha a percepção do grupo social em que se enquadra, sendo assim o léxico é o nível da língua mais influenciado por fatores socioculturais. Segundo Biderman (1998, p.12):

Professora Adjunta de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Doutora em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. 23

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 61 de 143 o léxico de uma língua natural pode ser identificado como o patrimônio vocabular de uma dada comunidade lingüística ao longo de sua história. Assim, para as línguas de civilização, esse patrimônio constitui um tesouro cultural abstrato, ou seja, uma herança de signos lexicais herdados e de uma série de modelos e categorias para gerar novas palavras.

Este trabalho, pautando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da Dialetologia Pluridimensional Contemporânea, visa a fazer um levantamento e análise das variantes lexicais utilizadas pelos informantes das capitais nordestinas referentes ao campo semântico-lexical Religiões e Crenças do Projeto Atlas Linguístico do Brasil. Fundamentação teórica O interesse em tratar a língua sob a perspectiva do espaço geográfico data do final do século XIX, em um período de tempo em que a dificuldade de locomoção e a ausência de meios de comunicação tecnológicos tornavam as características linguísticas das diversas regiões do país bastante particulares, revelando assim aspectos da linguagem que, muitas vezes, eram conhecidas apenas em determinadas áreas geográficas. O início das pesquisas dialetológicas é marcado por dois trabalhos fundamentais na implementação dessa área de estudos: o levantamento de dados para documentar a situação linguística apresentada pela Alemanha e a recolha sistemática de material linguístico para a composição do Atlas Linguístico da França. No primeiro trabalho apontado acima, o registro dos dados linguísticos recolhidos por Wenker na Alemanha, não houve o controle sistemático de variáveis sociais como gênero e faixa etária dos informantes, fato justificável pela dificuldade da coleta de dados, que foi feita por correspondência. Apesar disso, Cardoso (2001) chama atenção para o mérito do trabalho desenvolvido por Wenker, que documentou fatos linguísticos em diferentes regiões da Alemanha, possibilitando assim a intercomparação dos dados, o que se constituiu em um passo significativo para o avanço da Dialetologia, sendo esse um dos principais objetivos dos estudos dialetais até a contemporaneidade. Coube a Jules Gilliéron, organizador do Atlas Linguistique de La France, o mérito de consolidar definitivamente a aplicação do método da geografia linguística na recolha de dados nas pesquisas dialetais, documentando a realização linguística do informante in loco, embora ainda não se tenha feito nesse trabalho o controle sistemático das variáveis extralinguísticas. No Brasil, os estudos dialetais começam a se desenvolver através de estudos que mostram algumas características do léxico utilizado pelos falantes do português do Brasil, tendo início em 1826 quando Domingos Borges de Barros, o Visconde de Pedra Branca, foi convidado pelo geógrafo Adrien Balbi para escrever um capítulo a ser publicado em seu livro Introduction à l’Atlas ethnographique Du globe, revelando algumas diferenças do léxico do português europeu e do português do Brasil. Ferreira e Cardoso (1994) agrupam o início dos estudos dialetais no Brasil em três fases, considerando, para isso, as três principais tendências de estudos preponderantes na época. A primeira fase, que se estende de 1826 a 1920, consistiu basicamente na realização de estudos do léxico do português do Brasil, com a produção de um grande volume de trabalhos de caráter lexicográfico, como dicionários e estudos sobre o léxico regional, com o intento de levantar características linguísticas específicas de diferentes áreas brasileiras através das manifestações lexicais utilizadas pelos informantes.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 62 de 143

A segunda fase, que se estende de 1920 a 1952, assinala os primeiros passos para o desenvolvimento da geografia linguística no Brasil e tem início com a publicação de O dialeto caipira de Amadeu Amaral. Em 1922, Antenor Nascentes publica O linguajar carioca, buscando situar o falar carioca no quadro daquilo que se entendia como o falar brasileiro e apresenta uma divisão dos falares brasileiros em dois grandes grupos: os falares do norte e os falares do sul. Ainda nesse período, Mário Marroquim publica A língua do Nordeste, em 1934, com o propósito de descrever aspectos da diversidade linguística em Alagoas e Pernambuco. A terceira fase dos estudos dialetais no Brasil tem como marco a determinação do governo brasileiro, através do Decreto 30.643 de 20 de março de 1952, de que a finalidade principal da comissão de filologia da casa de Rui Barbosa deveria ser a elaboração do atlas linguístico do Brasil. Além disso, marca também esse período o início sistemático dos estudos baseados na geografia linguística, através de trabalhos empreendidos por Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto, Celso Cunha e Nelson Rossi, com a produção de vários atlas regionais. Mota e Cardoso propõem, em 2005, a inserção de uma quarta fase na evolução dos estudos dialetais, que se iniciaria a partir da implementação do Projeto Atlas Linguístico do Brasil, considerando-se a inovação metodológica empreendida pelo projeto ALiB, ao incorporar alguns princípios utilizados pela sociolinguística e configurar-se como um atlas lingüístico pluridimensional. Metodologia O corpus que serviu de base para este trabalho constituiu-se a partir de um segmento do Questionário Semântico-Lexical (QSL) do Projeto Atlas Linguístico do Brasil, considerando-se as respostas dadas pelos informantes para a pergunta 149 referente ao campo semântico Religiões e Crenças, qual seja: O que certas pessoas fazem para prejudicar alguém e botam, por exemplo, nas encruzilhadas? Os questionários foram elaborados numa perspectiva onomasiológica, ou seja, partem do conceito para a denominação e tem por objetivo o registro da variante coloquial utilizada pelo falante, buscando as formas de emprego mais geral da localidade. Para esta pesquisa serão consideradas, segundo a rede de pontos do Projeto ALiB, amostras de fala de indivíduos pertencentes às capitais da região Nordeste do Brasil. Os informantes estão distribuídos equitativamente, de acordo com a metodologia do projeto, por ambos os sexos, em duas faixas etárias e dois níveis de escolaridade, conforme a seguinte distribuição: quatro homens e quatro mulheres por capital; dois homens e duas mulheres pertencentes à Faixa I – dos 18 aos 30 anos; dois homens e duas mulheres correspondentes à Faixa Etária II – dos 50 aos 65 anos e dois níveis de escolaridade: nível fundamental incompleto e nível superior. Esse trabalho insere-se nos modelos qualitativo e quantitativo de pesquisa científica. No primeiro, pela interpretação da realidade sociocultural dos indivíduos como um subsídio para o entendimento de suas manifestações linguísticas e, no segundo, por representar numericamente os dados. Análise dos dados No âmbito do Questionário Semântico-Lexical do Atlas Linguístico do Brasil, os informantes foram inquiridos com a seguinte pergunta: “O que certas pessoas fazem para prejudicar alguém e botam, por exemplo, nas encruzilhadas?” (COMITÊ, 2001). As respostas apresentadas demonstraram uma gama lexias para nomear a variante feitiço: macumba, despacho, feitiço,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 63 de 143

trabalho, bozó, bruxaria, catimbó, magia negra, coisa feita,, demanda, despacho de macumba, ebó, malefício, mandinga, preparado, terecô, quebrante,quizumba, xangô. O quadro a seguir apresenta as variantes obtidas para nomear a lexia feitiço e o respectivo valor absoluto de cada unidade lexical no conjunto das nove capitais do Nordeste. Variantes Arac. Fort. JP Mac. Nat. Rec. Ssa. SL Ter. Total Macumba 8 5 4 8 6 6 6 5 6 54 Despacho 2 2 6 5 4 2 4 4 5 34 Feitiço 1 1 1 1 2 1 7 Trabalho 1 2 1 1 1 6 Bozó 5 5 Bruxaria 1 1 2 4 Catimbó 1 2 1 4 Magia negra 1 1 2 Coisa feita 1 1 Demanda 1 1 Despacho de 1 1 macumba Ebó 1 1 Malefício 1 1 Mandinga 1 1 Preparado 1 1 Terecô 1 1 Quebrante 1 1 Quizumba 1 1 Xangô 1 1 Quadro 1 – Ocorrências das variantes para “feitiço” nas capitais do Nordeste O conjunto dos dados documentou 19 designações para o referente pesquisado na região Nordeste. A variante macumba foi registrada em todas as capitais com um índice alto de ocorrências, sendo pronunciada por todos os informantes de Aracaju e Maceió. A variante despacho também foi bastante produtiva no Nordeste, ocorrendo em todas as capitais. As lexia feitiço e trabalho foram registradas em cinco capitais. As variantes bruxaria e catimbó foram documentadas em três capitais: a primeira em Maceió, João Pessoa e Recife; a segunda em Fortaleza, Recife e Natal. A variante magia negra foi registrada em Teresina e João Pessoa. Onze variantes tiveram ocorrências únicas, são elas: ebó, bozó, quizumba, terecô e coisa feita (Salvador), xangô (Recife), malefício (Aracaju), mandinga (Teresina), quebrante, despacho de macumba, demanda e preparado (Fortaleza). Considerações finais O estudo do léxico utilizado por falantes de diversas regiões do Brasil poderá contribuir não apenas para o mapeamento da heterogeneidade linguística do país, mas também para ampliar o conhecimento sobre a realidade histórica, social e cultural do povo brasileiro, já que através do vocabulário é possível identificar marcas importantes da memória histórica, política, cultural, social e religiosa de um povo. As pesquisas de cunho dialetal têm servido para demonstrar a riqueza e a pluralidade de normas linguísticas existentes no interior do português falado no Brasil, sendo de extrema importância para o conhecimento da multidimensionalidade que a língua portuguesa assume nos diversos espaços físicos e socioculturais.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 64 de 143

Referências BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Introdução: as ciências do léxico. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri Isquerdo (Orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001, p. 13-22. CARDOSO, Suzana. Dialectologia: trilhas seguidas, caminhos a perseguir. Revista D.E.L.T.A., São Paulo, v.17, nº esp., p.25-44, 2001. FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dialetologia no Brasil. São Paulo: Parábola, 1994. MOTA, Jacyra Andrade; CARDOSO, Suzana. Para uma nova divisão dos estudos dialetais brasileiros. In: MOTA, Jacyra; CARDOSO, Suzana. (Orgs.). Documentos 2. Projeto Atlas Linguístico do Brasil. Salvador: Quarteto, 2005. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 65 de 143

O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: ANÁLISE DE UMA REALIDADE ESCOLAR Gislaine Rodrigues Couto24 Sueli Menezes Pereira25 Resumo O objetivo deste trabalho é investigar de que forma os programas sociais do governo federal, em especial o Programa Bolsa Família, são focos de projetos especiais na escola no sentido de assessorar alunos carentes e com dificuldades de aprendizagem. A pesquisa desenvolveu-se em uma escola pública, aqui denominada Escola X através de abordagem qualitativa do tipo estudo de caso. Optou-se pelo questionário com perguntas abertas, como técnica de pesquisa com três sujeitos da equipe diretiva. Como resultado conclui-se que a escola não possui projetos especiais criados por ela, para melhor assessorar os alunos beneficiados do Programa Bolsa Família. Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Alunos Carentes. Dificuldades de Aprendizagem. Resumén El objetivo de este trabajo es investigar de qué forma los programas sociales del gobierno federal, en especial el Programa Bolsa Familia, son focos de proyectos especiales en la escuela en el sentido de asesorar a alumnos carentes y con dificultades de aprendizaje. La investigación se desarrolló en una escuela pública, aquí denominada Escuela X a través de abordaje cualitativo del tipo estudio de caso. Se optó por el cuestionario con preguntas abiertas, como técnica de investigación con tres sujetos del equipo directivo. Como resultado se concluye que la escuela no posee proyectos especiales creados por ella, para mejor asesorar a los alumnos beneficiados del Programa Bolsa Familia. Palabras clave: Programa Bolsa Familia. Alumnos carentes. Dificultades de Aprendizaje. Introdução A pobreza no Brasil e em âmbito global assume proporções alarmantes, causando não apenas a falta material essencial aos indivíduos que vivem nesta realidade de carências, mas, também, convivem com a falta de consciência e perspectiva para sair desta situação de exclusão social. Neste cenário, o governo Federal cria políticas compensatórias que se identificam nos Programas Sociais de transferência de renda, dos quais se destaca o Programa Bolsa Família (PBF), programa este que auxilia as famílias que se encontram na pobreza e extrema pobreza com uma ajuda monetária mensal de modo a minimizar suas necessidades básicas. Esse programa vai além do assistencialismo quando cobra das famílias a frequência de seus filhos nas escolas públicas, com o intuito de tirar estas crianças e adolescentes em idade escolar do trabalho infantil, da prostituição, das ruas e das drogas, bem como possibilitar condições mínimas para irem à escola. É neste contexto, que este artigo traz a problemática: Como as políticas sociais almejam minimizar as desigualdades no universo escolar?

Pedagoga, Especialista em Gestão Educacional e Mestre em Políticas Públicas e Gestão Educacional PPPG/UFSM. 25 Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 24

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 66 de 143

Considerando que as escolas também apresentam indicadores que limitam sua qualidade, o que se comprova no alto índice de repetência e evasão assim como nos baixos IDEB´s. Diante deste contexto, este artigo tem como proposta conhecer o posicionamento das instituições educativas através das ações da equipe diretiva frente ao PBF e seus beneficiários. Assim, o trabalho tem como objetivo Investigar de que forma os programas sociais do governo federal, em especial o Programa Bolsa Família, são focos de projetos na escola no sentido de assessorar alunos carentes e com dificuldades de aprendizagem. A problemática em estudo surge tendo como base as propostas e a aplicação dos programas do governo na escola. Logo, é importante ressaltar que neste estudo, o foco é uma política social, o PBF o qual está relacionado ao acesso dos estudantes beneficiários à escola. Desta forma, se permite o questionamento em saber se a escola se vale das políticas sociais apenas pelo seu aspecto assistencial, ou se a mesma integra estes programas na política escolar, através de sua proposta pedagógica de modo à interrelacionar as questões pedagógicas com as questões sociais. Defende-se que é função da escola preocupar-se em suprir as necessidades mais urgentes dos alunos, sem que haja perda de sua principal função social que é a formação do ser humano. A necessidade do programa bolsa família frente à desigualdade brasileira O Programa Bolsa Família é um programa social de transferência de renda criado no Brasil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, o qual reuniu vários programas sociais já existentes, tais como, “Bolsa-Escola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde – Bolsa Alimentação, Programa Auxílio-Gás, entre outros e, transformando-os em um único programa, criou o PBF” (BRASIL, 2004). Com este programa, de caráter assistencial, o governo busca quebrar o círculo vicioso da pobreza, oferecendo oportunidades para as camadas de renda mais baixa da população, sobretudo por meio da educação. “O governo Lula foi marcado desde seu início pelo Programa Fome Zero26, principal estratégia de enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil” (SILVA e LIMA, 2010, p. 21) assim, o PBF se integra ao propósito do Governo Federal. Neste contexto, o PBF possui três eixos principais que envolvem: transferência de renda; condicionalidades; e, ações e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. As ações e programas complementares, no entanto, objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade (BRASIL/MDS, 2012). Pires (2013), interpretando outros estudiosos do assunto, afirma: Na visão de Camargo (1991), dada as carências socioeconômicas de grande parte da população, as crianças são estimuladas a trabalhar em idade precoce para contribuir com a renda familiar. Tal fato criaria um círculo vicioso já que elas, ao entrarem cedo no mercado de trabalho, diminuiriam a sua escolaridade e reduziriam drasticamente suas chances de sair da pobreza quando adultas. Como forma de romper este ciclo de transmissão intergeracional, o Estado deveria garantir uma renda familiar compatível com acréscimo gerado pelo trabalho infantil, de maneira a possibilitar o incremento da escolaridade das crianças e aumentar suas chances de saírem da pobreza quando adultas (PIRES, 2013, p.513).

Sob a gestão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Programa Fome Zero tem o objetivo de contribuir para a redução da pobreza e da fome em nosso país. 26

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 67 de 143

Neste sentido, as políticas sociais surgem para suprir as necessidades de ordem material e, também, para incitar a mudança, pois quando garantem acesso à educação dão o primeiro passo para que as mudanças aconteçam. Conforme Marcon (2010) a ação assistencialista por parte da gestão pública não é uma novidade. Está presente na história das nações e o exemplo mais conhecido, talvez por conta do caráter precursor, foi a Lei dos Pobres, instituída na Inglaterra em 1834. Essa lei tinha como função dar dinheiro aos pobres através das paróquias; dinheiro este que tinha por finalidade garantir a alimentação da camada da população mais carente e com isto diminuir os problemas sociais no país. Deste modo, é importante considerar que os programas de transferência de renda a nível mundial já existiam desde 1834 na Inglaterra, porém no Brasil eles surgem na década de 90 (MARCON, 2010). No caso do Brasil, a política social identificada no Programa Bolsa Família tem [...] contribuído de forma decisiva para a inédita redução da pobreza e da desigualdade ocorrida nos últimos anos. Historicamente, o Brasil sempre esteve entre os países com maior concentração de renda no mundo. Durante décadas, os 60% mais pobres da população tem recebido apenas 4% da renda nacional. Com o Bolsa Família e os seus antecessores, a desigualdade de renda medida entre 1995 e 2004 caiu quase 4,6%. Embora a desigualdade ainda seja muito alta, o Bolsa Família parece estar contribuindo para que o Brasil avance em um processo sustentado de diminuição (MDS.gov.br, 2007, s/p).

Entretanto, apenas a política assistencial não mudará a situação encontrada atualmente na sociedade. Logo, a educação é um meio pelo qual se acredita (juntamente com as políticas públicas) que os indivíduos têm melhor oportunidades de futuro com qualidade social, pois a escola como instituição educativa tem a função social de educar para cidadania tendo como fim último “favorecer uma vida com maior satisfação individual e melhor convivência social” (PEREIRA, 2008, p.13). Embora, sabe-se que a escola sozinha não tem como assumir a responsabilidade de mudar o panorama atual da desigualdade social, ela também não pode reproduzi-la em seu interior. Neste prisma, o paradigma da gestão democrática apresenta-se como solução por pautar-se pela participação em busca de espaços de deliberação coletiva, pois “[...] a gestão democrática, por um lado, é atividade coletiva que implica a participação e objetivos comuns; por outro, depende de capacidades e responsabilidades individuais e de uma ação coordenada e controlada” (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012, p.448). E neste cenário, o papel do diretor precisa ser “de um líder cooperativo, de alguém que consegue aglutinar as aspirações, os desejos, as expectativas da comunidade escolar e articular a adesão e a participação de todos os segmentos da escola na gestão de um projeto comum”, isto é, o diretor juntamente com a equipe diretiva precisa criar estratégias para que a comunidade escolar também se sinta pertencente e participe da vida da instituição (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p.454). Portanto, a participação da comunidade escolar (equipe diretiva, professores, funcionários, alunos e pais) é fundamental, de forma que todos precisam fazer parte das decisões tomadas pela escola. Estas decisões devem estar articuladas as políticas e programas pensados para a escola, sejam eles educacionais ou sociais (caso do PBF). Metodologia: Para o desenvolvimento deste trabalho utiliza-se a pesquisa qualitativa por esta ser um “tipo de pesquisa que tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (BODGAN; BIKLEN apud LÜDKE e ANDRÉ, 1986). Neste sentido, compreende-se que esta abordagem possibilitará colher e analisar os dados que ajudarão a responder ao questionamento que se identifica no problema de pesquisa proposto neste estudo.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 68 de 143

Nesta ótica, o método de Estudo de Caso corresponde ao tipo desta pesquisa, considerando que analisa a realidade de uma escola pública de Santa Maria/RS. O estudo de caso se caracteriza como uma: [...] categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente. Esta definição determina suas características que são dadas por duas circunstâncias [...]. Por um lado, a natureza é abrangência da unidade. Esta pode ser um sujeito. Em segundo lugar, também a complexidade do Estudo de Caso está determinada pelos suportes teóricos que servem de orientação em seu trabalho ao investigador (TRIVIÑOS, 1987, p.134).

O método abarca o estudo dos sujeitos de uma dada realidade de forma processual e se aprofunda à medida que a coleta e a análise de dados iniciam. Sendo assim, a coleta de dados tornase vital na pesquisa qualitativa, pois dará ao pesquisador entendimento da realidade que está sendo estudada, de modo aprofundado (TRIVIÑOS, 1987). Optou-se pela coleta de dados por meio de questionário com questões abertas para que as participantes da pesquisa sintam-se a vontade ao se expressarem (GIL, 1999). As participantes27 selecionadas para esta pesquisa foram: uma diretora, uma coordenadora pedagógica e uma orientadora educacional de modo a verificar seus posicionamentos em relação ao assunto abordado. O campo de pesquisa será uma escola Pública de Santa Maria/RS, aqui denominada Escola X. A análise de uma realidade: o que diz a equipe diretiva sobre o Programa Bolsa Família A Pergunta 1 refere-se a opinião sobre o Programa Bolsa Família. Com exceção da diretora, as respostas foram todas negativas evidenciando os diferentes pontos de vista das respondentes sobre o PBF. Abaixo algumas respostas das participantes: É importante e precisa ser utilizado em benefício das crianças (diretora). Sou contra o programa, por várias razões, por não oferecer capacitação para o trabalho e independência. Quer apenas escravizar. Incentiva a dependência do estado. Combate os efeitos e não a causa. Usado com fim político-eleitoral (Coordenadora). Sou contra o programa, porque com ele o governo ajuda a perpetuar o ócio (Orientadora Educacional). Logo, vale acrescentar que além da transferência monetária, o Programa Bolsa Família, segundo o MDS (2010), considera necessário desenvolver outros programas, como alfabetização, capacitação profissional, apoio à agricultura familiar, geração de ocupação e renda, microcrédito, acesso à educação e a serviços de saúde para as crianças. Portanto, “o objetivo é agregar esforços para permitir a autonomia das famílias beneficiárias” (SÁ, s.n, p.6). Estas finalidades precisam ser conhecidas e também pensadas pelos sujeitos envolvidos diretamente com os educandos beneficiados do PBF que frequentam a escola, para que as crianças não sejam rotuladas. Pode-se compreender a partir das respostas que a equipe diretiva possui uma concepção e uma ideologia política as quais são visíveis, quando elas não assumem uma condição de neutralidade frente à prática educativa que é também política. Mesmo sabendo que a maior parte dos posicionamentos foram negativos, é preciso lembrar-se da condição de inacabamento do ser, a qual faz pensar que “[...] mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação [...] sei também que os obstáculos não se eternizam” (FREIRE, 2011, p.53). Desta forma, compreende-se que para mudar atitudes e pensamentos ou mesmo defendêlos é necessário ter mais que vontade, é necessário conhecer a fundo o objeto/ ou a concepção com

27

Referiremos-nos a elas por todas as participantes desta pesquisa ser do sexo feminino.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 69 de 143

a qual compactua. Esta pesquisa mostra que a participação dos sujeitos é essencial para descobrir diferentes pontos de vista em relação ao objeto de estudo. A escola apresenta-se como um meio que pode “proporcionar o acesso de todos os cidadãos ao direito de aprender a ler e a escrever, como uma das formas de inclusão social, cultural e política e de construção da democracia” (MORTATTI, 2004, p.15). Por isto, a escola é um espaço político. No momento que ela ensina ela imprime valores, pois os diferentes sujeitos que nela trabalham possuem opiniões e crenças também diferentes, embora todos estejam ali em busca de um mesmo objetivo. A Pergunta 2 se refere ao número de alunos beneficiados com o PBF. Pelas respostas das participantes, as quais têm compromisso direto com o controle do PBF na escola, as respostas evidenciaram uma unanimidade em termos percentuais, mas uma disparidade de informações em relação ao número de beneficiados. Foi informado que o nº total de alunos da escola são 200, dos quais 20% são beneficiados. A pergunta 3 refere-se ao compromisso da escola com os alunos do PBF. As repostas abaixo indicam a posição das respondentes: Orientações e atestado para não perder o benefício recebido (Diretora). Manter os pais informados e disponibilizar a documentação necessária para não perderem o benefício (Coordenadora). Todos os alunos recebem a mesma atenção independente do PBF. (Orientadora educacional) As respostas demonstram que a escola apenas cumpre com as funções burocráticas em relação ao programa, cuidando a frequência dos alunos para elaborar atestados que comprovem a mesma. As perguntas 4 e 5 referem-se, respectivamente, ao desempenho escolar dos alunos e ao número de crianças do PBF aprovados com qualidade, ou reprovadas ou, ainda evadidas nos últimos 3 anos. A falta de relatórios, fichas de acompanhamento, ou outro tipo de documento que indique o desempenho dos alunos beneficiados pelo PBF não é uma preocupação da escola, como atestam os depoimentos abaixo: Sem levantamentos por que trabalhamos para que todos tenham o mesmo atendimento (Diretora). Os alunos não são considerados diferentes dos não beneficiados, assim não há levantamento (Coordenadora). Sem dados (Orientadora educacional). A pergunta 6 trata dos projetos especiais que a escola desenvolve para a melhoria do desempenho escolar, as respostas abaixo indicam que o programa existente na escola é o Programa Mais Educação (PME), projeto inserido na escola que não implica em projeto criado pela mesma. Assim, pode-se afirmar que a escola não possui projetos próprios para a melhoria da qualidade escolar aos alunos beneficiados com o PBF: O Programa Mais Educação (com oficinas de dança, letramento, matemática, futsal, recreação e saúde) (Diretora). Os alunos não são considerados diferentes dos não beneficiados, assim não há levantamento (Coordenadora). O Programa Mais Educação (Orientadora educacional). Através das análises verificou-se que a escola desenvolve apenas um projeto, o Programa Mais Educação (PME) que é um projeto do Governo Federal, o qual têm como proposta a escola de tempo integral, atendendo a poucos alunos, pelo restrito espaço da escola e, consequentemente, seu número de vagas. Porém, foi informado por parte da equipe diretiva que este programa está

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 70 de 143

sendo ampliado para atender a mais alunos e oferece várias oficinas para auxiliar na qualidade da aprendizagem oferecida aos educandos. A pergunta 7 trata da contribuição e limitação do PBF como fator determinante da permanência da criança na escola. As respostas da Equipe diretiva são contraditórias e evidenciam grande desconhecimento dos compromissos da escola com os beneficiados do PBF, pois indicam em seu PPP28 que a escola atende alunos de classe média a classe baixa, mas entende todos como iguais. Se os alunos beneficiados com o PBF são de outra classe que não a classe média, não poderiam ser considerados todos iguais e com as mesmas necessidades pedagógicas como apontam as respondentes do questionário, indicando que os mesmos mereceriam mais atenção dos profissionais da educação. As repostas abaixo são elucidativas desta questão: Exigência da Lei (Diretora). Os alunos não são considerados diferentes dos não beneficiados, assim não há levantamento (Coordenadora). Não tem relação com a frequência e/ou evasão escolar. Não é determinante (Orientadora Educacional). Conclui-se que, se a Diretora entende como fator determinante as exigências da Lei; se a Orientadora educacional não entende a frequência como determinante no PBF, evidencia que a equipe Diretiva, responsável pela condução do PBF na escola, demonstra desconhecimento sobre o Programa, visto que a frequência é um dos requisitos básicos para o recebimento do recurso do PBF. A partir da análise pode-se concluir que a comunidade escolar, envolvendo principalmente o corpo gestor, representadas pela figura da Diretora, da Coordenadora Pedagógica e da Orientadora Educacional, as mesmas demonstram distanciamento das condicionalidades do PBF, o que de certa forma, ignora a realidade dos alunos beneficiados. Ser contra este benefício do Governo Federal pelas razões já apontadas: uma política de cunho eleitoreiro; perpetuação do ócio; conformismo com a condição de beneficiado; combate efeitos, mas não a causa da pobreza, são alguns dos argumentos que justificam o descaso da escola para com o PBF e, consequentemente com os beneficiados. Portanto, compreende-se que a educação não está sendo vista como um fator de promoção social, para futuramente romper com ciclo da pobreza por parte dos beneficiários. A escola não está agindo de forma que possa garantir a promoção social pela educação e acaba apenas cumprindo a Lei para que as famílias não percam o benefício (frequência, atestado, orientações) e os projetos que garantam um melhor aproveitamento, assessoramento e consequentemente qualidade do ensino oferecido acabam ficando em segundo plano. Sem discriminar o educando beneficiado com o PBF, buscou-se saber se as políticas do governo implicam em programas especiais da escola, tendo em vista que, muitas vezes, a escola ocupa seu tempo resolvendo inúmeros problemas que surgem no seu cotidiano e acaba colocando em prática programas que chegam à instituição, sem nem saber se eles contemplarão as carências de sua realidade. Este trabalho buscou refletir sobre alguns fatos que não estão sendo discutidos na escola, mas que estão afetando sua qualidade Considerações finais:

A comunidade é bastante heterogênea, as crianças são procedentes de famílias de classe média a classe baixa, conforme dados da pesquisa realizada pela escola e documentada em seu PPP. Há famílias com renda menor de um salário mínimo (15%) enquanto que outras famílias apresentam uma renda igual ou superior a dois salários mínimos (31%) (PPP, 2013, p.11). 28

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 71 de 143

No decorrer desta pesquisa tentou-se responder ao seguinte problema de pesquisa: de que forma as políticas sociais almejam minimizar a desigualdade existente no universo escolar? Referente ao PBF ficou evidenciado nesta pesquisa que o programa contribui com a garantia de acesso a escola, de algumas crianças, que antes do programa estavam sujeitas ao trabalho infantil entre outras ações que as impediam de frequentar a escola, assim, o PBF colabora com a diminuição da desigualdade e do analfabetismo. Mesmo o Programa Bolsa Família sendo uma política social, espera-se que a escola não seja entendida como um lugar apenas de assistência social aos educandos que o recebem, mas que ela contribua com a formação integral dos mesmos. Isto porque se têm observado em pesquisas29, que as escolas acabam, preocupando-se apenas com a questão da frequência escolar, considerando que esta é uma das exigências do PBF o que deixa a desejar em alternativas que beneficiem esses alunos em termos de aprendizagem, levando-os, mais tarde, a exclusão social, não conseguindo conquistar seus direitos como cidadãos, tanto para competir igualmente no mercado de trabalho, como para compreender a sociedade em que vivem e nela situar-se criticamente. Respondendo ao problema desta pesquisa, conclui-se que a escola investigada carece de uma visão social mais ampla numa sociedade capitalista que tem na diferenciação e na exclusão social a sua lógica, ou seja, todos têm os mesmos direitos, mas no capitalismo as oportunidades são diferentes, o que deveria ser uma preocupação da escola com os beneficiados do PBF. Por fim, conclui-se, a falta de conhecimento do Programa Bolsa Família por parte da equipe diretiva, considerando que esta realiza apenas as questões burocráticas relacionadas ao programa. Referências: BRASIL, Lei nº 10.836 aprovada em 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em: 06 de jan. 2014. ____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS. Bolsa Família. 2010. ____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS. Sistema de gestão do Programa Bolsa Família. 2012. COUTO, G. R.; PEREIRA, S.M. Educação e combate a pobreza: um estudo sobre o programa bolsa família. 2012. Anais do XIII Salão de Iniciação Científica da PUCRS - Porto Alegre/RS. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/sic/xiii/xiii/373.pdf. Acesso em: 10 de jan. 2012. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa. São Paulo: LTC, 4ª Ed., 1999. LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J. F. de.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed., São Paulo: Cortez, 2012. LUDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MARCON, G. B. A origem e Importância do Programa Bolsa Família. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/a-origem-e-importancia-doprograma-bolsa-familia/49771/. Acesso em: 15 de dez. 2013. MDT. Estrutura e apresentação de monografias, dissertações e teses. Universidade Federal de Santa Maria, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Biblioteca Central, Editora da UFSM. 8. ed., Santa Maria: da UFSM, 2012.

