Vivien Lys Porto Ferreira da Silva ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL MESTRADO NA ÁREA DE DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS, SUB-ÁREA DIREITO CIVIL

Vivien Lys Porto Ferreira da Silva

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

MESTRADO NA ÁREA DE DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS, SUB-ÁREA DIREITO CIVIL

Pontifícia Uni

Author Raíssa Figueira Ribeiro

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Vivien Lys Porto Ferreira da Silva

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

MESTRADO NA ÁREA DE DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS, SUB-ÁREA DIREITO CIVIL

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2006

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Vivien Lys Porto Ferreira da Silva

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE na área de Direito das Relações Sociais, subárea Direito Civil, sob a orientação do Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2006

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BANCA EXAMINADORA

1.

_____________________________

2.

_____________________________

3.

_____________________________

3

“A razão forma o ser humano, o sentimento o conduz”.

Jean-Jacques

francês (1712-1778).

4

Rousseau,

filósofo

AGRADECIMENTOS

Ao orientador, mestre e amigo, Doutor Giovanni Ettore Nanni pela orientação conferida no desenvolvimento do presente trabalho, bem como pelos ensinamentos vivenciados desde os primórdios da minha carreira profissional. Ao amigo, professor Antonio Carlos Malheiros, pelo exemplo de vida de humanidade por estar sempre preocupado com o social, dedicando parte do seu exíguo tempo ao próximo com toda compaixão. A minha Mãe, exemplo de força, perseverança, retidão e companheirismo, que nunca poupou esforços para apoiar-me na minha vida pessoal e na minha carreira jurídica, acreditando no meu sucesso, mesmo nos momentos em que eu mesma desacreditava. Ao meu Pai, exemplo de otimismo, que nunca deixou apagar em si a essência da criança que existe em cada um de nós como forma de garantir a preservação dos princípios éticos de um ser humano. Ao meu amor Rafael Fuso, que ao estar do meu lado, completa minha vida.

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RESUMO O presente trabalho, intitulado Adimplemento substancial, tem por escopo dissecar instituto jurídico advindo do sistema da common law na seara do Direito Contratual como caminho de abertura para valoração da real extensão da inexecução da obrigação, vista nos dias contemporâneos a partir de critérios equânimes e mais próximos à realidade prática das relações jurídicas advindas dos negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais. O trabalho de pesquisa realizado teve como

preocupação a transformação da constatação do

inadimplemento que sempre prestigiava a resolução contratual existente nos sistemas jurídicos alienígenas e pátrios para uma visão mais positiva da conseqüência oriunda das diversas formas de descumprimentos das obrigações, pautando o aspecto da escassa importância causada em eventual inexecução de parte ínfima da prestação prometida. O reconhecimento desse construto em países estrangeiros advém de um longo período, existindo inclusive, em alguns países, a sua previsão legal nas codificações. Por sua vez, no sistema jurídico pátrio, a sua adoção é um trabalho mais recente realizado pelo jurista Clóvis do Couto e Silva como fruto iminente da revolução vivenciada no Direito Obrigacional, fase na qual exige-se uma limitação da configuração do inadimplemento, ampliando-se as possibilidades de manutenção do vínculo contratual diante da caracterização de inexecução de mínima relevância. Nesse cenário, a construção e o desenvolvimento da Teoria do adimplemento substancial justificou-se a partir da aplicação do princípio da boa-fé objetiva que valorava com maior rigor e justiça a proporcionalidade da parte da prestação inexecutada em relação ao todo do contrato já realizado pela parte inadimplente. Com esta valoração, houve a flexibilidade do sistema para aceitar as hipóteses em que, mantido o interesse do credor na maior proporção do contrato já ofertada, o benefício decorrente da maior parte da prestação fundamentava a preservação do programa contratual, vedando, assim, a resolução contratual. Essa alteração no desfecho da vida do contrato gerou resultados positivos na medida em que permitiu a tutela jurídica do devedor em contrapartida preservou o equilíbrio e a harmonização dos interesses contrapostos das partes mediante o preenchimento dos requisitos do adimplemento substancial. Isso foi um fenômeno positivo exaltado na vivência das diversas espécies contratuais, bem como pela atividade jurisdicional desenvolvida pelo Poder Judiciário Brasileiro.

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ABSTRACT The present thesis, entitled Substantial Performance aims at looking into the legal doctrine which stems from the Contracts Law within the Common Law, as an opening pathway for valuing the real extent of nonperformance of duty, viewed nowadays with equal criteria and closer to legal practice reality that arises from either bilateral or multilateral legal contracts. The conducted research was concerned with the assumption that the fundamental breach that always yielded the existing contract dissolution found in both foreign and national legal systems could be changed into a more positive view of the result arising from different forms of breaches, using as a reference the aspect of the resulted scarce importance of partial nonperformances of duty. The recognition of this concept in foreign countries has come a long way, also existing in some countries where it can be seen in their codifications. On the other hand, its adoption by the Brazilian legal system has been the subject of jurist Clóvis do Couto e Silva’s work as imminent fruit of the revolution experienced within Contracts Law, a phase in which it is demanded that the fundamental breach configuration be limited, broadening the possibilities of maintaining contract adherence before the nonperformance of lesser significance. In this scenario, the construction and development of the substantial performance Theory was justified when the objective principle of good faith that valued more strictly and fairly the proportionate share of the nonperformed duty was applied in relation to the whole of the contract already paid by the defaulter. With this valuing, the system became flexible to accept the hypotheses in which, once the creditor’s interests were maintained at the largest proportion of the contract already offered, the benefit arising from most of the installment would deem the contract as good, thus voiding contract dissolution. This shift in contract dissolution generated positive results at the same time it allowed for debtor’s court protection and in return such shift maintained the equilibrium and the parties’ conflicting interests by meeting the requirements of substantial performance. This was a positive phenomenon highlighted in several contract species, as well as through jurisdictional activity performed by the Brazilian Judiciary Branch.

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ÍNDICE Introdução ........................................................................................................................ pág. 12 Capítulo I – Origem e raízes estrangeiras da Teoria do adimplemento substancial 1. Origem histórica do adimplemento substancial .......................................................... pág. 16 2. O adimplemento substancial no direito estrangeiro .................................................... pág. 29 2.1. Inglaterra (common law) ............................................................................... pág. 30 2.2. Estados Unidos da América (common law) .................................................. pág. 37 2.3. Alemanha (civil law) .................................................................................... pág. 43 2.4. Itália (civil law) ............................................................................................. pág. 47 2.5. Portugal (civil law) ....................................................................................... pág. 50 2.6. França (civil law) .......................................................................................... pág. 55 2.7. Espanha (civil law) ....................................................................................... pág. 56 2.8. Argentina (civil law) ..................................................................................... pág. 59 2.9. Costa Rica (civil law) ................................................................................... pág. 60 2.10 Direito internacional .................................................................................... pág. 64 2.10.1. O adimplemento substancial na Convenção de Viena ................. pág. 65 2.10.2. O adimplemento substancial no Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts .................................................................................................... pág. 74 Capítulo II – O adimplemento substancial no sistema jurídico pátrio 1. O adimplemento substancial no Direito Brasileiro ..................................................... pág. 83 1.1. A recepção do adimplemento substancial (common law) pelo ordenamento jurídico brasileiro (civil law) ........................................................................................... pág. 87 1.2. O adimplemento substancial no Código Civil de 1916 ................................ pág. 89 1.3. O adimplemento substancial no Código Civil de 2002 ................................ pág. 95

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1.4. A revolução do Direito obrigacional: uma nova visão dos limites do inadimplemento dentro da ampliação do campo do adimplemento substancial ............. pág. 99 Capítulo III – A estrutura do negócio jurídico diante do adimplemento substancial 1. O negócio jurídico diante do adimplemento substancial .......................................... pág. 106 2. A autonomia privada reflexa na obrigação .............................................................. pág. 116 3. O sinalagma contratual ............................................................................................ pág. 126 4.

Os

efeitos

das

obrigações

na

satisfação

dos

interesses

das

obrigações

recíprocas................................................................................................................ pág. 130 Capítulo IV – Noções básicas do inadimplemento e do adimplemento 1. O inadimplemento e o adimplemento ....................................................................... pág. 133 2. O inadimplemento absoluto e relativo ...................................................................... pág. 135 Capítulo V – Teoria do adimplemento substancial 1. A estruturação da Teoria do adimplemento substancial ........................................... pág. 143 1.1. Regime jurídico .......................................................................................... pág. 152 1.2. O princípio da boa-fé .................................................................................. pág. 156 1.2.1. A natureza jurídica da boa-fé ....................................................... pág. 157 1.2.2. Espécies de boa-fé ....................................................................... pág. 159 1.2.3. Boa-fé: o substrato da Teoria do adimplemento substancial ................................................................................................................ pág. 170 2. Requisitos da Teoria do adimplemento substancial ...................................... pág. 174 2.1. Imprevisibilidade ............................................................................ pág. 174

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2.2. Ausência de gravidade do descumprimento da obrigação no adimplemento substancial .............................................................................................. pág. 175 2.3.

Utilidade

da

prestação

diante

do

adimplemento

substancial

................................................................................................................ pág. 178 2.4. Proporcionalidade razoável do adimplemento substancial em relação ao programa contratual ............................................................................... pág. 180 2.5. O interesse do credor como parâmetro do adimplemento substancial ................................................................................................................ pág. 183 3. As relações entre credor e devedor no adimplemento substancial ................ pág. 185 3.1. A tutela jurídica do devedor no adimplemento substancial ............ pág. 185 3.2. O adimplemento substancial causado pelo credor ...................................... pág. 190

4. O adimplemento substancial e figuras correlatas .......................................... pág. 193 4.1. O adimplemento substancial e o adimplemento ruim ou defeituoso ................................................................................................................ pág. 193 4.2. O adimplemento substancial e o inadimplemento absoluto ........... pág. 198 4.3. O adimplemento substancial e o inadimplemento relativo ............. pág. 200 4.4. O adimplemento substancial e o adimplemento parcial de obrigações divisíveis e indivisíveis .......................................................................... pág. 202 4.5. O adimplemento substancial e a impossibilidade parcial ............... pág. 205 4.6. Exceção do contrato não cumprido diante do adimplemento substancial ................................................................................................................ pág. 207 4.7. Enriquecimento sem causa e a Teoria do adimplemento substancial ................................................................................................................ pág. 214 5. O adimplemento substancial diante da resolução do contrato .................................. pág. 216 5.1. Aplicabilidade da cláusula resolutória diante do adimplemento substancial ............................................................................................................................ pág. 221 5.2. Cláusula resolutiva expressa e tácita: efeitos diante do adimplemento substancial ............................................................................................................................ pág. 225

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6. Conseqüências do adimplemento substancial ........................................................... pág. 228 6.1. O equilíbrio contratual no adimplemento substancial ................................ pág. 228 6.2. Programa contratual: garantias contratuais diante do adimplemento substancial ........................................................................................................................................ pág. 229

Capítulo VI – A aplicabilidade do adimplemento substancial 1. O adimplemento substancial aplicado nos contratos ................................................. pág. 234 1.1. Contratos típicos ......................................................................................... pág. 236 1.1.1. Contrato de compra e venda ........................................................ pág. 237 1.1.2. Contrato de alienação fiduciária em garantia .............................. pág. 241 1.1.3. Contrato de arrendamento mercantil ........................................... pág. 243 1.1.4. Contrato de seguro ...................................................................... pág. 246 1.1.5. Contrato de empreitada ................................................................ pág. 251 1.2. Contratos atípicos ....................................................................................... pág. 254 1.2.1 Contrato de Engineering ............................................................... pág. 256 2.

A

atividade

jurisdicional

diante

da

valoração

do

adimplemento

substancial

............................................................................................................................ pág. 258 Conclusão ...................................................................................................................... pág. 266 Bibliografia .................................................................................................................... pág. 276

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Introdução A influência de princípios éticos e sociais que norteiam a Teoria moderna do direito contratual, e conseqüentemente das obrigações, é determinante para revermos o contrato com uma nova concepção, no sentido de interpretá-lo e de aplicá-lo de maneira a atingir o equilíbrio contratual das prestações comutativas, bem como a encontrar uma fórmula de minimizar os eventuais impactos oriundos da frustração da extinção anormal dos contratos. Essa nova concepção não deve ser apenas exaltada pelos juristas nos livros acadêmicos, mas devemos procurar a aplicação desta na celebração do contrato, considerado como negócio jurídico bilateral ou plurilateral, que visa o cumprimento de obrigações recíprocas entre as partes que convergem para o mesmo fim: a execução da prestação devida que exige a satisfação do interesse do credor mediante o regular cumprimento da obrigação pelo devedor. O contrato a ser submetido à normatização das legislações pátrias e aos princípios contratuais (autonomia privada, consensualismo, obrigatoriedade, relatividade, irretratabilidade, função social, boa-fé, equilíbrio) anseia pela aplicação exata do binômio interesse do credor e proporcionalidade do adimplemento da obrigação pelo devedor. Tal fenômeno não é despercebido pelo Direito Obrigacional moderno que ao acompanhar as tendências contemporâneas, revigora a essência dos princípios contratuais aos descompassos ocasionados pelos descumprimentos parciais e totais das obrigações assumidas entre as partes em um determinado negócio jurídico. Nessa nova concepção, ao iniciarmos o estudo da Teoria do adimplemento substancial, por meio do método indutivo, procuramos no intróito do presente trabalho no capítulo I, buscar em suas origens históricas do common law a formação primária desta Teoria para, posteriormente, apresentarmos a visão deste instituto pelos ordenamentos jurídicos de outros países, até mesmo daqueles em que o sistema é oriundo da civil law, como o caso do sistema jurídico pátrio, a fim de identificarmos a estrutura deste negócio jurídico. Ao passarmos pela visão histórica deste constructo em ordenamentos jurídicos alienígenas, delineamos o atual reflexo desta Teoria no Direito Internacional, onde as relações jurídicas