Conforme dados levantados em pesquisa anteriormente. COUTO, G. R.; PEREIRA, S.M. Educação e combate a pobreza: um estudo sobre o programa bolsa família. 2012. Anais do XIII Salão de Iniciação Científica da PUCRS Porto Alegre/RS. Disponível em: em 10/01/2012. 29

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 72 de 143

MORTATTI, M do. R. L. Educação e letramento. São Paulo: UNESP/Série Educação, 2004, 136 p. PEREIRA, S. M. A construção da autonomia, da qualidade e da democracia na escola municipal nos diferentes espaços da gestão escolar. Santa Maria, 2008. Projeto de pesquisa. PIRES, A. Afinal, para que servem as condicionalidades em educação do Programa Bolsa Família. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação/ Fundação Cesgranrio, v.21, n.80, Rio de Janeiro: A fundação, jul/set. 2013, p.513-531. SANTA MARIA, Secretaria de Município de Educação. Projeto político-pedagógico. Escola de Ensino Fundamental X, 2012. SÁ, M. O. L de. Uma análise da aplicação do programa bolsa família no município de são bentinho – PB. Disponível em: http://portal.virtual.ufpb.br/bibliotecavirtual/files/uma_analise_da_aplicaaao_do_programa_bolsa _famalia_no_municapio_de_sao_bentinho_a_pb_1343830792.pdf. Acesso em: 8 de jan. 2013. SILVA, M. O da. S. (coord.).; LIMA, V. F. S de. A. Avaliando o Bolsa Família: unificação, focalização e impactos. São Paulo: Cortez, 2010. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 73 de 143

UNIDADE DIDÁTICA PARA ENSINO DE PLE: UM MATERIAL-FONTE DE ABORDAGEM COMUNICATIVA Glauber Heitor Sampaio30 Márcia Pereira de Almeida Mendes31 Elizabeth Mello Barbosa32 Resumo Este trabalho propõe uma unidade didática em forma de material-fonte de base comunicativa para o ensino de Português Língua Estrangeira no contexto universitário. A abordagem comunicativa pressupõe que o ensino de línguas deve estar o mais próximo possível do contexto do aluno e, além disso, trazer tópicos que sejam relevantes para ele. A unidade foi desenvolvida para um grupo de alunos recém-chegados à uma universidade brasileira e com a necessidade imediata de se localizar e locomover no campus e na cidade. A unidade é voltada para o contexto universitário e o públicoalvo são alunos em seu primeiro contato com a língua. Palavras-chave: Unidade Temática; Material-Fonte; Abordagem Comunicativa. Abstract: This article presents a thematic unit proposal through reference source material based on a communicative approach to be used in the teaching of Portuguese as a foreign language or second language (PFL) in a university context. The communicative approach assumes that language teaching should be as close as possible to the context of the student. The unit was developed considering a group of newly arrived students at a Brazilian university and their immediate need to settle in and find residence on campus and downtown. The unit is aimed at a university context and the target audience is students in their first contact with the language. Key-words: Thematic Unit; Reference Source Material; Communicative Approach. Introdução Como forma de socializar uma unidade didática em forma de material-fonte para ensino de português para falantes de outras línguas, este trabalho foi desenvolvido na intenção de propor um exemplo material de base comunicativa para ser usado no ensino de português como língua estrangeira ou segunda língua (PLE) no contexto universitário. Por seguir a abordagem comunicativa, a gramática seria apenas explicitada no caso de haver uma forte justificativa para tal, que poderia ser identificada através da interpretação do comportamento da turma. Por este motivo, dispomos os conteúdos relacionados à realização de função como conteúdo gramatical possível, como pode ser observado nos planos de aula localizados no apêndice deste trabalho. Nesta unidade, procuramos escolher atividades que proporcionassem o máximo de chances de aquisição de segunda língua. O público-alvo desta unidade são alunos estrangeiros em universidades brasileiras em seu primeiro contato formal com a língua portuguesa. No entanto, é possível adequar a unidade a outros contextos. Por exemplo, aplicando-a a alunos mais avançados, ou hispanofalantes33, Mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (MG). Professor da Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Letras. Contato: [email protected] 31 Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da Hankuk University of Foreign Studies, campus Global em Yongin, Coréia do Sul. Contato: [email protected] 32 Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Professora de Língua Estrangeira Moderna-Espanhol na Secretaria de Educação do Estado de Goiás. Contato: [email protected] 33 Entendemos aqui hispanofalante como alguém que fala espanhol como língua materna e aprende o português como língua estrangeira ou outra língua. 30

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 74 de 143

aumenta-se o insumo, modifica-se as discussões com base no que se espera que os alunos estejam já aptos a produzir. Os planos de aula que compõem esta unidade material-fonte estarão disponíveis no apêndice. Estará, também, no apêndice uma unidade didática34 aplicada a alunos estadunidenses cursando o segundo nível na língua portuguesa. Acreditamos que esta unidade, surgida do nosso material-fonte, é um esperançoso início da análise do processo gerado e potencial desta unidade experimental. Na unidade adicional as principais adequações foram a quantidade e complexidade da língua no insumo oferecido e a região tema da unidade, que foi a região Sudeste e, mais especificamente, o estado de Minas Gerais. Na próxima seção, explicaremos nossa motivação para desenvolver este trabalho e, em seção posterior, como podemos situá-lo teoricamente na Lingüística Aplicada e no ensino de PLE. Em seguida, faremos uma exposição singela dos planos de aula e apresentaremos algumas alternativas para as atividades propostas. Terminaremos com os relatos da aplicação da unidade didática em Viçosa (em anexo), Minas Gerais, e as considerações finais deste artigo. Motivação para desenvolvermos uma unidade comunicativa de PLE Apesar de grande maioria dos professores de línguas proclamarem categoricamente que se utilizam de materiais comunicativos e que, consequentemente, suas aulas são baseadas nessa abordagem, percebemos que ainda é precário afirmarmos que o movimento comunicativo está, de fato, fazendo parte do ensino de línguas no Brasil de forma decisiva. A razão para tal afirmação pode ser baseada em dois principais eixos. O primeiro diz respeito a encontrar materiais didáticos legitimamente comunicativos dentre os métodos disponíveis de PLE no mercado. Geralmente, o que se encontra está supostamente inserido numa abordagem comunicativa, mas que, em verdade, não vai além de um método essencialmente gramatical camuflado de situações comunicativas que servem apenas de pretexto para um direcionamento fundamentalmente gramatical. Além disso, as situações, textos e insumos são muitas vezes fabricados e adaptados, o que nos faz questionar a autenticidade do que é apresentado ao aluno. Além da carência de materiais, temos o segundo eixo, que diz respeito a certa restrição metodológica encontrada pelo professorado, já que pode parecer bastante desconfortável ao professor ter que contravir uma tradição, convencionada por muito tempo como uma abordagem produtiva e suficiente para ensinar e aprender uma outra língua. O fato é que, mesmo que inconscientemente, ainda existe uma supremacia pautada no grande legado gramatical experienciado e aplicado por uma boa parte dos professores e tido como suficiente para o ensino de língua estrangeira. É claro que não estamos rechaçando a abordagem gramatical, visto que concordamos que as abordagens gramatical e comunicativa não se excluem. Acreditamos, porém, que um foco estrutural com nuances comunicativas não seja suficiente para que o aprendiz adquira a língua, sem apenas aprender sobre a língua e seu sistema (ALMEIDA FILHO, 2011). É importante discutir até onde essas duas principais abordagens de ensino são necessárias, principalmente se é dado um momento em que o foco no uso de técnicas majoritariamente gramaticais parecer ser implacável. Há de se convir que, frente às novas tecnologias e ao tipo de estudante que temos hoje, não podemos nos limitar a uma só abordagem, principalmente quando Esta unidade não pertence ao material-fonte, sendo um material desenvolvido e aplicado por Glauber Heitor Sampaio (anexo), co-autor deste artigo, na Universidade Federal de Viçosa. É uma demonstração de como este material-fonte pode ser transformado em material de aula concreto. 34

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 75 de 143

essa abordagem pode não ser suficiente para inserir o aluno num mundo pós-moderno que exige que sejamos hábeis a ser minimamente fluentes nas complexidades inerentes à língua-em-uso para um fim comunicacional. Dessa forma, acreditamos que propor um material-fonte para o ensino comunicativo de PLE possa servir como importante componente para que novos esforços em relação ao desenvolvimento de materiais possam ser feitos, assim como uma nova perspectiva pratica em relação à abordagem comunicativa possa ser visualizada na prática. Fundamentação teórica Acreditando no impacto que uma unidade didática comunicativa pode ter no ensino de PLE, procuraremos nesta seção localizar teoricamente as ideias nas quais nos baseamos para a elaboração desta unidade. Segundo o Projeto Glossa (GLOSSÁRIO, 2012): na abordagem comunicativa somos motivados pelo crescente interesse em se adquirir uma capacidade de uso real de novas línguas (...)e a unidade básica do idioma deve se pautar no ato comunicativo e não na forma. (...) O significado e situações de uso é que devem inspirar o planejamento didático, a confecção ou escolha de materiais, a construção de experiências comunicacionais de aprender e modos interativos de avaliação da competência comunicativa na nova língua.

Widdowson (1978) defende que a força comunicativa já na deve estar presente na escolha dos objetivos e conteúdos visando o uso autêntico da língua nas interações dentro da sala de aula. Este autor também defende que a língua alvo, doravante L-alvo, pode ser estudada com conteúdos de outras disciplinas, ou seja, podemos buscar a fonte básica para o ensino de PLE em outras disciplinas e não somente na língua portuguesa obedecendo ao interesse dos alunos. De acordo com o interesse dos aprendizes, podemos utilizar elementos de outras fontes disciplinares como história, ciências, matemática, dentre outras. Segundo Almeida Filho (2008) o ensino comunicativo de uma língua estrangeira é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a L-alvo para realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa língua (ALMEIDA FILHO, 2008 p. 47).

No ensino comunicativo o professor deve planejar, desenvolver procedimentos e materiais que incentivem o aluno a pensar e interagir na língua estudada. Toda a operação de ensino deve estar voltada para que o aluno consiga se expressar e se comunicar na L-alvo. As técnicas devem ser escolhidas de tal maneira que promovam trabalhos em grupo ou em dupla para que os alunos possam praticar a interação. Segundo Almeida Filho (2008) o professor comunicativo deve apresentar alguns aspectos para que sua aula seja considerada comunicativa: oferecer conteúdos significativos e de relevância; utilizar a nomenclatura comunicativa; tolerar o apoio ou interferência da língua materna, incluindo os erros; apresentar temas e conflitos do universo do aluno; respeitar as variáveis afetivas como motivação, ansiedade, inibição e empatia com a cultura da L-alvo, no caso da unidade por nós elaborada e compilada, PLE.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 76 de 143

Krashen (1982) estabelece alguns critérios para que o aluno tenha uma aprendizagem mais durável e significativa. O insumo oferecido ao aprendiz de uma língua estrangeira deve ser compreensível, interessante, relevante, oferecido em quantidade suficiente e em ambiente em que sinta a vontade e autoconfiante. Entendemos por insumo relevante, aquele que desafia o aluno, o encoraja e o provê com ferramentas para que se insere como agente social transformador através do uso da língua e dos códigos simbólicos que essa língua carrega consigo. Neste sentido, ao desenvolver uma unidade didática, devemos nos perguntar sobre o que é melhor para o aluno, o que promoverá o seu interesse e o seu envolvimento, o que fará com que as aulas sejam agradáveis e relevantes para amparar o aluno no desenvolvimento das suas habilidades comunicativas. Estudar uma língua estrangeira sob o ponto de vista do crescimento pessoal e do conhecimento pode ser claramente entendido por meio do ponto de vista de Celani (2008). ser monolíngue em qualquer língua é ser semieducado. Em alguns contextos, e neles incluo o nosso, pode ser também fator de atraso e de impedimento de participação plena do que acontece no mundo, na sociedade. É ser fadado a viver em um aquário e não no mar. [grifo da autora] (CELANI, 2008, prefácio).

Apresentação da unidade Esta proposta para uma unidade didática foi desenvolvida seguindo os preceitos da abordagem comunicativa (ALMEIDA FILHO, 2011), buscando aproximar a língua do contexto do aluno, tornando-a mais significativa para ele. Os insumos trazidos pelo professor seriam fotos, vídeos, mapas, gráficos e, para o caso de alunos com maior contato prévio com a língua, textos e materiais autênticos. Considerando que este seria o início de um curso de português e que, portanto, os alunos seriam recém-chegados à cidade e à universidade, o objetivo desta unidade é familiarizar os estudantes com informações sobre a localização da universidade e como ela é organizada fisicamente. Além disso, seria relevante evidenciar aos alunos alguns pontos estratégicos da cidade/universidade, além da linguagem necessária para “sobreviverem” durante seus primeiros dias imersos na nova língua-cultura que farão parte como membros temporários por pelo menos alguns meses. O conteúdo exemplo contempla aspectos da Universidade de Brasília e da capital federal em si, esclarecendo ao aluno a lógica desta cidade planejada. O primeiro plano de aula disponível no apêndice deste trabalho foi desenvolvido por alunos de graduação em Letras da Universidade de Brasília, orientadas pelo professor Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho na disciplina Linguística Aplicada na Formação de Professores de Línguas35. A unidade está dividida em três aulas de cinquenta minutos, que podem ser redistribuídas em mais aulas de acordo com a realidade da sala de aula, o tempo de aula e as atividades extras que o professor decidir acrescentar a ela. A primeira aula tem como tema a Universidade de Brasília, que pode ser substituída pela universidade onde o curso será dado. A segunda aula trata sobre a organização de Brasília e como se locomover na cidade. A terceira aula busca levar os alunos a identificarem os pontos de interesse da cidade. Explicaremos brevemente o objetivo de cada plano de aula e exemplificaremos que Esta disciplina é ofertada pelo Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (LET – IL – UnB), sendo uma das três disciplinas de Linguística Aplicada para alunos da graduação. 35

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 77 de 143

alternativas sugerimos para cada exercício. Lembramos o leitor que os planos de aula completos estão disponíveis no apêndice deste texto. Plano de aula 1 Aula: Apresentação pessoal e localização espacial OBJETIVOS Ao final da aula se espera que os alunos -

Data: *** CONTEÚDOS -Vocabulário de estabelecimentos e vocabulário Consigam se apresentar; a Consigam identificar e indicar os principais lugares de uma cidade relacionado esses; universitária e o vocabulário relacionado a esses. -Verbo ser para localização. O início proposto para esta aula está no quadro replicado abaixo: PROCEDIMENTOS

1. Inicialmente projetaremos o mapa mundi através da ferramenta google maps. Logo desde a dimensão global passaremos ao Brasil, Brasília, Asa norte e por fim a UnB;

TEMPO 5’

Uma outra opção caso a aula esteja sendo dada a estudantes que não estão familiarizados uns com os outros é a de iniciar a aula com uma atividade que proporcione a eles a oportunidade de falar o seu próprio nome e de que país vieram. Neste caso, o procedimento 1, que duraria de 5 a 8 minutos dependendo do número de alunos seria o seguinte: PROCEDIMENTOS 1. Inicialmente, com a ferramenta google maps projetada na tela, o professor ou professora se apresentará à turma dizendo “Sou _________, e sou brasileira [apontando o Brasil na tela]. E você?” apontando a um aluno aleatoriamente para que se apresente (caso se tenha conhecimento de um aluno que esteja mais à vontade na língua, este poderia ser o escolhido para iniciar a atividade). Esperamos então que os alunos digam seus nomes e o país de onde vieram. Caso não saibam o país, eles podem levantar e apontar no mapa mundi de onde vieram e o auxiliaríamos fornecendo o nome em português e pedindo que repetissem.

TEMPO 5’ a 8’

Reproduzimos o procedimento 10 abaixo: 5.Revisão com formulação de diálogos.

10’

Caso a alternativa ao procedimento 1 acima seja aplicada, sugerimos também que se faça a seguinte atividade no procedimento 5: 5.Revisão: cada aluno repete seu nome, diz o país de onde veio e fala qual e onde fica seu ponto de interesse turístico favorito em seu país. Caso a turma tenha poucos alunos e o tempo seja suficiente, eles podem apontar no mapa o local do ponto de interesse mencionado.

10’

Acreditamos que esta atividade, além de ajudar aos colegas e ao professor a lembrar os nomes dos alunos, cria um ambiente confortável para que os alunos se sintam seguros para começar a produzir enunciados em português. Além disso, desperta a curiosidade dos participantes

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 78 de 143

pela cultura do outro, aproximando-os e suavizando o contato e reduzindo as chances de haver a ocorrência de filtro afetivo. Plano de aula 2 Pensando em dar continuidade ao primeiro plano de aula, que tratava da Universidade de Brasília e como localizar lugares dentro da universidade, decidimos então que o próximo plano de aula seria sobre Brasília e como se locomover na capital federal. Aula: Da Universidade para a Cidade OBJETIVOS

Data: *** CONTEÚDOS Noções de lateralidade Ao final da aula se espera que os alunos: e localização. - Se familiarizem com palavras tipicamente brasilienses sobre locais - Pedir informações e localização, como “tesourinha”, “balão”, “eixão”, “faixa”. - Números - Tenham noções de como se locomover em Brasília C. Gramaticais Consigam perguntar aonde ir e como ir a determinados lugares Possíveis: em Brasília. Pronomes interrogativos Para realizar o início da aula, estabelecemos o procedimento 1:

PROCEDIMENTOS 1. Iniciaremos a aula cumprimentando os alunos e fazendo perguntas que remetem a uma revisão sobre a aula anterior. Pediremos a eles que se apresentem novamente, de forma breve, reavivando o insumo da primeira aula.

TEMPO 7’

A depender do perfil dos aprendizes em sala de aula e de como as aulas se desenvolvem, poderíamos incluir o seguinte no procedimento 1: PROCEDIMENTOS 1. Iniciaremos a aula cumprimentando os alunos e fazendo perguntas que remetem a uma revisão sobre a aula anterior. Pediremos a eles que se apresentem novamente, de forma breve, reavivando o insumo da primeira aula. Explicaremos, então, o que será abordado naquela aula, na intenção de trazer uma introdução sobre o que o aluno ira desenvolver, para que o aluno fique mais consciente do que será desenvolvido durante a unidade.”

TEMPO

7’

No procedimento 2, sugerimos o seguinte: 2. Chamaremos a turma para desenhar o mapa do avião de Brasília diretamente no piso de cimento com giz ou, no caso de estarmos em período de chuvas, em papel pardo na própria sala. na intenção de abordar a lógica de criação e planejamento da cidade de maneira mais visual. Vocabulário específico (Eixo Monumental, Asa Sul e Asa Norte). “Aqui é o Eixo Monumental” “Aqui, a Asa Sul” (...) “Divide Brasília em Norte e Sul” (fazendo referência talvez aos pontos cardeais através do desenho de uma Rosa dos ventos, o que seria mais fácil para os alunos relacionarem).

9’

A ideia de colocar o mapa no chão é de facilitar o entendimento e de aumentar as chances de compreensão ao colocar o mapa exatamente na mesma direção que a cidade. Em virtude de impossibilidade de qualquer espécie à realização da atividade prevista neste procedimento, sugerimos a seguinte alternativa:

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 79 de 143

2. Desenharemos no quadro a forma de avião de Brasília, na intenção de abordar a lógica de criação e planejamento da cidade de maneira mais visual. Vocabulário especifico (Eixo Monumental, Asa Sul e Asa Norte). “Aqui é o Eixo Monumental” “Aqui, a Asa Sul” (...) “Divide Brasília em Norte e Sul” (fazendo referência talvez aos pontos cardeais através do desenho de uma Rosa dos ventos, o que seria mais fácil para os alunos relacionarem).

9’

Em Brasília, sugerimos fortemente que uma visita à maquete da capital, localizada no subterrâneo da Praça dos Três Poderes no Espaço Lúcio Costa. Esta atividade estaria já preparando o aluno para a aula posterior, que trata sobre os pontos de interesse turísticos da cidade e sua localização no mapa. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, existe a opção de visitar o Paço Imperial e a maquete do centro histórico da cidade, cabendo ao professor julgar ser viável e relevante fazer esta visita ou não. Acreditamos que aproximar a cidade do alcance do aluno possa dar a ele mais segurança e despertar nele mais interesse por aprender a língua através deste tema, presente em tudo o que ele faz diariamente. Plano de aula 3 A ideia desta aula é apresentar os pontos de interesse da cidade aos alunos. Inicialmente seriam apresentados os pontos turísticos, e em uma quarta aula, não inclusa nesta unidade experimental, os pontos de interesse como, por exemplo, a “Rua das Farmácias”, a “Rua da Informática” e o “Setor de Indústrias e Abastecimento”. Os objetivos da aula são os dispostos no quadro abaixo: Aula: Pontos de interesse em Brasília – Turismo OBJETIVOS Ao final da aula se espera que os alunos Consigam identificar os principais pontos de interesse de Brasília, - Possam fazer perguntas de localização. - Possam se localizar e localizar outros -

Data: *** CONTEÚDOS -Vocabulário (principais pontos de interesse) - Verbo ficar para localização C. Gramaticais Possíveis: - Pronome (Onde) - Preposições de lugar

No procedimento 3, sugerimos a exibição de um vídeo com os pontos turísticos de Brasília. Este vídeo pode ser obtido através de portais eletrônicos de compartilhamento de vídeos, como o YouTube®, por exemplo, ou também através de programas eletrônicos de edição de vídeo (disponíveis gratuitamente na internet ou já inclusos no sistema operacional) através dos quais várias fotos disponíveis na internet ou do acervo do próprio professor podem ser compiladas. Nestes programas de edição de vídeo, muitas vezes é possível também incluir trilha sonora, legenda, efeitos, determinar o tempo que cada foto será exibida e outras funções mais. O procedimento 5, descrito a seguir, pode não ser possível caso os aprendizes tenham dificuldade nos exercícios anteriores ou precisarem de mais tempo para realiza-lo por algum outro motivo. 5. Faremos outras perguntas do tipo “Qual é o seu (prédio/monumento/lugar) favorito/preferido?”, “Você gosta do (algum prédio ou monumento)?”, “Qual você prefere? (falar sobre dois prédios/monumentos). Uma alternativa possível ao procedimento 7, e recomendável em uma turma com

10’

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 80 de 143

diferentes nacionalidades, seria aproximar as culturas e despertar o interesse de um pelo outro através da seguinte atividade: 7. Traremos alguns pontos (em flashcards, ou outra mídia) e perguntar “Onde fica?”. Por exemplo, mostrar uma foto do Coliseu e perguntar “Onde fica?” O aluno deverá responder com o nome do país. O professor pode colocar os nomes dos países no quadro, na medida em que os alunos fornecerem e demandarem insumo.

5’

Esta atividade faria incluir nos conteúdos “nomes de países”. A depender do tempo e dos recursos disponíveis, um globo ou mesmo um mapa mundi poderiam bastante práticos. Resultados esperados Uma unidade temática baseada nos mesmos preceitos comunicativos e metodológicos descritos anteriormente no material-fonte apresentado foi criada por Heitor Sampaio e aplicada em um curso intensivo de PLE em que foi professor. O público eram alunos norte-americanos universitários recém chegados ao Brasil na Universidade Federal de Viçosa. Os estudantes desse curso, diferentemente daquele público para quem nossa proposta inicial havia sido planejada (alunos iniciantes), já haviam estudado português em suas universidades de origem por, pelo menos, um semestre letivo. Dessa forma, ressaltamos que o material-fonte nos serviu de base para tal planejamento, o que indica como nossa proposta inicial pode ser ajustada e readaptada de acordo com contextos e situações especificas no ensino de PLE – nesse caso, um dos fatores específicos é o nível de conhecimento linguístico do alunato. Tal unidade temática (sua primeira parte, vide anexo) foi trabalhada durante seis horas/aula, dividias entre três aulas consecutivas. O foco dado foi o Brasil, Regiões (inicialmente a Região Sudeste) e Principais Cidades, na intenção de contemplarmos os alunos com insumos coerentes em relação às suas capacidades e necessidades linguísticas e, além disso, de reconhecimento do espaço em que naquele momento faziam parte, num contexto de imersão, como membros temporários. Nesse quesito é que incorporamos o insumo significativo para fazer sentido e ser relevante para a aprendizagem do aluno – nesse caso falar sobre a região sudeste e sobre o país em que estavam imersos. Apesar da alta expectativa do professor em relação ao alcance da unidade planejada, ainda assim havia certa incerteza quanto ao seu sucesso na aplicação, pois tinha uma crença de que os alunos geralmente julgam um material sem gramática como sendo insuficiente. No entanto, ficamos agradados com a apreciação dos alunos, na maioria das vezes (seis alunos disseram ter gostado das aulas) em relação à unidade adaptada e ampliada. Somente um aluno disse que apesar de ter gostado, sentiu falta da gramática. A seguir, apresentamos alguns comentários feitos pelos alunos 36 adicionar uma nota de rodapé:) após a aplicação das atividades e tarefas propostas na unidade temática trabalhada: I like how you teach. It is the most intensive class yet and I feel like we’re learning things we should already know at this point. (eu gosto de como você ensina. É a aula mais intensiva e eu sinto como se nós tivéssemos aprendendo coisas que nós já deveríamos saber nesse ponto (fazendo referência à experiência de ensino anterior e as deficiências em termos comunicativos que trazia consigo)) Nesse fragmento, podemos observar que o aluno tem uma percepção de que da forma como foi abordado o ensino, ele pôde aprender coisas que já deveria saber, mas que, talvez, não tinha aprendido anteriormente por não ter sido significante pra ele.