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integrantes das obrigações sinalagmáticas são mais dinâmicas, executadas em um ambiente de culturas distintas, no qual as partes contratantes carregam consigo princípios e normas de sistemas jurídicos distintos, dificultando, em tese, a concretização de um regulamento padrão para o programa contratual. No entanto, descobrimos que nesta seara internacional, a exigência ao respeito aos princípios contratuais e especialmente às conseqüências do adimplemento substancial é mais exaltada, estando seus critérios objetivamente definidos nas convenções e tratados, facilitando a visão da aplicação e do regime jurídico deste negócio jurídico. Com as conceituações e constatações advindas da primeira parte do estudo deste trabalho, adentramos na análise da Teoria do adimplemento substancial no ordenamento jurídico brasileiro, procurando, ab initio, verificar a recepção de um fenômeno estruturado e iniciado no sistema de common law no nosso sistema civil law no capítulo II, observando a existência ou inexistência desta teoria no Código Civil de 1916 e no diploma civil pátrio de 2002. Ao identificarmos a existência ou ausência desta Teoria no sistema legal brasileiro nos diplomas civis mencionados, também realizamos uma pesquisa na jurisprudência pátria proferida sob a influência destes dois Códigos Civis, com o intuito de constatar indícios ou elementos concretos que demonstram o comportamento dos julgadores quanto à aferição dos efeitos do contrato no tocante a este instituto jurídico. Sem olvidar de situar a Teoria do adimplemento substancial na recente e revolucionária modernização do direito obrigacional que estamos vivenciando, ainda no capítulo II, projetamos a nova visão dos limites do inadimplemento diante do crescente reconhecimento, ainda que prematuro, do regime jurídico do adimplemento substancial. E a partir deste norte, foi possível dissecar no capítulo III a estrutura do negócio jurídico diante do adimplemento substancial, o princípio da autonomia privada da obrigação, o sinalagma contratual estruturado na conjugação da satisfação dos interesses das obrigações equivalentes e recíprocas nos contratos, a fim de verificar a real abrangência destes conceitos dentro da Teoria do adimplemento substancial aplicável ao sistema legal pátrio e, assim,

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construir uma base de conceitos para discorrer a respeito deste tema tão intrigante e ao mesmo tempo surpreendente. Para evitar dúvidas a serem suscitadas no momento do desenvolvimento desta Teoria, antes de discorrermos sobre seus aspectos, pontuamos algumas noções, no capítulo IV, do inadimplemento (absoluto e relativo) e do adimplemento como forma de definir os critérios da execução e inexecução contratual que diferem do adimplemento substancial. No capítulo V, focamos o desenvolvimento da Teoria do adimplemento substancial, analisando todos os seus elementos, reflexos e efeitos dentro do programa contratual. Para alinhavar toda a construção doutrinária e jurisprudencial construída em torno da referida Teoria inserida no sistema jurídico pátrio, concedemos especial atenção à análise do princípio da boa-fé, o qual sustenta o equilíbrio das obrigações comutativas de um contrato, bem como é o substrato do adimplemento substancial desde a vigência do Código Civil de 1916, período no qual a exaltação desta Teoria era ainda muito tímida, para não dizer mínima. No referido capítulo, ao apresentarmos os requisitos do adimplemento substancial, comparando-o com outros institutos jurídicos a fim de contemplar o regime jurídico desta Teoria no direito brasileiro, abordamos temas polêmicos como o interesse do credor diante da tutela jurídica do devedor na hipótese do inadimplemento de pouca importância; os limites do direito potestativo de resolução mediante a configuração da inexecução de parte ínfima do contrato; o adimplemento substancial gerado pelo credor. Ao confrontar o direito do credor em resolver o contrato e a tutela jurídica dispensada ao devedor medimos a exata extensão da cláusula resolutória em relação às garantias do programa contratual à preservação do contrato, sob o fundamento desta Teoria. Como se tratam de temas polêmicos não só no ordenamento jurídico pátrio, mas também nos códigos estrangeiros, como meio de enriquecer o debate, trouxemos à baila ensinamentos de insignes juristas de alguns dos países estrangeiros. Houve ainda a preocupação de estabelecer as conseqüências geradas pelo adimplemento substancial, o qual converge para a permanência do equilíbrio do sinalagma ao prestigiar a manutenção do vínculo contratual, discorrendo acerca das garantias de ambas as partes contratantes nessa situação gerada pelo descumprimento mínimo de parte da obrigação.

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Por fim, com o intuito de aproveitar todo o desenvolvimento do trabalho de pesquisa, no capítulo VI, abarcando toda a construção do pensamento construído em torno desta Teoria, demonstramos o lado prático da mesma por meio da análise de algumas espécies contratuais para concretizar o seu conceito bem como suas características e conseqüências, como prova de que o adimplemento substancial já se incorporou definitivamente ao nosso ordenamento jurídico. A incorporação desta exige, na prática, entre as relações interpessoais das partes contratantes de um negócio jurídico bilateral ou plurilateral à obediência aos elementos do seu regime jurídico próprio, enquanto que na atividade jurisdicional requer a identificação e valoração dos elementos desta Teoria, como medida de alerta e salvaguarda do programa contratual visto como instrumento de sustentação harmônica dos interesses opostos – mas não antagônicos – das partes contratantes congruentes ao mesmo fim – a extinção normal da obrigação por meio do adimplemento – expressados mediante a execução de obrigações recíprocas que buscam a satisfação de seus fins. Ao concluir o estudo da pesquisa em torno da Teoria do adimplemento substancial, procuramos sintetizar as principais idéias, conceitos e teses desenvolvidos e fundamentados ao longo do presente trabalho com o escopo de ratificar a real importância da concepção e incorporação concreta e definitiva da referida Teoria para que assim seja possível transmudar toda uma ideologia construída no sistema jurídico brasileiro por quase um século – desde o Código Civil de 1916 – a qual apenas privilegiou, durante todo esse tempo, a satisfação absoluta do direito do credor mesmo em detrimento da tutela jurídica do devedor nos casos em que o adimplemento substancial era evidente, mas não foi considerado ou aplicado. Com essa constatação que a priori parece negativa, mas, pelo contrário, é frutífera, na medida em que ao ser constada a falência de uma ideologia retrógrada e ultrapassada do sistema jurídico que prestigiava, quase sempre, o inadimplemento ensejador da resolução do contrato, houve a concretização, na Direito contratual moderno, do exato espaço do instituto do adimplemento substancial como baluarte no equilíbrio do desenvolvimento do programa contratual; comprovando a real necessidade de valorizarmos o adimplemento, mesmo que não atinga a integralidade da obrigação, mas efetive-se na sua essencialidade.

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Capítulo I Origens e raízes estrangeiras do adimplemento substancial 1. Origem histórica do adimplemento substancial Conforme já mencionado, a Teoria do adimplemento substancial é oriunda do sistema da common law. Esse sistema originou-se da tradição jurídica que se desenvolveu, primeiramente, na Inglaterra a partir do século XI e prevalece até os dias contemporâneos nos países que incorporam este sistema, tais como Gales, Irlanda, nove estados dos Estados Unidos da América, nove províncias canadenses; e na maioria dos países que receberam a influência legislativa do Império Britânico como colônias (Guiana Francesa, Panamá, Flórida, Califórnia, México, Arizona, Texas). Este sistema é peculiar e dinâmico, pois se estruturou sob decisões judiciais, as quais serviam de parâmetros para os próximos julgamentos, na medida em que os elementos de cada decisão serviam de fundamento para os julgadores emitirem novas sentenças; valorando, assim, o aspecto prático e fundamentado da Ciência do Direito. Dessa forma, os princípios desse sistema aparecem e constroem-se, na maioria das vezes, a partir dos julgamentos realizados pelos Tribunais, normalmente pelas Cortes Supremas, em relação aos casos concretos específicos oriundos de conflitos já sentenciados anteriormente pelas mesmas Cortes. Há, na verdade, uma constatação de similaridade de casos julgados a partir dos quais os princípios e normas são aplicados, formando precedentes de decisões que são formados e ficam arquivados, tendo referência de acordo com os nomes dos casos julgados. Por exemplo, a menção dos precedentes é feita da seguinte forma: o princípio da eqüidade utilizado no caso Boone v. Eyre (1779). Este sistema foi desenhado de acordo com os movimentos exercidos dentro das Cortes da Eqüidade – ou Cortes de Chancelaria, como eram denominadas nos Estados Unidos1–, que decidiam os processos principalmente sob os princípios gerais de direito, especialmente o

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BLACK, Henry Campbell. Black’s Law Dictionary, p. 342.

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princípio da eqüidade (equity). Esse princípio, calcado nos conceitos de negociação leal e honestidade, é de fundamental importância, posto que representou uma manifestação contrária à legislação codificada no direito anglo-americano, que a priori aplicavam apenas a lei. Em virtude desse apego às leis, nas Cortes da Eqüidade, iniciou-se um movimento de equilibrar a justiça a ser empregada nas ações judiciais, mesmo quando o sistema da common law não previa algum artigo específico à solução do caso concreto apresentado. Assim, de acordo com o princípio da equity, que era baseado nos princípios gerais do Direito, as Cortes da Eqüidade criavam precedentes para temperar a legislação a ser aplicada ao caso concreto e, assim, obter um julgamento mais próximo do ideal de justiça2. Assim, as Cortes da Eqüidade surgiram como contraposição positiva às Cortes Supremas do common law no período elizabetano3, como forma de suprimir as eventuais lacunas existentes na lei do direito anglo-americano, bem como para atenuar o formalismo empregado inicialmente no sistema. Em suma, o princípio da eqüidade era efetivamente empregado pelos julgadores nas referidas Cortes, perquirindo ao máximo os interesses das partes litigantes em cada caso concreto, não se prendendo ao texto frio e estático das leis impostas em códigos ou regulamentos. Apenas no reinado de James I que houve a unificação entre as Cortes da Eqüidade e as Cortes da common law4 que até hoje se apresentam unidas. A exaltação à eqüidade neste sistema ganha destaque que se estende até hoje, pois representa um exemplo contra um rígido formalismo contido, no nosso sistema jurídico, no qual a interpretação seca das leis, que por mais bem elaboradas que sejam, às vezes – na grande maioria das vezes – não são eficazes para sanar o problema levado à apreciação dos julgadores. Também representa um estandarte na estrutura de análise e decisão judicial, ao passo que é permitindo ao julgador por meio de normas repletas de cláusulas abertas e conceitos legais indeterminados a extração do problema trazido pelos litigantes que será 2

GIFS, Steven H. Law Dictionary. p. 95. POWELL, E. A. A arbitragem e o direito na Inglaterra dos finais da Idade Média. Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva. p. 123. 4 Op. cit., p. 123. 3

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submetido ao espírito sensível do julgador que deverá aplicar a eqüidade no litígio enfrentado. Esta aplicação será realizada por meio de precedentes judiciais semelhantes oriundos de outras decisões judiciais, que serão o argumento para a emissão do novo julgamento, calcado, por exemplo, no Princípio da eqüidade, da boa-fé, da probidade, permitindo a construção de precedentes com decisões valorativas dos princípios jurídicos e sociais, como maneira de facilitar a aproximação do lado prático e social da Ciência do Direito. No desenvolvimento do sistema da common law, nem sempre existiam precedentes prontos para aplicar em novos julgamentos. Em razão dessa ausência, foi-se criando ajustes e integrações das decisões judiciais permitindo aos julgadores aprimorarem-se para obter a sapiência da temperatura exata do termômetro para medir cada caso concreto e encontrar a solução mais indicada. Desde o início, na seara contratual, esse sistema por conter instrumentos que facilitam a extração e valoração do problema levado a julgamento, possibilitou o emprego de remédios específicos às obrigações assumidas e descumpridas total ou parcialmente, visando limitar o impacto das cláusulas penais, tendo como objetivo principal a preservação do contrato no limite equânime máximo permitido, atingindo frontalmente o formalismo da regra do pacta sunt servanda. Esse sistema atingiu o seu apogeu no início do século XVII, na Inglaterra, quando os precedentes formatados serviam para todos os litígios levados à apreciação das Cortes, sendo possível aos julgadores mesclarem os elementos e princípios das decisões anteriores e emitirem uma decisão que atendia a eqüidade exigida em cada caso concreto. Mas com a continuação desse movimento da quebra de formalismos na seara contratual, no século XVIII, o sistema da common law passou a enfrentar certos impasses, diante da ausência de alguns precedentes em determinadas decisões. Nesta seara, houve o empecilho enfrentado por falta de precedentes nos casos em que o devedor executou a prestação devida, contudo descumpriu uma parte mínima da obrigação, a qual mesmo sem tanta importância, impossibilitou o regular cumprimento do programa contratual assumido. Nestas situações os julgadores começaram a questionar a resolução do contrato que a priori era aplicada também nestas hipóteses. Seria equânime a aplicação da medida de resolver o contrato, mesmo tendo o

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devedor adimplido quase que totalmente o programa contratual, sem maiores prejuízos ao credor? Alguns julgadores, como o percusssor Lorde Mansfield, tentaram procurar uma alternativa para evitar a aplicação da resolução do contrato, nos casos em que havia a execução da maior e mais importante parte da prestação devida pelo devedor, mas era difícil evitar a aplicação da resolução do contrato, mesmo se a subsunção deste direito potestativo ao caso concreto refletisse uma injustiça, por estar-se diante de uma hipótese na qual o inadimplente executou “quase” que totalmente a obrigação que lhe foi imposta; e o inadimplemento in casu não gerava prejuízos substanciais ao credor, nem afrontava a essência do interesse deste. Com a criação desse impasse, as Cortes da Eqüidade foram obrigadas a criar uma alternativa para que o contrato não fosse sacrificado pela resolução, se o fim principal do programa contratual tivesse sido atingido de forma substancial, embora não cumprido totalmente. Foi assim que surgiu a Teoria do adimplemento substancial, como forma de evitar a aplicação da resolução do contrato, que nas hipóteses citadas acima, geraria mais injustiça a ambas as partes contratantes do que se fosse permitida a preservação do contrato, condenando o devedor a indenizar as perdas e danos advindos do inadimplemento desta parte mínima, sem importância. O próprio fundamento da criação do conceito de adimplemento substancial vincula-se à idéia equânime de vedar ao contratante adimplente de postular a resolução do contrato, que mesmo tendo tido proveito da prestação realizada pelo devedor em proporção maior e suficiente para satisfazer seu interesse substancialmente, comprovando que neste caso não é válida a norma da resolução que admite ao contratante adimplente a quebra do programa contratual pelo desfazimento do contrato em razão do inadimplemento absoluto ou relativo. Trata-se em ambos os casos da prevalência do princípio da eqüidade na exata extensão da parte da prestação executada: se esta for maior atingindo quase o ideal do programa contratual estabelecido, não há que se admitir a resolução do contrato, mas se esta for mínima, a resolução do contrato é medida de justiça, a fim de restabelecer o equilíbrio entre as partes.

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Por ser o sistema da common law construído por meio de análise de julgamentos que criam precedentes, também iremos estudar a origem da Teoria do adimplemento substancial pelo mesmo método, ou seja, verificando o crescimento dessa Teoria ao longo dos julgamentos realizados. Esta doutrina do adimplemento substancial foi, pela primeira vez, estabelecida pelo julgador Lorde Mansfield, em 1779, no caso Boone versus Eyre5, em que a prestação principal já havia sido adimplida substancialmente, razão pela qual não se admitiu o direito de resolução, com a perda do que havia realizado o devedor; sendo devida a contraprestação por parte do credor que consistia no pagamento do preço pela transação efetuada. Ao credor apenas coube apenas o direito de indenização em relação à parte mínima descumprida, por ter sido considerado, no caso, o direito de resolução como abusivo. Esse caso consistiu no ajuizamento de um processo de cobrança, no qual Boone, na qualidade de autor, demandou contra Eyre, pois este atrasou o pagamento estipulado no contrato. O contrato firmado estabelecia a obrigação ao Eyre do pagamento de 500 libras e uma renda anual de 160 libras ao Boone desde que este transferisse a propriedade de uma plantação nas Antilhas, conjuntamente com os escravos trabalhadores naquela terra, garantindo seu domínio e posse pacíficos durante todo o período em que Eyre fosse proprietário daquela propriedade. Ocorre que Eyre atrasou o pagamento, sob o fundamento de existir um descumprimento da obrigação por parte de Boone, uma vez que os escravos haviam se evadido do local. Esse argumento foi refutado por Boone que estava cobrando, em juízo, o que tinha de direito: o valor combinado pela renda anual. Lorde Mansfield julgou procedente essa ação, entendendo que Eyre não estava dispensado de pagar o preço convencionado no contrato, ao ponderar o exato peso das obrigações interdependentes (denominadas de conditions que fundamentam a consideration, esta entendida como o liame das obrigações recíprocas existentes em um contrato, pela qual o devedor obrigar-se-á a realizar determinada prestação sob a proposta concreta de que o credor irá retribuir, de alguma forma, a execução daquela obrigação) e das obrigações acessórias 5

Cheshire-Fitfoot. Cases on the Law of Contracts, p. 463 apud SILVA, Clóvis do Couto e, O princípio da boafé no direito brasileiro e português, p. 68.

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(warranties). Essa distinção foi o elemento propulsor da Teoria do adimplemento substancial, na medida em que segundo a tese do referido julgador, em um contrato havia as obrigações dependentes – cláusulas essenciais – e as obrigações independentes, de importância secundária ao programa contratual estabelecido. No caso em questão, a ação de Boone não configurava descumprimento de uma obrigação dependente, passível de ensejar a resolução do contrato, isto é, o descumprimento por parte de Boone não se encaixava nas cláusulas essenciais ligadas às obrigações recíprocas e correspectivas do contrato, cujo cumprimento era imprescindível. Essa diferença é expressa com propriedade pelo julgador Lorde Mansfield nas seguintes palavras originais: “... where mutual covenants go to the whole of the consideration on both sides, they are mutual conditions, the one precedent to the other. But where they go only to a part, where a breach may be paid for in damages, there the defendant has a remedy on his covenant, and shall not plead it as a condition precedent”. (1 Hy. Bl. 273)6. Neste trecho, o referido julgador demonstra que quando há duas obrigações recíprocas direcionadas à totalidade da consideration de ambas as partes, elas são obrigações principais correspectivas, sendo que uma não subsiste sem a outra. Mas se elas constituem-se apenas uma parte da prestação principal (obrigações independentes), o inadimplemento pode ensejar o pagamento de perdas e danos, em razão do direito que a parte adimplente possui com base no contrato celebrado, e não deve demandar pela resolução como se fosse o descumprimento de uma obrigação principal.7 Com fundamento nos argumentos acima, o julgador considerou a infração cometida por Boone como uma obrigação independente (warranty), proferindo decisão procedente ao pedido de cobrança deste, mas condicionando ao mesmo ao pagamento de perdas e danos. Por conseguinte, coibiu-se a aplicação da resolução do contrato, na medida em que este, nas condições do caso concreto acima, era avesso ao princípio da boa-fé que rege as relações jurídicas, especialmente, os negócios jurídicos.

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GILSON, Bernard. Inexécutión et Résolution en Droit Anglais, p. 87. Tradução livre.

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Véra Fradera ao escrever o artigo O conceito de inadimplemento fundamental do contrato no artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, da Convenção de Viena de 19808 e comentar sobre a origem histórica da Teoria do adimplemento substancial, especificamente com base no precedente criado no julgamento do caso Boone versus Eyre valorou com grande maestria o substrato desta teoria ao afirmar que “a doutrina do ‘substancial performance’ pode ser explicada como resultante da aplicação do princípio da boa-fé em sua atuação mais moderna, criando deveres, possibilitando restringir a regra de o cumprimento ser completo ou integral, admitindo solução diversa”. De fato, não é admissível aplicar a fórmula da resolução do contrato para toda e qualquer espécie de inadimplemento. A maleabilidade do princípio da boa-fé consiste exatamente em garantir ao julgador escapar desta fórmula rígida e criar uma abertura no sistema quando houver a configuração de um adimplemento substancial, admitindo uma solução diversa da resolução do contrato. No entanto, esta Teoria não foi estabelecida desde o início com total clareza e firmeza dos seus conceitos. A sua solidificação dentro do sistema da common law dependeu de uma mudança de conceitos enraizados nos julgadores que, ab initio, apenas vislumbravam a resolução como remédio aplicado em todos os casos de descumprimentos, sejam estes parciais ou mínimos. É importante fazer essa ressalva para desmistificar a idéia de que se possa ter ao imaginar que desde os primórdios houve o reconhecimento e a construção crescente desta Teoria. Pelo rigor oriundo do princípio do pacta sunt servanda, nem sempre o princípio da boa-fé foi respeitado e aplicado nos seus exatos termos que justificam o adimplemento substancial. A prova concreta das afirmações ponderadas nos dois últimos parágrafos consiste no julgamento do caso Cutter versus Powell, o segundo processo que circundou em torno da valoração dos limites do direito potestativo de resolução em face do adimplemento substancial que, infelizmente, optou pela exaltação da resolução do contrato criando um desequilíbrio contratual até hoje concretizado, na medida em que houve o transito em julgado dessa decisão

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Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p. 25.

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e, mesmo se assim não fosse, as partes litigantes não estão presentes entre nós para serem beneficiadas da reforma do julgamento por meio da aplicação correta da Teoria do adimplemento substancial. O referido caso foi julgado em 17959, seis anos após o precedente criado com o caso Boone versus Eyre. Contudo, o precedente criado por este primeiro julgamento não foi utilizado neste caso, no qual a Corte não obedeceu ao princípio da boa-fé ao julgar improcedente o pedido da viúva de Cutter de receber, proporcionalmente, o valor combinado pelo serviço prestado pelo seu marido ao longo de uma travessia de navio que saiu da Jamaica, da cidade de Kingston, com destino ao porto de Liverpool. O formalismo contido no julgamento da Corte foi vultuoso e paradoxal em relação ao surgimento da Teoria do adimplemento substancial em 1779 ao passo que julgou improcedente o pedido da viúva consistente ao recebimento de uma quantia proporcional em razão dos serviços prestados por seu marido marinheiro, cuja contraprestação era devida pelo contratante, Powell, que se beneficiou dos dias – de 02 de agosto a 20 de setembro – em que o falecido trabalhou. O cerne envolvido neste julgamento consistiu no fato de que o marinheiro faleceu antes de chegar ao destino do navio e por tal razão houve o impedimento de ressarcir sua viúva pelo contrato acordado que estipulava a obrigação do marinheiro em completar a viagem integralmente. Por esta cláusula, os julgadores entenderam que era condição de pagamento a prestação de serviços até a chegada no navio no seu destino, não sendo cabível qualquer pagamento à viúva. Não se considerou o fato de que ele havia atingido o principal objetivo do contrato, ou seja, prestou seu serviço adequado durante toda a viagem até que o evento de força maior impossibilitou-o de continuar. O contratante não poderia ter sido isento de sua responsabilidade de dar a contraprestação acordada, proporcionalmente, ou seja, pagar a viúva pelos 49 (quarenta e nove) dias trabalhados pelo seu marido, sob o fundamento frágil de que o marinheiro, inadvertidamente, falhou em sua obrigação causando danos à embarcação em razão da sua ausência. 9

BECKER, Anelise. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. p.62.

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Diante desse panorama, a Corte aplicou o princípio básico aplicado nos contratos de transporte de mercadorias, segundo o qual o dono do navio não pode reclamar pelo pagamento do contratante até que as mercadorias sejam entregues no destino acordado. Por sua vez, se ocorrer a entrega normal das mercadorias, apenas com alguns estragos causados nas mercadorias, o contratante não tem a prerrogativa de abster-se do pagamento, sob o fundamento de inadimplemento contratual do dono do navio que não executou sua obrigação com diligência. O único remédio jurídico existente ao seu favor é pleitear as perdas e danos oriundos do prejuízo causado por meio de uma ação de ressarcimento, como ocorreu no caso Dakin versus Oxley (1864)10. Em outras palavras, a Corte valorou o caso Cutter versus Powell com o mesmo princípio utilizado no caso Dakin versus Oxley, no qual a condição da efetiva chegada ao destino era sine qua non para o contratado ter direito ao recebimento do valor acordado no contrato, em razão da ausência do valor e pagamento do frete devido ao dono do navio. No entanto, nesta aplicação há um erro crasso nos conceitos envolvidos na medida em que no primeiro caso houve a efetiva prestação de serviços pelo contratado enquanto que no segundo caso antes de ocorrer a chegada ao destino acordado não se configura a execução da obrigação por parte do contratado posto que o ponto de chegada é marco inicial e final do cumprimento da prestação pactuada. O que não ocorre no primeiro caso em que o ponto de chegada não é fator decisivo para a apuração da prestação realizada, se esta iniciou desde o primeiro dia da saída do navio de Kingston e foi devidamente prestada durante 49 (quarenta e nove dias) até que sobreveio a morte involuntária do contratado marinheiro, ou seja, o marinheiro desempenhou sua obrigação satisfatoriamente ainda que não totalmente. Na verdade, Cutter não descumpriu com o contrato porque morreu no meio do Atlântico, o que enseja a preservação do seu direito de receber o pagamento, por meio dos herdeiros – in casu a viúva – independentemente da conclusão da viagem. É evidente que houve uma decisão iníqua e que de imediato foi observado pelas Cortes da

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DENNING, Smith's Leading Cases, p. 21

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Eqüidade que estabeleceram a doutrina da “substantial performance”, possibilitando decisões mais adequadas às ordenações do princípio da boa-fé11. O movimento de eqüidade criado pelas Cortes foi no sentido de reformulação da concepção imposta pelo instituto da resolução, invariavelmente, a fim de abrir possibilidades para se recepcionar a Teoria que estava se solidificando e clamava pelo seu espaço, a fim de evitar injustiças como concretamente ocorreu no caso acima, cujas conseqüências negativas estende-se até os dias contemporâneos, em razão da impossibilidade da reforma de tal julgamento. A Teoria do adimplemento substancial no sistema da common law ganhou maior relevância na fase histórica na qual houve a preocupação de emissão de julgamentos que impedissem efeitos negativos a uma parte em benefício de outra – como o caso Cutter versus Powell; visando tutelar o equilíbrio contratual das obrigações correspectivas. Em 1916, observamos mais um julgamento atinente à construção desta Teoria. O processo entre H. Dakin & Co., Ltd. versus Lee12, no qual consagrou-se uma solução demasiadamente a favor à Teoria do adimplemento substancial, ultrapassando em excesso o seu conceito, o que também reputou-se prejudicial posteriormente. Neste caso, diante de reduzidíssima divergência entre a reforma de uma casa, sob o conceito entre trabalho terminado ou realizado – nem todas as colunas se ergueram conforme o previsto –, entendeu-se suficiente a prestação, fazendo jus o empreiteiro à totalidade do pagamento. Neste momento, o movimento intelectual da época já permitia o exato enquadramento da verificação da gravidade do inadimplemento que diante do princípio da boa-fé objetiva poderia reputar pela preservação do contrato diante do adimplemento substancial. Contudo, houve o excesso da aplicação desta Teoria, pelo fato de que não é possível premiar o inadimplente, mesmo sendo este mínimo, pelo recebimento do preço integral. Alguma dedução deve ser feita para restabelecer o equilíbrio contratual, sob pena de enriquecimento sem causa. Além disso, a análise deste caso é fundamental, para advertir que é preciso tomar cuidado com a dimensão dada ao adimplemento substancial, para que não se volte totalmente a favor

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BECKER, Anelise. Op. cit. p. 62-63. Cheshire-Fitfoot, Cases on the Law of Contracts, p. 413-414 apud Clóvis Couto e Silva, O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português, p. 56.

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do inadimplente em desfavor à parte adimplente, pois nesta hipótese estar-se-ia retrocedendo aos primórdios do formalismo consistente da aplicação incondicional do direito resolutório com grandes riscos de cometer-se uma atrocidade maior ainda e, após 3 (três) séculos do surgimento da Teoria do adimplemento substancial matar, definitivamente, o equilíbrio buscado nas obrigações comutativas estabelecidas dentro do programa contratual. O julgador desse processo, Lorde Cozens-Hardy, ao decidir pelo pagamento integral ao executor das obras, pautou-se no seguinte princípio: “The work was finished -- and when I say this I do not wish to prejudice matters, but I cannot think of a better word to use at the moment13.” A questão neste caso era detectar se diante de um contrato executado, embora em dissonância em alguns aspectos do contrato, o trabalho concluído foi terminado satisfatoriamente ou simplesmente realizado, a fim de mensurar se o contratante poderia ser isento de sua responsabilidade de efetuar o pagamento com base na distinção destes conceitos. No caso H. Dakin & Co., Ltd. versus Lee, houve a celebração de um contrato entre as partes litigantes, no qual o autor obrigou-se a prestar os serviços de reforma na casa da ré, mas ao final não recebeu o preço combinado. O advogado da ré apresentou a tese de que era uma exceção à regra geral aplicada aos contratos de que o mérito desta questão deveria ser restringido dentro de alguns limites, na medida em que a prestação realizada distinguiu-se das bases acordadas pelas partes. O juiz monocrático entendeu que o trabalho foi completado, mas não de acordo com alguns aspectos determinados no contrato. A sentença foi proferida no sentido de que o autor, executor do trabalho, não poderia receber nenhuma parte do preço combinado nem nenhuma soma em relação ao serviço prestado. No entanto, essa decisão foi reformada pela Corte, para determinar a obrigatoriedade da contratante efetuar o pagamento integral do preço, embora algumas colunas estivessem distintas do projeto inicial, sob o argumento de que a ré continuava morando na casa dela, obtendo benefícios pelo trabalho executado pelo autor.

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Disponível em http://faculty.law.ubc.ca/biukovic/supplements/Hoenig.htm Acesso em 19 março 2006.