Ao final da terceira aula foi pedido aos alunos que comentassem, por escrito, sobre as aulas que tiveram. Não era necessário se identificar. 36

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 81 de 143

Gosto de aula hoje. Quero aprender para conversar Apesar de ser um comentário muito breve, é interessante ressaltar que para o aluno a aula foi positiva, pois viu possibilidades de aprender ou realmente melhorar suas habilidades de comunicação oral. Outro aluno indicou, inclusive, sua apreciação pelos usos gráficos utilizados no material para tornar a unidade mais visual e interessante (o que deve ser uma das características de um material legitimamente comunicativo): Eu gosto de aprender mapas Dentre todos os comentários favoráveis à aula nos moldes comunicativos, apenas um destoou dos demais, o que nos chamou atenção, e que seria interessante, em um momento posterior, discutir com mais reflexões e pesquisas. O comentário focaliza a necessidade do aluno em receber mais instrução gramatical, avançada. Porém, não exclui a necessidade de “discussão de assuntos populares e importantes”, o que nos leva a observar que existe uma necessidade de instrução gramatical, mas que não é somente essa instrução que vai promover a aquisição da língua, mas sim a discussão em sala de aula. Gosto das aulas, porém, para mim pessoalmente é tudo um pouco devagar demais. Entendo que os demais estão de um nível mais baixo, mas gostaria de fazer mais actividades escritas e gramáticas, e.g. redações, lições de gramática adiantadas, discussões assuntos populares e importantes (política, do meio-ambiente, da música, da história contemporânea, etc). Acima de tudo, através dessa verificação entendemos que a proposta alcançou algum sucesso, haja vista a interação gerada, a ativação de conhecimentos prévios e interculturais, além de insumos positivos para a aquisição. Em suma, esperamos que, através do uso deste material, o professor já tenha um ponto de partida para aperfeiçoar e dar continuidade, colaborando assim também com outros professores que poderão usar esta unidade no futuro e, também, dar contribuições para o trabalho. Acreditamos que esta unidade pode receber mais aulas do que as que estão aqui sugeridas. Seria altamente recomendável acrescentar uma aula de revisão, reinserindo os tópicos trabalhados nas primeiras aulas de forma a variar o uso para preveni-los de situações imprevistas. Além disso, esperamos especialmente que os professores ajustassem e melhorassem a unidade à medida que a usassem e percebessem as falhas e adequações necessárias. Este aperfeiçoamento poderia ser, por exemplo, a inclusão de mais assuntos e tópicos que ajudassem a aumentar a abrangência lexical dos estudantes. Considerações finais Nesta área de português língua estrangeira, tão carente de material didático de qualidade, especialmente na abordagem comunicativa, esperamos que este material seja bem recebido pelos professores em serviço. Faltam ainda os ajustes necessários e outras complementações que não puderam ser feitas. A ideia de elaborar material-fonte abre caminhos para o compartilhamento de contribuições de professores. O que parece uma tarefa simples, de desenvolver uma unidade comunicativa de PLE, foi se constituindo um verdadeiro desafio para nós, professores condicionados de certa forma a trabalhar sob uma perspectiva gramatical apenas com elementos da abordagem comunicativa (BROWN, 2000). Através do trabalho de pensar e elaborar atividades verdadeiramente comunicativas, pudemos perceber a ampliação das nossas idéias e concepções de ensinar língua de uma forma que não pensávamos em fazer.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 82 de 143

Referências Bibliográficas ALMEIDA FILHO, J. C. P. Fundamentos de Abordagem e Formação no Ensino de PLE e de Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores, 2011. ______________________. Pârametros Atuais para o Ensino de Português Língua Estrangeira. Campinas: Pontes Editores, 1997. ______________________. Projetos Iniciais em Português para Falantes de Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores, 2007. BROWN, H.D. Principles of Language Learning and Teaching. New York: Longman, 2000. CELANI, M.A.A. . Prefácio. In: GIL, G.; ABRAHÃO, M.H.V. (Orgs). Educação de Professores de Línguas: os desafios do formador. 1. Ed. Campinas: Pontes Editores, 2008. GLOSSÁRIO DE LINGUÍSTICA APLICADA. Página do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UnB. www.pgla.org.br. Acesso em 25 de janeiro de 2012. KRASHEN, S. Principles and Practice of Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1982. WIDDOWSON, H.D.The Teaching Language as Communication. Oxford: Oxford University Press, 1978. (Tradução brasileira: O Ensino de Línguas para a Comunicação. Tradução de José Carlos Paes de Almeida Filho. Campinas: Pontes, 1991). Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 83 de 143

NECESSIDADE DE MODIFICAÇÕES E DE DEBATES SOBRE OS DIREITOS AUTORAIS LIGADOS AO ESPETÁCULO CÊNICO Helena Beatriz Costa De Oliveira37 Ramon Rodney Edmundo De Souza38 Renan Lima Da Silva39 Resumo Este artigo visa entender os direitos autorais no campo cênico teatral, onde envolve uma diversidade de serviços desde a autoria dos textos à contrarregra de um espetáculo. Os objetivos assentam-se em trazer a discursão sobre como os artistas buscam proteger suas criações através de leis. Para embasar nossa pesquisa foram pesquisados livros e artigos que tratassem sobre o referido tema. Como metodologia usamos pesquisa qualitativa via e-mail, através de questionário visando o entendimento do uso fruto do direito autoral. Como dados iniciais colocamos que há muito a se fazer, pela classe que cria que se encontram em descrédito na lei. Palavras chave: direitos autorais; espetáculo cênico; leis. Resumen Este artículo pretende entender los derechos de autor en el campo escénico teatral, donde implica una diversidad de servicios desde la autoría de los textos a la contrarregra de un espectáculo. Los objetivos se basan en traer la discursión sobre cómo los artistas buscan proteger sus creaciones a través de leyes. Para basar nuestra investigación fueron investigados libros y artículos que tratase sobre el tema. Como metodología utilizamos investigación cualitativa vía e-mail, a través de cuestionario visando el entendimiento del uso fruto del derecho de autor. Como datos iniciales ponemos que hay mucho que hacer, por la clase que crea que se encuentran en descrédito en la ley. Palabras claves: derechos de autor; Espectáculo escénico; Las leyes. Introdução Este artigo visa entender os direitos autorais no campo cênico teatral, onde envolve uma diversidade de serviços desde a autoria dos textos à contrarregra de um espetáculo, as leis dos direitos autorais no campo teatral precisam de atualizações e novos moldes atuais, e com, a abertura e exposições das mesmas nas mídias digitais, a lei de direitos autorais deixa a desejar com o atendimento das demandas e as necessidades que a sociedade almeja. Destacamos como os artistas atuam num cenário desfavorável a seus direitos autorais; os problemas encontrados no campo dos direitos autorais do escritor, do diretor, cenógrafo, iluminador, compositor musical, coreógrafo, que constroem grandes espetáculos e lutam por seus direitos autorais em alguns casos fica a desejar, cada vez mais buscam a proteção de suas obras e criações artística- cultural. Os objetivos assentamse em trazer a discursão sobre como os artistas buscam proteger suas criações através de leis que tratem da temática dos direitos autorais, exclusivamente no campo teatral. 2: Referencial teórico

Graduanda de Bacharelado em Produção e Politica Cultural – Universidade Federal Do Pampa; Campus Jaguarão-RS. 38 Graduando em Bacharelado de Produção Cultural – Universidade Federal Fluminense; Campus NiteróiRJ. 39 Docente substituto no curso de Tecnólogo em Turismo e de Bacharel em Produção e Politica Cultural Universidade Federal Do Pampa; Campus Jaguarão-RS;. 37

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 84 de 143

Como referencia buscamos o entendimento de Barcelos (2002, p.1), pois, o mesmo traz a visão panorâmica do ontem, da criação da lei dos direitos autorais suas atualizações e os comparativos nos traz a uma realidade e necessidade de se rever as leis e se fazer entender os problemas atuais para um molde mais atualizado. No Brasil, a regulamentação dos direitos autorais encontra-se dispersa em alguns dispositivos legais. A primeira norma que deve ser citada é a Constituição Federal, que se refere aos direitos do autor nos incs. XXVII, XXVIII e XXIX do art. 5º, por exemplo. Todas as disposições ali contidas possuem papel somente declaratório da garantia de direitos autorais, pois nenhuma das normas ali presentes apresenta alguma utilidade sem ser esta. Outras leis que merecem destaque são, respectivamente, a Lei 5988/73 e a Lei 9610/98. A Lei 5988/73 era a antiga lei que regulava os direitos autorais. foi revogada pela Lei 9610/98, a atual Lei de Direitos Autorais que, curiosamente, manteve somente a parte referente ao registro das obras intelectuais da lei anterior. Curiosamente porque a nova lei tornou facultativo o registro da obra, concedendo a proteção prevista na lei independente de registro18. Já a Lei 9610/98 merece atenção especial, por ser a que vigora até os dias de hoje. A atual Lei de Direito Autorais (LDA) – a Lei 9610/98 – é fonte constante de discussões por parte dos teóricos envolvidos com os direitos autorais. Isso porque ela não atende às necessidades atuais da sociedade. De caráter colaborativo, a internet é, atualmente, o grande espaço de interação e criação cultural. Isto ocorre por causa de sua capacidade de promover a sociedade da informação. Os direitos autorais precisam ser atualizados para a nova realidade social resultante do surgimento da internet. (BARCELOS, 2012 p.1 )

A lei do Direito Autoral nº 9.610 (BRASIL, 1998) foi um grande ponto de partida para as conquistas obtidas até os dias atuais, ela resguarda os direitos da criação dentre outras tipologias, trouxe a legalidade e proteção das criações; é entendendo os princípios da legalidade que detectamos os problemas da atualidade havendo uma necessidade de se atualizar a referida lei com as novas descobertas e tipologias artístico-cultural. LDA - Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998 Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 85 de 143 § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. Os direitos chamados de “patrimoniais” são aqueles que garantem ao titular dos direitos autorais o aproveitamento econômico da obra protegida. A LDA os menciona no art. 297. (LEI 9.6010|98, BRASIL, 1998)

A lei dos direitos autorais nº 9.610 (BRASIL, 1998) expõe a proteção dos bens gerados a seus autores, mais também existem os direitos protegidos de quem é envolvido em qualquer projeto a ser publicado e ou registrado, daí as necessidades de se obter autorizações de imagens, de áudios e até mesmo de obras ou logo de terceiros para que, pela legalidade se faça valer e ambas as partes estarem seguros e protegidos de seus direitos, os produtos amparados por lei compõem uma série de direitos e de deveres, no entanto cabe a quem produz proteger seus direitos e dos envolvidos em suas criações. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I — a reprodução parcial ou integral; II — a edição; III — a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV — a tradução para qualquer idioma; V — a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI — a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII — a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII — a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto -falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX — a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X — quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. (LEI 9.6010|98, BRASIL, 1998)

Os autores que aprofundaram sua discursão no tema deste artigo, falam dos direitos conexos que são citados na lei dos direitos autorais, onde os artistas em suas diversas modalidades indicam quem verdadeiramente tem os direitos garantido no caso de autor e quem tem e seus direitos de uso quando não sendo de sua autoria mas se posicionando como executante neste caso os intérpretes musicais como por exemplo.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 86 de 143 A primeira classe dos titulares de direitos conexos abrange os artistas intérpretes ou executantes, que são assim definidos nos termos da LDA (art. 5°XIII): todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore. ( BRASIL, p. 39-40 ).

No caso do artista intérprete em algumas situações ele detém o direito da obra por em sua execução ter feito parte do bem gerado, no entanto, tem o poder de autorizar ou proibir o uso do material produzido ou sua divulgação em determinados meios de comunicação pois em seu entendimento se a obra estiver interligada com um meio exclusivo e sua circulação houver prejuízos morais ao produto, podendo assim ao executante proibir ou liberar os usos do produto e de imagens de divulgação. Conforme determina o art. 90 da LDA, tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir: I — a fixação de suas interpretações ou execuções; II — a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas; III — a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não; IV — a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem; V — qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções. (BRASIL, 2011 p.40)

Conforme Bittar (1994, p. 8) diz que os direitos do autor, integram ao ramo do privado relacionando a legislação e os direitos jurídicos com uma regulamentação que dá os direitos legais do autor comercializar suas criações sendo obras intelectuais estéticas, literárias, artísticas ou cientificas. Os direitos autorais – também conhecidos como Direitos do Autor – integram o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências. (BITTAR, 1994, p. 8).

Martins ( 2003, p.1) diz que a propriedade intelectual é a soma dos direitos relativos á obras meritórias, artísticas e cientificas dentre as demais camadas que engloba desde a criação á comercialização, tem seus direitos protegidos contra a concorrência desleal e todos os direitos inerentes á atividade intelectual nos domínios industrial, cientifico, literário e artístico. Protege a autoria do autor e evita a vulnerabilidade ao mercado dando amparo e plenos direitos do autor sobre sua obra no mercado. A LDA nos direitos morais do autor, concede amplos poderes ao mesmo de reivindicar a qualquer tempo sua obra, detém ao autor o poder de por em circulação e retirar sua obra, de ceder sua obra para terceiros, de modificar e ou atualizar suas obras, expor onde desejar, a integridade segura sobre a obra e por fim, que por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores ( parentes, parceiros, etc...) os direitos apontados á cima neste parágrafos mesmo que, este tenha tido autorização anterior, os sucessores possuem total propriedade sobre as obras herdadas. Art. 24. São direitos morais do autor: I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III – o de conservar a obra inédita;

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 87 de 143 IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado. § 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV. § 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público. § 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem. Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual. [...] (LEI 9.6010|98, BRASIL, 1998)

Segundo Santos ( 2009, p.112 ), os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis ou seja, o autor tem sua proteção na lei que ampara sua obra contra plágios que podem serem encontrados em sites, livros, CD- ROM etc, protegendo a criação de espirito autoral, devendo ser protegida como tal não importando o meio da apresentação da obra, seja ela em meio virtual ou real. Na convenção de Berna (Lei 75.699, 1975) nos direitos patrimoniais do autor o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra, de se opor a toda a deformação, mutilação da obra, mesmo depois da cessão dos direitos citados. O autor fica resguardado da integridade moral de sua obra inclusive reivindicar os danos, os prejuízos, a honra e a reputação de sua criação. Convenção de Berna: Art. 6º bis-Independentemente dos direitos patrimoniais do autor, e mesmo depois da cessão dos citados direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a toda deformação, mutilação ou outra modificação dessa obra, ou a qualquer dano à mesma obra, prejudiciais à sua honra ou à sua reputação. ( Lei 75.699, 1975).

Francez et al (2009, p.65 ), trecho nos fala da necessidade de obter autorização dos responsáveis pelo espetáculo, “Caso se pretenda registrar o espetáculo cênico em suporte material, será necessário obter autorização dos titulares dos direitos autorais ( criadores) e dos direitos conexos (artistas interpretes ou executantes” (FRANCEZ, et al 2009, p.65). Tendo em vista os tipos, criações artísticas e culturais aparece Drummord et al, (2011, p.75) que são de alguma forma protegidas pelos direitos de autor, salientando a importância da proteção por escrito, no intuito de proteger seu criador. Entre as criações intelectuais protegidas, a lei autoral cita não apenas as obras dramáticas e dramático-musicais, mas também as coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por qualquer outra forma. Assim, a dança e o teatro estão entre as obras protegidas pelo Direito de Autor. ( DRUMMOND, et al, 2011, p.75)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 88 de 143

Metodologia Para a realização do estudo dos direitos autorais no teatro, usamos na metodologia uma pesquisa qualitativa via e-mail, aplicamos um questionário que enviamos via e-mail, no entanto não temos profissionais desta estirpe na cidade de Jaguarão - RS ligadas ao cenário cênico, nesse sentido o mundo digital colaborou com a agilidade de contatos; na tentativa de se fazer entender o auxilio dos direitos autorais na vida profissional destes entrevistados e as dificuldades enfrentadas tais como: registros, patentes e até mesmo plágios como por exemplo. Resultados De acordo com o exposto na metodologia deste artigo, foi elaborado e enviado um questionário via e-mail com perguntas sobre os registros autorais, das obras e de suas patentes. Além do acesso a Lei do Direito Autoral no teatro, os seus amparos e conquistas; no entanto foram 10 (dez) entrevistados com os seguintes perfis: diretor teatral, escritor/teatrólogo, compositor e diretor musical cênico, diretora bailarina e coreógrafa cênica, cenógrafo, figurinista cênico, iluminador cênico, Produtor cultural, diretor de efeitos especiais cênico. O resultado de apenas 50% (cinqüenta por cento) respondeu ao questionário; sendo observado certo constrangimento por parte de alguns entrevistados por não utilizarem a lei como proteção de suas obras e seus direitos autorais No entanto apenas 30% utilizam seu nome como patente para suas obras e mídia em geral; suas áreas de atuação em comum foi sinalizado em 100% ( cem por cento) um viés educacional dentre as atividades extras executada por cada um; apenas 20% (vinte por cento) utilizam as redes sociais por domínio próprio ( sites, blogs, etc...) como meio de difundir suas obras; o restante tem suas obras divulgadas por terceiros e suas patentes inexistem por falta mesmo de informação e de interesse próprio; 10 % (dez por cento) para registrar suas obras na área Musical, obrigam-se ao deslocamento ao Rio de Janeiro no bairro La lapa mais precisamente na escola de música da UFRJ para registro com partituras e letras; o mesmo com escrita dos textos teatrais que registram junto a academia brasileira de letras também no Rio de Janeiro; muitos não acessam a LDA por ter esses primeiros passos e informarem que nunca foi preciso. Com a disseminação das obras patenteadas e seus retornos de mídia e financeiro segundo a LDA que Seguindo a legislação em vigor é o principal meio. A execução de obras deve ser informada e valores combinados com antecedência ou seguindo tabelas em vigor proposta neste caso pela escola de música, e ou a academia brasileira de letras quando for textos teatrais; 90% (noventa por cento) dos entrevistados sobre q questão de plágio disseram não ter problemas pois freqüentemente são usadas gravações de obras e textos sem prévia comunicação ou identificação de autoria, mas isso é um problema menor por se tratar de pequenas reproduções sem retornos financeiros aos plagiastes; 100% dos entrevistados informaram nunca ter sido preciso tomar medidas legais em relação ao seus trabalhos e obras publicadas. No entanto a entrevista chegando ao fim todos criticam acerca de suas patentes, e em se referindo as atuações de fiscalização, recolhimentos no cenário nacional não se aplica; se sentem desmotivado em buscar a legalidade e ao mesmo tempo tornam suas obras expostas a plágios e reproduções sem autorização. Considerações finais Com a aplicabilidade do questionário citado na metodologia deste artigo, houve o retorno de apenas 05 (cinco) entrevistados, recebendo como retorno dos demais que não enviaram e-mails informais de certo constrangimento em se tratando de afinidades com a Lei do Direito Autoral (LDA), relatando não ter acesso a setores público que lidem com o assunto e nem mesmo ao conhecimento aprofundado da LDA havendo uma deficiência ainda na disseminação e o usufruto popular da referida lei, deixando muitas obras descobertas e autores desassistidos dos seus direitos por haver certa distanciam entre autor e serviços públicos de fácil acesso; mesmo sabendo que o mundo virtual tem as ferramentas de informações; mas na maioria das regiões brasileiras na praticidade não tem resoluções por haver um distanciamento entre setores públicos e autores em suas mais diversas localidades de origem. Em sua totalidade informam que a lei não se aplica pela

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 89 de 143

falta de condições de deslocamento e pagamento dos registros de suas obras e patentes. Detectamos que esses dispositivos, que agonizam no Brasil, têm graves problemas tais como: A LGA não tem visualização. Não existem políticas de divulgação das regras da relação autor/direitos. As taxas e valores de recolhimento e pagamento são irrisórios em relação ao valor do trabalho de criação (nos EUA como, por exemplo: uma única canção de sucesso é suficiente para se obtiver um rendimento significativo de direitos de criação – entende-se que não é um trabalho difícil, mas ÚNICO), o que causa uma desvalorização na criação artística de tal modo que orçamentos de iluminação ou sonorização em eventos, como por exemplo, com foco num trabalho cênico-musical (como oratórios, óperas ou autos) chegam a cifras dez ou doze vezes maior que a dos criadores quando o assunto for à musicalidade como por exemplo. Segundo os entrevistados informam que provavelmente participam de processos de corrupção e desvio de arrecadação, que são endêmicos no Brasil. A competência na atuação de agentes de órgãos como ECAD, por exemplo, nos estados brasileiros que se encontram distante do Rio de Janeiro (que pelo visto é um dos poucos de acesso a registros autorais e repasses dos direitos do autor), na extração de qualquer montante financeiro da exibição da música, é absurdamente superior à sua competência em distribuir essa arrecadação à criação da música. Não existem critérios precisos para separar as diferenças entre as diversas manifestações musicais, uso de textos registrados/patenteados e, sua relação com a arrecadação de direitos do autor. No entanto chega-se ao entendimento final que esse assunto deve ser aprofundado, e a lei deve ser disseminada de fácil acesso a sua aplicabilidade, além da popularização e acessibilidade via fóruns, cartórios e escritórios de advocacia com o fácil acesso e a fácil discussão em se tratando da Lei dos direitos autorais (LDA) e seus registros. Como dados iniciais sobre o estudado e pesquisado colocamos que ainda há muito a se fazer, principalmente pela classe que cria que se encontram num momento de descrédito diante da lei e os poucos que a acessam não só guardam a originalidade e pagam por sua criação mais em sua maioria continuam desconhecidos diante de suas obras em se tratando de reproduções e seus direitos autorais. Bibliografia BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.1. (Obra completa) BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 2. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p.8.(Obra completa) Direitos autorais em reforma / Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Centro de Tecnologia e Sociedade. - Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2011, p, 30-40. ( Capitulo de livro) DRUMMOND, et al. Direito e Cultura – Aspectos jurídicos da gestão e produção cultural. Belo Horizonte- MG. Editora: Artmanagers, 2011. P. 75 (Obra completa) FRANCEZ, et al. Manual do direito do entretenimento: guia de produção cultural. São Paulo, Editora SENAC. São Paulo, 2009. P.65 (Obra completa) MARTINS, M. B. O ACESSO AO CONHECIMENTO NO ÂMBITO DIGITAL EM FACE DOS DIREITOS AUTORAIS. Revista CEJ, Ano XVI, n. 56, jan. abr. 2012, p.1. (Artigo de revista) SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias, possíveis soluções. Ed. 1, São Paulo, Saraiva, 2009. P.112 (Obra completa) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9610.htm. Acessado em 12 mai. 16. (Site) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D75699.htm. Acessado em 12 mai. 16. (Site) Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 90 de 143

OS SABERES DO BOM PROFESSOR FORMADOR EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS CONCLUINTES DA GRADUAÇÃO Hugo Norberto Krug40 Marilia de Rosso Krug41 Rodrigo Rosso Krug42 Cassiano Telles43 Patric Paludett Flores44 Resumo O estudo objetivou analisar os principais saberes docentes necessários ao bom professor formador em Educação Física (EF) na percepção de acadêmicos concluintes de um curso de Licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. O instrumento de pesquisa foi um questionário. A interpretação das informações coletadas foi realizada por meio da análise de conteúdo. Os participantes foram vinte acadêmicos concluintes do referido curso. Concluímos que ‘coletivamente’ foi percebido uma ‘boa quantidade e diversidade’ (doze) de saberes necessários ao bom professor formador em EF. Cabe ressaltar que em sua maioria (oito) a ênfase foi na questão do ‘saber fazer’. Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Professor Formador. Saberes Docente. Bom Professor. Abstract This study aimed to analyse the main teaching knowledge to good teacher in Physical Education (PE) in graduating academics perceptions of the a degree PE course of a public university in the Brazil Southern region. We characterize the research as qualitative descriptive of the case study type. The research instrument was a questionnaire. The interpretation of the information collected was performed through of the content analysis. The participants were twenty graduating academics of the said course. We conclude that ‘collectively’ was perception a 'good diversity and diversity' (twelve) of necessary knowledge by the good teacher former in PE. It is worth mentioning that in the majority (eight) the emphasis was on question of the 'know-how to do'. Keywords: Physical Education. Teacher Formation. Teacher Former. Knowledge Teaching. Good Teacher. Considerações introdutórias Segundo Krug et al. (2015, p.79), recentemente, “na área educacional, tem-se verificado um aumento significativo de estudos que procuram investigar as especificidades, a natureza e os processos de construção de conhecimentos ou saberes de professores”. Particularmente, na Educação Física (EF) vários estudos foram feitos com essa temática (KRUG; KRUG, 2010; KRUG et al.,2015; TELLES et al., 2015). Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Professor Aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 41 Doutora em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFSM); Professora da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 42 Doutor em Ciências Médicas (UFSC); Professor da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 43 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 44 Doutorando em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); [email protected]. 40

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 91 de 143

Entretanto, destacamos que estudos com essa temática são importantes porque, segundo Tardif (2005), a formalização dos saberes necessários à execução das tarefas que lhes são próprias é uma das condições essenciais à toda profissão. Já Gauthier et al. (1998) dizem que o ensino é a mobilização de vários saberes que formam um repertório no qual o professor se abastece para responder às exigências específicas de sua atuação. Dessa forma, concentramos a atenção para o professor de EF, isto é, preferencialmente, para os saberes necessários ao bom professor formador em EF e, mais especificamente, na percepção de acadêmicos concluintes de um curso de Licenciatura em EF. Nesse sentido, salientamos que, para Mizukami (2005, p.69), professores formadores são “[...] todos os profissionais envolvidos nos processos formativos de aprendizagem na docência de futuros professores ou daqueles que já estão desenvolvendo atividades docentes [...]”. Já conforme Hobold e Buendgens (2015, p.201): [...] o professor formador deve propiciar uma formação que prepare os futuros professores para dar continuidade aos estudos, analisar o cotidiano, refletir eticamente sobre as relações, assim como reivindicar melhores condições de trabalho. O respeito pela profissão professor e pelo compromisso com o crescimento social e, consequentemente, cultural do país, deve ser frizado e construído no curso de formação inicial.

Diante desse cenário, André et al. (2010, p.124) destacam que “[a]inda se sabe muito pouco sobre aquele que conduz a formação inicial de professores, isto é, o professor formador”. Nesse contexto, apesar de que estudar o professor não seja algo novo, estudar especificamente os bons professores formadores de profissionais de EF, para Ferreira e Krug (2001), merece atenção especial, isto porque esse professor desempenha um papel relevante na formação geral dos acadêmicos. Dessa maneira, concentramos a atenção na escuta e na problematização das percepções de acadêmicos concluintes da graduação sobre os saberes do bom professor formador em EF, pois esses podem apontar dimensões importantes a serem consideradas na formação inicial. Assim, embasando-nos nessas premissas anteriormente citadas, formulamos a seguinte questão problemática norteadora deste estudo: quais são os principais saberes docentes necessários ao bom professor formador em EF na percepção de acadêmicos concluintes de um curso de Licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil? Dessa forma, o estudo objetivou analisar os principais saberes docentes necessários ao bom professor formador em EF na percepção de acadêmicos concluintes de um curso de Licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil. Justificamos a realização do estudo, acreditando que pesquisas desta natureza oferecem subsídios para reflexões que podem despertar modificações no contexto da formação inicial de professores de EF, auxiliando na melhoria da qualidade desses futuros profissionais na atuação docente na Educação Básica. Procedimentos metodológicos Os procedimentos metodológicos empregados neste estudo foram caracterizados como uma pesquisa qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. De acordo com Gil (2010), a pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicos no processo de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 92 de 143

pesquisa qualitativa. O autor destaca que a pesquisa qualitativa é descritiva. Já Lüdke e André (1986, p.18) colocam que o estudo de caso enfatiza “a interpretação em contexto”. O instrumento de pesquisa utilizado para coletar as informações foi um questionário, pois, para Triviños (1987), esse instrumento, mesmo sendo de emprego usual no trabalho positivista, também pode ser usado na pesquisa qualitativa. As informações obtidas foram interpretadas pela análise de conteúdo, que, segundo Turato (2003), possui os seguintes procedimentos básicos: a leitura flutuante, o agrupamento de respostas e a categorização. Para Bardin (2011, p.147), [a] categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por agrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos.

Participaram do estudo vinte (20) acadêmicos concluintes (8º semestre) de um curso de Licenciatura em EF de uma universidade pública da região sul do Brasil. Optamos por acadêmicos do 8º semestre do referido curso pelo fato de que os mesmos já teriam uma noção completa do curso e da atuação da totalidade, ou quase, dos professores formadores, podendo assim verbalizar sobre os saberes do bom professor formador. Nesse sentido, a escolha dos participantes deu-se de forma intencional, sendo a disponibilidade dos mesmos o fator determinante para serem colaboradores da pesquisa. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e suas identidades foram preservadas (numerados de 1 a 20). Resultados e discussões Da percepção dos acadêmicos estudados a respeito dos ‘saberes necessários ao bom professor formador em EF’, após a análise das informações obtidas e analisadas, ‘emergiram doze categorias de análises’ e que, a seguir, as abordaremos uma a uma. ‘Saber o conteúdo’ (vinte citações; acadêmicos: 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10; 11; 12; 13; 14; 15; 16; 17; 18; 19 e 20) foi o primeiro saber manifestado. Em relação a esse saber, nos referimos a Nóvoa (2011) que afirma que é fundamental que o professor detenha o conhecimento, pois ninguém ensina no vazio e é por meio do conhecimento e do objeto de estudo que se ensina. Já Cunha (1992) diz que para o professor trabalhar bem a matéria de ensino tem que ter profundo conhecimento do que se propõe a ensinar. O segundo saber manifestado foi ‘saber uma boa didática’ (dezesseis citações; acadêmicos: 1; 2; 3; 5; 6; 8; 9; 10; 11; 12; 14; 15; 17; 18; 19 e 20). Esse saber pode ser embasado em Matos (1994) que coloca que o professor deve possuir conhecimento pedagógico do conteúdo para poder realizar um trabalho docente eficaz. Também Ferreira e Krug (2001) enfatizam que o professor deve possuir conhecimento pedagógico do conteúdo, ou seja, além dele saber o conteúdo a ser desenvolvido, torna-se necessário também saber como transmitir o conhecimento aos alunos. ‘Saber se relacionar bem com os alunos’ (doze citações; acadêmicos: 1; 2; 3; 4; 6; 8; 13; 14; 15; 17; 18 e 19) foi o terceiro saber manifestado. Sobre esse saber, citamos Nóvoa (2011) que destaca a necessidade do professor estar capacitado para se relacionar e se comunicar com os alunos, pois sem estas habilidades não se cumpre o ato de educar. Já Darido e Rangel (2005) dizem que o sucesso e o insucesso do processo ensino-aprendizagem depende da interação professoraluno em sua prática pedagógica, sendo que a boa relação está associada ao sucesso e a má relação ao insucesso.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 93 de 143

Outro saber manifestado, o quarto, foi ‘saber respeitar as diferenças dos alunos’ (dez citações; acadêmicos: 3; 4; 7; 9; 10; 11; 15; 17; 18 e 20). A respeito desse saber, mencionamos Martins e Rausch (2012) que afirmam que os professores precisam saber adequar o processo de ensino à capacidade de cada aluno. Já Marchesin (2008, p.63-64) coloca que os professores competentes “[...] são aqueles que projetam atividades com diferentes graus de dificuldades, nas quais podem trabalhar diferentes alunos; que oferecem uma ajuda específica àqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem”. Essas colocações vêm ao encontro de Cunha (1992) que lembra que nem todo aluno aprende da mesma maneira, fato que exige que o docente esteja atento às diferenças individuais de cada um. Ainda outro saber manifestado, o quinto, foi ‘saber sobre planejamento de ensino’ (nove citações; acadêmicos: 2; 5; 8; 9; 11; 12; 15; 17 e 18). No que diz respeito a esse saber, apontamos Canfield (1996) que destaca que o planejamento é a pedra fundamental, a razão de ser de todo o trabalho pedagógico consciente. É o que orienta o professor na sua caminhada pedagógica em busca da aprendizagem de seus alunos. Já Libâneo (1994) coloca que o planejamento é uma tarefa que inclui tanto a previsão das atividades didáticas em termos de uma organização e coordenação em fase aos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino. É também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação. ‘Saber ser atualizado’ (oito citações; acadêmicos: 5; 6; 8; 10; 13; 14; 15 e 20) foi outro saber manifestado, o sexto. Esse saber pode ser embasado em Silveira (1988) que diz que a atualização é um dos requisitos necessários para o exercício da docência. Já Barros (1993) afirma que a sociedade exige serviços específicos e de alto nível na área de EF com acesso a conhecimentos recentes, pois essa desperta novas necessidades e exige serviços de qualidade, sendo necessário que os profissionais de EF dominem esses conhecimentos, portanto há uma necessidade permanente de atualização. ‘Saber mediar os conflitos’ (sete citações; acadêmicos: 8; 13; 14; 15; 17; 18 e 20) foi o sétimo saber manifestado. Referente a esse saber, citamos Chrispino (2007) que afirma que a escola é um universo que reúne alunos diferentes e certamente é palco onde ocorrem conflitos. Salienta que conflito é o resultado da diferença de opinião de pelo menos duas pessoas ou conjunto de pessoas. Ainda ressalta que se o conflito é inevitável, o professor deve aprender o ofício da mediação do conflito para que esta técnica se aprimore facultando a cultura da mediação do conflito. A mediação do conflito é o procedimento nos quais os participantes, com a assistência de uma pessoa imparcial – o mediador – colocam questões em disputa com o objetivo de desenvolver opções, considerar alternativas e chegar a um acordo, que seja mutuamente aceitável. Outro saber manifestado, o oitavo, foi ‘saber escutar os alunos’ (cinco citações; acadêmicos: 1; 9; 12; 16 e 18)). Esse saber nos remete a Cristino et al. (2008) que destacam que saber escutar os alunos é um dos saberes necessários à prática docente. Mais outro saber manifestado, o nono, foi ‘saber ter controle emocional’ (quatro citações; acadêmicos: 3; 9; 14 e 15). Fundamentamos esse saber em Weisinger (1997) que diz que a aprendizagem do controle das emoções, por parte das pessoas dentro das organizações, é importante, pois melhora o processo de comunicação, reduzindo, portanto, de maneira mais eficaz os conflitos repetidos e mal-resolvidos, assim como pode reduzir em muito a falta de entusiasmo e consequentemente o decréscimo da produtividade. O décimo saber manifestado foi ‘saber compreender a realidade’ (três citações; acadêmicos: 6; 11 e 14). Identificamos esse saber em Freire (1996, p.76) que coloca que “ensinar exige apreensão da realidade”. Também Krug e Krug (2010) dizem que compreender a realidade é um dos saberes necessários à prática docente.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 94 de 143