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A decisão mais equânime a ser proferida neste caso, com fundamento das bases do adimplemento substancial, seria o reconhecimento de que onde o trabalho tivesse sido terminado, em sentido estrito, embora com uma parte mínima descumprida em razão das pequenas irregularidades nas colunas erguidas, é direito do contratado receber alguma contraprestação em razão de ter cumprido substancialmente sua obrigação, descontando-se proporcionalmente as perdas e danos advindos deste descumprimento de parte mínima da obrigação. A procedência deste pagamento é complementada com base no precedente incluído no Ato de Venda de Mercadorias de 1893 (“Sale of Goods Act”), o qual assevera que o comprador, que aceita a mercadoria, usufruindo-se dela, não pode se recusar de efetuar o pagamento se há a constatação de descumprimento (breach) de apenas uma parte secundária da obrigação principal. Por este simples argumento, qualquer argumento da ré não prospera, posto que se colocá-la na mesma posição do comprador, ela aceitou o trabalho executado, sendo que o descumprimento de parte mínima de obrigação secundária não a exime do pagamento. Por esta constatação, concluímos que o caso ora em comento independe da análise e distinção dos conceitos de trabalho terminado ou realizado, o cerne envolvido aqui se trata de mensuração exata do adimplemento substancial, sendo este visto como descumprimento de uma parte mínima que não pode desnaturar a satisfação do interesse principal do credor, no caso vertente, o uso, gozo e fruição da contratante da casa reformada. Em julgamento mais recente, em 1952, vislumbramos a aplicação madura da Teoria do adimplemento substancial no processo em que litigavam Hoenig versus Isaacs14. O julgamento final primou pela recusa da aplicação do direito potestativo da resolução do contrato em razão da verificação da extensão exata do inadimplemento; a qual in casu foi mínima. Essa extensão foi medida sob à análise paralela se o adimplemento total é condição prévia para o pagamento; o que se verificou, ao final, que não se constitui. 14

Cheshire-Fitfoot, Op. cit., p. 413-414.

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O caso foi o seguinte: o autor, Hoenig, era decorador de interiores, e foi contratado pelo réu, Isaacs, para decorar e fornecer toda mobília para o apartamento do réu. O valor total do contrato foi estabelecido em 750 libras a ser pago mediante um sinal, e o saldo restante conforme ocorresse a complementação do desenvolvimento do trabalho. O réu pagou 400 libras e começou a ocupar e a usar a mobília instalada em seu apartamento. No entanto, ele recusou-se a efetuar o pagamento do valor restante sob o argumento de parte do trabalho de decoração e alguns artigos de mobília fornecidos estavam com defeito. Por esta razão, o decorador ajuizou este processo para receber o saldo residual pendente conforme o valor total do contrato acordado entre as partes. O argumento utilizado pelo réu para não efetuar o pagamento do saldo remanescente foi que, embora o trabalho do decorador (autor) tenha sido substancialmente cumprido, havia ainda alguns itens que não foram executados conforme as especificações do contrato. No entanto, a corte inglesa rejeitou esse argumento, posto que o réu é obrigado a realizar prontamente o valor total do preço acordado no contrato, pois se o adimplemento total do trabalho é condição prévia para pagamento, o réu perde o seu direito de exigir essa condição, no momento em que foi residir no imóvel, recebendo benefícios pela utilização do mesmo e das mobílias, ora reclamadas como defeituosas. A partir deste momento, o réu é obrigado a pagar o valor total do contrato, perdendo o direito de postular a resolução do contrato, sob o argumento frágil de que a decoração contratada, foi realizada diversa da projetada, mostrando-se insatisfatória, por apresentar apenas algumas partes mínimas do projeto a serem executadas. O único direito que ainda subsiste ao réu é deduzir do valor pendente a pagar, o custo necessário para consertar os mínimos defeitos apresentados no trabalho executado pelo autor (decorador). Com esses julgamentos, depreendemos que o construto histórico do adimplemento substancial foi formado a partir da valoração da gravidade do inadimplemento em relação à razoabilidade das penalidades aplicadas, cujo ponto de equilíbrio seria a constatação do atendimento ao interesse do credor. Em outras palavras, na trajetória histórica desta Teoria houve a

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verificação da necessidade da aplicação da tutela jurídica devida ao devedor que não poderia perder todo o seu trabalho, sem a respectiva e proporcional contraprestação do credor em razão de descumprimento mínimo da obrigação. Foi crucial a conscientização do movimento ocorrido dentro das Cortes da Eqüidade de que se atendido o principal interesse do credor satisfatoriamente, a resolução do contrato não se adaptava dentro da razoabilidade, sendo esta inserida no princípio da boa-fé. O caso Hoenig versus Isaacs representou a maturidade desta Teoria e serviu de fator balizador para os julgamentos proferidos nos séculos XX e XXI, os quais utilizaram os precedentes formados para aplicar, com segurança, o exato conceito do adimplemento substancial que apenas se aprimorou diante do aumento da complexidade das relações sociais ocorridas na seara contratual após a do referido caso. O panorama atual desta Teoria será visto no capítulo I, no qual há a análise do adimplemento substancial no sistema inglês, na medida em que sua origem e desenvolvimento ocorreram na Inglaterra.

2. O adimplemento substancial no direito estrangeiro Além da origem histórica, insta delinear os traços e extensões do surgimento e incorporação da Teoria do adimplemento substancial em alguns países do sistema jurídico da common law e outros do sistema jurídico da civil law, com o escopo de enriquecer e clarear todos os aspectos deste construto. É enriquecedor ao presente estudo trazer à baila os ditames das legislações alienígenas no tema do adimplemento substancial, na medida em que diante de diferentes origens de sistemas jurídicos, verificar-se-á a necessidade de todas as sociedades em clamar por instrumentos mais justos e equilibrados quando se tratar do inadimplemento ocorrido em proporção mínima em relação à parte essencial da obrigação adimplida.

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Assim, objetivamos extrair dos ordenamentos jurídicos estrangeiros, a riqueza existente em alguns elementos construídos apenas em determinados sistemas; e outros elementos comuns aos sistemas, balizando as semelhanças e diferenças que se apresenta, globalmente, no tema escolhido.

2.1. Inglaterra (common law) Conforme se verifica no capítulo anterior, a origem histórica e a construção primária da Teoria do adimplemento substancial advêm da Inglaterra, calcada no sistema da common law. Também já é cediço que esta Teoria começou a ser formatada a partir do desenvolvimento da diferença existente entre as cláusulas contratuais que expressam obrigações envolvendo uma condition ou uma warranty abordada por Lorde Mansfield no julgamento do caso Boone versus Eyre. A tradução literal do termo condition não deve ser empregada, pois consiste, a grosso modo, na condição de uma obrigação, como utilizada pelo sistema da civil law. O emprego correto deste termo significa obrigação essencial do programa contratual integrante das obrigações correspectivas e recíprocas estabelecidas em um determinado negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Essa correlação e reciprocidade são denominadas por Anelise Becker como obrigações interdependentes15, como expressão da vinculação existente entre as obrigações principais que representam a integração necessária entre as obrigações dispostas tanto para o credor como para o devedor. Essa interdependência acaba por vincular uma obrigação na outra, formando a essencialidade do contrato que se completa na consideration, sendo esta vista como o caráter oneroso do programa contratual que cria obrigações recíprocas e correspectivas entre as partes16, a partir do liame existente na interligação pela qual o devedor obrigar-se-á a realizar determinada prestação sob a proposta concreta de que o credor irá retribuir, de alguma forma, a execução daquela obrigação.

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BECKER, Anelise. Op. cit., p. 61. GILSON, Bernard. Op. cit., p. 95.

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Na verdade, a consideration é causa motivadora, expressa pelo carater econômico, nos contratos onerosos, como por exemplo, o locatário paga o aluguel em contrapartida ao direito de posse a ser exercido em determinado imóvel. O motivo exigido pela consideration pode ser uma causa ou um motivo de mérito exigido em uma recompensa mútua oriunda da convenção das partes ou decorrente da lei. Qualquer título executivo representa, por si só, uma consideration, embora se, às vezes, esta não esteja expressamente mencionada. Títulos negociáveis, como por exemplo as notas promissórias trazem consigo evidentes características da consideration, por conterem uma promessa de pagamento ao credor que se beneficiará caso o pagamento seja realizado pelo devedor que, em contrapartida, se isentará da promessa realizada, cumprindo com sua obrigação. Em suma, a consideration deve representar algum benefício para parte à qual a promessa foi feita ou para a terceira pessoa, em nome daquela. A consideration é sempre lícita para justificar um programa contratual, pois caso seja ilegal, o contrato será nulo. Uma obrigação moral representa uma espécie de consideration, embora não enseje nenhuma responsabilidade jurídica em relação à promessa realizada. Quanto ao tempo, a consideration pode ser executável ou estar submetida à alguma condição realizada antes da execução da obrigação pelo devedor, ou ainda concorrente, na hipótese de obrigações mútuas a serem executadas concomitantemente. Em regra, uma obrigação executável é insuficiente para suportar um contrato mas uma obrigação cumprida sob uma previsão contratual ou de acordo com alguma norma positivada é suficiente para justificar a prestação. No caso Broom versus Davis, o julgador J. Buller decidiu sobre a valoração da gravidade da inexecução do contrato vista sob o ângulo da consideration. O processo consistiu no fato de que o construtor foi contratado para construir uma cabine por uma determinada soma de dinheiro. A cabine foi construída, mas houve desmoronamento de uma parte em razão de uma falha no trabalho humano. O construtor poderia reclamar a soma contratada, e o réu poderia ajuizar uma ação de ressarcimento por prejuízos. O julgador entendeu que os defeitos foram tão substanciais atingindo a consideration, mas por um extremo, neste exemplo aplicou-se o

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princípio do precedente do julgamento do caso H. Dakin & Co., Ltd. versus Lee, segundo o qual o construtor deveria receber pelo preço ajustado no contrato. Pela visão do julgador, se a subsunção do conceito da consideration fosse corretamente aplicada neste caso, constataria que a reciprocidade das obrigações foi quebrada, a partir do momento em que os defeitos apresentados foram de tal monta, atingindo a condition, o que deveria levar a resolução. Em conseqüência, tendo em vista que a consideration traduz a cláusula obrigatória de um contrato, em que uma das partes promete à outra uma remuneração, lucro, benefício, monetariamente quantificável, em troca do que a outra prometeu fazer, quando a outra parte contratante executar a prestação combinada, representando, assim, a reciprocidade exigida nas obrigações dispostas em um contrato oneroso. Assim, a consideration apresenta-se na relação existente entre a obrigação do devedor prestada com o único intuito de receber a contraprestação do credor. Nos termos acordados, o vínculo que une os contratantes concretiza-se nesta expectativa de troca de cumprimento de prestações certas que contêm o condão de desnaturar a consideration se a inexecução atingir uma condition, sendo esta uma obrigação essencial do contrato. Essa é a tese de Bernard Gilson que pontua estar a onerosidade do contrato ligada à reciprocidade das obrigações, sendo a condition a cláusula que afeta diretamente a consideration, destruindo a correlação existente no início do programa contratual17. Como a existência do contrato depende da reciprocidade entre as obrigações correspectivas, essa dependência enseja a onerosidade do vínculo, e assim, considerando que a inexecução de uma condition quebra a consideration completamente, esse descumprimento exclui a reciprocidade, ocasionando um desequilíbrio fatal no contrato descumprido por aquela espécie de obrigação. Por sua vez, neste contexto, a warranty ocupa o lugar de obrigação dependente ou secundária, ao passo que “in the law of contracts, a warranty is an agreement which refers to the subject matter of the contract, but which is collateral to its main purpose, not being an essencial part

17

Idem, p. 102.

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of it, either from the nature of the case or the agreement of the parties, as stated in contracts18”. Na doutrina inglesa, a definição do conceito de warranty insere-se no campo das obrigações laterais ou acessórias porquanto que ao estar ligada colateralmente à obrigação principal, consiste apenas em um suporte à obrigação principal, mas não atinge a essencialidade do contrato. De fato, “na Inglaterra, a cláusula de irresponsabilidade só pode cobrir uma ‘warranty’, e não a inexecução fundamental, que atinja a essência do contrato19”. Em outras palavras, o fundamento de irresponsabilidade expresso pela parte inadimplente só é admitido se não violar a obrigação fundamental (condition), sendo que o descumprimento de uma warranty possibilita apenas o ressarcimento pela parte inadimplente das perdas e danos à parte adimplente. Com esta construção, os julgadores passaram a valorar mais o adimplemento em si, do que o inadimplemento. Corroborando com o pensamento acima, Ruy Rosado Aguiar20 expõe a diferença entre essas cláusulas, asseverando que “... a questão do incumprimento a partir da distinção das cláusulas contratuais entre ‘condition’, de importância fundamental na economia do contrato, e ‘warranty’, cláusula meramente acessória: cabe resolução apenas quando não é cumprida a prestação correspondente à ‘condition’; a desatenção à ‘warranty’ permite a indenização”. De acordo com essa diferenciação, portanto, o prejudicado teria direito à resolução exclusivamente em casos em que uma condition estivesse em jogo, e pela sua inexecução causar o desequilíbrio do programa contratual. Por este sistema, a violação de uma condition quebra a interdependência das obrigações correspectivas, impedindo que o inadimplente tenha direito a receber qualquer coisa em razão da resolução do contrato, perdendo o que eventualmente já tenha executado ou as eventuais despesas de elaboração e preparação do cumprimento da obrigação. 18

M. Will. Commentary on the International Sales law. p. 342. GILSON, Bernard. Idem, p. 173 e ss. 20 Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 137. 19

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No caso C. x J., o julgador Lorde Kenyon, aprofundando as idéias de Lorde Mansfield, julgador do primeiro caso inglês propulsor dessa Teoria (Boone versus Eyre) a respeito da condition, apreciou o caso em que o autor havia permitido a exploração de um brevê de invenção e também se comprometido a instruir o comprador no uso dessa invenção. Descumprida a segunda parte do contrato, o vendedor obteve sentença favorável, sob o seguinte fundamento: “A parte mais importante da ‘consideration’ era constituída do direito de utilizar a carta e não da ajuda do inventor, pois uma vez que Campbell (autor) havia fornecido essa parte essencial, Jones (réu) devia pagar a totalidade do preço global, com o direito de demandar indenização em reparação da inexecução da parte secundária da ‘consideration’21”. Por esse julgamento, que forma mais um precedente da Teoria do adimplemento substancial, na jurisprudência inglesa, observamos que o liame existente na considerantion entre a condition (in casu, o direito de uso do brevê de invenção) e a warranty (in casu, o dever de instruir o comprador no uso daquela) é individualmente tratado, na medida em que a inexecução da primeira enseja a resolução, mas o descumprimento da segunda ocasiona apenas uma indenização por perdas e danos. Contudo, com o desenvolvimento desta Teoria e o aumento da complexidade nas relações formadas nos contratos, começou-se a ficar mais difícil identificar a importância que a condition deveria assumir para formar a obrigação principal do contrato, a qual ensejava a resolução se fosse descumprida; e a warranty por ser obrigação secundária, apenas ocasionaria uma indenização, iniciando-se um período no qual questionamentos surgiram no sentido de que, às vezes, uma obrigação secundária (warranty) pode provocar a quebra da obrigação principal, por ser tão importante a esta e estar intimamente ligada à mesma. Esses questionamentos levaram a remodelação da estrutura do instituto no sistema inglês, a partir do momento que se descartou o sistema da distinção entre cláusulas condition e warranty para apurar a existência do adimplemento substancial, e com a nova conceituação de

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GILSON, Bernard. Idem, p. 89-90.

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inadimplemento fundamental (fundamental breach) que se apresenta como o único passível de resolução do contrato, por ocasionar um prejuízo substancial imprevisível e dentro dos limites de razoabilidade da conduta da parte inadimplente. Assim, por exclusão, as hipóteses que não ventilam violação à obrigação fundamental ensejam a caracterização do adimplemento substancial (substancial performance) ao se verificar objetivamente a maior proporção da parte cumprida da prestação, a ausência de importância da obrigação descumprida e da pouca, quase nula, gravidade do inadimplemento. Assim, no atual sistema anglo-saxão, apesar de admitida a extinção extrajudicial da relação obrigacional de um negócio jurídico, ela somente é cabível quando há inexecução total ou parcial de cláusula essencial, ou inexecução substancial, características essas que têm levado aos aplicadores do direito a considerar a opção pela resolução como subsidiária, pois se não houver a configuração da quebra da essência da obrigação principal, não há que se falar em resolução, mas sim em manutenção do contrato, com a conseqüente indenização à parte inocente por meio do pagamento das perdas e danos causados pela inexecução da parte mínima, não essencial, do contrato. No direito inglês, como o remédio resolutivo pode ser aplicado, sem a necessidade do ajuizamento de uma ação, isso enseja mais cautela ainda na configuração da existência de um inadimplemento fundamental ou não, a fim de evitar o abuso de direitos ou desequilíbrio contratual. É fato que o inadimplemento do contratante enseja o desfazimento do vínculo contratual ou possibilita a parte adimplente ajuizar a ação para compelir o cumprimento cumulado com indenização por perdas e danos. Todavia, enquanto a resolução legal – originária de cláusula contratual expressa que se opera de modo automático – é efetivada, obrigatoriamente, mediante a ação constitutiva promovida pela parte adimplente no sistema pátrio, no sistema inglês, a parte adimplente goza de um poder inerente à esfera privada, como uma autotutela, ao exercer seu exercício privado de resolver o contrato. Na jurisprudência inglesa, em casos mais recentes de aplicação da Teoria do aimplemento substancial, vislumbramos o parâmetro da configuração deste instituto pela verificação da ausência da violação de obrigação fundamental, bem como a coibição de agravamento do prejuízo à parte inadimplente, como o exemplo do julgado abaixo.

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No caso Mondel versus Steel, o cerne do julgamento envolveu questão processual, mas a passagem freqüentemente citada pelo julgador B. Parke refere-se à inexecução do contrato diante da valoração da importância e gravidade do inadimplemento de obrigação não essencial. Neste processo, Mondel contratou a construção de um navio para Steel, o qual não suportou nem a primeira viagem, em razão do mau tempo. Diante desse prejuízo, Mondel ajuizou ação, cobrando o ressarcimento deste. No julgamento, vislumbrou-se que o descumprimento de obrigação não fundamental ensejou a manutenção do contrato, bem como o recebimento pelo contratado do preço ajustado no contrato de trabalho, mas, em contrapartida, considerou legítimo o pedido de Mondel de ser ressarcimento pelas despesas despendidas para consertar o navio, nos seguintes termos: (8 M. & W. 870): “... the law appears to have constructed the contract as not importing that the performance of every portion of the work should be a condition precedent to the payment of the stipulated price, otherwise the least deviation would have deprived the plaintiff of the whole price; and therefore the defendant was obliged to pay it, and recover for any breach of contract on the other side.22” Por este precedente, a codificação inglesa demonstra ter concretizado no sistema da common law a vedação de que qualquer parte da prestação descumprida deve ser uma condição precedente para a realização do pagamento do preço estipulado. Por outro lado, um mínimo desvio insignificante do cumprimento da prestação priva o contratado de receber o preço integral, e portanto, o contratante está obrigado a pagá-lo diante do adimplemento substancial, mas descontando-se as perdas e danos pela quebra mínima e sem importância do programa contratual; ou caso o pagamento já tenha sido realizado, postular pelo recebimento da indenização por perdas e danos. Com esse delineamento concreto formado a partir de precedentes semelhantes ao julgamento retro mencionado, concluímos que na atual estruturação do sistema inglês o adimplemento substancial existe, é aplicável, diante da execução da maior e mais importante parte da prestação em contrapartida ao descumprimento de parte mínima da obrigação, satisfazendo 22

ATIYAH, P. S. The Rise and Fall of Freedom of Contract. p. 235.

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substancialmente os interesses do outro contratante, excluindo-se a noção falaciosa de que para a realização do pagamento, o cumprimento integral é condição para a realização daquele; bem como a concepção primária de que apenas a quebra material de uma condition seria causa para resolução, sendo que independentemente da natureza da obrigação, o que importa é a gravidade da violação gerada diante do programa contratual, analisado como um todo.

2.2. Estados Unidos da América (common law) Os Estados Unidos da América também apresenta um sistema jurídico construído com base no sistema da common law, sob o qual o Direito foi estabelecido com base em precedentes judiciais, complementados por leis e regulamentos. Na seara contratual, o sistema jurídico norte-americano, além de ser regido por precedentes da Corte americana, codificou o Uniform Comercial Code (UCC), responsável pelo regramento geral do regime jurídico dos contratos, ao lado das leis estaduais particulares de cada Estado que também exercem sua influência. Segundo o UCC, seção § 1-201 (11), “contract means the total obligation in law which results from the parties agreement as affected by this Act and any other applicable rules of law23”. O contrato, consoante o dispositivo legal acima transcrito, representa a expressão máxima da obrigação assumida pelo acordo mútuo das partes, podendo ser regido pelas normas deste código ou qualquer outra lei estadual americana aplicável ao direito contratual. Esse código confere validade ao acordo bilateral ou plurilateral formado pelos contratantes, legitimando todo o caráter obrigacional oriundo deste pacto. O campo de validade dos negócios jurídicos celebrados dentro do sistema jurídico americano, sob o regime do UCC, fica adstrito à norma cogente da boa-fé: The obligation of good faith may not be disclaimed by agreement (§ 1-102)24. Assim, essa norma não pode ser derrogada 23 24

WHITE, James J and SUMMERS, Robert S. Uniform commercial code. p. 178. Idem, ibidem, p. 65.

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pela vontade dos contratantes, sendo sustentáculo fundamental de todo e qualquer contrato, sendo que “o mesmo artigo do Código americano é ainda mais completo porque acrescenta que as partes podem, por contrato, determinar quais os ‘standards by with the performance of such obligation is to be measured’, isto é, os ‘standards’ pelos quais a ‘performance’, a execução da obrigação, seja feita. Naturalmente há várias determinações possíveis, segundo o tipo de área de atividade ou de negócios que as partes estão fazendo25”. A execução das obrigações correspectivas imposta no contrato pelo direito americano fica condicionada ao cumprimento das mesmas, segundo o padrão estabelecido pela boa-fé expressa por standards, representativos de normas de conduta relativas à execução previamente estabelecidas pelas partes, se houver interesse em determiná-las. É fato que os standards criados pelas partes estão dentro da norma cogente de boa-fé, sob pena de nulidade dos mesmos. Além disso, se as partes não estabelecerem que uma negligência grave constitui um standard passível de violação ao contrato, essa ação será considerada como fundamental para gerar o rompimento do vínculo contratual em razão dos padrões de conduta intrínsecos à boa-fé, cuja sanção da resolução será aplicada pelo magistrado, se necessário for. Dentro dessa estrutura do cumprimento das obrigações, o UCC, em seus §§ 2.106 e 2.711 e 2.712. apresenta uma distinção clara dos institutos jurídicos termination (término) do contrato e cancelattion (extinção por inadimplemento) do contrato, que representam a quebra do programa contratual destinado ao adimplemento. Consoante apregoa o parágrafo 2.106., a termination ocorre quando ambas as partes, de acordo com o que lhes faculta a lei ou o contrato, decidem por fim ao contrato, por outra forma que o não cumprimento (... otherwise than for its breach). As partes ficam isentas de todas as obrigações, ainda por cumprir, mas nenhum direito, baseado em anterior quebra ou mau desempenho, sobrevive. Por outro lado, a cancellation, prevista no § 2.711, é configurada quando uma das partes põe fim ao contrato, por inadimplemento essencial da prestação em razão do descumprimento de obrigação fundamental, praticada por um dos contratantes, justificando a resolução do contrato, podendo a parte adimplente pleitear as sanções por inadimplemento, podendo executar as penalidades oriundas do contrato ou da lei como prerrogativa do próprio contrato celebrado. 25

AZEVEDO, Junqueira. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista dos Tribunais, v. 775, maio/2000. p. 12.

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Nestes parágrafos, o UCC dispõe, no primeiro parágrafo comentado, sobre a extinção do contrato por acordo mútuo entre as partes, mesmo se o cumprimento das obrigações estabelecidas não seja executado integralmente ou ainda, no segundo parágrafo, prevê a configuração do inadimplemento absoluto no direito americano que ensejará a aplicação das penalidades previstas neste sistema alienígena. As hipóteses de inadimplemento que geram a cancellation são graduadas no direito americano em relação à sanção aplicada proporcionalmente ao dano gerado no rompimento do vínculo contratual, no momento em que o parágrafo 2.612. prevê expressamente as hipóteses de inadimplemento de um contrato celebrado, no qual pode haver a inexecução de apenas uma das parcelas ou ainda o descumprimento não atingir a totalidade das parcelas já executadas, configurando o adimplemento substancial, conforme expressões abaixo deduzidas: “§ 2-612. “Installment contract”; Breach. (1) An ‘installment contract’ is one which requires or authorizes the delivery of goods in separate lots to be separately accepted, even though the contract contains a clause ‘each delivery is a separate contract’ or its equivalent. (2) The buyer may reject any installment which is non-conforming if the non-conformity substantially impairs the value of that installment and cannot be cured or if the nonconformity is a defect in the required documents; but if the non-conformity does not fall within subsection (3) and the seller gives adequate assurance of its cure the buyer must accept that installment. (3) Whenever non-conformity or default with respect to one or more installments substantially impairs the value of the whole contract there is a breach of the whole. But the aggrieved party reinstates the contract if he accepts a non-conforming installment without seasonably notifying of cancellation or if he brings an action with respect only to past installments or demands performance as to future installments26.”

26

WHITE, James J and SUMMERS. Op. cit., 250.

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Segundo a previsão legal contida no parágrafo acima transcrito, o credor pode recusar qualquer parcela não executada de acordo com o previsto no contrato, sendo que essa desconformidade deve substancialmente reduzir o valor do contrato como um todo ou deve estar representada por uma inexecução grave exigida pelas disposições contratuais para que a recusa seja realizada dentro

da norma cogente da

boa-fé. Apenas quando uma

desconformidade ou uma falta existente em uma ou mais parcelas substancialmente reduzem o valor do contrato inteiro, é que se configura o inadimplemento do contrato como um todo, caso contrário o dispositivo legal determina a parte adimplente aceitar a prestação realizada pelo devedor, em razão da configuração do adimplemento substancial pela parte mínima descumprida sem quebra material do contrato. James J. White e Robert S. Summers ao comentarem esse artigo atestam sua aplicabilidade diante das Cortes Americanas que ganham poderes para valorar a substancialidade da inexecução apresentada para ratificar ou não a recusa em aceitar uma prestação inexecutada minimamente, porquanto que “the courts have the power to deny rejection for what they regard as insubstantial defects by manipulating the procedural requirements for rejection. That is, if the court concludes that a buyer ought to be denied his right to reject because he has suffered no damage, the court might arrive at that conclusion by finding that the buyer failed to make an effective rejection27”. Por outro lado, o contrato também pode ser restabelecido e mantido, se o credor aceitar a parcela executada de maneira desconforme sem notificar o devedor no momento após ter ciência do descumprimento existente. A ausência dessa notificação impede o exercício do seu direito resolutório em razão da desconformidade apresentada, ou seja, se ele ajuiza uma ação apenas cobrando as parcelas anteriores prestadas em desconformidade ou ainda requerendo a execução das parcelas a serem executadas no futuro por um lapso temporal bastante posterior, pressupõe que houve a aceitação da obrigação prestada com a ausência de parte mínima caracterizadora do adimplemento substancial.

27

Op. cit., p. 256-257.

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Quanto às sanções oriundas da resolução do contrato, diante do adimplemento substancial, o parágrafo 2.712, (2), do UCC permite ao comprador reaver, dentro dos parâmetros da boa-fé, com o vendedor, as despesas com o cancelamento injusto do contrato, como meio de compensação pela quebra do vínculo contratual. Esse direito do devedor está intrinsicamente ligado à gravidade oriunda da inexecução da obrigação, descumprida total ou minimamente, na medida em que se for relevante o descumprimento, não caberá aquela prerrogativa ao devedor, por ser hipótese de inadimplemento. No entanto, se o descumprimento corresponder a uma parte ínfima da obrigação inexecutada, será legítimo o exercício do referido direito. Quanto aos critérios de valoração da gravidade da inexecução da obrigação ou mesmo dos padrões do critério substancial de uma prestação, o UCC não apresenta elementos objetivos para sua mensuração, sendo necessário recorrer ao conceito de material breach do contrato, ou seja, inexecução do contrato, para extrair seu construto; isso porque “the common law concept of ‘material breach’ is at least a first cousin to the concept of ‘substantial nonconformity’, and it offers a fruitful analogy to one who seeks to determine whether the seller’s performance substantially nonconforms28.” Contudo, o Restatement of the Law of Contract, que consiste no fruto da unificação do Instituto Americano das Leis, codificador de precedentes judiciais submetidos ao sistema da common law, apresenta uma lista que influência a formação do conceito material breach do contrato em relação à inexecução não substancial da prestação, ao apontar os seguintes fatores no § 275, verbis: “(1) The extent to which the injured party will obtain the substantial benefit which he could reasonably anticipate; (2) The extent to which the injured party may be adequately compensated in damages for lack of complete performance; (3) The extent to which the party failing to perform has already partly performed or made preparations for performance; (4) The greater or less hardship on the party failing to perform in terminating the contract;

28

WHITE, James J. and SUMMERS, Robert S. Op. cit., p. 257-258.