Mais outro saber manifestado, o décimo primeiro, foi ‘saber ser crítico’ (duas citações; acadêmico: 1 e 15). Esse saber pode ser justificado por Moraes (1996) que considera que o permanente questionamento e a crítica da prática são características de professores preocupados em avançar profissionalmente. Destaca que o contínuo questionamento de seu trabalho habilita o professor avançar em sua educação através de constantes inovações e através do aprofundamento da compreensão de sua prática. A capacidade crítica é um catalisador poderoso para tornar-se um professor cada vez melhor. O professor que desenvolve uma habilidade crítica é capaz de perceber aspectos negativos num trabalho por mais bem sucedido que ele seja. O décimo segundo e último saber manifestado foi ‘saber trabalhar coletivamente’ (uma citação; acadêmico: 8). Quanto a esse saber, nos reportamos a Moraes (1996) que salienta que o professor sozinho não pode avançar significativamente, pois quanto mais o professor avança na sua profissão, mais necessita interagir com seus colegas, mais percebe o diálogo com os outros professores como uma forma de melhoria profissional. Ressalta que o professor somente é capaz de avançar de forma significativa se sua progressão estiver associada ao esforço de progressão de um grupo como um todo e, ainda mais, da sociedade da qual ele é parte. Assim, esses foram os saberes necessários ao bom professor formador em EF na percepção dos acadêmicos estudados. Considerações conclusivas Concluímos que ‘coletivamente’ foram percebidos pelos acadêmicos estudados uma ‘boa quantidade e diversidade’ (doze) de saberes necessários ao bom professor formador em EF. Essa conclusão está em consonância com o destacado por Montalvão e Mizukami (2002), de que são muitos os saberes inerentes à profissão docente. Nesse sentido, também concluímos que os acadêmicos estudados ‘possuem uma visão bem ampla dos saberes necessários ao bom professor formador em EF’. Ainda concluímos que o rol de saberes necessários ao bom professor formador em EF apontado pelos acadêmicos estudados é semelhante, ou pouco diferente daquele enunciado por Telles et al. (2015) para o bom professor de EF Escolar, o que aponta para ‘uma similaridade de saberes necessários à boa prática na Educação Básica e na Educação Superior’. Ao considerarmos Martins e Rausch (2012), que dizem que o sucesso da profissão docente passa pela constituição de uma trilogia de saberes, isto é, o saber (conhecimento), o saber-fazer (habilidades) e o saber-ser (atitudes), constatamos que a ‘maioria’ (oito do total de doze) dos saberes apontados pelos acadêmicos estudados estão ‘ligados ao saber-fazer’ (saberes: segundo; terceiro; quarto; sétimo; oitavo; décimo; décimo primeiro e décimo segundo) e a ‘minoria’ (quatro do total de doze) , sendo dois ‘ligados ao saber’ (saberes: primeiro e quinto) e outros dois ‘ligados ao saberser’ (saberes: sexto e nono). Assim, inferimos que os acadêmicos concluintes da graduação estudados, possivelmente, durante a sua participação no Ensino Superior, tiveram ‘olhos’ preferencialmente para as questões do saber-fazer de seus professores formadores, que deixaram ‘marcas’ em suas compreensões de docência. Consequentemente, a partir desta última constatação, também inferimos que o curso de Licenciatura em EF estudado, precisa trabalhar mais a respeito dos saberes necessários ao bom professor formador em EF, pois os acadêmicos concluintes da graduação estudados valorizaram muito mais o saber-fazer em detrimento do saber e do saber-ser, o que, sem dúvida, é uma compreensão equivocada dos saberes docentes. Esse fato também possui similaridade com o estudo de Telles et al. (2015), pois esse apontou a percepção para a maioria de saber-fazer relativamente ao bom professor de EF na Educação Básica. Entretanto, o que mais chamou à atenção nos resultados foi a ‘quantidade’ de saberes necessários ao bom professor formador em EF percebidos ‘individualmente’ pelos acadêmicos estudados, que foi a seguinte: a) nove saberes (acadêmico: 15); b) sete saberes (acadêmicos: 14 e 18);

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 95 de 143

c) seis saberes (acadêmicos: 8; 9 e 17); d) cinco saberes (acadêmicos: 1; 5; 6; 11 e 20); e) quatro saberes (acadêmicos: 2; 4; 12 e 13); f) três saberes (acadêmicos: 4 e 19); e, g) dois saberes (acadêmicos: 7 e 16). A partir dessa listagem concluímos que a ‘maioria’ dos acadêmicos estudados perceberam uma ‘razoável quantidade de saberes necessários ao bom professor formador em EF’. Para finalizar, recomendamos a realização de novos estudos sobre essa temática, pois, segundo Gauthier et al. (1998), mesmo que o ensino já venha sendo realizado há séculos, é muito difícil definir os saberes envolvidos no exercício desse ofício. Referências ANDRÉ, M.E.D.A. de et al. O trabalho docente do professor formador no contexto atual das reformas e das mudanças no mundo contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.91, n.237, p.122-143, jan./abr., 2010. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edição 70, 2011. BARROS, J.M. de C. Educação e esporte: profissões? Revista Kinesis, n.11, p.5-16, jan./jun., 1993. CANFIELD, M. de S. Planejamento das aulas de Educação Física: é necessário? In: CANFIELD, M. de S. (Orgs.). Isto é Educação Física! Santa Maria: JtC Editor, 1996. CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação. Revista Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas de Educação, v.15, n.54, p.11-28, jan./mar., 2007. CRISTINO, A.P. da R. et al. Os saberes necessários à prática docente em Educação Física Escolar. In: CONGRESSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E CIÊNCIAS DO DESPORTO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 12., 2008, P.Alegre. Anais, P.Alegre: ESEF/UFRGS, 2008. CUNHA. M.I. O bom professor e sua prática. 6. ed. Campinas: Papirus, 1992. DARIDO, S.C.; RANGEL, I.C.A. (Coords.). Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. FERREIRA, F.F.; KRUG, H.N. A reflexão na Prática de Ensino em Educação Física. In: KRUG, H.N. (Org.). Formação de professores reflexivos: ensaios e experiências. Santa Maria: O Autor, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GAUTHIER, C. et al. Traduzido por Francisco Pereira. Por uma teoria da Pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: UNIJUÍ, 1998. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2010. HOBOLD, M. de S.; BUENDGENS, J.F. Trabalho do professor formador: a influência da dimensão relacional na constituição da profissionalidade docente. Revista Reflexão e Ação, v.23, n.2, p.198-219, jul./out., 2015. KRUG, H.N. et al. Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física: os saberes experenciais dos estagiários. Revista Querubim, a.11, n.25, v.2, p.79-84, 2015. KRUG, R. de R.; KRUG, H.N. Os saberes necessários à prática docente em Educação Física Escolar na percepção dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM. Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, a.15, n.150, p.1-8, nov., 2010. LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MARCHESIN, A. O bem-estar dos professores: competências, emoções e valores. Porto Alegre: ArtMed, 2008. MARTINS, K.; RAUSCH, R.B. Saberes do bom professor universitário na percepção de acadêmicos concluintes da graduação. Revista Intersaberes, v.7, n.14, p.246-261, ago./dez., 2012. MATOS, Z.A. Avaliação da formação de professores. Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física, a.10, n.11, p.53-70, 1994. MIZUKAMI, M. da G.N. Aprendizagem da docência: professores formadores. In: ROMANOWSKI, J.; MARTINS, P.L.; JUNQUEIRA, S.R.A. (Orgs.). Conhecimento local e

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 96 de 143

conhecimento universal: formação docente, aprendizado e ensino. V5. Curitiba: Ed. Universitária Champagnat, 2005. MONTALVÃO, E.C.; MIZUKAMI, M. da G.N. Conhecimentos de futuras professoras das séries iniciais do ensino fundamental: analisando situações de ensino e aprendizagem. In: MIZUKAMI, M. da G.N.; REALI, A.M. de M.R. (Orgs.). Formação de professores, práticas pedagógicas e escola. São Carlos: EdUFCar, 2002. MORAES, R. Compreendendo a profissionalização mediante histórias de vida de bons professores. Revista Educação, a.XIX, n.31, p.103-118, 1996. NÓVOA, A. Profissão docente: há futuro para esse ofício? In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO, VII., P.Alegre, 2011. Anais, P.Alegre, 2011. SILVEIRA, E.C. O professor e a prática educativa, 1988. Dissertação (Mestrado) – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1988. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2005. TELLES, C. et al. Os saberes necessários ao bom professor de Educação Física Escolar na percepção dos acadêmicos ingressantes da graduação. Revista Gestão Universitária, p.1-14, mar., 2015. TRIVIÑOS, A.N.S. Introduzindo a pesquisa em ciências sociais – pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. TURATO, E.R. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teóricoepistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. WEISINGER, H. Inteligência emocional no trabalho. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 97 de 143

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE DIRETORES ESCOLARES SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Hugo Norberto Krug45 Marilia de Rosso Krug46 Rodrigo Rosso Krug47 Cassiano Telles48 Patric Paludett Flores49 Resumo O objetivo do estudo foi analisar as Representações Sociais (RS) sobre a Educação Física (EF) da Educação Básica (EB) e seus motivos de diretores escolares da rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil). Esta pesquisa qualitativa descritiva do tipo estudo de caso utilizou como instrumento o Teste de Associação Livre de Palavras, tendo a interpretação por meio da análise de conteúdo. Participaram 20 diretores escolares, sendo 10 da rede de ensino municipal e 10 da estadual da referida cidade. Concluímos que as RS dos diretores escolares estudados sobre a EF na EB foram majoritariamente representadas por palavras com conotações negativas, o que infere que a EF não é bem vista no currículo escolar pelos pesquisados. Palavras-chave: Educação Física. Educação Básica. Representações Sociais. Abstract The aim of the sudy was to analyze the Social Represetations (SR) about the Physical Education (PE) and its rasons of shool directors of education public network of a interior city of the state of the Rio Grande do Sul (Brazil). This descritive qualitative research of the case study type used as instrument the Free Word Association Test, have the intrepretation through of the contente analysis. Participle 20 shool directors, being 10 of the municipal education network and 10 state education network of the said city. We conclude that the SR of the school directors studied about PE in BE were mostly represented by words with negative connotations, which interferes that the PE is not well seen in the school curriculum by the respondents. Keywords: Physical Education. Basic Education. Social Representations. Considerações iniciais Segundo Oliveira (2016, p.412) “[d]e forma geral, a gestão da escola pública é um fenômeno social sobre a qual a maioria das pessoas, especialmente aquelas que têm relação com o sistema educacional, construiu determinada representação”. Nesse sentido, a Representação Social (RS) que os diretores escolares têm sobre a Educação Física (EF) na Educação Básica (EB), exerce ou poderá exercer enorme influência a respeito de como essa é ou será desenvolvida na escola. Isso porque, de acordo com Cristino et al. (2008, p.138), “[a] equipe diretiva (diretor, vice-diretor, supervisão e coordenação), ao coordenar a Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Professor Aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 46 Doutora em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFSM); Professora da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 47 Doutor em Ciências Médicas (UFSC); Professor da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 48 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 49 Doutorando em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); [email protected]. 45

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 98 de 143

vida escolar, exerce sobre es[s]a comunidade uma liderança. Sua atividade educacional além do aspecto administrativo dev[e] ter uma grande preocupação pedagógica que é a justificativa de toda educação escolar”. Dessa forma, este estudo tem como embasamento a Teoria das Representações Sociais (TRS) que “busca apreender o senso comum de um determinado fenômeno social para compreender como um grupo de indivíduos, [...], constrói um conjunto de saberes que orienta suas condutas” (OLIVEIRA, 2016, p.412). Assim sendo, é necessário que os professores de EF da EB tenham muito claro que os diretores escolares estão integrados a grupos sociais com representações e concepções de educação e EF. Nesse contexto, é preciso que os professores de EF da EB levem em consideração essas representações que os diretores escolares compartilham sobre a EF e, a partir da análise das mesmas, propor discussões que originem possibilidades de melhorias na qualidade dessa disciplina no currículo escolar. Ressaltamos que, ao levarmos em consideração as representações e concepções de educação e EF dos diretores escolares, podemos ter dificuldades de legitimação da disciplina de EF no currículo escolar, como por exemplo, uma desvalorização da mesma, isto é, deixada, sempre, em segundo plano nas atividades curriculares. Portanto, a partir dessas premissas supracitadas originou-se a seguinte questão problemática norteadora da investigação: quais são as RS sobre a EF na EB e seus motivos, de diretores escolares da rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul-RS (Brasil)? Assim, o objetivo geral da investigação foi analisar as RS sobre a EF na EB e seus motivos, de diretores escolares da rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil). Justificamos a realização desta investigação destacando que estudos desta natureza podem oferecer subsídios para uma melhor compreensão do fenômeno do significado [representações] do que é a EF na EB e, assim, consequentemente, auxiliar na melhoria da qualidade dessa disciplina no currículo escolar. Fundamentação teórica De acordo com Abric (2000), a TRS, elaborada por Serge Moscovici, no final dos anos 1950, é considerada como um marco para o estabelecimento de uma percepção inovadora a respeito da integração entre os fenômenos perceptivos individuais e sociais. Nesse direcionamento de pensamento, citamos Basílio e Machado (2013, p.101) que destacam que “a necessidade do ser humano estar atualizado com a sua realidade e com seu grupo de pertença o impulsiona a construir representações sociais”. Para Abric (2000, p.156): [...] a representação é um conjunto organizado de opiniões, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação. É determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, sua vivência), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que ele mantém com esse sistema social.

Entretanto, Moscovici (1978) enfatiza que as RS não são apenas ‘opiniões sobre’, são teorias coletivas sobre o real, baseados em valores que determinarão as ideias compartilhadas pelos grupos. Assim, todas as formas de RS influenciam na formação de um indivíduo, podendo modificar suas ideias.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 99 de 143

Já Basílio e Machado (2013) relembram que são dois os processos responsáveis pela criação das RS: a) a objetivação, que constitui-se como materialização das abstrações, isto é, objetivação quer dizer materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico o invisível, o impalpável, enfim, transformar em objeto, o que é representado; e, b) a ancoragem, que tem a função de incorporar o novo, o estranho às representações, orientar comportamentos e interpretar a realidade. Assim, esse processo significa o enraizamento social da representação à interação cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente e às transformações que, em consequência, ocorrem num e noutro. A ancoragem não é a construção formal do conhecimento, mas a integração de elementos em um pensamento já construído. Relativamente às RS das profissões, segundo Bessa (2009), essas podem estar intimamente ligadas aos ofícios ou profissões que os sujeitos praticam e refletem as imagens de que são detentores. Já para Borges (2007, p.85) as representações profissionais permitem edificar “um saber profissional, proteger a especificidade dos grupos, orientar as condutas, antecipar as expectativas dos parceiros de acção, guiar práticas e justificar à posteriori as tomadas de posição”. Ao abordar a profissão docente Bessa (2009) destaca que a imagem que o professor constrói da sua profissão é o reflexo do seu pensamento sobre a docência relacionado com as suas percepções da realidade e das referências que o influenciam. Já Gomes (2009, p.13) diz que a utilização da TRS contribui para a compreensão dos fatos educativos e se apresenta “como espaço privilegiado para vermos como as representações sociais são construídas, evoluem e se transformam”. Procedimentos metodológicos Caracterizamos os procedimentos metodológicos empregados neste estudo como uma pesquisa qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. Segundo André (2005, p.47), a pesquisa qualitativa possui como centro das preocupações “[...] o mundo dos sujeitos, os significados [representações] que atribuem às suas experiências cotidianas, sua linguagem, suas produções culturais e suas formas de interações sociais” [acréscimo nosso]. Godoy (1995) diz que a pesquisa qualitativa descritiva procura compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação de estudo. Já Ponte (2006) afirma que o estudo de caso é uma investigação sobre uma situação específica, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de certo fenômeno de interesse. Assim, neste estudo, o caso investigado referiu-se aos diretores escolares de uma determinada rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil). Nesse sentido, a justificativa da escolha da forma de pesquisa qualitativa, descritiva e estudo de caso foi devido à possibilidade de se analisar um ambiente em particular, onde se levou em conta o contexto social e sua complexidade para compreender e retratar uma realidade em particular e um fenômeno em especial, ‘as RS de diretores escolares sobre a EF na EB’. O instrumento utilizado para coletar as informações foi um Teste de Associação Livre de Palavras que, conforme Abric (2000) procura acessar, de maneira menos elaborada, os elementos mais salientes de uma RS. De acordo com Machado e Gomes (2015, p.86), a Associação Livre de Palavras “é uma técnica projetiva que procura acessar conteúdos mais espontâneos acerca de um objeto, fato ou evento geralmente mascarados nas produções discursivas”. No caso deste estudo, a associação livre consistiu em solicitar aos participantes que registrassem em formulário próprio, de forma livre e imediata, a primeira palavra que lhes viessem à lembrança mediante apresentação do estímulo indutor: a Educação Física na Educação Básica é...? E, logo após a justificativa da palavra escolhida. Utilizamos na análise das informações coletadas, a análise de conteúdo (BARDIN, 2010).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 100 de 143

Participaram do estudo vinte (20) diretores escolares da rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil), sendo dez (10) da rede de ensino municipal e dez (10) da rede de ensino estadual. A escolha dos participantes aconteceu de forma intencional, em que a disponibilidade dos professores foi o fator determinante para que fossem considerados colaboradores. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e suas identidades foram preservadas. Resultados e discussões Identificamos e analisamos as seguintes ‘palavras’ evocadas pelos diretores escolares estudados mediante a apresentação do estímulo indutor: a Educação Física na Educação Básica é...? E, logo após a justificativa da palavra escolhida. As palavras representativas da EF na EB e suas justificativas (motivos) foram: 1- Prática (sete citações) – Segundo Luft (2000), prática significa a ação ou efeito de praticar. Exercício de qualquer ocupação ou profissão. Execução repetida de um trabalho ou exercício sistemático com o fim de adquirir destreza ou proficiência. Nesse sentido, Oliveira (1984) afirma que a EF ao ser uma atividade essencialmente prática, faz com que a sociedade reconheça o professor simplesmente como um agente de instrução física. Na única justificativa existente, a palavra ‘prática’ foi usada com o indicativo de ‘não trabalhar conhecimento teórico’ (sete citações). Nesse sentido, lembramos Infante; Silva e Alarcão (1996) que dizem que a ação prática do professor não é desligada de conhecimentos teóricos. Também Souza (1992) afirma que não é possível uma ação pedagógica sem condução e explicações teóricas, sem pensamentos, sem ideias. Se não há direção, uma que possa servir como guia para esta ação, as respostas são dadas pela influência do ambiente social, e esse ambiente social é influenciado pela ideologia dominante que é a ideologia da classe dominante; 2- Importante (cinco citações) – Para Luft (2000), importante significa o que tem importância. Digno de apreço, de estima, de consideração. Que tem muito valor. Útil, necessário. Assim sendo, apontamos Marques e Krug (2012, p.216) que dizem que “[a] Educação Física nos dias atuais se faz presente como uma disciplina de grande importância no currículo escolar e também de vasta abrangência, [...], pois por seu intermédio é possível se desenvolver inúmeras aptidões necessárias para a formação integral do ser humano”. Nas justificativas, a palavra ‘importante’ foi usada com a conotação de que a EF na EB ‘contribui para a formação da cidadania dos alunos’ (cinco citações). Dessa forma, citamos Betti e Zuliani (2002, p.75) que dizem que a EF na escola assume a função de “[...] introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão, que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo, do esporte, das atividades rítmicas, da dança, das ginásticas e práticas de aptidão física, em benefício da qualidade de vida”; 3- Desvalorização (quatro citações) - Segundo Luft (2000), desvalorização significa perda de valor, depreciação, baixa do valor da moeda de um país em relação ao ouro. Nesse sentido, consideramos fundamental mencionarmos Antunes; Kronbauer e Krug (2013, p.35) que apontam para a existência de uma desvalorização da EF no âmbito escolar “quando se trata da opinião dos professores das disciplinas das outras áreas de conhecimento”. Nas justificativas, a palavra ‘desvalorização’ apareceu com o indicativo de ‘falta de identidade da EF na escola’ (quatro citações), situação essa que pode ser fundamentada em Antunes; Kronbauer e Krug (2013, p.35) que colocam que vários autores dizem que a desvalorização da EF na escola é devido ao fato de que essa “disciplina não mostra seus objetivos, fazendo com que os outros professores não a encarem com a devida importância na formação de seus alunos”; 4- Esporte (três citações) – Luft (2000) diz que esporte significa uma prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição. Dessa maneira, Villas Boas et al. (1988) colocam que o esporte como conteúdo da EF Escolar faz com que a maioria das pessoas sinta prazer pela sua prática e isto também acontece com o professor porque

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 101 de 143

ele também é ou foi um praticante. Nas justificativas, a palavra ‘esporte’ foi usada em estreita relação com ‘o prazer pela prática do esporte’ (três citações) e, nesse direcionamento de significado nos reportamos a Martins Júnior (2002) que afirma que a prática esportiva é proporcional à necessidade e ao prazer que dela advém. Um indivíduo normal não continuará a praticar esportes se não sentir prazer; e, 5- Liberdade (uma citação). De acordo com Luft (2000), liberdade significa grau de independência legítimo que um cidadão, um povo ou uma nação elege como valor supremo, como ideal. Poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei. Nesse direcionamento de significado, no contexto escolar, segundo Antunes; Kronbauer e Krug (2013), no âmbito da EF, grande parte dos professores das outras disciplinas associa a prática esportiva a um momento de maior liberdade, dado que as aulas ocorrem, predominantemente, fora da sala de aula. Nas justificativas, a palavra ‘liberdade’ aparece relacionada ao ‘desconhecimento do valor da atividade física para às pessoas’ (uma citação) e, dessa forma, apontamos Santos (2008) que diz que os professores das outras disciplinas do currículo escolar desconhecem o valor da atividade física na idade escolar e, naturalmente, vão se distanciando, em nível de trocas de experiências e planejamento, dos professores de EF. Assim, estas foram as palavras representativas da EF na EB e suas justificativas (motivos) apontadas pelos diretores escolares estudados. Considerações finais Pela análise das informações obtidas dos diretores escolares estudados foi possível representar a EF na EB em ‘cinco palavras’ (prática, importante, desvalorização, esporte e liberdade). Destacamos que essas palavras representativas da EF na EB apontadas pelos diretores escolares estudados podem ter surgido de convicções pessoais, projeções ou realizações da atuação profissional, de influências de grupos, pessoas e ou instituições de todas as naturezas das quais os sujeitos tenham interagido em suas vidas. Esse destaque está em consonância com o dito por Abric (2000), de que as RS articulam várias funções nos grupos sociais, não se limitando à função do saber, mas também identitária, avaliativa e reguladora das práticas sociais. Também podemos lembrar Oliveira (2016, p.409) que diz que as RS “variam conforme os sujeitos e os lugares de onde falam [...]”. Entretanto, o que chamou à atenção no rol de palavras representativas da EF na EB pelos diretores escolares estudados foi que ‘apresentou palavras com conotações positivas e negativas’. De acordo com Luft (2000), positivo é algo que tende a auxiliar para a melhoria de alguma coisa. Assim, para esta investigação, consideramos positiva, a representação (palavra) apontada pelos diretores escolares estudados que tendeu para auxiliar em uma boa imagem da EF na EB. Também Luft (2000) diz que negativo é algo que contém ou exprime recusa, é contraproducente. Assim, para esta investigação, consideramos negativa, a representação (palavra) apontada pelos diretores escolares estudados, que tendeu para tornar contraproducente a imagem da EF na EB. Dessa forma, vislumbramos a palavra ‘importante’ com ‘conotação positiva’ e as palavras ‘prática’, ‘desvalorização’, ‘esporte’ e ‘liberdade’ com ‘conotações negativas’. Convém destacar que as palavras ‘prática’, ‘esporte’ e ‘liberdade’ foram consideradas com ‘conotação negativa’ em virtude das justificativas (ou motivos) das suas escolhas, as quais possuíam aspectos desfavoráveis a uma adequada compreensão da legitimação da disciplina de EF no currículo escolar. Também notamos que foi maior o número de citações de palavras com conotações negativas (quinze no total) do que de palavras com conotações positivas (cinco no total). Assim, constatamos que os resultados do estudo sinalizaram no direcionamento de elementos de uma RS da disciplina de EF na EB, pelos diretores escolares, marcada majoritariamente por palavras associadas à conotações negativas (quatro de cinco palavras e quinze de vinte citações), mas, também, minoritariamente, por palavra associada à conotação positiva (uma da cinco palavras e cinco de vinte citações).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 102 de 143

Dessa forma, concluímos que os resultados deste estudo, evidenciaram que as RS dos diretores escolares estudados sobre a EF na EB, foram majoritariamente representadas por palavras com conotações negativas, o que infere que a referida disciplina não é bem vista no currículo escolar pelos pesquisados. Entretanto, convém lembrar que, segundo Moscovici (1978), as RS são estruturas dinâmicas e complexas, fruto de um conjunto de relações e comportamentos que surgem e desaparecem. Eles se ancoram em sistemas de crenças, valores, tradições e imagens do mundo a partir de um pensamento preexistente, tornando possível a mobilização de elementos novos que se juntam aos já existentes, somando-as ou transformando-as. Já Oliveira (2016, p.409) destaca que as RS “variam conforme os sujeitos e os lugares de onde falam [...]”. Para finalizar, reconhecemos a necessidade de estudos mais aprofundados do que este, já que Sá (1998), alerta que os fenômenos representacionais não podem ser captados pelas pesquisas de modo completamente direto, pois são, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social. Referências ABRIC, J.C. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, A.S.P.; OLIVEIRA, D.C. de. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: Ed. AB, 2000. ANDRÉ, M.E.D.A. Estudo de caso em pesquisa e em avaliação educacional. Brasília: Liberlivro, 2005. ANTUNES, F.R.; KRONBAUER, C.P.; KRUG, H.N. A valorização da participação dos professores de Educação Física nas reuniões pedagógicas escolares. Revista Mackenzie de Educação Física e Esportes, v.12, n.1, p.28-40, 2013. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2010. BASÍLIO, M.A.T.; MACHADO, L.D. O curso de Pedagogia: nas representações sociais de estudantes em formação. Revista Profissão Docente, v.13, n.28, p.99-119, 2013. BESSA, A.M.F. dos S. Professor do ensino básico: representação social de si e da profissão, 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade de Aveiro, Aveiro, 2009. BETTI, M.; ZULIANI, L.R. Educação Física Escolar: uma proposta de diretrizes pedagógicas. Revista Mackenzie de Educ. Física e Esporte, v.7, n.2, p.85-101, 2008. BORGES, M.P. da A. Professores: imagens e auto-imagens, 2007. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2007. CRISTINO, A.P. da R. et al. Reuniões pedagógicas e professores de Educação Física: espaço de formação docente? In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E EDUCAÇÃO FÍSICA DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 12., 2008, Porto Alegre. Anais, Porto Alegre: ESEF/UFRGS, 2008. GODOY, A.S. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, v.35, n.3, p.20-29, mai./jun., 1995. GOMES, A.A. Apresentação Dossiê: representações sociais e educação. Revista Nuances: Estudos Sobre Educação, a.XV, v.16, n.17, p.21-33, jan./dez., 2009. INFANTE, M.J.; SILVA, M.S.; ALARCÃO, I. Descrição e análise interpretativa de episódios de ensaio: os casos como estratégia de supervisão reflexiva. In: ALARCÃO, I. (Org.). Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996. LUFT, C.P. MiniDicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 2000. MACHADO, L.B.; GOMES, V.C. Formação na licenciatura: representações sociais de estudantes. Revista Roteiro, v.40, n.1, p.79-100, jan./jun., 2015. MARQUES, M.N.; KRUG, H.N. Caminhos e descaminhos da prática pedagógica em Educação Física Escolar: um estudo de caso com professores de uma escola pública de Santa Maria-RS. Revista Linhas, v.13, n.02, p.215-237, jul./dez., 2012. MARTINS JÚNIOR, J. A Educação Física Escolar. In: SHIGUNOV, V.; SHIGUNOV NETO, A. (Orgs.). Educação Física: conhecimento teórico x prática pedagógica. Porto Alegre: Mediação, 2002.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 103 de 143

MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. OLIVEIRA, L.C.C.de. As representações sociais de diretores escolares dos anos iniciais do ensino fundamental sobre a formação de professores. Revista Pesquiseduca, v.08, n.16, p.408-422, jul./dez., 2016. OLIVEIRA, V.M. O que é Educação Física? 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. PONTE, J.P. da. Estudos de casos em Educação Matemática. Revista Bolema, n.25, p.105-132, 2006. SÁ, C.P. de. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. SANTOS, C.C. Educação Física Escolar: um olhar reflexivo. Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, a.13, n.123, p.1-10, ago., 2008. SOUZA, I.S. de. Elementos críticos para a elaboração de uma teoria pedagógica da Educação Física Escolar: um estudo nas escolas públicas do município de Aracajú (SE), 1992. Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1992. VILLAS BOAS, A. et al. Perspectivas y problemas de la función docente. Madrid: Notigraf, 1988. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 104 de 143

AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO INICIAL PARA A PRÁTICA DOCENTE NA PERCEPÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA INICIANTES NA EDUCAÇÃO BÁSICA Hugo Norberto Krug50 Marilia de Rosso Krug51 Rodrigo Rosso Krug52 Cassiano Telles53 Patric Paludett Flores54 Resumo O estudo objetivou analisar as contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de Educação Física (EF) iniciantes na Educação Básica (EB) da rede pública de ensino de uma cidade da região central do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil). Caracterizamos a pesquisa como qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. O instrumento de pesquisa foi um questionário. A interpretação das informações coletadas foi realizada por meio da análise de conteúdo. Os participantes foram cinco professores de EF iniciantes da EB da referida rede de ensino e cidade. Concluímos que praticamente a totalidade (4) dos pesquisados declararam a existência de contribuições da formação inicial para a prática docente, sendo as seguintes: 1) uma boa base teórica para a prática docente na escola; 2) uma boa experiência de prática docente através dos estágios; 3) o aprendizado das teorias de conhecimento para o trato pedagógico; e, 4) na preparação de ser professor. Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Professor Iniciante. Prática Docente. Contribuições. Abstract This study aimed to analyse the contribuitions of the initial formation for the teaching practice in the perception of physical education (PE) teachers beginners in basic education (BE) at public network education of a city in the central region of the State of Rio Grande do Sul (Brazil). We characterize the research as qualitative descriptive of the case study type. The research instrument was a questionnaire. The interpretation of the information collected was performed through of the content analysis. The participants were five teachers of PE beginners of the BE of the said public network and city. We concluded that practically the totality (4) of respondentes declared the existence of contributions of the initial formation for the teaching practice, being the folow: 1) a good theoretical basis for teaching practice in school; 2) a good experience of teaching practice through the stages; 3) the learning of knowledge theories for the pedagogical treatment; and, 4) in the preparation of being a teacher. Keywords: Physical Education. Teacher formation. Beginner Teacher. Teaching Practice. Contributions.

Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Professor Aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 51 Doutora em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFSM); Professora da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 52 Doutor em Ciências Médicas (UFSC); Professor da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ); [email protected]. 53 Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. 54 Doutorando em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); [email protected]. 50

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 105 de 143

Considerações introdutórias De acordo com Silveira et al. (2008, p.63), [a] entrada no mundo do trabalho constitui uma etapa marcante na vida de qualquer pessoa, trata-se de um período vivido com emoção e entusiasmo, mas também com certa apreensão e ansiedade frente às novas responsabilidades que surgem. É um momento onde termina uma série diversificada de experiências e de aprendizagens acadêmicas com relação à carreira profissional escolhida, para uma efetiva entrada no mundo do trabalho.

Já Rezer; Madela e Dal-Cin (2016, p.66) colocam que “[...] o ingresso na carreira docente se constitui como espaço e tempo de provação que, sem dúvida, irá se desdobrar em influências das mais diversas ao longo de toda carreira docente do professor”. Destacam ainda que “[p]ensar as responsabilidades da formação inicial neste processo se trata de um compromisso na direção de compartilhar responsabilidade e contribuir com jovens ingressantes na carreira docente”. Assim, ao falarmos sobre formação inicial, recorremos a Farias; Shigunov e Nascimento (2001) que colocam que formação inicial é a denominação frequentemente atribuída àquela de preparação voltada ao exercício ou qualificação inicial da profissão. Dessa forma, concentramos nossos olhares para os professores de Educação Física (EF) iniciantes na Educação Básica (EB), isto é, preferencialmente, para o impacto da formação inicial para o ingresso na carreira docente. Nesse sentido, consideramos necessário citarmos Rosa; Conceição e Krug (2014, p.2) que atribuem “importância ao debate do impacto enfrentado pelo professor de Educação Física [iniciante] ao ingressar na carreira” [inserção nossa]. A esse respeito, Folle et al. (2009) ressaltam que a transição de estudante para professor ocasiona momentos tais como, a passagem de conceitos acadêmicos para a aplicabilidade prática, de rotinas em grupo para a sustentação e posicionamento individual, muitas vezes, gera questionamentos, que exigem responsabilidades cada vez mais precoces desses profissionais, para o desempenho de funções em que, às vezes, não se sentem devidamente preparados. Dessa maneira, focamos nossa atenção para a escuta e a problematização das percepções de professores de EF iniciantes na carreira docente sobre as contribuições da formação inicial para o exercício da docência na EB, pois esses podem apontar dimensões importantes a serem consideradas nesse contexto. Assim, considerando as premissas descritas anteriormente, defrontamo-nos com a seguinte questão problemática norteadora deste estudo: quais são as contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de EF iniciantes na EB da rede pública de ensino de uma cidade da região central do Estado do Rio Grande do Sul-RS (Brasil)? Dessa forma, este estudo objetivou analisar as contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de EF iniciantes na EB da rede pública de ensino de uma cidade da região central do Estado do RS (Brasil). Justificamos a realização da investigação, acreditando que estudos desta natureza possam oferecer subsídios para reflexões que venham a despertar possibilidades de modificações no contexto da formação inicial de professores de EF, mais especificamente na compreensão do fenômeno das contribuições da formação inicial para a melhoria desses profissionais na atuação docente na escola, principalmente no início da carreira.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 106 de 143

Procedimentos metodológicos Caracterizamos os procedimentos metodológicos desta investigação como uma pesquisa qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. Para Oliveira (2014, p.37), a pesquisa qualitativa é “um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo a sua estruturação”. Destaca que o processo deve ser apresentado de forma descritiva. E nesse direcionamento de ideia, Triviños (1987) afirma que a preocupação fundamental da pesquisa qualitativa é com a caracterização do fenômeno, com as formas que se apresenta e com as variações, já que o seu principal objetivo é a descrição. Fazenda (1989) acrescenta que a descrição é de situações, pessoas ou acontecimentos em que todos os aspectos da realidade são considerados importantes. Já Martins (2006) coloca que o estudo de caso qualitativo investiga fenômenos dentro do seu contexto real, de maneira que o pesquisador apreenda a totalidade de uma situação para compreender e interpretar a complexidade de um caso concreto. Salienta ainda que, o estudo de caso permite um mergulho mais aprofundado no ‘problema’, possibilitando maior penetração na realidade. Assim, nesta investigação, o caso estudado referiu-se a um grupo de professores de EF iniciantes na EB. O instrumento de pesquisa utilizado para coletar as informações foi um questionário com perguntas abertas. Acerca do questionário, Oliveira (2004) afirma que a pesquisa qualitativa pode se utilizar da aplicação desse instrumento. Já a respeito de pergunta aberta, Cervo e Bervian (1996, p.138), destacam que “[...] destina-se a obter uma resposta livre”. As questões norteadoras que compuseram o questionário estavam relacionadas ao objetivo desta investigação. A interpretação das informações coletadas pelo questionário foi realizada por meio da análise de conteúdo. As informações foram interpretadas pela análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2011), prevê as seguintes etapas: a pré-análise; a exploração do material; e, o tratamento dos resultados. Participaram do estudo cinco (5) professores de EF iniciantes na EB, sendo dois (2) do sexo masculino e três (3) do sexo feminino, de uma rede de ensino pública de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil). Convém ressaltar que consideramos iniciantes aqueles que possuíam até três (3) anos de docência na escola, conforme Huberman (1995). A escolha dos participantes aconteceu de forma intencional, sendo a disponibilidade dos mesmos, o fator determinante para serem colaboradores da pesquisa. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e suas identidades foram preservadas. Resultados e discussões A existência ou não de contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de EF iniciantes na EB Nesse momento, achamos pertinente mencionarmos Luft (2000) que coloca que contribuição é o ato ou efeito de contribuir. Contribuir é concorrer com outrem para determinado fim. Assim, nesse estudo consideramos contribuições os aprendizados que os professores de EF iniciantes tiveram em sua formação inicial que auxiliaram na prática docente na EB. Nesse sentido, a ‘maioria’ (quatro do total de cinco) dos professores de EF iniciantes estudados declarou ‘sim’, isto é, que ‘a formação inicial contribuiu para a prática docente na EB’. Esse fato está em discordância com Quadros et al. (2015, p.34) que no estudo intitulado “Prática educativa de professores de Educação Física no início da carreira” constataram que

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 107 de 143

‘somente alguns’ docentes afirmaram que “o curso [de formação inicial] deu suporte suficiente para o ingresso na carreira docente”. Em contraposição, a ‘minoria’ (um do total de cinco) dos professores de EF iniciantes estudados declararam ‘não’, isto é, que ‘a formação inicial não contribuiu para a prática docente na EB’. Esse fato está em desajuste com Gonçalves (1995) que afirma que ‘maioria’ dos professores em serviço considera a sua formação inicial como desajustada da realidade, baseada em duas razões: ser insuficiente e não preparar para o contato com os alunos. Entretanto, segundo Santos et al. (2016, p.35), quando os professores de EF iniciantes na docência na EB afirmam que a formação inicial não possibilitou a formação adequada, “é acreditar que a formação tem um fim. Ou seja, é não compreender o processo de formação permanente, é acreditar em uma formação instrumental que tem um fim nela mesmo”. No direcionamento desta ideia, citamos Freire (2002) que diz que é preciso acreditar em uma formação humana permanente e inacabada, onde estamos e somos cientes da inconclusão do ser humano. Também lembramos Mizukami et al. (2006) e Lima (2007) que dizem que a formação inicial, por melhor que seja feita, possui limitações por ser uma etapa restrita a um espaço de tempo. Nessas condições, para Mizukami et al. (2006), a formação inicial adquire um caráter introdutório e, como o próprio nome já diz, apenas de preparação inicial, como a primeira etapa do processo de formação do professor, sem a pretensão de formar um profissional completo, pronto e acabado. Nessa lógica de pensamento, mencionamos Rodrigues e Esteves (1993, p.41) que possuem posicionamento semelhante, pois destacam que: [...] a formação não se esgota na formação inicial, devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e integrada, respondendo às necessidades de formação sentidas pelo próprio professor e às do sistema educativo, resultando em mudanças sociais e/ou do próprio sistema de ensino [...]. Não se trata, pois, de obter uma informação inicial, válida para todo o sempre. Não se pode apreender tudo (na formação inicial), até porque tudo é muita coisa [...].

Assim, essas foram às percepções dos professores de EF iniciantes sobre a existência ou não de contribuições da formação inicial para a prática docente na EB. As contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de EF iniciantes na EB Da percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados, a respeito das ‘contribuições da formação inicial para a prática docente’, após a análise das informações obtidas e analisadas, ‘emergiram quatro categorias de análise’ e que, a seguir, as abordaremos uma a uma. A primeira e principal contribuição da formação inicial para a prática docente na percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados foi ‘uma boa base teórica para a prática docente na escola’ (quatro citações). Assim, no direcionamento dessa contribuição, citamos Leone e Leite (2011) que dizem que, é preciso que a formação inicial ofereça ao futuro professor uma base sólida de conhecimentos que lhe possibilita, quando do exercício da docência, reelaborar continuamente os saberes iniciais, a partir do confronto com as experiências vividas no cotidiano escolar. Trata-se, portanto, de conceber a etapa da formação inicial como a base para a aprendizagem contínua do professor.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 108 de 143

Outra contribuição da formação inicial para a prática docente, a segunda, na percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados foi ‘uma boa experiência de prática docente através dos estágios’ (três citações). A respeito dessa contribuição, lembramos Quadros et al. (2015) que no estudo intitulado “Prática educativa de professores de Educação Física no início da carreira” constataram que ‘alguns docentes’ afirmaram que a experiência proporcionada pelos estágios proporcionou condições necessárias para o ingresso na carreira. Nesse sentido, de acordo com Quadros et al. (2015, p.22), os estágios, para a grande maioria dos professores de EF iniciantes, “é de suma importância para se reconhecer enquanto professores, motivando o acadêmico para exercer a profissão, mostrando-se assim uma excelente ferramenta para a construção da trajetória docente”. Já Marcelo Garcia (1998) diz que durante os Estágios Curriculares o professor iniciante começa a se construir. Ocorre uma progressão de acordo com as crenças pessoais e as atitudes. Para isso, é fundamental um apoio eficiente do supervisor universitário, através de orientações pertinentes ao universo escolar, valendo-se da escuta, do diálogo e da problematização das situações enfrentadas. Em contrapartida, citamos Claro Jr e Filgueiras (2009) que colocam que os docentes iniciantes com pouca experimentação prática possuem muito mais dificuldades para atuar, pois vivenciam intensamente os conflitos entre as necessidades da prática e o seu repertório. ‘O aprendizado das teorias de conhecimento para o trato pedagógico’ (duas citações) foi a terceira contribuição da formação inicial para a prática docente na percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Essa contribuição pode ser fundamentada por Libâneo (1994), que entende que os conteúdos são organizados em matérias de ensino e dinamizados pela articulação objetivos-conteúdos-métodos e formas de organização do ensino, nas condições reais em que ocorre o processo de ensino. Já Matos (1994), diz que o professor deve possuir conhecimento pedagógico do conteúdo para poder realizar um trabalho eficaz. A quarta e última contribuição da formação inicial para a prática docente na percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados foi ‘na preparação para ser professor’ (uma citação). Sobre essa contribuição, mencionamos Silva e Krug (2010), os quais salientam que é na formação inicial que o acadêmico passa a se ver como professor, revendo as imagens e representações da profissão docente e do professor, reconstruindo-as. Já Zabalza (2004) afirma que a aprendizagem da docência está relacionada às experiências vividas pelos acadêmicos e como eles as organizam, pois, por meio deles, eles se constroem como sujeitos, a partir da trajetória pessoal, escolar, acadêmica, da inserção na cultura; compõem o mundo; entrecruzam-se com as vivências e experiências que vão construindo o mundo de vida e a identidade do futuro profissional. Assim, essas foram as contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção de professores de EF iniciantes na EB estudados. Considerações conclusivas Pela análise das informações obtidas concluímos que praticamente a totalidade (4) dos pesquisados declararam a existência de contribuições da formação inicial para a prática docente, sendo as seguintes: 1) uma boa base teórica para a prática docente na escola; 2) uma boa experiência de prática docente através dos estágios; 3) o aprendizado das teorias de conhecimento para o trato pedagógico; e, 4) na preparação de ser professor. Assim, a partir dessa conclusão, podemos inferir pela existência de contribuições da formação inicial para a prática docente na percepção dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Para finalizar, destacamos que é preciso considerar que este estudo fundamentou-se nas especificidades e nos contextos de uma rede de ensino e de uma cidade, em particular de professores de EF iniciantes na EB em específico, e que os seus achados não podem ser generalizados e sim encarados como uma possibilidade de ocorrência. Referências

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 109 de 143 BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. CERVO, A.L.; BERVIAN, P.A. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1996. CLARO JR, R.S.; FILGUEIRAS, I.P. Dificuldades de gestão de aula de professores de Educação Física em início de carreira na escola. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v.8, n.2, p.9-24, 2009. FARIAS, G.O.; SHIGUNOV, V.; NASCIMENTO, J.V. do. Formação e desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física. In: SHIGUNOV, V.; SHIGUNOV NETO, A. (Orgs.). A formação profissional e a prática pedagógica: ênfase nos professores de Educação Física. Londrina: O Autor, 2001. FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. FOLLE, A. et al. Construção da carreira docente em Educação Física: escolhas, trajetória e perspectivas. Revista Movimento, v.15, n.1, p.25-49, jan./mar., 2009. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. GONÇALVES, J.A. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995. HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995. LEONE, N.M.; LEITE, Y.U.F. O início da carreira docente: implicações à formação inicial de professores. Revista Pesquiseduca, v.3, n., p.236-259, jul./dez., 2011. LIMA, V.M.M. Formação do professor polivalente e saberes docente: um estudo a partir de escolas públicas, 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. LUFT, C.P. MiniDicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 2000. MARCELO GARCIA, C. Pesquisa sobre a formação de professores: o conhecimento sobre aprender a ensinar. Revista Brasileira de Educação, n.9, p.51-75, set./dez., 1998. MARTINS, J.A. de. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2006. MATOS, Z.A. Avaliação da formação de professores. Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física, a.10, n.11, p.53-78, 1994. MIZUKAMI, M. da G.N. et al. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação e formação. São Carlos: EdUFCar, 2006. OLIVEIRA, D.A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilidade. Revista Educação e Sociedade, v.25, n.89, p.1127-1201, set./dez., 2004. OLIVEIRA, M.M. de. Como fazer pesquisa qualitativa. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. QUADROS, Z. de F. et al. Prática educativa de professores de Educação Física no início da docência. Revista Educação & Linguagem, v.18, n.1, p.21-40, jan./jun., 2015. REZER, R.; MADELA, A.; DAL-CIN, J. Apontamentos sobre o ingresso na carreira docente: possibilidades para o campo da Educação Física. In: CONCEIÇÃO, V.J.S. da; FRASSON, J.S. (Orgs.). Textos e contextos sobre o trabalho do professor de Educação Física no início da docência. Porto Alegre: Sulina, 2016. RODRIGUES, A.; ESTEVES, M. Análise das necessidades na formação de professores. Porto: Porto Editora, 1993. ROSA, T.D. da; CONCEIÇÃO, V.J.S. da; KRUG, H.N. Trajetória profissional de professores de Educação Física que atuam na área de ginástica de academia. Revista Gestão Universitária, p.1-13, ago., 2014. SANTOS, M. dos et al. Dificuldades pedagógicas encontradas por professores de Educação Física no início da docência. Revista Querubim, a.12, n.28, v.03, p.32-38, 2016. SILVA, A.R.; KRUG,H.N. Aprendendo a ser professor: a dinâmica da trajetória formativa que tece as concepções da formação profissional na Educação Física. Revista Digital Lecturas: Educación Física y Deportes, a.14, n.140, p.1-6, ene., 2010. SILVEIRA, J. da S. et al. O desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física: o início da docência. In: KRUG, H.N.; KRÜGER, L.G.; CRISTINO, A.P. da R. (Orgs.). Os professores de Educação Física em formação. Santa Maria: UFSM, CE, PPGE, 2008. TRIVIÑOS, A.N.S. Introduzindo a pesquisa em ciências sociais – pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. ZABALZA, M.A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 110 de 143

DOS DADOS AO CONHECIMENTO: O PAPEL DA SUBJETIVIDADE PARA A GESTÃO DO CONHECIMENTO DAS PESSOAS Ismael de Mendonça Azevedo55 Leandro Marcelo Cassimiro das Chagas56 Resumo As organizações evoluíram, mas apenas na década de 1980 que as pessoas nas organizações passaram a ter sua capacidade cognitiva considerada de maneira veemente. Este estudo objetiva realizar uma vasta revisão bibliográfica capaz de trazer esclarecimentos quanto a importantes distinções entre: dados, informações e conhecimento, do ponto de vista da gestão do conhecimento organizacional a partir da subjetividade do indivíduo. Para nortear os estudos, foram pesquisados artigos de referência junto à temática na base Google Acadêmico e livros seminais. Concluímos que o conhecimento armazenado em função da subjetividade das pessoas, atualmente, é a principal fonte de poder das organizações. Palavras-chave: Gestão do Conhecimento. Organizações. Subjetividade. Abstract Organizations evolved, but it was only in the 1980s that people in organizations came to have their cognitive ability considered vehemently. This study aims to carry out a vast bibliographical review capable of clarifying the important distinctions between data, information and knowledge, from the point of view of the management of organizational knowledge based on the subjectivity of the individual. To guide the studies, reference articles were researched along thematic in the Google School base and seminal books. We conclude that knowledge stored in function of subjectivity of people, is currently the main source of power of organizations. Keywords: Knowledge management. Organizations. Subjectivity. Introdução O contexto atual de mundo clama para que as organizações inovem em sua forma de gestão. Mudanças acontecem quase que diariamente, o que faz surgir novas contingências dentro do ambiente organizacional. Esse cotidiano, que não é totalmente controlável e previsível, torna o papel da gestão, de forma generalizada, algo difícil. O fato é que o mundo mudou, e o que está de certa forma intangível é tão ou mais importante que o que sempre foi passível de tangibilidade pelas organizações. Especialmente, estudos que se ampliaram a partir do final do século passado foram imprescindíveis para o aumento do interesse em ativos intangíveis, tais quais: capital intelectual, ativos do conhecimento, capital relacional e outros temas relativos (PASTOR et al., 2017). O que as organizações até então não valorizavam passou a fazer sentido a partir do momento em que o capital de determinadas empresas no cenário organizacional era percebido para além do seu valor contabilizado de mercado. No final da década de 1980, já era apontado que as organizações teriam pouco mais de um terço dos gestores que tinham. Essa mudança se determinava, pois, as organizações estavam 55

Mestrando em Administração – Universidade Potiguar (UnP); MBA em Gestão de Pessoas – Universidade Potiguar (UnP); Bacharel em Administração – Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) 56 Especialização em Leitura e Produção de Textos – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Graduação em Letras – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 111 de 143

caminhando para uma estrutura voltada com base no conhecimento. Uma estrutura até então não percebida estava surgindo. Um modelo organizacional composto por especialistas que iriam direcionar e disciplinar seu próprio desempenho através do feedback organizado de colegas, clientes e sede. Uma organização baseada na informação (DRUCKER, 1988). Esse novo modelo de gestão discutido no final do século passado baseado em informação e conhecimento está presente na atualidade nos mais diversos ramos da economia, graças ao avanço das tecnologias da informação. Ao passo que as mudanças no ambiente organizacional acontecem, gerir o novo contexto só é possível para aqueles que têm em sua estrutura, um modelo capaz de tornar possível a distinção do que é o dado, a informação e o que realmente pode ser tido como conhecimento. É diante da ideia dialética sobre conhecimento e informação que este artigo terá como objetivo realizar uma vasta revisão bibliográfica capaz de trazer esclarecimentos quanto a importantes distinções entre: dados, informações e conhecimento, do ponto de vista da gestão do conhecimento organizacional a partir da subjetividade do indivíduo. Além disso, objetiva-se também colaborar com as instituições naquilo a que a gestão do conhecimento se propõe, que é gerir o ativo intelectual, sobretudo, na qualidade de ativo do conhecimento, de forma a tornar possível uma distinção qualificada entre esses três termos, que embora tratados como similares, podem ser subjugados. Este trabalho está dividido de maneira que, inicialmente, será exposta uma pesquisa bibliográfica a fim de apresentar a importância do conhecimento humano nas organizações, posteriormente, o estado da arte quanto à distinção entre os três componentes do capital do conhecimento, seguido pelas considerações finais quanto à importância de a Administração compreender e valorizar a subjetividade das pessoas no que concerne a geração de conhecimento. O conhecimento das pessoas nas organizações O conhecimento, embora tido como um tema de pesquisa recente em meio às ciências administrativas e afins, de alguma forma, sempre foi gerenciado pelas pessoas. Certamente, de maneira implícita, nos basta imaginar que os primeiros hominídeos caçadores ensinaram seus antecessores ‘a arte’ de caçar. Quando se tornaram bons caçadores, é possível que tenham se preocupado com essas habilidades e com as habilidades dos seus companheiros de caça na medida em que formavam em seus clãs, equipes de caça (WIIG, 1997). As universidades e outros modelos de instituições de ensino sempre se preocuparam com processos para transferência de conhecimento, assim como ampliação e criação de conhecimento, por vários milênios. A história mostra que indianos construíram-se sobre gerações de conhecimento para desenvolver uma matemática notadamente bem mais sofisticada que os padrões da época. Do ponto de vista comercial, povos como os fenícios tinham certa preocupação com o conhecimento sobre a logística comercial e suas práticas, transferindo tais conhecimentos para os funcionários, aplicando de maneira a tornar as operações mais eficientes (WIIG, 1997). A preocupação em transferir conhecimento, do ponto de vista organizacional, surgiu oportunamente com a fundação da Administração no período compreendido como Administração Científica. Foi no desenvolvimento dos trabalhos de Frederick Winslow Taylor, no início do século XX, que o conhecimento ganhou sua primeira grande importância. Os trabalhos do fundador da ciência administrativa compreendiam o processo de colher dados quanto aos tempos e movimentos realizados pelos funcionários em determinadas tarefas, transformá-los em um conjunto de informações, como métodos e técnicas e aplicar como a melhor forma de fazer a tarefa específica. Inicialmente, o foco do estudo dirigido por Taylor residia no paradoxo industrial de que havia trabalhadores com grande vitalidade, capazes de direcionar com espontaneidade um ritmo

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 112 de 143

acentuado na produção, proativos quanto a suas próprias metas, normas e objetivos. Ao tempo em que um mesmo quadro funcional na indústria apresentaria, em volta desses, trabalhadores lentos em diversos aspectos, com uma determinada propensão ao instinto do menor esforço, desinteressados em desenvolverem bons trabalhos. Dentro deste contexto, era natural que o rendimento do melhor trabalhador decaísse de forma paulatina ao trabalhar ao lado de outros com baixa energia para o labor (TAYLOR, 1990). Preocupado com o desempenho dos funcionários industriais e orientado por sua condição de engenheiro por formação, Taylor desenvolveu a primeira metodologia capaz de nortear os trabalhos da administração, com sua teoria dos “tempos e movimentos”. Para ele, a administração deveria investir em métodos de pesquisa para desenvolver melhores maneiras de execução das tarefas, dessa forma criar possibilidades de inovação no que concerne a novas técnicas. Desse modo, a metodologia consistia em colher dados quanto a quais movimentos seriam essenciais e quanto tempo seria suficiente para o trabalho específico ser efetivado, para tanto, o melhor funcionário de cada tarefa era testado e analisado (MAXIMIANO, 2011). Embora que ainda dentro de uma perspectiva exclusivamente funcionalista, pois montar uma normatização de movimentos e tempos seria a edificação de uma estrutura funcional que serviria unicamente para o controle do funcionário por parte do administrador, é notável que o conhecimento do funcionário estivesse sendo percebido, ainda que dentro de um aspecto reducionista de conhecimento transformado em dados e posterior informação. A partir desse movimento percussor do fundador da administração, os funcionários passaram a ter sua capacidade cognitiva laboral relativamente percebida. Dados, informação e conhecimento O modelo de estudo que desenvolveu a administração abriu a possibilidade de se perceber a necessidade de investimentos em treinamento para o funcionário desenvolver habilidades, mesmo que dentro da premissa de movimentos e tempo necessário à tarefa. Neste momento, o treinamento seria para criar uma ‘cópia’ do melhor funcionário, com base nos estudos auferidos. Havia a perspectiva de que um funcionário era dotado de informações ou conhecimento para a melhor forma de fazer. O fato é que a atenção ainda estaria voltada para os dados extraídos: tempo, movimento e quantidade, já que o foco era a produção. A evolução da administração, em paralelo com a da tecnologia ao longo da história, fez com que as organizações realizassem altos investimentos, em especial, nas tecnologias da informação (TIs), porém sem o adequado e proporcional investimento nas pessoas, o que acarretou retardo em processos de inovação. A falta de investimento nas pessoas trava o processo que agrega valor, situação que transforma e gera riqueza a partir dos dados que a tecnologia possibilita colher (STRAUHS et al., 2012). Os dados, sem a inferência das pessoas, carecem de uma avaliação subjetiva e por vezes não comunicam nada (BRITO, 2005). Essa falta de investimento nas pessoas tornou tardia a busca pela separação entre dado, informação e conhecimento. No meio organizacional, em especial, sempre houve certa confusão quanto à distinção entre esses três termos-objeto. A provocação que a gestão do conhecimento traz é para a criação de uma cultura da informação para que todos os funcionários percebam e valorizem a importância do compartilhamento e uso da informação e, dessa forma, para que sejam capazes de gerar conhecimento suficiente para uma posterior inovação (STRAUHS et al., 2012). A partir do final do século XX, quando o mundo da gestão percebeu que o caminho para as organizações do conhecimento estava traçado, estudiosos buscaram definir o que de fato era considerável do ponto de vista do conhecimento organizacional. Esses estudos críticos trouxeram conceitos importantes para nortear a definição dos termos; dados, informação e conhecimento,