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(5) The willful, negligent, or innocent behavior of the party failing to perform; and (6) The greater or less uncertainty that the party failing to perform will perform the remainder of the contract29”. Os critérios listados acima criam uma espécie de guia para os operadores do direito verificarem a extensão do adimplemento substancial eventualmente existente no caso concreto, sendo possível listar os seguintes elementos: (i) ausência da prestação completa; (ii) benefício possível de ser extraído do adimplemento substancial; (iii) cumprimento insubsistente da prestação ou da preparação para executar o contrato; (iv) esforço da parte inadimplente a cumprir com sua obrigação, visando o adimplemento regular do negócio jurídico; (v) culpabilidade da parte que descumpriu minimamente a prestação prometida; e (vi) incerteza gerada à parte adimplente de que o restante do contrato não será mais cumprido. Se a extensão desses elementos for de proporção ínfima que não afete drasticamente o contrato como um todo, o contrato deve ser mantido, em razão da configuração do adimplemento substancial. É fato também que estes não são elementos precisos, necessitando de alguma valoração sob os pilares do princípio da boa-fé objetiva. Todavia, é incontroverso também que eles ajudam na valoração do conceito de cumprimento substancial do contrato. Além desses critérios, o Restatement of the Law of Contract também analisa pontualmente essa questão da gravidade da violação, como comenta Bernard Gilson, ao constatar a transferência de uma grande carga de criação ao julgador (judge-made law) diz que a gravidade da inexecução, que explica a resolução, nem sempre é aferida frente a uma única cláusula, mas, antes, em função do conjunto de obrigações de cada uma das partes. Assim, a resolução se justifica mais pela inexecução fatal do que pela violação de uma cláusula reputada essencial30. Essa sutileza do direito americano é uma parte sui generis e importante na valoração da configuração do adimplemento substancial, neste sistema positivo, uma vez que a aplicação da resolução não se correlaciona ao conceito de obrigação principal ou acessória, mas sim está vinculada na desnaturação do contrato como um todo, independentemente da natureza 29 30

Idem, Ibidem, p. 301. Op. Cit., p. 144.

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obrigação descumprida. Essa disposição representa um marco importante nesta Teoria, ao passo que o inadimplemento não é visto mais como um mecanismo automático oriundo da simples inexecução existente em um contrato em uma cláusula essencial, sem qualquer parâmetro. Mesmo a inexecução de cláusula essencial pode legitimar a conservação do contrato, se essa violação não representar a violação grave do negócio jurídico como um todo, por estar configurado o adimplemento substancial. O dever de analisar a unidade do conjunto de obrigações correspectivas do contrato, antes de aplicar a resolução, reveste de legitimidade a análise do adimplemento realizado pelo devedor, tendo como fundamento a interligação das prestações, justificando a valoração do inadimplemento, que se for mínimo, propugnará pela manutenção do programa contratual devida pelo adimplemento quase próximo ao resultado pretendido, ou seja, pelo adimplemento substancial.

2.3. Alemanha (civil law) O Código Civil alemão – “Bürgerliches Gesetzbuch” (BGB) – nasceu dirigido aos comerciantes, aos pequenos industriais, consagrando os ideais sociais da burguesia. A sua estrutura foi formada por uma abstração nos artigos, reforçada pelas inúmeras cláusulas gerais contidas nos dispositivos legais que formam um sistema móvel e aberto, sensível à mutabilidade das relações das sociedades. Esse código sofreu várias alterações por leis que o transformaram, sendo uma codificação multidisciplinar, por não regular apenas o Direito Privado, mas outras ramificações do direito também são contempladas por ele, passando a ser então uma Lei Especial, a mais importante de todas. Embora o Código Civil Alemão abordasse uma gama aberta de assuntos, ele não apresentava uma noção geral de inexecução, trazendo, apenas, a regulamentação de algumas de suas

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formas, quais sejam, a impossibilidade e a mora (do devedor e do credor). Foi apenas na sua reforma realizada em 2002, que houve a positivação sobre o inadimplemento31. Assim, com a reforma do Código Civil alemão, uma vez atestado o inadimplemento, deve o credor escolher entre resolver o contrato ou denunciá-lo e reclamar perdas e danos. A resolução do contrato afasta, portanto, a pretensão às perdas e danos, que, nesta legislação, constituem escolha alternativa. Na Alemanha, admite-se a resolução quando a prestação carecer de interesse para o credor (§ 326, 2ª parte32), podendo esta ser exercida mesmo extrajudicialmente. Ennecerus observa, quanto a este elemento, ser “indispensável que a prestação não tenha interesse algum para o credor (coisa que raramente ocorrerá) senão que basta não tenha já interesse algum no cumprimento (recíproco) do contrato bilateral, isto é, em câmbio mútuo de prestações33”. No entanto, o exercício desse interesse do credor não é ilimitado, no sentido de que não será qualquer desinteresse na reciprocidade da obrigação comutativa que ensejará o direito resolutório. Larenz considera que a graduação do desinteresse do credor autorizador da resolução pelo descumprimento gerado deve ser examinado à luz do princípio da boa-fé objetiva, previsto no parágrafo 242, pois, no caso da falta de parte insignificante da prestação, não cabe ação resolutória34”. Por conseguinte, ao credor não é permitido resolver o contrato quando faltar apenas uma pequena parcela em relação ao todo, cuja ausência não impede a satisfação do seu interesse. Se este é mantido, há a caracterização do adimplemento substancial neste sistema jurídico, como prevê § 323 (5) do código civil alemão ao regular esse instituto na medida em que prevê se a lesão obrigacional decorrente da ausência da execução da prestação do devedor for

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CANARIS, Claus-Wilhem. La riforma Del diritto tedesco delle obligazione. p. 27. BGB § 326, 2ª parte: “Se a realização do contrato, em conseqüência da mora, nenhum interesse tiver para a outra parte, caberá a ela os direitos assinalados na alínea ‘1’ sem que seja necessária a estipulação de um prazo”. in Ruy Rosado de Aguiar Junior, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. p. 130. 33 Tratado de Derecho Civil. Vol. II, tomo I. p. 271. 34 LARENZ. Derecho de obligaciones. Revista de Derecho Privado, p. 327. 32

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insignificante não caberá resolução; seja a prestação decorrente de uma obrigação principal ou acessória35. Mas não é só o interesse valorado na configuração dessa espécie de adimplemento. Também é verificada a aceitação do credor quanto à parte da obrigação executada, sem opor qualquer resitência, extraindo benefícios do seu cumprimento. Assim, não é legítima a recusa em receber a obrigação realizada na ausência de parte diminuta da prestação, “se não se opuser à aceitação nenhum interesse objectivamente fundamentado36”. De fato, não seria equânime permitir que o credor usufruísse do adimplemento substancial e, posteriormente, pleiteasse a resolução do contrato. Não obstante, a jurisprudência alemã, na caracterização do adimplemento substancial, considera não unicamente os interesses do credor, mas também o fim do contrato, adotando esse critério objetivo como critério basilador da extensão da inexecução. Por conseguinte, há a coibição máxima da prevalência dos interesses egoísticos das partes, sendo a preservação do negócio jurídico o lema perseguido. Essa preocupação é importante, na medida em que o ordenamento jurídico alemão desvinculase da vertente em que apenas são fundamentais os interesses da parte, fundamentados na autonomia da vontade, para avaliar a consecução do fim do contrato como ponto de partida e ponto de chegada, ou seja, se na fase do sinalagma genético e funcional as medidas realizadas pelas partes visam à execução regular do contrato. Nada adianta prestigiar a vontade das partes, se o fim do programa contratual não é atingido. Na realização da prestação quase que totalmente, o descumprimento de parte ínfima da obrigação é regrado nos preceitos do princípio da boa-fé objetiva, como prevê o § 320, II do Código Civil alemão: “De una delle parti la prestazione fu fornita soltanto parzialmente, la controprestazione non può essere rifiutata, almeno nella misura in cui, secondo le circostanze

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Cfr. BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e Teoria do adimplemento substancial. p. 44. LARENZ, Lehrburch des Schuldrechts, I, München, 1987, § 10, “h”, p. 132. apud SILVA, Clóvis do Couto e. Contrato de Engineering. p. 222.

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ed in particolare tenuto conto della poca importanza relativa della parte residua, questo rifiuto sarebbe contrario alla buona fede37”. Em outras palavras, a aceitação ou a recusa da prestação executada sem uma parte mínima só será legítima se não contrariar a boa-fé objetiva na dimensão que Larenz preconiza “cada um fica vinculado a fé da palavra dada, que a confiança que constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser frustrada nem abusada, e que cada um se deve comportar como é de esperar de uma pessoa honrada38”. Esse padrão de comportamento acaba por se revestir em um standard que deve ser atentamente seguido pelos contratantes, quanto mais no momento da constatação da inexecução de uma obrigação cuja proporção do descumprimento pode assumir uma gravidade robusta ou ser de pouca importância. Nesta última hipótese, a preservação do contrato impera com a possibilidade da parte adimplente postular pela redução proporcional da contraprestação devida ou pelas perdas e danos advindas do descumprimento mínimo da obrigação. O fundamento da aplicação do construto do adimplemento substancial advém do parágrafo 242 do Código Civil alemão que reconhece expressamente o princípio da boa-fé ao exigir que as partes executem suas obrigações nos termos da boa-fé, levando em consideração os usos de tráfico. Os usos de tráfico são os instrumentos que determinam comportamentos específicos exigíveis das partes durante todas as fases de formação do contrato de acordo com a base da boa-fé objetiva. Esses usos são derivados da preocupação do legislador alemão em patrocinar o sistema jurídico germânico atrativo ao comércio através da segurança conferida. Essa confiança visa evitar a existência de disposições contratuais ou extracontratuais abusivas, que causem um desequilíbrio maléfico no contrato. Pela análise acima realizada, verificamos que no sistema jurídico alemão o adimplemento substancial é formado por meio da conjugação dos parágrafos § 242 e § 320, (2) e 37

PERSICO, Giovanni. L’eccezione d’inadempimento. p. 148. LARENZ, Richtiges Recht. Schuldrecht cit., p. 125 apud VASCONCELOS, Pedro Pais, Contratos atípicos. p. 398. 38

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especialmente 323 (5) do código civil germânico acima analisados, cujo conteúdo destes dispositivos legais abre a possibilidade de admitir o adimplemento substancial39, como medida semelhante adotada pelo direito suíço40, ao determinar que o credor é obrigado a receber a prestação parcial quando a rejeição dela represente um abuso de direito, ou seja, contrária à boa-fé, ao passo que houve a execução da obrigação mas com a falta de apenas uma parte ínfima da prestação em relação ao todo programa contratual, que não o desnatura.

2.4. Itália (civil law) Na Itália, a Teoria do adimplemento substancial é extraída por meio do conceito do inadempimento de scarsa importanza para limitar o direito de resolução nos casos em que o inadimplemento é de pouca importância, que não prejudique o núcleo do programa contratual, ao passo que possibilita a satisfação quase que integral dos interesses do credor. Assim, a expressão adimplemento substancial, na linguagem do direito anglo-americano é traduzida pela língua italiana como inadimplemento de scarsa importanza. Este conceito vem expresso no Código Civil da Itália, no artigo 1455, segundo o qual é excluída a resolução se o inadimplemento tiver pouca importância, nos seguintes termos: “Art. 1455: Il contratto non si pùo risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa impotanza, avuto riguardo all’ interesse dell’ altra41”. A interpretação corrente do mencionado artigo 1455 do Código Civil italiano conduz a resultado análogo. O inadimplemento insignificante da obrigação prometida possui reduzida importância e apenas abre possibilidade ao mecanismo resolutivo quando inutiliza a prestação principal ou a essência do contrato se a obrigação acessória tiver força de prejudicar o cumprimento daquela. Dalmartello42, após observar que o inadimplemento de pouca 39

ENNECCERUS-LEHMANN, Derecho de obligaciones. p. 1. VON TUHR, Andreas. Tratado de las obligaciones, p. 3. 41 ITÁLIA. Código civil italiano. p. 142. 42 DALMARTELLO, Arturo. Risoluzione del contratto. v. 16. p. 312. 40

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importância veda a demanda resolutória, e não a ação de cumprimento, consoante preconiza o artigo 1453 do Código Civil43 ao comentar a hipótese de resolução contratual, aduz que a configuração do adimplemento substancial depende da avaliação da suficiência do cumprimento. Se a proporção executada da obrigação é suficiente para satisfazer o interesse do credor que obterá benefício substancial, caracterizada estará a pouca importância da inexecução. A gravidade da inexecução deve ser valorada objetivamente com base nas circunstâncias do caso concreto e levando em conta os elementos que são relevantes nesta valoração, tais como interesse do credor e atingimento do fim do contrato cujo núcleo do seu objeto deve ser alcançado substancialmente. Isso porque “si svilupparono norme di ‘adempimento sostanziale’ a tutela degli attori che aveano quasi (ma non del tutto) completado la prestazione44” é reconhecida pelo sistema jurídico italiano, na medida em que a tutela jurídica do devedor é cabível na configuração do adimplemento substancial na exata medida da preservação do contrato, cuja manutenção fundamenta-se na boa-fé, pois permitir sua resolução e o retorno ao status anterior seria prejudicar por demais o devedor adimplente quase que integralmente na sua obrigação. O artigo 1455 não faz distinção entre obrigação principal ou acessória; apenas limita a estabelecer um critério de ordem geral: a pouca importância do inadimplemento deve ser correspondente ao interesse que a certeza e a tempestividade do adimplemento teria para a outra parte. Essa maneira generalizada de estabelecer essa posição conduz ao entendimento de que o adimplemento substancial é aplicável tanto na obrigação principal como na acessória, sendo que nesta apenas terá relevância se a inexecução atingir diretamente àquela. Nesse diapasão, insta verificarmos o posicionamento da jurisprudência italiana neste assunto, por meio da sentença proferida pela Corte de Cassação, em 18.04.1939, nº 1238: “Non ogni minima inadempienza da parte di uno degli obbligati autoriza l’altro a rendersi inadempiente 43

“Art. 1453. Nei contratti con prestazioni corrispettive, quando uno dei contraenti non adempie lê sue obbligazioni, l’altro può a sua scelta chiedere l’adempimento o la risoluzione del contratto (1878, 1976, 2652), salvo, in ogni caso, il resarcimento del danno”. 44 GILMORE, Grant. La morte del contratto. p. 66.

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agli obblighi contrattuali, non può infatti applicarsi il principio inadimplenti non est adimplendum senza valutare l’entità el’importanza delle reciproche inadempienze, al fine di decidere se tra le violazioni contrattuali dell’uno equalle dell’altro contraente esisteva un nesso d’interdipendenza e quella esatta proporcionalità che è necessaria per pronunciare l’asso luteria delle reciproche domande di danni”. Segundo Ruy Rosado de Aguiar Junior, “a jurisprudência e a doutrina italianas têm fixado três critérios para definir o que seja inadimplemento de não escassa importância, em vista do interesse da outra parte: ou se leva em consideração (a) a causa do contrato ou (b) o equilíbrio das prestações, ou (c) os motivos individuais expressos ou implícitos. A opinião largamente aceita na doutrina recomenda que a importância do adimplemento seja aferida segundo critério objetivo, fundado na equivalência entre prestação e contraprestação45.” Essa objetividade imposta pela doutrina italiana é salutar porquanto que possibilita ao operador do direito extrair, no caso concreto, exatamente a proporcionalidade existente na ruptura da reciprocidade calcada na prestação e contraprestação. Se houver uma dimensão mínima da ruptura contratual, não prejudicando o equilíbrio do programa contratual, será concretizado o adimplemento substancial. Essa é uma concepção objetiva no julgamento realizado que deve ser processada na consciência dos contratantes e do operador do direito (seja o advogado ou o juiz) ao verificarem a consistência do inadimplemento gerado: se for insubistente, o contrato deve ser mantido; caso contrário, a resolução do programa contratual é aplicável. Em suma, não existe uma regra fechada e homogênea. Nesse sentido, transcrevemos um pequeno trecho da decisão da Corte de Cassação italiana reafirmando que: “A objetiva consistência do inadimplemento deve constituir critério prevalente na avaliação de sua importância46.” Assim, cabe ao juiz, com fundamento no artigo 1455, e utilizando um critério de boa-fé objetiva, verificar a gravidade do inadimplemento em sua consistência, e o interesse concreto do co-contratante na exata e tempestiva prestação. Se este ainda se mantém na prestação 45 46

Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. p. 101. Acórdão de 28.06.96, nº 4.311, Rivista Del Diritto Commerciale, 1987, nº 9, p. 462.

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substancialmente executada, não terá sido grave o inadimplemento. Somente o será aquele que turbar sensivelmente o equilíbrio contratual, de modo a fazer com que a parte adimplente sofra sacrifício além do limite razoável, dos riscos inerentes ao negócio. O substrato do adimplemento substancial está diposto no artigo 1175 do Código Civil47 italiano, o qual estabelece que ambas as partes contratantes devem se comportar segundo a boa-fé, objetivamente considerada, no sentido de regra de conduta mensurada pelos padrões de confiança e probidade esperados na conduta dos contratantes. Por outro lado, pela boa-fé objetiva, o credor deve assumir posição de não impedir o devedor a cumprir com sua obrigação48. Essa obrigação negativa é exigida da parte adimplente, que aguarda o cumprimento da prestação para executar a respectiva contraprestação, como norma jurídica imperativa também prevista no artigo 1337 do Código Civil italino que determina: “Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo buona fede49”. A boa-fé objetiva como fundamento do adimplemento substancial reveste-se de legalidade a manutenção do contrato diante da gravidade da inexecução apresentar pouca importância em relação ao todo do programa contratual, justificando assim o adimplemento substancial em uma modalidade autônoma do adimplemento e do inadimplemento com efeitos próprios como a permissão da indenização das perdas e danos sofridos pela parte adimplente ou a redução proporcional de sua contraprestação.

2.5. Portugal (civil law) Em Portugal, o adimplemento é “... a realização da prestação devida50”. Não obstante, a valoração do adimplemento dentro do contexto do contrato não se denota rígido o princípio da 47

“Art. 1175. (Comportamento secondo correttezza). Il debitore e il creditore devono comportarsi secondo le regole della correttezza”. 48 FERRI, Luigi. L’autonomia privata. vol. 2. p. 194. 49 Op. cit., p. 92. 50 CORDEIRO, António Menezes. Direito das obrigações, vol. 2, p. 64.

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integralidade do adimplemento (CC, art. 763º, nº 1), na medida em que não é requisito da contraprestação do credor, isto é, embora todo contrato exija o adimplemento total e satisfatório, o sistema jurídico português admite o adimplemento substancial dentro dos parâmetros da boa-fé, fundamentado na norma positiva do artigo 762º, nº 2, do Código Civil: “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé51”. Pela boa-fé, objetivamente considerada, não é permitido resolver o negócio quando o interesse do credor é atingido pelo “defeito pouco relevante, não se justifica a rejeição52”. Para Mário Júlio de Almeida Costa, “tudo reside na prova de que as deficiências, dado o seu vulto, justificam a conduta do credor53”. Em outras palavras, se demonstrado a insuficiência da ausência do cumprimento mínimo da prestação, não é justificável a rejeição da maior parte da obrigação já executada. A extensão dos danos causados pela insignificante parte descumprida não assume maiores reflexos que ensejariam a resolução. Em crítica à orientação de pugnar pela incidência analógica das normas sobre o inadimplemento relativo, sustentada por Orlando Gomes54, o jurista português José Carlos Brandão Proença55 aponta a resolução como remédio subsidiário, construindo a doutrina portuguesa regime próprio a contratos específicos, ora suprindo o déficit do cumprimento, ora sobrelevando o remédio resolutório. Em sentido contrário, Galvão Telles56, que sustenta ser passível sempre de “rescisão” o contrato nessa hipótese, salvo se o inadimplemento for de escassa importância. Segundo José Carlos Brandão Proença, o legislador português aderiu ao critério objetivo, pelo qual “a gravidade do incumprimento resultará da projeção do concreto inadimplemento (da 51

PORTUGAL. Código Civil (1966), p. 822. MARTINEZ, Pedro Romano. Cumprimento defeituoso – em especial na compra e venda e na empreitada. p. 288. 53 Direito das obrigações, p. 743. 54 Obrigações. p. 201. 55 A resolução do contrato no direito civil, p. 146-154. 56 Direito das obrigações, p. 442-443. 52

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sua natureza e da sua extensão) no interesse atual do credor (a nota subjetiva do objetivismo), ou seja, será aferida pelas utilidades concretas que a prestação lhe proporciona ou proporcionará57”. E nesse aspecto o sistema jurídico português não se distingue do ordenamento jurídico italiano, ao passo que, em ambos sistemas existe previsão expressa na legislação coibindo a resolução nessa hipótese – no italiano, no artigo 1455 e no português no artigo 802 (2) –; sendo o adimplemento substancial considerado a partir da valoração concreta do inadimplemento gerado e de acordo com a concepção da noção de inadimplemento de pouca importância (scarsa importancia). Outrossim, segundo Bianca, não é possível a recusa da prestação, se a ausência mínima do cumprimento não permita a resolução do contrato58, sob a visão da ausência da prestação ser insusceptível de autorizar a recusa a receber a prestação e, conseqüentemente, impedindo o exercício do direito resolutório. De sorte que no direito português, esse insituto é definido objetivamente pela legislação codificada, sendo construído a partir do elemento de gravidade gerada no descumprimento insignificante da prestação, e de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, no qual será auferida a extensão da inexecução mínima da prestação em relação ao contrato como um todo. Outro elemento que também será levado em conta será o interesse do credor em receber a prestação executada na proporção ofertada. A análise do interesse do credor em receber a prestação é formulada mediante a hermenêutica de alguns dispositivos legais do Código Civil, quais sejam: “Art. 793, 2ª parte (impossibilidade parcial): “Porém, o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio59”.

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Op. cit. p. 142. Diritto Civile, volume IV, L’Obbligazione, p. 57. 59 PORTUGAL. Código Civil (1966). Op. cit., p. 830. 58

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“Art. 808 (perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento): “(1) Se o credor, em conseqüência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. (2) A perda do interesse do credor é apreciada objetivamente60”. Embora referidos artigos não disponham, expressamente, sob a perda do interesse do credor mediante o adimplemento substancial, é possível extrairmos alguns requisitos existentes nesse elemento aplicáveis ao regime jurídico desse instituto, por meio dos seguintes parâmetros: a perda do interesse do credor deve ser justificada para legitimar a resolução do contrato, sob pena da conduta do credor infringir a boa-fé objetiva; e não é qualquer desinteresse que permite a resolução, apenas aquele vinculado à ausência de benefício auferido pela parte adimplente (elemento objetivo). Com a conjugação desses elementos, o artigo 802º, nº 2, do Código Civil Português estabelece, expresamente, o regime jurídico do adimplemento substancial, aplicável tanto na obrigação principal como na acessória, verbis: “O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância61”. A redação do dispositivo legal acima transcrito expressa a exceção razoável do princípio de que o adimplemento é a execução integral da obrigação, como preleciona Menezes Cordeiro. Essa exceção só é permitida com base no princípio da boa-fé segundo o qual a resolução do contrato é preterida à manutenção do contrato no adimplemento substancial, pelo simples fato de que o referido direito potestativo torna-se abusivo se aplicado nesta hipótese e, portanto, contrário aos ditames dos valores éticos da boa-fé. Mário Júlio de Almeida Costa62 ao comentar o artigo 802, nº 2, do Código Civil Português ressalta que o ordenamento jurídico português veda a possibilidade do credor de resolver o contrato “se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa 60

Idem, Ibidem, p. 841. Idem, p. 839. 62 Op. cit. p. 894. 61

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importância”. A adoção deste artigo no diploma civil lusitano é de suma importância, pois estabelece, claramente, que o adimplemento substancial deve ser considerado pelo credor, o qual não pode, por mera vontade própria, recusar-se em receber a prestação de uma obrigação que apenas não foi executada em parte mínima de pouca importância. A legislação portuguesa ainda apresenta um dispositivo legal específico para nortear um critério matemático caracterizador do adimplemento substancial e coibidor da resolução contratual, verbis: “Artigo 934º. Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativa às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário63”. Mário Júlio de Almeida Costa ao comentar o artigo em referência, assinala que “... se o comprador deixou de pagar uma única parcela, só se verificará a exigibilidade imediata das restantes quando a prestação omitida exceda a oitava parte do preço. Encontrando-se em atraso duas ou mais prestações, então a perda do benefício do prazo opera-se independente do montante destas. O art. 934º é imperativo, pelo que toca à proteção mínima dispensada ao comprador. Quer dizer, a defesa nele estabelecida não pode ser prejudicada por acordo das partes, embora estas tenham a faculdade de estipular um regime mais favorável ao comprador do que o previsto no referido preceito64”. Destarte, se as partes não convencionarem um programa mais favorável às hipóteses de inadimplemento, o artigo em referência deve ser aplicável a qualquer contrato, controlando o exercício do direito potestativo resolutório porquanto que determina que a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato. Esse critério objetivo é de grande valia aos operadores do direito ao revestir de concretude a análise da ausência de execução de parte mínima do contrato. Se esta não exceder a oitava parte do preço convecionado, há a configuração do adimplemento substancial, sendo inequívoca sua caracterização e a aplicação dos seus efeitos mediante a 63 64

Op. cit., p. 901. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. p. 915

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preservação do contrato e a indenização por eventuais perdas e danos apurados a favor da parte adimplente.

2.6. França (civil law) No direito francês, em caso de inexecução parcial ou de pouca gravidade, proporcionando ao credor o benefício essencial do contrato rejeita-se a resolução, cabendo somente o pedido de indenização, como previsto no artigo 1184 do Código Civil francês (résolulion avec dommages et intérêts). A resolução, que deverá ser requerida pelo interessado mediante medida judicial, apenas será justificada se houver uma gravidade suficiente a atingir a causa do contrato, resultando em um prejuízo resultante em perdas e danos sancionados pela responsabilidade do devedor, como expressa o artigo 1184 do Código Civil francês. O Código Civil francês não confere ao credor um direito perfeito à resolução e transfere ao juiz o juízo de eqüidade que será essencial para identificar a hipótese de inadimplemento absoluto ou de adimplemento substancial. Na França, o tribunal pode desatender ao pedido de resolução e conceder ao pedido de perdas e danos, ou deferi-los cumulativamente, ainda que não requeridos; ou conceder um prazo adicional para ensejar ao devedor uma última oportunidade de cumprimento65. Essa regra permite ao juiz beneficiar o devedor inadimplente com uma dilatação do prazo contratual. Mas a jurisprudência francesa também exercita este poder em caso de inexecução parcial ou de pouca gravidade que proporcione ao credor o benefício essencial do contrato, no sentido de declarar a manutenção do contrato, rejeitando o pedido resolutivo, mediante o pagamento de uma indenização. Isto em vista da resolução ser concebida como sanção extraordinária ou subsidiária.

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No ordenamento jurídico pátrio, não foi concedida tal prerrogativa ao juiz.

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Outrossim, o Código Civil Francês, em seu artigo 1134, regula o fundamento regente das convenções entre as partes, ao determinar que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram. Só podem elas ser revogadas pelo seu consentimento mútuo, ou pelas causas que a lei admite. Devem ser executadas de boa-fé66”. Esse dispositivo confere o poder aos particulares de criarem normas jurídicas individuais por meio da celebração do contrato, mas desde que estejam dentro dos parâmetros da boa-fé. A boa-fé incide principalmente no momento da verificação do adimplemento ao constatar a parte integral ou quase total da prestação cumprida. Em conseqüência, neste ordenamento jurídico, o adimplemento substancial é formado a partir da hermenêutica dos artigos 1184 e 1134 do Código Civil, inexistindo dispositivo legal expresso que regule esse instituto. No entanto, essa ausência não obsta o reconhecimento do adimplemento quase integral da prestação o qual impede a resolução, mas fundamenta o pedido de perdas e danos a favor da parte adimplente.

2.7. Espanha (civil law) No Código Civil espanhol, a resolução vem regulada por meio do artigo 1124 com conteúdo semelhante ao artigo 475 do nosso Código Civil, no sentido de que o pedido de resolução é facultado diante do inadimplemento ou se a parte adimplente preferir, poderá requerer o cumprimento da prestação, sendo viável em ambas as hipóteses a indenização por perdas e danos. A jurisprudência espanhola só admite a resolução nos casos em que o incumprimento for substancial. Para Aurora Gonzaléz Gonzaléz67, a jurisprudência espanhola admite a ampla indenização por perdas e danos, na configuração do adimplemento substancial, porque se revelaria espinhoso ao juiz verificar e medir, minuciosamente, a gravidade do 66

FRANÇA. Código Napoleão (francês), p. 254. GONZÁLEZ GONZÁLEZ, Aurora. La resolución como efecto del incumplimiento en las obligaciones bilaterales. p. 40-42.

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inadimplemento. Assim, esse critério é valorado pelo magistrado objetivamente, ao considerar “a objetiva importância econômica do incumprimento, e não a importância do incumprimento para o credor68”. Essa objetividade abre duas vertentes importantes na valoração da inexecução da obrigação, quais sejam: (i) a função econômica social do contrato diante do descumprimento mínimo de parte da prestação que enseja, por critério da equidade, a manutenção do contrato, ou por outro lado, a mesma função perante o inadimplemento concreto que inutiliza a prestação, ocasionando a resolução contratual; e (ii) o interesse do credor diante do adimplemento substancial ou do descumprimento grave da obrigação, o qual deve ser graduado e obstado, na primeira hipótese, para evitar o exercício arbitrário do direito subjetivo. A questão do interesse do credor diante da inutilidade da prestação é tratada por Diez Picazo, ao preconizar que “tratando das obrigações bilaterais, observa a complexidade que assume o adimplemento ruim, ensejando a diminuição da contraprestação (quanti minoris) ou mesmo a ‘redibição’, e aduz exigir-se, segundo as diretrizes jurisprudenciais, o decaimento do objetivo contratual ou a inutilidade da prestação69”. “ O objeto contratual diante da valoração objetiva da gravidade do inadimplemento reverte em um juízo de valor diante da distinção “daquellas causas de incumplimiento de la obligación que afectan a la esencia de ésta, haciendo imposible su realización, y aquellas otras que, sin afectar fundamentalmente al vínculo ni impossibilitar la prestación, suponen una defectuosidad o mal cumplimiento de lo convenido. En el primer caso se habla del incumplimiento proprio. En el segundo caso, de incumplimiento improprio; su hipótesis más importante es la del incumplimiento con relación al tiempo, que determina al concepto de la ‘mora’70”. O adimplemento substancial aproxima-se da segunda hipótese de incumprimento apenas na linha de não impossibilitar a prestação.