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 113 de 143

sobretudo para que as organizações pudessem desenvolver estratégias de investimentos para aporte de capital de maneira específica no que concerne a sua necessidade de maneira pontual. Estudos apresentam definições importantes quanto à qualificação do que seriam considerados os dados para a gestão organizacional. Autores definem que dados são um conjunto de números, ou fatos discretos e objetivos sobre determinado evento. É facilmente quantificado e não diz o porquê de algo que aconteceu, outra característica é não poder prever, de maneira probabilística, a possibilidade de que algo aconteça (DAVENPORT; PRUSAK, 2003). São facilmente obtidos por máquinas na condição de simples observações, são facilmente transferidos e facilmente capturados e estruturados (BRITO, 2005). Dessa forma, dados são como símbolos desconhecidos, registros simples de algum evento, por si só, não transparecem qualquer significado, mesmo quando articulados, não apresentam uma estrutura que determine a dimensão da sua importância. Dados são anotações enxutas sem referência subjetiva. Podem ser adquiridos, capturados ou descartados com facilidade. Sua função é elementar, simplória, por não apresentarem reflexões, sem a presença da subjetividade de um interlocutor, não podem determinar caminhos ou auxiliar na determinação de situações que priorizem alguma ação imediata. Por outro lado, a informação implica haver uma organização de valor que ajuíza de maneira relevante os dados (STRAUHS et al., 2012). A informação tem significado, ela é a relevância e o propósito. Se o criador dos dados adicionar significado, ocorre que naquele contexto não haverá dados, mas informação. A informação é como uma mensagem que pode aparecer na forma de documentos, e-mail, livros, artigos, etc. Propaga-se de maneira audível ou visível. A informação deve mudar a forma como o receptor percebe algo, precisa ter um impacto no juízo ou no comportamento de quem a recebe (DAVENPORT; PRUSAK, 2003). Para se tornar informação, um “dado” exige a mediação humana (BRITO, 2005). A tecnologia da informação evoluiu ao ponto de conseguir tornar dados em informações. É notável a capacidade que os computadores apresentam em unir dados e ligar a situações específicas, trazendo à tela um conjunto de informações que podem ser utilizadas das mais diversas formas para resolver os mais complexos problemas, mas, como máquinas programadas, não são capazes de tratar de maneira subjetiva tais informações. Sem a presença do feeling, essas informações servem apenas para uma solução imediatista e objetiva. Por apresentar característica tão peculiar, em detrimento da perspectiva simplista dos dados, é que a informação vem se tornando um recurso essencial, sobretudo, no gerenciamento de projetos (ANGELONI et al., 2016). Para Davenport e Prusak (2003, p. 5), “computadores podem ajudar a agregar valores e transformar dados em informação, porém raramente ajudam na parte de contexto”. O trabalho de criar contexto para informar está ligado à capacidade humana em conceber a forma necessária aos dados após agregar valor. Ao considerar vários métodos analisados, Davenport e Prusak (2003) propõem cinco formas de agregação de valor, vide quadro abaixo. Quadro - Formas de agregar valor aos dados Método Definição Contextualização Sabemos qual a finalidade dos dados coletados. Conhecemos as unidades de análise ou os Categorização componentes essenciais dos dados. Os dados podem ser analisados matemática ou Cálculo estatisticamente. Correção Os erros são eliminados dos dados. Os dados podem ser resumidos de uma forma Condensação mais concisa.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 114 de 143

Fonte: adaptado de Davenport e Prusak (2003, p.5). Por conseguinte, não podemos dizer que informação é uma coleção de dados, mais que isso, a informação é um dado devidamente processado, enriquecido de possibilidades, organizado em um contexto específico que objetiva fomentar de maneira pertinente soluções para problemas, eventos e processos (STRAUHS, 2012). É importante destacar que, embora enriquecida de significados, a informação não servirá por um longo período se não for trabalhada de maneira adequada pelas pessoas. A maioria das pessoas tem a percepção de que o conhecimento é mais amplo, que é dotado de maior profundidade e mais enriquecido do que dados ou a própria informação. De maneira geral, temos conhecimento como uma mistura de “experiências condensadas, valores, informação contextual, insight experimentado” (DAVENPORT; PRUSAK, 2003, p. 6), que é meditado e trabalho na mente das pessoas conhecedoras. É a informação valiosa dentro da mente humana, inclui além da contextualização, reflexões e sínteses, tem uma estruturação mais difícil e as máquinas podem não capturar (BRITO, 2005). De maneira distinta de dados e informações, o conhecimento para existir se desenvolve ao longo do tempo. Surge em meio às experiências vividas, abrange aquilo que absorvemos de cursos que participamos, da leitura de livros, de processos de orientação com mentores e também do aprendizado puramente informal. Este último, quando nascido da experiência, faz com que reconheçamos padrões que nos são familiares e em meio à aplicação da subjetividade de cada indivíduo, pode fazer inter-relações entre aquilo que está acontecendo no momento e aquilo que já ocorreu no passado (DAVENPORT; PRUSAK, 2003). A partir da perspectiva de conhecimento, especialmente, de que as pessoas são dotadas de conhecimento, que fica evidenciado o novo papel das pessoas nas organizações. Com o advento da valorização do capital intangível, as organizações passaram a ver que seus funcionários não são meras mercadorias substituíveis, mas a capacidade fundamental por trás de toda a sua existência e sucesso. As pessoas, nas organizações, são a fonte de rentabilidade que norteia a viabilidade sustentada. Nas últimas décadas, ficou evidenciado que a versatilidade e o comportamento inteligente de pessoas conhecedoras tornam-se o poder (WIIG, 1997). Considerações finais Esta pesquisa objetivou realizar uma vasta revisão bibliográfica capaz de trazer esclarecimentos quanto a importantes distinções entre: dados, informações e conhecimento, bem como o papel da subjetividade das pessoas no processo de transformar dados em conhecimento. Para tanto, foram consideradas as premissas encontradas na gestão do conhecimento organizacional. As organizações sempre foram formadas por pessoas, não há uma única organização que não tenha sequer uma pessoa em sua estrutura. A única evidência além desta, é que frequentemente pessoas são substituídas por máquinas em algumas tarefas diárias, quer seja em função da complexidade da atividade, pelo risco no exercício da função ou apenas pela contenção de despesas trabalhistas. Nesse contexto, as organizações evoluíram no trato com o funcionário no que se refere a sua capacidade cognitiva. No passado, a perspectiva era de processos engessados que tornavam os funcionários em meras máquinas. Pessoas de capacidade subjugadas, dentro de um contexto no qual havia o modelo de fazer, com todos os movimentos necessários e dentro de um tempo já programado. Os indivíduos eram vistos como meros reprodutores de movimentos. Os dados quanto à produção eram colhidos para avaliar o seu desempenho.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 115 de 143

Posteriormente, ficou notado que essa maneira de avaliação era demasiadamente reducionista e subjugava a capacidade cognitiva das pessoas, desconsiderando sua vivência, sua experiência, sua forma de ver e considerar o modelo de produção, por consequência, sua maneira particular de produzir inovação. A partir da década de 1980, as pessoas nas organizações passam a ter sua subjetividade considerada de maneira positiva, tanto para si, pois passaram a ter reconhecimento como portadoras de um potencial intrínseco, quanto para as organizações, que passaram a adotar medidas para avaliar dados, informações e conhecimento. Dessa maneira, ficou evidenciado às organizações que, para gerar o conhecimento necessário a qualquer processo de trabalho, os funcionários precisariam ser reconsiderados dentro do sistema a partir de sua subjetividade. Em termos práticos, o conhecimento só seria capaz de ser desenvolvido e percebido na medida em que o indivíduo pudesse considerar e avaliar os dados e as informações colhidas na organização dentro de uma perspectiva subjetiva. Esta subjetividade seria rica em experiências e, de certo modo, reflexiva. Por fim, o novo papel das pessoas nas organizações é tornar possível o desenvolvimento organizacional com a aplicação da subjetividade que permeia cada pessoa. A organização dispõe de dados e de informações, mas só com a aplicação da subjetividade que cada indivíduo tem, e em função da reflexão possível por meio desta, é que haverá a formação do conhecimento organizacional. Nos últimos anos, ficou impresso nas mais diversas pesquisas que a versatilidade e o comportamento inteligente de pessoas dotadas de experiência, de informação, de habilidade e de conhecimento, tornaram-se a fonte principal de poder para as organizações. Referências ANGELONI, M. T.; HOMMA, R. Z.; ATHAYDE FILHO, L. A. P.; COSENTINO, A. Gestão da informação e do conhecimento em projetos de pesquisa e desenvolvimento: um estudo de caso. Revista Ibero-Americana de Estratégia - RIAE, v. 15, n. 1, 2016. BRITO, Lydia M. P. Gestão de competências, gestão do conhecimento e organizações de aprendizagem: instrumentos de apropriação pelo capital do saber do trabalhador. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2005. DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Tradução de Lenke Peres. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. DRUCKER, Peter. The Coming of the New Organization. Harvard Business Review, Jan./Fev., p. 4553, 1988. MAXIMIANO, Antônio Cesar Amaru. Introdução à Administração. 8. ed. ver. e ampl. São Paulo: Atlas, 2011. PASTOR, D.; GLOVA, J.; LIPTÁK, F.; KOVÁČ, V. Intangibles and methods for their valiation in financial terms: literature review. Intangible Capital, v. 13, n. 2, 2017. STRAUHS, Faimara do Rocio et al. Gestão do conhecimento nas organizações. Curitiba: Aymará Educação, 2012. TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de administração científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1990. WIIG, K. M. Knowledge Managemente: where did it come from and where will it go? Journal of Expert Systems with Applications, v. 13, n. 1, p. 1-14, 1997. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 116 de 143

RELACIONAMENTOS AMOROSOS/SEXUAIS NO ESPAÇO VIRTUAL: EXPRESSÃO PÓS-MODERNA DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Israela Míriam de Melo57 Rafael da Silva da Cunha58 Mayane Ferreira de Farias59 Mayara Ferreira de Farias60 Resumo O presente artigo apresenta discussões sobre os relacionamentos amorosos/sexuais mediados pela Internet, abordando como essas novas formas de se relacionar virtualmente, presente nas sociedades contemporâneas, expressam características de uma época pós-moderna, implicando ainda, saber quais os motivos do aumento progressivo na procura por estes espaços. Apresenta, efemeramente, como estes relacionamentos são estabelecidos nos espaços virtuais, abordando ainda como o sexo, o amor e o erotismo são expressados nestes espaços. Conclui-se que os relacionamentos amorosos/sexuais mediados pela Internet constituem-se como expressões da pósmodernidade, cujos motivos por essa procura está relacionada à fatores diversos sobre o medo e a insegurança (de ser abandonado pelo(a) parceiro(a) e/ou do compromisso, violência, entre outros), a prevenção (doenças sexualmente transmissíveis, gravidez) e fantasias eróticas e timidez. Contudo, as características dos relacionamentos amorosos/sexuais podem ser descritas como: laços fracos e relações interpessoais. Palavras-chave: Relacionamentos amorosos/sexuais. Espaço Virtual. Pós-modernidade. Resumen El presente artículo presenta discusiones sobre las relaciones amorosas / sexuales mediadas por Internet, abordando cómo esas nuevas formas de relacionarse virtualmente, presente en las sociedades contemporáneas, expresan características de una época posmoderna, implicando, saber cuáles son los motivos del aumento progresivo en la buscando estos espacios. En el caso de las mujeres, la mayoría de las veces, la mayoría de las veces, Se concluye que las relaciones amorosas / sexuales mediadas por Internet se constituyen como expresiones de la posmodernidad, cuyos motivos por esa demanda está relacionada a factores diversos sobre el miedo y la inseguridad (de ser abandonado por el (a) socio (a) y / o del compromiso, violencia, entre otros), la prevención (enfermedades sexualmente transmisibles, embarazo) y fantasías eróticas y timidez. Sin embargo, las características de las relaciones amorosas / sexuales pueden describirse como: lazos débiles y relaciones interpersonales. Palabras clave: Relaciones amorosas / sexuales. Espacio virtual. Posmodernidad.

Discente do Mestrado em Cognição, Tecnologias e Instituições da Universidade Federal Rural do SemiÁrido (UFERSA). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). 58 Discente do Mestrado em Cognição, Tecnologias e Instituições da Universidade Federal Rural do SemiÁrido (UFERSA). Licenciado em Computação e Informática pela UFERSA. 59 Mestranda em Ciência da Computação pelo PPgCC (UERN/UFERSA), Campus Mossoró/RN. Licenciada em Computação e Informática pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA / Campus Angicos. E-mail: [email protected] 60 Professora Substituta do curso de Turismo da UFRN. Graduada e Mestre em Turismo pela UFRN. Graduada em Filosofia pelo ISEP. Especialista em Gestão pública Municipal pela UFPB. Especialista em História e Cultura Africana e Afro-brasileira pela UFRN. Especialista em Educação Racial na Escola (UNIAFRO) – UFERSA. E-mail: [email protected] 57

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 117 de 143

Introdução Vivemos em um mundo sensivelmente diferente daquele em que viviam homens da década de sessenta do século XX. Se houvesse a possibilidade de fazermos uma viagem no tempo, certamente não nos depararíamos com o uso corrente de termos como Internet, Facebook, Instagram, Twitter, Snapchat, Skype, WhatsApp, e-mail, Smartphone, e outras expressões referentes às experiências presentes na vida de milhões de pessoas da sociedade moderna. Parece óbvio afirmar que em épocas diferentes a sociedade vivenciou contextos históricos de acordo com a realidade de seu tempo. Sim, de fato, não há porque levantar dúvidas sobre tal afirmação. Entretanto, o que estamos considerando é que, num curto espaço de tempo e em âmbito global, assistimos e experenciamos transformações significativas no campo tecnológico e dos comportamentos sociais dos indivíduos. O sociólogo Zygmunt Bauman, considerado um dos mais originais pensadores da atualidade, aborda em seus estudos questões referentes às transformações da contemporaneidade na sociedade e os efeitos que estas refletem na vida das pessoas, bem como as mudanças socioculturais que nela se formam. Bauman defende uma tese de que vivenciamos uma modernidade líquida, caracterizada pela fluidez, superficialidade, insegurança e efemeridade com que as coisas e as relações entre os indivíduos estão sujeitas. Assim, examina a passagem de uma modernidade "pesada" e "sólida", ligados aos tempos mais antigos e/ou mais tradicionais em que as relações tendiam a ser mais duradouras e dinâmicas, para uma modernidade "leve" e "líquida", ligados aos tempos hodiernos e de acordo com as características que foram acima mencionadas (BAUMAN, 2004). Desse modo, transformações no âmbito social, político e econômico (re)configuram novos modos de pensar e de se relacionar. O tempo mostrou que a Internet, por exemplo, fazia parte de um conjunto de transformações ligadas a processos ainda maiores. O sociólogo Manuel Castells (1999) ao analisar questões relacionadas ao surgimento e as consequências das tecnologias da informação observou uma nova reestruturação da sociedade capitalista caracterizando-a como um novo paradigma tecnológico, não baseada na simples utilização da informática em atividade de formação, comunicação e gestão, mas em uma mudança na utilização humana da informação. Castells (1999) pensando sobre a questão da informação na sociedade contemporânea, ao analisar mudanças no âmbito do trabalho, observou que as novas tecnologias da informação intensificaram as novas formas organizacionais das empresas, ocasionando a flexibilização organizacional no mundo do trabalho, onde profissões administrativas e especializadas, produtividade e crescimento residem na geração de conhecimentos, substituição de trabalhadores mais antigos por trabalhadores mais jovens e com nível educacional mais elevado, entre outros fatores que, se aproxima de Bauman (2004) quando, em Amor Liquido, aborda a flexibilização nos relacionamentos humanos, os quais tornaram-se, progressivamente, mais individualizados e efêmeros, gerando níveis de insegurança cada vez mais acentuados. Nesse sentido, Bauman busca esclarecer que nesses tempos líquidos, o homem tende a estabelecer vínculos afetivos fracos, especialmente por sentir-se desprovido e inseguro. Para Bauman (2004) a fragilidade dos laços humanos na sociedade líquida representa relações afetivas ambivalentes, por um lado, o desejo pelo amor eterno e pela segurança, por outro, as oscilações químicas relativas ao estado de enamoramento e o medo de perder algo enquanto se está “preso” a alguém. Desse modo, analisa que nas sociedades modernas “as coisas e as relações não mais são feitas para durar; há sempre novos “produtos”, mais modernos, atraentes e estimulantes para serem consumidos” (BAUMAN, 2004, p. 22).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 118 de 143

Nesse sentido, este estudo bibliográfico tem por objetivo apresentar discussões sobre os relacionamentos amorosos/sexuais mediados pela Internet como expressão da sociedade pósmoderna. Não propomos aqui, especificar e/ou citar sites de relacionamentos amorosos e descrever como acontece a comunicação nesses ambientes virtuais, mas, baseados em literaturas, discorrer sobre o assunto proposto, abordando teóricos como: Le Breton (2003), ao abordar, numa perspectiva pós-moderna, a forma como acontece o relacionamento amoroso/sexual no espaço cibernético; Giddens (1993) que discute, numa perspectiva moderna, as transformações da intimidade sexual nas sociedades contemporâneas, expondo que vivemos em uma época em que as consequências da modernidade se radicalizaram, mas não numa época pós-moderna; Freud (1997) ao analisar os mal-estares da civilização (entendemos, pois, a civilização, no contexto da sociedade moderna, conforme nos esclarece Bauman (2008a)), aborda conceitos importantes sobre amor, sexo e erotismo, os quais procuramos contextualizar com os relacionamentos amorosos virtuais; Castells (1999) ao abordar a revolução da tecnologia da informação mostra os efeitos dessa transformação no âmbito social, político e econômico, ocasionando mudanças significativas em novas estruturas organizacionais e suas condições de interação com o novo paradigma tecnológico; Bauman (1998, 2004, 2008a, 2008b), subsidiando-nos com uma literatura importante para compreendermos a fluidez em que os relacionamentos amorosos/sexuais, frutos da sociedade contemporânea, fluem (ou navegam) nos espaços virtuais mediados pela Internet. Surgimento de uma nova cultura virtual e novas formas de sociabilidade Castells (1999) aborda o surgimento de uma nova cultura da virtualidade real na sociedade informacional. Essa nova cultura da virtualidade constitui-se como uma nova forma de sociabilidade mediada através das mídias digitais. A Internet, afirma Castells (1999, p. 445), é um fenômeno social recente que favorece a criação de novas comunidades virtuais que favorecem a expansão e a intensidade de laços fracos e, ao mesmo tempo, “geram uma camada fundamental de interação social para as pessoas que vivem num mundo tecnologicamente desenvolvido”. Castells (1999), ao citar Barry Wellman, (considerado um dos maiores pesquisadores empíricos em sociologia da Internet) apresenta algumas de suas principais descobertas no trabalho sobre comunidades virtuais na Internet, afirmando que o objetivo principal de Wellman é abordar que “comunidades virtuais não precisam opor-se às “comunidades físicas”: são formas diferentes de comunidade, com leis e dinâmicas específicas, que interagem com outras formas de comunidade” (CASTELLS, 1999, p. 444, grifo do autor). Ou seja, demostram que, assim como nas redes físicas pessoais, a maioria dos vínculos das comunidades virtuais são especializadas e diversificadas, conforme as pessoas vão criando seus próprios “portfólios pessoais” (CASTELLS, 1999, p. 444). Nesse sentido, de acordo com Castells (1999), pode-se afirmar que a internet contribui para a expansão de vínculos sociais a partir de uma interação individualizada e, ao mesmo tempo solidária: “os usuários da Internet ingressam em redes ou grupos on-line com base em interesses e valores comuns, e já têm interesses multidimensionais, também os terão em suas filiações on-line” (CASTELLS, 1999, p.445). A Rede é especialmente apropriada para a geração de laços múltiplos. Os laços fracos são úteis no fornecimento e na abertura de novas oportunidades a baixo custo. A vantagem da Rede é que ela permite a criação de laços fracos com desconhecidos, num modelo igualitário de interação, no qual as características sociais são menos influentes na estruturação, ou mesmo no bloqueio da comunicação. De fato, tanto off-online quanto on-line, os laços fracos facilitam a ligação de pessoas com diversas características sociais, expandindo-se assim a sociabilidade para além dos limites socialmente definidos do autoreconhecimento (CASTELLS, 1999, p. 445).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 119 de 143

De acordo com a análise do sociólogo Barry Wellman sobre a sociabilidade entre os laços fracos e laços fortes estabelecidos nas redes sociais, compreende-se que nelas há uma tendência progressiva para a geração de laços fracos múltiplos, no entanto, o pesquisador demonstrou que existem indícios substanciais de solidariedade recíproca na rede, mesmo entre usuários com laços fracos entre si (CASTELLS, 1999). É o caso, por exemplo, dos relacionamentos de amizades estabelecidos em redes sociais como Instagram, Facebook, Twitter, e-mail, entre outros meios eletrônicos de comunicação em que, tendencialmente se estabelecem mais de mil laços interpessoais, no entanto, poucos são considerados íntimos. Sobre os relacionamentos virtuais, próprios das sociedades contemporâneas, Bauman (2004) afirma que as relações virtuais, ao contrário dos relacionamentos mais antigos, [...] parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se deseja que as “possibilidades românticas” (e não apenas românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando-se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de “ser a mais satisfatória e a mais completa”. Diferentemente dos “relacionamentos reais” é fácil entrar e sair dos “relacionamentos virtuais”. (BAUMAN, 2004, p. 8, grifo do autor).

Os relacionamentos amorosos/sexuais e também de amizades mediados pela Internet apresentam efemeridade na medida em que podem ser rompidos ou desconectados em apenas um clique. De acordo com Bauman (2004) e Castells (1999), as relações interpessoais são expressões da sociedade contemporânea, e o aumento progressivo de pessoas que procuram por estes espaços caracteriza relacionamentos individualizados, pois as pessoas tendem a estabelecer suas relações virtualmente sem precisar locomover-se geograficamente, ao contrário, a locomoção pode ser realizada apenas navegando pela internet. Para Castells (1999, p. 445) os laços fracos que estabelecemos na internet através das comunidades virtuais constituem-se laços importantes na medida em que “são fontes de informações, apoio, companheirismo e sensação de aconchego”. Nesse sentido, as comunidades virtuais são redes sociais interpessoais baseadas em laços fracos, diversificadas e especializadas, solidárias e individualizadas, capazes de gerar reciprocidade de apoio por intermédio da dinâmica e interação sustentada pelos seus usuários (CASTELLS, 1999). Nessas comunidades virtuais o amor constitui-se como um laço fraco e interpessoal no sentido de que o interesse e a prioridade pelos relacionamentos nas redes virtuais podem ser facilmente desfeitos na mesma probabilidade em que são construídos efemeramente e/ou tecidas o contato inicial amoroso. De acordo com Bauman (2004, p. 10-11): A súbita abundância e a evidente disponibilidade das “experiências amorosas” podem alimentar (e de fato alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e freqüentemente se acredita) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o acúmulo de experiências que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.

Nesse contexto, os relacionamentos amorosos são fragmentados em um mundo líquido, e a insatisfação leva o indivíduo a buscar incessantemente novos prazeres, pois as possibilidades de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 120 de 143

encontrar um novo amor ou uma nova paquera através da Internet são inúmeras. O medo de perder algo enquanto está comprometido com alguém também pode estar relacionada a paixões passageiras nesse mundo líquido. De acordo com Bauman (2004) os sólidos se derretem nesse momento da modernidade liquida, ou seja, fluída, constituindo-se uma nova configuração da sociedade que obedecem a novos padrões de uma política de vida conduzidas individualmente. O amor, tido como uma vontade de cuidar, e de preservar o objeto cuidado (BAUMAN, 2004) pode ser considerado como objeto de prazeres efêmeros no mundo virtual, assim como relacionamentos reais (físicos) na sociedade contemporânea são rompidos, no ambiente virtual podem ser desfeitos antes mesmo do contato pessoal, evitando-se sofrimentos. No entanto, Donnamaria e Terzis (2009) em uma pesquisa sobre a evolução de vínculos conjugais originados na Internet afirmam que, [...] a Internet não cria, mas possibilita a reprodução de uma série das vicissitudes possíveis na vida off-line com alguns processamentos próprios de um relacionamento à distância, o qual demanda tempo de elaboração demarcado por determinadas etapas, em um processo em que o bem ou mal suceder estão condicionados à maturidade das pessoas envolvidas tanto quanto estão em suas relações presenciais (DONNAMARIA, TERZIS, 2009, p. 8).

Donnamaria e Terzis (2009, p. 08) certificam que “a insegurança será notadamente desfavorável caso as fantasias de desconfiança ganhem valor de realidade e, assim, impeçam o sujeito de avançar em um relacionamento”. Apontam ainda que “encontros entre pessoas expressivamente impulsivas ou hesitantes oferecem pouca chance de um desenvolvimento vincular, inclusive na Internet” (DONNAMARIA; TERZIS, 2009, p. 8). Nesse sentido, casamentos mediados pela Internet, segundo as pesquisadoras, são relacionamentos possíveis e que a maturidade entre os parceiros constitui motivo essencial para sua durabilidade ou rompimento, tanto nos relacionamentos conjugais originados através do ambiente virtual quanto nas relações face a face. Os rompimentos de relacionamentos, as paixões efêmeras, insegurança e medo, parecem constituir, desse modo, expressões da sociedade contemporânea em uma época pós-moderna (conforme Bauman (2004) em uma visão pós-crítica aborda em Amor líquido), independente do relacionamento estar vinculado aos ambientes virtuais e/ou estabelecidos presencialmente. Na sociedade contemporânea a fluidez do amor em um mundo líquido acontece independente dos espaços (virtual e online) em que sejam tecidas as relações amorosas, estes espaços virtuais apenas intensificam através do mundo digital uma forma de se relacionar em que, na sua essência, o amor encontra-se ofuscado, sejam numa relação presencial e/ou virtual. O ambiente virtual constitui-se, assim, como uma nova possibilidade de sociabilidade, conforme bem colocou Castells (1999), onde os vínculos de amizade, amoroso e sexual, são estabelecidos por laços fracos, mas que constituem uma ampla rede de comunicação e interação social que proporciona compartilhamentos de experiência diversas, do sexo à informação. Sexo, erotismo e amor no espaço cibernético As relações amorosas na época dos nossos avós eram mediadas por cartas, além disso, os casamentos eram “arranjados” pelos pais da noiva. O sexo apresentava-se no contexto do casamento e para a reprodução. A virgindade antes do casamento, por parte das mulheres “[...] era apreciada por ambos os sexos. Poucas garotas revelam o fato de permitirem a um namorado uma

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 121 de 143

relação sexual completa – e muitas só admitiam que tal coisa acontecesse se estivessem formalmente comprometidas com o rapaz em questão” (GIDDENS, 1993. p. 19). O sociólogo Anthony Giddens, ao analisar as transformações da intimidade no âmbito da sexualidade nas sociedades modernas, implica uma democratização entre homens e mulheres com relação ao sexo. Enfatiza que essas transformações foram constituindo-se em uma nova configuração de relacionamentos interpessoais amorosos e sexuais. O amor romântico na modernidade, segundo Giddens (1993), está relacionado a uma sexualidade plástica, ou seja, libertando o homem das necessidades da reprodução ligadas ao contexto da família e, por outro lado, é também entendido como uma contracepção da modernidade. O mesmo ainda ressalta como característica que fundamenta a intimidade sexual nas sociedades contemporâneas, a intersubjetividade como elemento dinamizador presente nas novas formas de se relacionar. Novas formas de relacionamentos amorosos, mediados pelo uso das tecnologias, tais como aplicativos, sites de relacionamentos para paquera, chats, redes sociais (Facebook, Instagram, Skype, entre outras), constituem-se como espaços virtuais de conversação frequentemente acessados e, utilizados para fins diversos (relacionamentos de amizade, amoroso e sexual, informação e comunicação) que compõe um complexo campo de entretenimento, no qual a dinâmica da vida contemporânea pauta-se mediante a aceleração e compressão do tempo e espaço a partir de um envolvimento intersubjetivo. O sexo via computador é outro emprego muito utilizado em sites de relacionamentos amorosos. Nesse sentido, Castells (1999, p. 447) aponta: Embora haja um mercado de crescimento rápido na estimulação sexual computadorizada cada vez mais associada com a tecnologia de realidade virtual, a maior parte da atividade sexual via computador ocorre em linhas de conversas, seja em BBSs especializados seja como derivação espontânea de interações pessoais.

Segundo Castells (1999) um dos motivos para o desenvolvimento progressivo da procura do sexo virtual está relacionado a uma forma mais segura que indivíduos encontram para se proteger contra agressões físicas. Além disso, a timidez do indivíduo, de acordo com uma pesquisa citada pelo autor, que foi realizada na Califórnia nos anos 90, apresenta-se como um meio alternativo de expressar suas fantasias sexuais, através da Comunicação Mediada por Computador (CMC)61, uma vez que a interação não é visual e as identidades podem ser ocultadas. De acordo ainda com Castells, o uso da CMC alcançou progressivamente toda a esfera de atividades sociais, tanto no âmbito da interação social casual quanto na formação de comunidades virtuais, que, segundo o autor, são efêmeras do ponto de vista dos participantes. Castells (1999, p. 386, grifo do autor) aponta que essas comunidades virtuais, [...] vivem duas populações muito diferentes: uma pequena minoria de aldeões eletrônicos “residindo na fronteira eletrônica” e uma multidão transitória para a qual suas incursões casuais equivalem à exploração de várias existências na modalidade do efêmero.

Comunicação Mediada por Computador – CMC, popularizada especialmente através da internet, levou o surgimento de comunidades virtuais, que são redes eletrônicas de comunicação interativas organizadas em torno do compartilhamento de interesses ou propósitos (ZOTTO, 2016). Castells (1999), no 5º capítulo do seu livro A sociedade em Rede, abordou sobre os impactos sociais e culturais da CMC a partir de uma perspectiva sociológica. 61

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 122 de 143

O antropólogo e sociólogo francês David Le Breton (2003), ao abordar em seus estudos uma multiplicidade de temáticas sobre o corpo na atualidade, analisou a sexualidade sem corpo no espaço cibernético, mostrando que o sexo virtual prefigura os imaginários telemáticos do amor sem corpo. Conforme apresentou Castells (2009), as fantasias amorosas são meios alternativos que justificam essa nova forma de relacionamento através do sexo virtual. Nessa mesma perspectiva, Le Breton (2003, p.164) afirma que: Nas telas, o sexo transforma-se em texto, aguardando transformações sensoriais que permitem estimular, à distância, o corpo do outro, sem tocá-lo. A reparação da indignidade corporal encontra o androide cibernético suscetível de interagir logo sexualmente e de responder ativamente a todos as fantasias de seu proprietário.

São também apresentados por Le Breton (2003) outros fatores associados ao medo, justificando a escolha que pessoas fazem pelo sexo cibernético, a saber: sexo sem risco de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez; evitam-se paixões ou qualquer forma de apego e responsabilidades; evitam-se julgamentos e vergonha, como o sexo curto ou que não tenha ereção no momento desejado; pode-se ocultar a identidade de gênero, por exemplo, homens podem viver uma experiência de sexo pela Internet se passando por mulheres e estas podem compartilhar dessa experiência com a identidade de homem. Nesse sentido, a opção pelo sexo em ambientes virtuais de relacionamentos apresenta-se como uma experiência segura, evitando-se riscos e medos, característicos dos relacionamentos da pós-modernidade. Pode-se associar o medo e o risco como fatores cruciais que impossibilitam e individualizam progressivamente relacionamentos (amorosos, sexuais e afetivos) face a face. Bauman (2008b) em Medo Líquido, ao analisar as causas do medo nas sociedades contemporâneas, associa aos anseios e inquietações provocadas pela liquidez da sociedade moderna, no qual os indivíduos criam um excesso de cuidado voltado para proteção e segurança, anseiam por segurança e buscam, assim, enfrentar o medo cada vez mais individualmente com escassos e inadequados recursos. Esse medo, embora seja um sentimento de grande inquietação e sensação de aprisionamento dos anseios, Bauman (2008b, p. 11) o associa a experiências passadas “[...] de enfrentamento da ameaça direta - um resquício que sobrevive ao encontro e se torna um fator importante na modelagem da conduta humana mesmo que não haja mais uma ameaça direta à vida ou à integridade”. Nesse sentido, pessoas que experienciam o sexo pela Internet, ainda que não tenham sofrido agressões sexuais, buscam evitá-las, optando por uma nova forma de sexo seguro, anulando frustações, medos e vergonhas que, possivelmente, no encontro amoroso seus desejos e fantasias talvez não os fossem supridos. Nesse contexto, Bauman (2008b, p. 11), esclarece que o medo estar relacionado a [...] uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como o sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 123 de 143 Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína, às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo.

O medo está assim, relacionado às ameaças de “[...] devastar nossos lares e empregos e ameaçando destruir nossos corpos com a súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos e agressões sexuais” (BAUMAN, 2008b, p. 11). Numa perspectiva da pós-modernidade, Bauman (2008b) associa o medo aos efeitos de um mundo líquido, medos da violência urbana, de perda e exclusão do amor do parceiro(a). São características que se aproximam com as abordagens de Le Breton (2003) quando apresenta o sexo virtual como uma nova (re)configuração de relacionamentos amorosos da pós-modernidade. A busca pela felicidade nos tempos hodiernos apresenta-se como fator decisivo na busca pelo sexo virtual, pelo prazer em detrimento da segurança individual, ou pelo sexo seguro. Segundo Freud (1997, p. 24) a felicidade está associada, no sentido mais restrito “a uma satisfação de prazer (de preferência, repentina) de necessidades represadas em alto, sendo, por sua natureza, possível apenas como uma manifestação episódica”. Nesse contexto, as ideias de Baumam (1998) se aproximam também com as de Freud, quando faz as seguintes considerações: Os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais (BAUMAN, 1998, p. 10).

Nesse sentido, podemos considerar os relacionamentos sexuais/amorosos como tipos de prazeres efêmeros da pós-modernidade. A efemeridade do sexo virtual pode ser prolongada e/ou desligada em apenas um clique na medida em que o desejo é suprido. A construção da intimidade amorosa, nesse contexto, através dos chats de relacionamentos amorosos, aplicativos e sites, entre outros, possibilitam novos modos de se relacionar com o outro sem o contato físico, caracterizando os relacionamentos pós-modernos. Segundo Bauman (2008a), o erotismo apresenta-se como um componente que interliga os laços interpessoais dos relacionamentos pós-modernos, cortando os laços que conectam o erotismo ao sexo em função da reprodução (no contexto do casamento). O erotismo libertado de suas restrições reprodutivas e amorosas preenche muito bem os requisitos; é como se ele fosse feito para medir as identidades múltiplas, flexíveis, e evanescentes dos homens e mulheres pós-modernos. O sexo, livre das consequências reprodutivas e das ligações amorosas obstinadas e prolongadas, pode ser incluído na estrutura de um episódio. [...] O erotismo que flutua livremente é, portanto, eminentemente adaptado à tarefa de tender para o tipo de identidade que, da mesma forma que todos os outros produtores culturais pós-modernos, é calculado [...] para obter máximo impacto e obsolescência instantânea (BAUMAN, 2008a, p. 289-290).

No ambiente cibernético, “o texto substitui o sexo e faz a economia do corpo; a excitação verbal é transmitida ao copo inteiro como terminal de prazer” (LE BRETON, 2003, p.172). Há uma enorme quantidade de chats onde é fácil para o internauta paquerar um(a) parceiro(a) virtual em seu “quarto” e levá-lo(a) para outro lugar para escapar do controle dos “guias”. Chegando ao “dormitório” virtual, cada

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 124 de 143 parceiro descreve seus atos e sensações textualmente e metaforiza por exclamações o prazer sentido. O sex-texto, diz M.Dey, é o amor furtivo feito por parceiros invisíveis e que nada vêem, cuja identidade é mascarada por uma mídia (LE BRETON, 2003, p. 172).

O amor dissimulado através do sexo virtual caracteriza uma nova forma de prazer sexual pós-moderno, no qual as relações textuais parecem representar metaforicamente as relações sexuais, eximindo o corpo e exprimindo sensações de prazer através da mente, do imaginário do sujeito que o pratica virtualmente. Alguns casais estremecem pela Internet, longe da troca de casais ou das ligações paralelas; vivem, com todo conhecimento de causa, adultérios virtuais, entregando-se, cada qual pelo seu lado, a experiências de sexo textual com interlocutores desconhecidos com quem compartilham devaneios eróticos. O amor, no espaço cibernético autoriza todas as fantasias porque parceiros não se conhecem pessoalmente, ignoram a idade, a aparência, o sexo um do outro (LE BRETON, 2003, p. 172).

Nesse contexto, a identidade do internauta no ambiente virtual tende a ser ocultada e/ou falseada neste espaço. Conforme discorre Castells (1999), podem incentivar discussões desinibidas, permitindo assim, a sinceridade ou a mentira. Segundo Le Breton (2003) as identidades sexuais dissolvem-se porque nada mais se garante sobre o sexo ou a aparência de seu parceiro em interface, e todos podem assumir inúmeras definições provisórias de si, de acordo com as circunstâncias. Os parceiros delegam sua pessoa na figura de um avatar cuja forma escolhem de acordo com as propriedades físicas desejadas. As carícias são prodigalizadas com os movimentos do mouse. Este autoriza os zoons ou modifica a posição do corpo do avatar do outro. Um estoque de imagens escaneadas de torsos e bacias femininos e masculinos simula uma construção telemática do corpo do parceiro. A pele é uma tela. Até uma conexão vocal é possível via internet para criar a atmosfera alquímica do estímulo cerebral e de excitação sensorial [...] (LE BRETON, 2003, p. 173-174).

O amor, no sexo virtual, apresenta-se como o amor ao próprio corpo, pois ao tocar no corpo do outro o internauta conhece o seu próprio corpo, descobrindo sensações de prazer num sexo, aparentemente, solitário e materializado através de sensores digitais (LE BRETON, 2003). Freud (1997, p. 32) afirma que o amor sexual nas sociedades modernas nos proporciona “uma transbordante sensação de prazer”, fornecendo um modelo para a busca de felicidade. A beleza ocupa lugar secundário no sexo, basta observar “que os próprios órgãos genitais, cuja visão é excitante, dificilmente são julgados belos” (FREUD, 1997, p. 32). É importante ressaltar que Freud em O mal-estar da civilização, ao tratar sobre assuntos referentes à modernidade, utilizava o termo civilização no contexto da modernidade e, nesse sentido, previa também características de uma pós-modernidade, embora não menciona esse termo. De modo semelhante, Giddens (1993) embora aborde as transformações da intimidade sexual nas sociedades numa perspectiva moderna, apresenta algumas características semelhantes da pósmodernidade. O pensamento de Freud (1997) e Giddens (1993), nesse sentido, aproximam-se dos temas que Bauman (1998) (especialmente quando aborda a passagem da sociedade moderna para uma era pós-moderna) e Le Breton (2003) discutem numa perspectiva da pós-modernidade. Nos relacionamentos sexuais virtuais, a beleza é ofuscada, uma vez que os internautas têm suas identidades ocultadas. A sexualidade transforma-se em textualidade e a excitação verbal é transmitida ao corpo. Os avatares ou imagens não representam beleza, mas estimulam prazer. Vale ressaltar que Freud (1997) fala no contexto ainda da modernidade, e que os relacionamentos sexuais cibernéticos, segundo Le Breton (2003), é uma produção sociocultural da pós-modernidade, nesse

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 125 de 143

sentido, quando Freud fala na busca pela felicidade no sexo através do amor como uma sensação de prazer ele fala no contexto das sociedades modernas, no entanto, na pós-modernidade, a felicidade nas relações amorosas/sexuais constitui-se como prazeres efêmeros, onde o amor se extingui. Nesse sentido, podemos citar Bauman (2008a), quando afirma que na pós-modernidade, [...] a atividade sexual está concentrada estritamente no efeito orgástico; [...] Sua tarefa suprema é fornecer um Eslebnisse mais forte, infinitamente variável, de preferência novo e sem precedentes; contudo, pouco pode ser feito nesse campo, e assim a experiência sexual definida permanece para sempre uma tarefa para mais adiante e nenhum experiência sexual real e verdadeiramente satisfatória, nenhuma elimina a necessidade de mais treinamentos, instruções, conselhos, receios, drogas ou aparelhos (BAUMAN, 2008a, p. 284-285).

A desconstrução dos relacionamentos pós-modernos separa o erotismo da reprodução sexual e do amor, oferecendo à imaginação e às práticas eróticas uma liberdade de experimentação jamais gozada (BAUMAN, 2008a). Le Breton (2003) afirma que no sexo virtual, as fantasias eróticas são essencialmente criadas pela mente do internauta, assim, diz que a função do cérebro é indispensável nessa comunicação para a produção do prazer. Neste contexto, Freud (1997, p. 30), afirma que, [...] a satisfação é obtida através de ilusões, reconhecidas como tais, sem que esse verifique a permissão para que a discrepância entre elas e a realidade interfira na sua fruição. A região onde essas ilusões se originam e a vida da imaginação [...]. À frente das satisfações obtidas através das fantasias ergue-se a fruição das obras de arte [...].

Nas relações sexuais virtuais a satisfação, conforme já exposto por Castells (1999) e Le Breton (2003), se estabelecem no contexto das fantasias, do imaginário, assim como a satisfação está ligado ao fazer artístico, no sentido da imaginação e das ilusões desse imaginário que provocam o prazer, conforme abordou Freud (1997). Nesse contexto, podemos compreender a arte, como fruto da imaginação do artista, e no espaço virtual os avatares são como artes, fantasiadas e/ou imaginadas pelo internauta no ato sexual. Nesse sentido, o sexo virtual é metaforicamente real na medida em que proporciona sensações de prazeres reais, sem contato físico com o corpo do outro. Nessas experiências “o corpo só é necessário como local de conexão” (LE BRETON, 2003, p. 179), tornando-se supérfluo. Os desejos do homem podem ser supridos em apenas um clique através de uma linguagem programada, sem necessidades de sair de casa e de se deparar com os acasos da sedução e do encontro. “O único risco do sexo cibernético é o de um curto-circuito no dispositivo ou no fio desencapado nos vibradores” (LE BRETON, 2003, p. 177). Considerações finais Os relacionamentos amorosos/sexuais no espaço virtual constituem-se na sociedade contemporânea expressões da pós-modernidade. O relacionamento amoroso/sexual configura uma nova forma de se relacionar em que o imaginário constitui fantasias no sexo virtual e os medos podem estar implicados a fatores diversos como: medo de ser abandonado pelo(a) parceiro(a), medo do compromisso e das responsabilidades. Segundo Bauman (2008b) o medo do inesperado, do amor não correspondido e/ou o medo de ser abandonado pelo(a) parceiro(a) tornam-se motivos das relações efêmeras na sociedade contemporânea.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 126 de 143

De acordo com Le Breton (2003) as fantasias amorosas e a timidez também são fatores que influenciam na procura dos sujeitos pelo sexo virtual. O sexo virtual constitui-se como um preservativo nas sociedades pós-modernas, evitando doenças sexualmente transmissíveis e gravidez não desejada. No espaço cibernético, ainda segundo Le Breton (2003) o sexo é materializado através de cliques e combinações sensoriais. O corpo não significa objeto de prazer, mas sim a mente, e nela, a imaginação erótica é fantasiada e o prazer cerebral é comunicado ao corpo. De acordo com Giddens (1993) as transformações da intimidade identificam que as práticas sexuais são produtos disponíveis no supermercado cultural. A Internet é veículo para o sexo cibernético. Para Castells (1999) os ambientes virtuais constituem-se como novas formas de sociabilidade em que os laços fracos são formados e a interação social é fortemente interconectada através de compartilhamentos, informações e conversações, ideias que se aproximam de Baumam (2004; 1998), quando menciona tais características da pós-modernidade de liquidez. Nesse sentido, a fragilidade, insegurança e instabilidade nos relacionamentos amorosos/sexuais, instigados com a presença da comunicação virtual, estabelecem progressivamente o aumento de laços fracos e interpessoais que justificam uma nova forma de se relacionar, supostamente, mais segura. Referências BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Trad. José Gradel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008a. ______. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. ______. Medo líquido. Trad. Carlos Aberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008b. ______. O Mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. V. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DONNAMARIA, Carla Pontes; TERZIS, Antonios. Sobre a evolução de vínculos conjugais originados na Internet. Arquivos Brasileiros de Psicologia. v. 61, n. 3, p. 1-10, 2009. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997. 116 p. GIDDENS. Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: UNESP, 1993. LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 2003. ZOTTO, Ozir Francisco de Andrade. A Internet e a sociedade em rede. 2016. Disponível em: Acesso: 29 nov. 2016. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 127 de 143

A EDUCAÇÃO MEDIADA PELA TECNOLOGIA: ESTUDO DE CASO COM OS DOCENTES DE UMA ESCOLA ESTADUAL DO MUNICÍPIO DE NOVA VENÉCIA/ES José Júnior de Oliveira Silva62 Luana Frigulha Guisso63 Resumo O presente artigo é parte da pesquisa da dissertação do mestrado profissional em “Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Regional” e tem como objetivo verificar como os docentes articulam as TIC ao processo de ensino-aprendizagem. Para o diagnóstico foi utilizada a metodologia de natureza qualitativa. Aplicou-se um questionário para os participantes e depois foi realizado o Grupo Focal (GF) com os profissionais que responderam o primeiro instrumento de coleta de dados. Os resultados apontaram que os docentes acreditam na inserção das TIC como ferramenta no auxílio do processo de ensino-aprendizagem, porém não utilizam com frequência por falta de capacitação técnica. Palavras-chave: Trabalho docente. Educação e tecnologia. Pedagogia democrática. Abstract This article is part of the research of the dissertation of the professional master's degree in "Social Management, Education and Regional Development" and aims to verify how the teachers articulate the TIC64 to the teaching-learning process. For the diagnosis, the qualitative methodology was used. A questionnaire was applied to the participants and then the Focus Group (GF) was carried out with the professionals who answered the first data collection instrument. The results showed that teachers believe in the insertion of TIC as a tool to aid the teaching-learning process, but they do not use it often because of lack of technical training. Key-words: Teaching work. Education and technology. Democratic pedagogy. Introdução A rede mundial de computadores está favorecendo o fenômeno da proliferação de informações levando a formação e desenvolvimento de uma nova sociedade, onde ocorre a troca coletiva de saberes. A base desta nova sociedade se baseia na habilidade de se gerar, processar e aplicar as informações e os conhecimentos. Essas características influenciam diretamente a estrutura atual na educação. Sendo assim, com o advento das tecnologias em função da sociedade da Informação e do conhecimento esta pesquisa tem como problema de investigação: “Como vem sendo a percepção dos professores, da E.E.E.M Dom Daniel Comboni, para usar as tecnologias no contexto escolar?” e “como o ProInfo pode contribuir na formação continuada dos profissionais da educação?”.

Mestre em “Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Regional”, pela Faculdade Vale do Cricaré. Professor da Faculdade Capixaba de Nova Venécia. Artigo desenvolvido com base na pesquisa da dissertação do mestrado. 63 Professora orientadora da pesquisa da dissertação do mestrado de José Júnior de Oliveira Silva. Professora nos programas de pós-graduação stricto sensu em “Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Regional” e de “Ciência, Tecnologia e Educação”, ambos da Faculdade Vale do Cricaré. 64 Tecnologia da Informação e Comunicação. 62

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 128 de 143

Partindo deste pressuposto, justifica-se a escolha da área para a pesquisa sobre “Educação mediada pela Tecnologia”, na etapa final da educação básica, Ensino Médio, deu-se pelo fato de o pesquisador ser professor orientador de estágio supervisionado, do curso de Licenciatura em Letras: Português – Inglês e do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da Faculdade Capixaba de Nova Venécia, e devido aos argumentos dos orientandos sobre as dificuldades em utilizar as tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido e com o advento das tecnologias, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar como os professores da área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, da Escola Estadual de Ensino Médio “Dom Daniel Comboni”, veem a inserção das TIC no processo de ensinoaprendizagem. Referencial teórico Proinfo-mec: programa de formação continuada para o uso didático das tecnologias Segundo o portal do Ministério da Educação (BRASIL, 2014), o ProInfo Integrado é o Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional com o objetivo de promover a formação continuada de profissionais em relação à utilização didático-pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação no aprendizado escolar; o programa contempla, ainda, a distribuição de equipamentos tecnológicos nas escolas; a disponibilização de conteúdos e recursos digitais, de multimídia65 e a interação com outros recursos tecnológicos. Silva e Barbosa (2012) escrevem que o ProInfo foi criado pela Portaria nº 522/1997-MEC e surgiu como uma preocupação do governo federal em buscar promover a inclusão digital nas escolas públicas brasileiras, bem como a utilização pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação. De fato, as políticas públicas têm procurado estimular a inclusão digital de forma ampla, por meio da disponibilização e oportunização de meios para formar cidadãos ativos, críticos e corresponsáveis pelo contexto em que se encontram inseridos, não bastando a estes somente estarem interligados às redes em patamares de igualdade. Nesse contexto, “o ProInfo visa a capacitação de recursos humanos divididos em dois níveis: multiplicadores e professores nas escolas” (BETTEGA, 2004, p. 33). Com base no relatório da DIED/SEED/MEC (2002), os multiplicadores, pessoas responsáveis para desenvolver a capacitação dos professores, foram escolhidos entre profissionais das redes públicas de educação e que frequentaram cursos de especialização em lócus acadêmico e, depois, capacitaram outros professores para executar o programa no ambiente educacional. Para tanto, a criação do Programa Nacional de Informática na Escola, segundo Moraes (2008), foi devido ao diagnóstico levando sobre o cenário educacional brasileiro e pela primordialidade em diminuir os índices de pessoas que não sabem ler e escrever. Ressalta-se ainda que a influência do cenário internacional que aconteceu no final do século XX, estimulado pelos avanços da tecnologia e ciência que colaboraram para caracterizar a cultura nacional e, por conseguinte o contexto escolar. Com a finalidade de facilitar a preparação dos laboratórios de informática, o Ministério da Educação, por meio do ProInfo, disponibilizou duas cartilhas com recomendações para a

65Para

Mayer (2005) é a aprendizagem das palavras (por exemplo, texto falado ou impresso) e imagens (por exemplo, ilustrações, fotografias, mapas, gráficos, imagem ou vídeo). Assim, recurso tecnológico que possibilita a utilização integrada de vários meios de representação e comunicação da informação, as mídias [mídia é propor caminhos para que a mensagem chegue ao público-alvo (LUPETTI, 2001)]. Um aparelho de multimídia utiliza pelo menos duas diferentes mídias de representação em um mesmo serviço.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 129 de 143

montagem dos equipamentos e ambientes educacionais que se utilizam as TD, as Cartilhas ProInfo: uma refere-se à preparação dos laboratórios nas escolas urbanas; a outra, em escolas rurais. Cursos de formação continuada do ProInfo Conforme o portal do Ministério da Educação (BRASIL, 2014), os cursos oferecidos de formação continuada de professores e gestores escolares, com o objetivo de capacitá-los na utilização dos recursos didático-pedagógicos das TD, são os seguintes: 1. Introdução à Educação Digital, com carga horária de 60h: Esse curso tem a finalidade de preparar profissionais para a inserção digital dentro do contexto escolar, preparando-os para utilizarem os recursos e serviços ao utilizar computadores com sistema operacional Linux Educacional, dos softwares livres e da Internet. Por conseguinte, outro intuito do ProInfo Integrado é proporcionar reflexão sobre o impulso das tecnologias digitais perante a sociedade e no ensino. 2. Tecnologias na Educação: Ensinando e aprendendo com as TIC, com carga horária de 60h: Essa capacitação tem por objetivo capacitar à utilização de ferramentas didáticopedagógicas para que os professores e gestores escolares compreendem a potencialidade na construção do processo ensino-aprendizagem ao utilizar dos recursos das TIC no contexto escolar. 3. Elaboração de Projetos, com carga horária de 40h: Através deste curso, os professores e gestores escolares poderão verificar as contribuições das TIC para a elaboração de projetos nas salas de aulas; poderão perceber o valor do trabalho com projetos, aprendendo formas de agregar as tecnologias no desenvolvimento de trabalhos na unidade de ensino; terão competências e habilidades para analisar o currículo na expectativa de integração com as TIC; poderão planejar e desenvolver o Projeto Integrado de Tecnologia no Currículo (PITEC); utilizarão os mapas conceituais ao trabalho com projetos e tecnologias, como estratégia para facilitação do processo de ensino-aprendizagem. 4. Redes de Aprendizagem, com carga horária de 40h: Este curso tem o objetivo de capacitar os profissionais da educação para perceber o papel da escola frente à cultura digital, proporcionando-lhes competências para utilizar as novas mídias sociais no ensino. Para complementar o processo, temos o Proinfo Integrado, além dos cursos de formação continuada, estabelece o Projeto Um Computador por Aluno (UCA), em parceria com as Instituições de Ensino Superior e secretarias de educação, pelo qual busca preparar os participantes para a utilização dos programas do laptop educacional, propondo atividades que proporcionem uma melhor compreensão das potencialidades de quem participa do projeto (BRASIL, 2014). Com o funcionamento dos laboratórios e a participação dos professores nos cursos oferecidos, torna-se possível a utilização dos subsídios disponibilizados, a fim de proporcionar aos alunos uma formação pedagógica que esteja inserida no novo contexto da sociedade da informação. Busca-se, através deste programa de inclusão digital, a formação necessária para que os profissionais auxiliem na expansão da utilização das TIC nas escolas públicas brasileiras, como forma de se proceder à eliminação da exclusão digital que abrange grande parte das camadas populares da sociedade (ANDRADE e LIMA, 2012). É necessário permitir às crianças que realizem atividades pedagógicas nos laboratórios de informática conectados em rede, além de outros recursos educacionais. Tal perspectiva permite a

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 130 de 143

familiarização com as TIC e TD, o professor permite levar e proporcionar aos estudantes conhecimentos na área de tecnologia e os alunos poderão utilizar no seu cotidiano, ultrapassando os muros escolares e alastrando-se para outros espaços, como sua comunidade. Silva e Barbosa (2012) escrevem que as práticas didático-pedagógicas inovadoras se efetivam quando são oferecidas às instituições de ensino os instrumentos para promover o uso e a disseminação dos recursos existentes. O programa brasileiro de informática na educação tem contribuído de forma significativa para a efetivação dessas práticas no cotidiano escolar. Neste sentido, busca-se aprimorar a prática do Professor(a) e o uso das tecnologias educacionais. Análise dos resultados Articulação das tic no processo de ensino-aprendizagem As informações nesse bloco têm como objetivo verificar como os professores fazem a articulação das TIC no processo de ensino-aprendizagem, sendo que 100% da opinião da amostra coletada, acredita que as tecnologias podem contribuir no processo da construção do conhecimento do estudante, informação constatada no questionário e no GF. Com isso, salienta-se a importância de levantar as informações referentes à utilização de algum tipo de programa de informática (Figura 1).

Figura 1 - Já utilizou algum programa de informática com seus alunos? Verifica-se na Figura 1 que, 90% dos entrevistados já utilizaram algum tipo de programa de informática dentro da prática pedagógica, porém 10% da amostra nunca utilizaram algum programa de informática. Destaca-se ainda que nunca utilizaram esses recursos, pois não se sentem preparados(as) para manusear estes equipamentos com os alunos, conforme relato do(a) Professor(a) F, “estou em final de carreira, não existe uma forma pedagógica para ser aplicada, assim o profissional pode escolher a melhor metodologia para poder realizar o processo de ensino-aprendizagem.” Porém, no decorrer do GF outros professores demonstraram a preocupação de proporcionar momentos significantes dentro da escola e que as tecnologias podem mediar na transmissão dos conteúdos. Assim relata o(a) Professor(a) A “nossos jovens não podem ser considerados seres passivos, mas ativos, as tecnologias estão no dia a dia deles, por meio da internet, celular, redes sociais etc. Nós professores não podemos desconsiderar esse contexto ao qual a sociedade está inserida, precisamos atender esses novos desejos e novos saberes – mas para isso precisamos de tempo para capacitação”. Nesse ínterim, a Figura 2 destaca-se a frequência que estes docentes utilizam as mídias digitais na prática.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 131 de 143

Figura 2 - Qual a frequência que você utiliza as mídias digitais nas suas aulas? Para tanto, infere-se ainda que, 70% relatou que faz o uso das mídias digitais de 1 a 3 vezes no mês e que 20% entre 4 e 6 vezes por mês (Figura 2). Ao utilizar as TIC no processo de ensinoaprendizagem o Professor(a) Acredita que algum estímulo é gerado no aluno, principalmente quando ocorre a troca de saberes e na cooperação entre as partes, quando se enfrentam os riscos e na aceitação das diversidades (SANCHO e HERNÁNDEZ, 2006), é válido mencionar ainda que 10% da amostra que não utilizam esses recursos na construção da prática pedagógica, pois acreditam que a TIC não contribui significantemente no processo de ensino-aprendizagem, pois “as TIC fazem tudo e o profissional acaba ficando dependente e acomodado em seu trabalho” (relatos do(a) Professor(a) F). Durante o GF observa-se que todos foram unânimes em afirmar que estas tecnologias servem para motivação e contribuem para o processo de aprendizagem mais rápido. Com base nos estudos de Sancho e Hernández (2006), quem acredita que utilização das multimídias no processo de ensino-aprendizagem, em suas várias possibilidades, melhora a motivação e o rendimento dos alunos, inclusive do professor, ou seja, as duas partes são favorecidas na inclusão das tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. Pedagogia democrática na inclusão das tic Esse bloco tem como objetivo verificar as informações sobre a pedagogia democrática dentro da escola, se ela favorece um ambiente democrático onde todos são inseridos no processo. Assim, nas Figuras 3 e 4 são apresentados os resultados sobre o apoio pedagógico institucional para aplicação das TIC. TIC.

A Figura 3 questiona se os professores têm algum suporte da escola para a utilização das

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 132 de 143

Figura 3 - Você tem algum suporte da escola para a utilização das TIC? Nesta perspectiva, observa-se que 70% dos docentes entrevistados alegaram que têm suporte da escola para a utilização das TIC no processo de ensino- aprendizagem, porém 30% deles informaram que não têm este suporte. No momento do GF verificou-se, perante relatos de alguns professores, que esta visão trata-se da disponibilidade, pois os recursos disponíveis são poucos e os computadores, do laboratório de informática, são insuficientes para atender toda a escola. Já a Figura 4 destaca a pedagogia democrática na inserção das TIC no contesto educacional.

Figura 4 - A gestão da escola favorece uma pedagogia democrática na inserção das TIC? Com base na Figura 4, verifica-se que 80% dos entrevistados acreditam que a gestão escolar favorece uma pedagogia democrática na inserção das TIC no contexto educacional, porém 20% não acreditam, isto pode ter acontecido talvez devido ao fato de os relatos, durante o GF, que tem apenas 20 computadores operando (funcionando) no laboratório de informática. Fato este que pode estar desestimulando alguns dos professores. É importante mencionar ainda que os professores que participaram do GF destacaram o comprometimento da gestão escolar na inserção das tecnologias no contexto educacional, que “estão sendo feitas compras de recursos tecnológicos para serem colocados nas salas, como Datashow, e que a escola já possui um quadro digital como ferramenta para a construção da aula”, informações prestadas pelo Professor(a) D. Para tanto, “o ensino democrático não é só aquele que permite o acesso de todos os que o procuram, mas, também oferece a qualidade que não pode ser privilégio de minorias econômicas e sociais” (CUNHA, 1987, p. 6).

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 133 de 143

Proinfo como política pública de formação continuada Como destacado no decorrer dessa pesquisa o ProInfo Integrado é uma política pública, de formação continuada, para capacitar professores na inserção das TIC dentro da escola. Nesse contexto, é importante verificar se os professores conhecem a finalidade desse programa, assim como se já realizaram algum curso oferecido neste programa do Governo Federal em parceria com os Estados e Municípios. Assim, a Figura 5 irá mostrar se os professores sabem da finalidade do ProInfo.

Figura 5 - Você sabe qual a finalidade do PROINFO? Destaca-se que 80% dos entrevistados afirmaram saber qual a finalidade desta política pública, mas que ainda 20% dos professores não a conhecem (Figura 8).Para os 20% que não sabem da finalidade foi constatado que: 10% referem-se aos profissionais que nunca utilizaram a tecnologia no processo de ensino-aprendizagem; para os outros 10% realmente não sabiam deste programa, mas que já fizeram a mediação prática docente com as tecnologias. Salienta-se ainda que no município de Nova Venécia há o Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) que oferece todos os cursos do ProInfo Integrado, atua com o UCA e presta a assessoria na implantação dos laboratórios de informática nas escolas de educação básica pública. Neste diapasão verifica-se ainda se os professores já realizaram algum curso pelo ProInfo, como demostra a Figura 6.

Figura 6 – Você já fez algum curso pelo PROINFO?

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 134 de 143

Observa-se que apesar de muitos terem conhecimento da finalidade do ProInfo, apenas 20% deles se beneficiaram com o programa, conforme mostra a Figura 6. Com base nas respostas ao questionário, os cursos realizados foram: “Introdução à educação digital” e “Tecnologias na Educação: aprendendo e ensinando com as TIC”. Vale mencionar que durante o GF um docente relatou que o “PROINFO é um programa super válido e que realmente faz a capacitação dos professores para a inserção das TIC na escola, porém, às vezes pela falta de tempo e incompatibilidade dos horários somos impossibilitados para fazer essas formações, o ideal seria cursos intensivos durante o final de semana”, citação do professor(a) E. O ProInfo é uma política que está inserida nos moldes da Educação a Distância, onde o aluno tem os encontros presenciais, porém a maior parte de seus estudos é realizada em qualquer lugar do mundo que tenha internet por meio de uma plataforma online. Porém, os encontros presenciais acontecem durante a semana e pela manhã, o que pode também estar dificultando o acesso ao programa. Ressalta-se que esta dificuldade de acesso ao programa é agravada pela jornada de trabalho dos profissionais do magistério. Os professores acabam assumindo carga horária maior66, podendo chegar até três turnos de jornada de trabalho, para poder conseguir ter um retorno financeiro minimamente satisfatório para estruturar a vida particular. Assim, estes três turnos de trabalho interferem na formação continuada do profissional da educação pela indisponibilidade de tempo para a capacitação. Considerações finais É importante estar conectado nos fundamentos da cibercultura, onde se tem o avanço com as mídias e as tecnologias, produzindo a interação com o conhecimento no devir da hiperconectividade. O Governo Federal disponibiliza uma política pública específica para capacitação e inserção das mídias digitais no contexto escolar, por meio de formação continuada, com base nos dados, levantados, nessa pesquisa, conclui-se que a maioria dos professores possui conhecimento do programa PROINFO, porém não realiza cursos devido à falta de tempo, uma vez que os cursos são oferecidos durante a semana e no período matutino. Portanto, com base nos objetivos levantados, conclui-se que a pesquisa averiguou que os professores da área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, da Escola Estadual de Ensino Médio “Dom Daniel Comboni”, sabem da importância e acreditam na inserção das TIC como melhoria no processo de ensino-aprendizagem, porém, não aderiram, efetivamente, a sua práxis. Há a necessidade de fazer a sua motivação e prover infraestrutura adequada para que os discentes possam usar ambientes virtuais de aprendizagem, ferramentas e aplicativos educacionais (softwares educacionais). Verificou-se também que há uma falha no incentivo da utilização da política pública específica de formação continuada para a inserção das TIC no contexto educação, ProInfo e a falta de acesso dos profissionais, principalmente pela jornada de trabalho, para realizar a formação continuada junto ao programa. Nesse sentido, fazer a capacitação dos professores, estimular a formação continuada para a utilização das ferramentas tecnológicas no processo de ensino-aprendizagem, divulgar amplamente o ProInfo, são atitudes que podem elevar a qualidade das aulas dos professores, nas quais eles poderão sair do sistema tradicional de ensino e utilizar novos recursos para disseminar o conhecimento junto aos seus alunos.

66DAL

ROSSO, Sadi. Jornada de Trabalho. In. OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Maria Cancella; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. (Org.). Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG / Faculdade de Educação, 2010.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 135 de 143

Para trabalhos futuros, identifica-se a importância de promover meios para ampliar a divulgação do ProInfo e adaptar o programa para atender os profissionais do magistério, que ficam impossibilitados de realizar a capacitação devido à ampla jornada de trabalho. Assim, pode-se promover as formações no próprio ambiente da escola, em parceria com o NTE, durante as semanas de capacitação pedagógica, geralmente nos meses de Fevereiro e Julho – devido as férias / recessos escolares. Além disto, verifica-se outra alternativa em oferecer os cursos em regime modular, sendo ofertado a cada quinze dias aos sábados ou uma vez por mês, durante um final de semana, no próprio NTE. Referências bibliográficas ANDRADE, T. N.; LIMA, M. C. (orgs). Desafios da inclusão digital – Teoria, educação e políticas públicas. Col. Mídia e Sociedade. São Paulo: Hucitec, 2012. BETTEGA, Maria Helena Silva. A educação continuada na era digital. São Paulo: Editora Cortez, 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Secretária da Educação a Distância - SEED. Departamento de Informática na Educação a Distância - DIED. Relatório de atividades 1996/2002. Brasília-DF, 2002. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. RESULTADOS FINAIS DO CENSO ESCOLAR 2014. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), BRASÍLIA, 2014. DISPONÍVEL: . ACESSO EM: 30 MAIO 2015. CUNHA, Luiz Antônio. A educação na nova Constituição. Revista da Ande, São Paulo, v. 6, n. 12, 1987. LUPETTI, M. Planejamento de comunicação. São Paulo: Futura, 2001. MAYER, R. E.The Cambridge Handbook of Multimedia Learning. 3. ed. Santa Bárbara: Universty of Califórnia, 2005. MORAES, Ubirajara Carnevale (org.). Tecnologia Educacional e Aprendizagem: O uso dos Recursos Digitais. São Paulo: Livro Pronto, 2008. SANCHO, Juana Maria, HERNÁNDEZ, Fernando. Tecnologias para transformar a Educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. SILVA, M. L. S.; BARBOSA, E. T. A implantação do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) em uma escola pública municipal na cidade de Lagoa de Dentro no Estado da Paraíba: Desafios e perspectivas. 2012. 25 p. Monografia (Especialização em Gestão Pública Municipal). Universidade Federal da Paraíba-UFPB, Paraíba. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 136 de 143

A PERCEPÇÃO DO CONSUMIDOR SOBRE O MARKETING DE RELACIONAMENTO EXERCIDO POR CELINO NETO Julia Kesia do Nascimento Fonseca67 Mayara Ligia Fernandes dos Santos68 Kettrin Farias Bem Maracajá69 Resumo O marketing de relacionamento seria o meio pelo qual a empresa foco procura criar uma relação com o seu mercado a fim de obter relacionamentos lucrativos e duradouros e que para isso esta empresa oferece aos seus clientes uma certa vantagem, assim obtendo uma relação ganha-ganha. Este artigo tem por objetivo analisar o impacto do influenciador digital ao seu público, tomando-se como objeto de estudo o colunista social Celino Neto, idealizador e dono do Portal Celino Neto. A pesquisa é classificada como descritiva além de ter caráter qualitativo, uma vez que esta descreve, procura entender e explicar um determinado fenômeno, que neste caso é o marketing de influência exercido pelo influenciador digital. Este estudo apresenta a entrevista realizada com a empresária Mariana Arruda, representante da Rutra Menswear uma das lojas parceiras de Celino Neto, com o intuito de atingir o objetivo geral do mesmo. Em termos gerais, foi obtido como resultado que um influenciador digital pode impactar diretamente na decisão de compra do consumidor da loja parceira, fazendo com que a contratação dos serviços desse profissional seja uma ação estratégica, desde que ele atinja o público-alvo da empresa em questão. Palavras-chave: influenciador digital, marketing, Celino Neto. Introdução A partir da globalização, as empresas sentiram a necessidade de se reinventarem. Em conseguinte, o marketing aplicado por estas também se renovou fazendo com que surgissem novos tipos, adaptados primordialmente aos novos meios de comunicação. “As transformações no marketing são impulsionadas pelo enorme poder e pela disseminação onipresente da tecnologia” (MCKENNA, 1991 p.1). Assim, surgem os digital influencer, a profissão em ascensão no momento, que exerce uma função de extrema importância para a qualidade do marketing de relacionamento utilizado pelas empresas atualmente. Os influenciadores digitais são pessoas capazes de induzir o consumo de produtos e serviços, de modo que a empresa parceira se beneficie dos seus serviços, uma vez que há grande probabilidade que os seguidores desta pessoa venham a consumir os produtos ou serviços da loja. Segundo Beis e Siva (2015 p. 9) “o sucesso alcançado pelo influenciador está diretamente relacionado ao seu conteúdo e a forma que ele o faz”. Assim, antes de uma loja contrar os serviços de um digital influencer ela precisa analisar se o mesmo possui afinidade com o segmento e até mesmo se já possui postagens relacionadas. Mesmo que as empresas venham contratando cada vez mais esse tipo de serviço, não se tem conhecimento de nenhum estudo na cidade que verifique os benefícios do trabalho feito pelo Graduanda em administração pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Graduanda em administração pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). 69 Doutora em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Professora do Curso de Administração da UFCG; [email protected] 67 68

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 137 de 143

influenciador digital para suas parceiras. Assim como não se tem conhecimento de nenhum estudo feito sobre a percepção que os gestores das empresas possuem acerca dos benefícios que o trabalho do digital influencer trás para a empresa. Neste sentido, torna-se pertinente a realização de estudos na área a fim de entender de que forma um influenciador digital pode impactar o seu público? Sendo assim, para responder a esse problema o objetivo geral do artigo foi analisar o impacto do influenciador digital ao seu público. Como objetivos específicos procurou-se: (i) identificar os principais nichos de influência; (ii) definir a importância dos serviços prestados para a empresa e (iii) especificar como o consumidor de cada nicho se sente influenciado. O artigo inicia-se trazendo o conceito de marketing tradicional de modo que o leitor entenda a base do mesmo, para que assim seja possível entender os demais conceitos relacionados a marketing. Após se ambientalizar um pouco com os conceitos tem-se a metodologia e a apresentação dos resultados com a análise dos dados que aborda dois tópicos, o primeiro deles aborda o meio e nível de conhecimento que o voluntário tem de Celino Neto, já o segundo aborda o trabalho em si do influenciador em estudo, além dos níveis de influência que este exerce. Por fim, são apresentadas as considerações finais e as referências bibliográficas que foram utilizadas ao longo do trabalho. Referencial teórico Marketing O marketing tradicional é o conjunto de atividades ou estudos que buscam entender e satisfazer as necessidades dos clientes, muitas vezes se reinventando e mudando suas estratégias inicialmente estabelecidas. “De acordo com a associação americana de marketing o marketing é uma função organizacional e um conjunto de processos que envolvem a criação, a comunicação e a entrega de valor para os clientes” (KELLER e KOTLER, 2012, p.21). O marketing também é visto como uma ciência que identifica necessidades e desejos não realizados, que define, mede e quantifica o tamanho do mercado identificado e o potencial de lucro (MESQUITA, 2015). Keller e Kotler (2012) dizem que o marketing é também um processo social, no qual indivíduos ou grupos obtêm o que necessitam e desejam através da criação, oferta e troca de produtos de valor com os outros. Essa necessidade pode ser entendida como ganho monetário ou como ganhos sociais e psicológicos, tomando-se como exemplo o marketing pessoal e seus inúmeros benefícios percebidos pelo praticante. O marketing seria, portanto, uma ferramenta de entrega de valor que vem se reinventando ao longo do tempo, deixando de ser um meio de empurrar produtos/serviços ao mercado para ser o meio pelo qual a empresa tem consciência das necessidades do mercado e que busca a melhor maneira de supri-las. Segundo Kotler (2009, p 3) O trabalho dos profissionais da área é investigar, por meio de pesquisas, novas oportunidades para a empresa e aplicar cuidadosamente as técnicas de segmentação, targeting e posicionamento (STP) para indicar o caminho certo em direção ao novo negócio.

Deste modo, através das pesquisas de marketing é possível entender o mercado consumidor e suprir as necessidades deste, além de poder conhecer os concorrentes e agir estrategicamente de acordo com as informações coletadas. Assim, seria a partir dessa atualização do

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 138 de 143

marketing que nasceram alguns “novos tipos de marketing” a fim de auxiliar a empresa nessa tomada de decisão e ação estratégica. Marketing de relacionamento Pode-se entender marketing de relacionamento como um conjunto de estratégias que envolve fidelização de clientes e construção e disseminação da marca. Segundo Limeira (DIAS, 2003, p.301) marketing de relacionamento é [...] uma estratégia de marketing que visa construir uma relação duradoura entre cliente e fornecedor, baseada em confiança, colaboração, compromisso, parceria, investimentos e benefícios mútuos, resultando na otimização do retorno para a empresa e seus clientes.

Com outras palavras, o marketing de relacionamento seria o meio pelo qual a empresa foco procura criar uma relação com o seu mercado a fim de obter relacionamentos lucrativos e duradouros e que para isso esta empresa oferece aos seus clientes uma certa vantagem, assim obtendo uma relação ganha-ganha. Conforme Kotler e Armstrong (2004), marketing de Relacionamento significa criar, manter e aprimorar fortes relacionamentos com os clientes e outros interessados. Deste modo, é a partir desse marketing de relacionamento que a empresa passa a posicionar-se de maneira mais significativa no mercado, uma vez que os seus relacionamentos, tanto com o mercado consumidor quanto com os fornecedores, são capazes de ditar a visão que o público em geral tem da empresa foco. Alguns relacionamentos auxiliam o desenvolvimento da empresa enquanto outros podem fazer com que esta empresa perca parte da sua representatividade, se não toda. A partir disso podese entender a importância que os diversos tipos de marketing têm para as empresas nos dias atuais. As empresas estão adicionando mais tecnologia aos diversos setores, o marketing, por exemplo, vem ao longo do tempo ganhando cara nova. Com toda essa inovação tecnológica que o marketing de relacionamento passou a ter um novo aliado, o chamado marketing digital. Marketing Digital A partir do avanço tecnológico as empresas viram a necessidade de se reinventar, daí nasceu o marketing digital que segundo Peçanha (2013) é o conjunto de atividades que uma empresa (ou pessoa) executa online com o objetivo de atrair novos negócios, criar relacionamentos e desenvolver uma identidade de marca. Assim sendo, podemos entender o marketing digital como a ferramenta utilizada por pessoas físicas e jurídicas a fim de praticar o marketing ideal para si. Podemos enxergar hoje inúmeras empresas aplicando seus recursos na prática desse novo marketing. Hoje, na era digital, esse pode ser considerado o meio mais prático e eficaz de se atingir os mais diversos mercados. Entretanto, muitas empresas cometem erros ao pensar que essa é uma maneira fácil de conseguir sucesso, podemos observar atualmente inúmeras empresas criando páginas nas mais diversas redes sociais e por causa dessa massificação, estas empresas não tem as devidas preocupações com o quê e como publicar. É daí que nascem os influenciadores digitais, com sua principal função: fazer uma empresa conhecida no mercado da forma ideal.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 139 de 143

Influenciadores Digitais (Digital Influencer) Com a popularização da internet e o emergente marketing digital a forma de divulgação das empresas vem se aperfeiçoando e mudando de modo que atinja seu público de forma mais interativa e dinâmica, uma das formas de trabalhar na era digital são os “digital influencer”. Os influenciadores digitais, segundo Silva e Tessarolo (2016), são pessoas que estão presentes nas redes sociais virtuais, mobilizando um grande número de seguidores, traçando opiniões, comportamentos e elaborando conteúdos exclusivos. Eles são responsáveis por disseminação de opiniões que podem influenciar significativamente os seus seguidores uma vez que são vistos como entendedores do conteúdo postado (marcas, produtos, lugares entre outros). Ainda segundo Montelato (2015) apud Santos et al. (2016), um influenciador é uma pessoa que consegue influenciar sua audiência, usando de sua reputação adquirida através de blogs, sites ou redes sociais, a praticar determinada ação, seja comprar, ir a um evento, ou experimentar determinado serviço. Logo, estas pessoas e seus perfis nas redes sociais possuem maior poder de alcance do que perfis de lojas e afins, uma vez que estas pessoas abrangem mais assuntos e acabam atraindo mais seguidores. Estas pessoas usam as mídias/redes sociais que possuam o maior alcance e números de seguidores possível para que sua divulgação tenha maiores probabilidades de ser bem-sucedida, assim os produtos e serviços das empresas parceiras se tornarão conhecidos mais rapidamente e o objetivo de todos será alcançado. Há os digital influencer que se destacam em um único segmento, como beleza, e há influenciadores que se destacam em mais de um segmento que é o caso do influenciador estudado Celino Neto. Celino Neto Em entrevista cedida para a coleta de dados, Celino Neto contou como iniciou sua trajetória. Sua carreira se iniciou no final dos anos 1990 quando começou a trabalhar com eventos que requer contato com o público, e como a mãe dele já havia sido colunista social e ele tinha também o perfil. Assim, depois de algum tempo aceitou o convite para ser colunista social do Correio da Paraíba, que é um jornal de renome na cidade. Apesar de certa resistência no início após começar a trabalhar no meio Celino se identificou e se descobriu nesta área, que é diretamente ligada a eventos. Na época que começou a trabalhar as mídias digitais ainda não eram tão populares como hoje em dia, e seu trabalho era divulgado no jornal impresso que tinha bastante força na época. A partir disto, muitos contatos foram feitos e muitas oportunidades surgiram, possibilitando a evolução do mesmo na área. Três anos depois, com a maior disseminação da internet, Celino optou por montar seu primeiro portal na internet. Nesta época ele já havia mudado de empresa, para o Jornal da Paraíba que é um jornal estadual, porém com um foco em Campina Grande, logo após surgiu o Portal Celino Neto que de imediato fez sucesso por se tratar de um projeto pioneiro na Paraíba com foco em eventos e na vida social das pessoas.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 140 de 143

Com o sucesso do portal, o maior contato com o público e a popularização das redes sociais Celino Neto começou a se tornar ainda mais conhecido na cidade e como já conhecia muitos empresários e fazia divulgações no Portal, os mesmos enxergaram a oportunidade de divulgação também nas redes sociais que é um veículo mais interativo. Celino Neto possui atualmente 64.800 seguidores, na rede social Instagram, que é considerada por ele a rede social que possui maior influência. Ele trabalha ainda com: Facebook, Snapchat e Twitter. Como segmentos de destaque ele considera: eventos, vestiário, alimentação e eletrônicos, que são também os segmentos que ele mais atua divulgando. Metodologia O presente estudo tem caráter descritivo já que tem como principal objetivo descrever características de determinada população ou fenômeno ou estabelecimento de relações entre as variáveis (GIL, 1999 apud RAUPP e BEUREN, 2003) e como qualitativa uma vez que procurou entender, descrever e explicar os fenômenos sociais (FLICK, 2009). Antes de iniciar a pesquisa propriamente dita, foi necessário identificar o influenciador digital que é mais influente na cidade de Campina Grande para que a partir disto fossem escolhidas empresas que a pessoa trabalhasse e assim avaliar a influência exercida a partir do seu trabalho para tais empresas. Para identificar Celino Neto como principal influenciador da cidade em outro estudo, que foi realizado entre maio e junho de 2017, indicado no artigo Marketing de relacionamento: um estudo no contexto dos influenciadores digitais de campina grande – PB de Fonseca, Santos e Pires (2017), um questionário foi aplicado online através de uma amostragem não probabilística intencional, isto quer dizer que a seleção para composição da amostra dependeu ao menos em parte do julgamento do pesquisador ou do entrevistador no campo (MATTAR, 1996), com base nesta pesquisa e relacionando com o número de seguidores que os mais citados possuem Celino Neto foi identificado como mais influente. Este estudo foi dividido em duas etapas. Primeiramente objetiva-se identificar os principais nichos de influência exercida por Celino Neto, para tanto foi realizada uma entrevista com o próprio a fim de entender onde ele se considera mais influente. Deste modo, foram identificadas seis empresas de renome na cidade, uma para cada nicho, que ele considera ter realizado um papel importante para divulgação destas. São elas: Planet Cell, Rutra, Campina Gril, Mercedes, Ótica Diniz Prime, Valettinho, além disso ele as considera com maior destaque dentro do segmento específico de cada uma. No entanto, devido ao tempo estipulado para a pesquisa ser realizada inicialmente será trabalhada apenas uma empresa, a Rutra Menswear. A mesma é uma empresa de roupas masculinas que se destaca na cidade e no segmento por possuir peças de qualidade elevada, possuir pontos estratégicos de venda e executar um marketing bem elaborado, com divulgação em vários canais. A segunda etapa consistiu em avaliar a percepção dessa influência diretamente com os seus clientes, neste caso as empresas citadas por ele, com aplicação de questionário diretamente com o responsável pela empresa. A entrevista, por sua vez, foi marcada via whatsapp, com local e data escolhidos pelo entrevistado, a mesma foi realizada no dia 20 de julho de 2017 e durou cerca de 25 minutos. Por questões éticas antes da entrevista foi apresentado um termo de consentimento livre esclarecido para que ficassem claros os objetivos da pesquisa e também que os dados fornecidos só seriam utilizados para fins acadêmicos.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 141 de 143

Análise dos resultados A análise dos resultados é composta por dois tópicos. O primeiro deles aborda o meio e nível de conhecimento que o voluntário tem de Celino Neto, já o segundo tópico aborda o trabalho em si do influenciador em estudo, além dos níveis de influência que este exerce. Ferramentas de comunicação Os influenciadores digitais podem ser entendidos como pessoas especialistas em determinado assunto que utiliza das mídias sociais para divulgar produtos, ideias e a si mesmos. Assim, diante do número de meios de comunicação existentes esses influenciadores possuem um grande leque de opções, cada um capaz de atingir determinados segmentos de clientes/seguidores. Assim, a primeira pergunta feita a voluntária Mariana Arruda dona da loja Rutra Menswear foi em relação ao meio pelo qual ela conheceu Celino Neto e os seus serviços, uma vez que o mesmo disse utilizar as redes sociais facebook, instagram, snapchat, twitter, além da atuação do seu site (Portal Celino Neto) e ainda trabalhar como repórter no Jornal Correio. A mesma respondeu que o conheceu por meio de amizades, já que suas famílias têm amigos em comum. Na cidade de Campina Grande-PB as relações entre famílias sempre renderam frutos, as maiores e mais influentes famílias tendem a estabelecer relações comerciais de modo que ambas as partes saiam ganhando, é comum ver também sociedades ou ainda serviços prestados entre famílias, que é o que ocorre nesta parte de divulgação da Rutra. Vale salientar que ao prestar os serviços para a loja Celino Neto possui desconto nas peças da marca, além do pagamento propriamente dito pelo serviço. Quando indagado a respeito do que a fez escolher os serviços deste influenciador foi respondido que primordialmente a popularidade dele foi um grande motivo, além disso sua afinidade com o segmento, já que ele se mostra um homem de bom gosto, que procura estar sempre bem vestido e que passou a ser a cara da marca Rutra. Também foi indagado sobre de que modo se iniciou essa parceria, sobre isso a voluntária respondeu que o próprio Celino Neto procurou a loja. Para que uma empresa possa escolher em qual influenciador digital investir ela deve avaliar não só o número de seguidores que este possui, mas também quem são esses seguidores, de modo que se este influenciador atinge um público que não é interessante para essa empresa, entende-se que essa não será a parceria ideal, logo as lojas têm que buscar sempre um influenciador que atinja seu público-alvo. Ao dizer que Celino é um homem de bom gosto e que procura estar sempre bem vestido, podemos perceber que Mariana não somente avaliou a sua popularidade como também a figura do influenciador; assim, entende-se que ela tem consciência de que o digital influencer passa a ser uma referência das parcerias que ele possui. Portanto, foi visto nele a figura ideal para firmar parceria com a empresa. Outro fator importante está na afinidade que o influenciador digital tem com o segmento que a empresa atua. É notório que uma parceria em que o influenciador não entende do assunto ao qual envolve a empresa em questão, não haverão resultados tão bons quanto a situação oposta, uma vez que ele não tem tanta sustentação para argumentar sobre o produto/serviço. Do mesmo modo, percebe-se que a empresa em estudo também preocupou-se com esse detalhe, ao ponto que Celino mostra-se como referência na cidade de Campina Grande, quando o assunto é moda masculina.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 142 de 143

Conteúdo publicado “Os influenciadores são pessoas altamente respeitadas em seus nichos de atuação, o que significa que, de uma forma ou de outra, são produtores de conteúdo” (HOTMART, 2017). Eles são capazes de passar o conteúdo correto para o público certo, tornando-se uma ferramenta de marketing que pode ter retorno rápido. A respeito disso Mariana Arruda diz que o conteúdo publicado por Celino Neto se mostra de importância intermediária, já que ele faz um gancho com as mídias que a própria loja já utiliza, funciona como um reforço do marketing já aplicado diretamente pela empresa. Além disso, sobre a forma como ele pode interferir na decisão de compra dos seus seguidores, Mariana diz que: “o público dele é segmentado, um público selecionado. Ele impacta os consumidores da classe A e B da região e é esse público que tentamos atingir”. Podemos entender esse público citado por pessoas influentes da cidade de Campina Grande, pessoas com um poder aquisitivo um tanto elevado, ao qual frequentam os locais mais “badalados” da cidade. Assim, é possível perceber que o segmento de seguidores que o influenciador atinge irá influenciar diretamente na escolha das empresas parceiras, uma vez que se a empresa tem foco em determinado público, não faria sentido escolher um influenciador que não atenda a essa restrição. Quando indagado a respeito da percepção que ela tinha sobre os benefícios adquiridos através dos serviços prestados por ele, Mariana disse que: Principalmente a publicação do produto e a localização da loja Espaço Maildes, porque nossa localização não é muito conhecida pelo público. Acredito que a propaganda dele mostra qual o produto específico da loja, além disso ele aumentou o número de clientes e trouxe de volta alguns clientes antigos da loja.

Possivelmente o fato da voluntária enxergar esses benefícios dá-se devido ao uso de mídias que a empresa já utiliza, isso faz com que tanto a loja quanto Celino Neto possam impactar o mesmo público. O reforço da mídia aplicada acontece, entretanto, a loja acaba não percebendo com tanta intensidade. Além disso, é possível observar o grande esforço que a empresa tem em divulgar a sua localização, deste modo, o serviço do digital influencer passa a ser um investimento no déficit que a empresa apresenta. Sendo assim, pode-se perceber que o trabalho do influenciador digital apesar de importante não é essencial para a divulgação da loja em estudo, uma vez que antes mesmo da contratação dos serviços de Celino Neto a empresa já havia despertado para a necessidade de ter um marketing bem executado, este se apresenta como um complemento por motivos citados anteriormente. Considerações finais Este estudo teve como principal objetivo analisar o impacto do influenciador digital ao seu público, mais precisamente de Celino Neto que foi considerado em pesquisa feita anteriormente como um dos principais digital influencer da cidade de Campina Grande - PB. Para tanto foi contactada uma das empresas para qual Celino presta seus serviços, a empresa foi selecionada a partir de uma lista feita pelo próprio em entrevista realizada pelas pesquisadoras. Com relação ao objetivo de identificar os principais nichos de influência, este foi atingido a partir da entrevista citada anteriormente. Através desta foi possível entender como funciona a seleção do material a ser publicado, além de tomar conhecimento das principais empresas contidas

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº33 vol. 02 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 143 de 143

nos nichos destacados pelo influenciador estudado, foi possível entender ainda como funciona o trabalho do influenciador digital no contexto empresarial e as sazonalidades que o trabalho apresenta. A partir disso, foi selecionada uma das empresas citadas e assim foi possível atingir aos demais objetivos. Através da entrevista realizada com Mariana Arruda, representante da empresa Rutra Menswear, pode-se definir a importância dos serviços prestados por Celino Neto para a empresa. A voluntária citou em entrevista que o mais notório benefício alcançado através deste influenciador foi uma mais ampla divulgação da localização da loja Espaço Maildes. Mariana disse ainda que a importância do conteúdo publicado por ele para sua empresa mostra-se como intermediária, já que este funciona como um reforço para a mídia já utilizada pela empresa. A empresa sempre trabalhou seu setor de marketing, no entanto por não conseguir uma divulgação efetiva do seu espaço viu no trabalho do digital influencer a oportunidade de uma divulgação massiva e mais interativa. No que se refere ao terceiro e último objetivo, através da coleta de dados pode-se afirmar que a figura do influenciador e o que ele transmite para o seu público influenciou significativamente para o estabelecimento da parceria, uma vez que Celino Neto é visto como uma pessoa bem vestida e que está sempre na moda, para uma loja do segmento de roupas ter uma pessoa assim como referencial se faz primordial. De modo geral, foi possível entender como o trabalho do influenciador digital é feito e como este exerce influência no trabalho da loja parceira, sendo possível além disso perceber o impacto causado nos clientes de um modo geral, que passam a enxergar a loja de maneira diferente a partir do momento que ela contrata os serviços de um digital influencer. Referências

BEIS, M. S; SILVA, A. C. Influenciadores digitais: como se estruturam as estratégias de engajamento no YouTube. Uma análise do canal “Show do Tiago”. 15. Unidade de Educação Continuada, Universidade de Rio dos Sinos, 2015. FLICK, U. Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. KOTLER, P. Os 10 pecados mortais do marketing. 5 ed. São Paulo: Campus, 2004. KOTLER, P. KELLER,K. Administração de marketing. 14 ed. São Paulo: Pearson, 2012. MATTAR, F. Pesquisa de marketing. Ed. Atlas. 1996. MESQUITA, R. O que é marketing, 2017. Disponível em: . Acesso em 20 de junho de 2017. MCKENNA, R. Marketing de relacionamento. 25 ed. Rio de janeiro: Elsevier, 1991. MONTELATTO, L. Você sabe quem são os influenciadores digitais? Disponível em Acesso em: 30 de julho de 2017. PAVONI, G. F. et al. Marketing de relacionamento. Lins - São Paula, 2009. PEÇANHA, V. Marketing digital, 2013. Disponível em: . Acesso em 20 de junho de 2017. RAUPP, F. M; BEUREN, I, M. Metodologia de pesquisa aplicável às ciências sociais. Vol. 3. Atlas, 2003. SANTOS, S. M. M; SILVA, P. P. P; SANTOS, J. F. Gabriela Publiesi: uma análise sobre o marketing de influência na rede social instagram. In: XVIII congresso de ciências da comunicação na região nordeste, 2016, Caruaru. A importância da comunicação. Disponível em: . Acesso em 20 de junho 2017. SILVA, C. R. M, TESSALORO F. M. Influenciadores digitais e as redes sociais enquanto plataformas de mídia. Intercom. 2016. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R112014-1.pdf>. Acesso em 03 de agosto de 2017. Enviado em 31/08/2017 Avaliado em 15/10/2017

Helpful Social

Copyright © 2025 ELIBRARY.TIPS - All rights reserved.