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MEORO, Mario E. Clemente. La facultad de resolver los contratos por incumplimiento, p. 254. DIEZ PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial, p. 692. 70 CASTÁN, Derecho Civil Español, Común y Foral. Tomo III. p. 148. 69

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A Teoria do adimplemento substancial no direito espanhol é aplicável em relação à obrigação principal ou acessória, destacando que esta é causa de resolução quando: “(1) implica o incumprimento da obrigação principal; (2) tiver sido pactuado que seu descumprimento resolveria a relação, respeitados os limites da boa-fé; (3) o incumprimento de um contrato conexo só atinge os demais se demonstrado que a intenção das partes era a de não celebrar um sem os outros71”. Se não houver a concretização dessas hipóteses, o adimplemento substancial na obrigação acessória terá sido concretizado, evitando, assim, a resolução. Na Espanha, a jurisprudência admite o adimplemento substancial com fundamento no artigo 7.1. do Código Civil que determina o princípio da boa-fé nos seguintes termos: “Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigências de la buena fé72”. Em conseqüência, pela boa-fé exigida dos contratantes na ocorrência de descumprimento ínfimo, a parte adimplente não poderá requerer a quebra do vínculo contratual, sendo admitida apenas a postulação de indenização por perdas e danos73. A resolução fundada em inadimplemento concreto e grave é considerada como aquela resultante de impossibilidade superveniente ou de vontade deliberadamente rebelde manifestada pelo devedor, contrária ao contrato. Esse critério não foi recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico, pois é admitida a resolução sem culpa do devedor (art. 235, CC). Além disso, a vontade deliberadamente rebelde está mais próxima da vontade intencional de descumprir o contrato, que é o dolo, do que da culpa, exatamente a hipótese mais ocorrente. É fato que a vontade do devedor é critério subjetivo que assume papel secundário diante da objetividade da gravidade do inadimplemento. Pelo exposto, observamos que a Teoria do adimplemento substancial não é positivada no Código Civil da Espanha, sendo reconhecida por meio da hermenêutica do princípio da boa-fé calcado no artigo 7.1. do Código Civil, bem como pelo princípio da conservação dos contratos os quais ensejam a relativização do princípio do pacta sunt servanda diante do descumprimento mínimo da prestação. 71

VIGARY, Rafael Alvarez. La Resolución de los Contratos Bilaterales por Incumplimiento, p. 119 GARCIA, Gregório Buron. Código civil español, p. 23. 73 GONZÁLEZ GONZÁLEZ, Aurora. Op. cit. p. 40. 72

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2.8. Argentina (civil law) No direito argentino, só é possível a resolução quando o descumprimento impedir de lograr o fim tutelado pelo contrato – qual seja, o adimplemento – proposto pelos interessados no momento de suas celebração. Caso não haja esse óbice, o pedido resolutório é considerado abusivo e injustificável, impondo a preservação do contrato. Carlos Miguel Ibanéz identifica dois critérios na valoração do descumprimento que tenha força de impedir a satisfação do adimplemento (fim do contrato): (i) o subjetivo, que leva em conta a vontade das partes; e o objetivo, o qual considera a interdependência das prestações, ao permitir a resolução contratual apenas quando haja uma substancial ruptura no contrato74. Como o critério objetivo é o mais empregado na valoração do inadimplemento, até mesmo por segurança na interpretação desenvolvida, este elemento é mensurado por meio da boa-fé objetiva, sendo também elemento decisivo na avaliação da gravidade do inadimplemento gerado. Esse princípio vem disposto no artigo 1198 do Código Civil da Argentina, verbis: “los contratos deben celebrarse, interpretarse y ejecutarse de buena fe y de acuerdo con lo que verosimilmente las partes entendieron o pudieron entender, obrando con cuidado y previsión75”. Segundo o doutrinador argentino Juan Luis Miguel, em vista da boa-fé objetiva (artigo 1198 do Código Civil), nem todo descumprimento origina a resolução do contrato, apenas aquele que o impede de lograr o fim tutelado pelo contrato, isto é, o adimplemento. O fundamento do instituto da resolução na frustração da causa do contrato, no sentido que lhe dá a doutrina italiana: função econômico-social do contrato76.

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Resolución por incumplimiento, p. 183. SARFIELD, Dalmacio Vélez & GRECO, Roberto Ernesto. Código Civil de la República Argentina y legislación complementaria, p. 237. 76 MIGUEL, Juan Luis. Resolución de los Contratos por Incumplimiento. p. 141. 75

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A frustração da causa do contrato indica a impossibilidade do alcance da função econômicosocial do contrato, o que inviabiliza o adimplemento que busca exatamente essa função ao ser disposto pelos contratantes. Como no direito argentino, não há previsão expressa desse instituto na legislação, ficando ao encargo da jurisprudência traçar alguns nortes ao proferir julgamentos que consideram configurado o adimplemento substancial quando efetuado o pagamento do preço do contrato em mais de 45%, 60%, 2/377, etc... No entanto, essa diretriz não é regra absoluta e matemática, sendo analisada caso a caso de acordo com o programa contratual convencionado, sendo o princípio da boa-fé objetiva o elemento decisivo na valoração entre a parte executada e a proporção mínima descumprida.

2.9. Costa Rica (civil law) Na Costa Rica, o Código Civil não apresenta um artigo específico sobre o adimplemento substancial, mas tão somente dispositivo legal – o artigo 692 – exclusivo para tratar da hipótese da resolução do contrato, diante do inadimplemento, independentemente da graduação deste, verbis: “Artigo 692. En los contratos bilaterales va siempre implícita la condición78 resolutoria por falta de cumplimiento. En este caso la parte que ha cumplido puede exigir el cumplimiento del convenio o pedir se resuelva con daños y perjuicios”.

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RAMELLA, Anteo E. La Resolución por Incumplimiento. p. 60-61. Quanto à conceituação da resolução como condição implícita, insta fazer uma breve explanação, a fim de desmistificar referido ponto de vista. O direito à resolução da parte adimplente, diante do inadimplemento do outro contratante, é um direito potestativo, na medida em que permite àquele exigir o cumprimento ou requerer a resolução, não sendo, assim, uma condição implícita, mas sim verdadeiramente um direito formativo extintivo que permite ao contratante inocente exigir outro comportamento do inadimplente, qual seja o pagamento dos prejuízos sofridos pelo inadimplemento, em conseqüência da extinção do contrato. Assim, no rigor técnico do conceito de condição, não se insere a resolução, posto que esta é um direito potestativo. Tal visão era oriunda da interpretação do artigo 1184 do Código Civil Francês, a qual não prevalece mais na moderna doutrina dos contratos.

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A resolução por inadimplemento dos contratos com prestações recíprocas estabelecida no artigo 692 do Código Civil, acima transcrito, não oferece no Direito positivo do referido país, adequada e conveniente disciplina, como adverte Pablo Casafont Romero79, na medida em que não prevê possibilidades nas quais o inadimplemento ocasionado representa apenas uma parcela ínfima da obrigação principal, ou ainda, se atinge apenas uma obrigação secundária que não reflete diretamente naquela, inexistindo, portando, fundamento objetivo que justifique a resolução do contrato. Assim, não existe permissão legal expressa no sentido de admitir-se a manutenção do contrato diante do adimplemento substancial, ensejando, apenas a indenização por perdas e danos. A resistência, a primeira vista, do ordenamento jurídico da Costa Rica em aceitar a Teoria do adimplemento substancial vem justificada na interpretação literal dos brilhantes ensinamentos de Messineo, segundo o qual a resolução é sempre o remédio para qualquer espécie de inadimplemento, na medida em que possui “... función equilibradora en benefício de la parte no incumplidora damnificada por el incumplimiento80”. Efetivamente, não é lícito admitir que a parte inocente seja prejudicada pelo inadimplemento da outra; no entanto, igualmente não é lícito permitir a resolução do contrato, sob o fundamento do equilíbrio contratual, se a quebra do contrato não representa inexecução da obrigação substancial, e o término do contrato, nessas circunstâncias, retornando as partes ao status quo ante, com o pagamento da devida indenização, configurará o efetivo desequilíbrio contratual. Se o objetivo é buscar o equilíbrio contratual, o reconhecimento da Teoria do adimplemento substancial é imperativo, pois sua função essencial nada mais representa senão o reencontro do equilíbrio do programa contratual diante do restabelecimento do contrato quando uma parcela ínfima do inadimplemento não desnaturou a obrigação principal consoante o interesse do credor, indicado desde o início da celebração do respectivo negócio jurídico. Efetivamente, a legislação da Costa Rica não vislumbrou, a princípio, esse outro lado do equilíbrio contratual na recusa legítima da resolução do contrato, como se verifica no julgamento da Corte de Cassação, em 13.04.1956, ao afirmar que a ação resolutória está 79 80

Ensayos de Derecho Contractual. p. 13. Doctrina General del Contrato. Tomo II, p. 337.

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fundamentada na eqüidade e na vontade presumida das partes81. Com a devida vênia, discordamos que o término de um contrato possa representar a vontade presumida das partes, se o fim maior de todo e qualquer contrato é o adimplemento e não a sua extinção anormal. O fundamento desse julgamento deve-se as “... razones de seguridad jurídica para sustentar su punto de vista estricto, ante la necesidad, según expressan, de resguardar la contratación manteniendo inalterable el principio de obligatoriedad del contrato que es ley para las partes, y negando en consecuencia toda facultad de apreciación en el Juez sobre la intensidad del incumplimiento, de su importancia, a los efectos de resolver el convenio82”. Embora essa forte tendência à resolução do contrato estivesse enraizada no sistema jurídico deste país, no prestígio do princípio pacta sunt servanda, pela exigência do princípio de boafé e da necessidade de relevar a exata valoração da “importancia del incumplimiento83”, conduziu-se à mutação da regra rígida da resolução do contrato, por meio da interpretação analógica de outros dispositivos dispostos nesse sistema jurídico, a fim de permitir a salvaguarda do contrato diante do inadimplemento ínfimo ou secundário, que não desnatura o adimplemento realizado como meio de satisfação dos interesses do credor. De fato, o conceito da intensidade ou gravidade do inadimplemento destaca-se na teoria da resolução do contrato, abrindo caminho para uma nova Teoria, qual seja, a do adimplemento substancial, a qual mesmo existindo apenas o artigo 692 do Código Civil, o qual determina que o juiz decrete sempre a resolução do contrato, independente da intensidade do inadimplemento, assumiu contornos de importância e ganhou seu respectivo espaço dentro desse sistema alienígena. Em conseqüência, observamos que o inadimplemento atinge diferentes contornos e, apenas quando se revestir de gravidade ou de suma importância, resultará na resolução do contrato. Caso contrário, se existe a falta de cumprimento de uma obrigação, sendo esta de reduzida intensidade, ou de pouca ou mínima importância, não alterando a essência da relação 81

ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit, p. 24. Idem, Ibidem, p. 31. 83 Op. cit., p. 31. 82

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obrigacional nem os resultados pretendidos pelos contratantes, inexiste a concretização da vontade do inadimplente em inadimplir substancialmente o contrato. Como parâmetro para delimitar a concretização do adimplemento substancial, a doutrina partiu da diferenciação entre as obrigações essenciais ao contrato e outras de mero interesse secundário – obrigações acessórias –, sustentando que no primeiro caso há um real inadimplemento em razão de uma vontade do inadimplente totalmente contrária ao fim do contrato, i.e. o adimplemento. Por sua vez, nas segundas espécies de obrigações, a inexecução da obrigação, adimplida substancialmente, reveste-se de pouca ou mínima importância, não sendo admitido sustentar uma vontade ou conduta oposta ao acordado no contrato que objetive frustar suas finalidades ou que lesione o interesse do outro contratante. Com essa transmutação de conceitos da rígida regra da resolução do contrato expressa na legislação civil em toda e qualquer circunstância, ocasionou a incorporação da Teoria do adimplemento substancial, na medida em que a jurisprudência da Costa Rica, em meados do século XX passou a reconhecer em seus julgados que “... a resolución del vínculo contractual (...) no es aplicable cuando se trata de obligaciones de carácter accesorio o complementario respecto a las prestaciones o las contraprestaciones que constituyen el principal objeto del contrato84.” (Sentença do Tribunal Supremo de 16.05.1945). No mesmo sentido, a sentença proferida pelo mesmo Tribunal em 5.05.1953, destaca que “este precepto há de ser interpretado no de manera automática, hasta el punto de que cualquier infracción, por mínima que sea, conduce a la resolución del contrato, sino en sentido racional, lógico y moral, según se deduce de la S de 5-1º-1935, al sentar que para su aplicación requiere el principio de reciprocidad perfectamente caracterizado, que no se concedan más obligaciones sin otras, y no entre en juego cuando se trate de obligaciones que estando incorporadas a un contrato tienen puro carácter accessorio o complementario con relación a aquellas prestaciones o contraprestaciones, en su caso, que constituyen el objeto principal del contrato85”.

84 85

NAVARRO, Rodríguez. Doctrina Civil del Tribunal Supremo. Tomo II, p. 3708. Idem, ibidem, p. 3710.

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Como se depreende, a recepção da Teoria do adimplemento substancial justificou-se pela necessidade de suprir as exigências da eqüidade na interpretação dos contratos e que tutela igualmente interesses da seguridade jurídica ao pretender a manutenção do vínculo contratual, pelo Princípio da Conservação do Contrato. Considerando que até hoje a redação do artigo 692 do Código Civil da Costa Rica permanece a mesma, urge ponderar que foi por meio da interpretação integradora e construtiva dentro do sistema jurídico, pelos artigos 1140 e 1147, ambos do mesmo diploma civil, que tratam do arrendamento de bens, que possibilitou o reconhecimento da Teoria do adimplemento substancial nesse país. Isso porque o primeiro dispositivo em referência prevê que na hipótese do arrendatário usar a coisa em fim diferente do seu destino, ou não a utilizar com a diligência normal de um homem médio, ou a usufrui de forma abusiva, causando prejuízo ao arrendante, este pode pedir o restabelecimento das coisas ao status anterior, sendo grave a contravenção, resolvendo-se o contrato com a indenização de perdas e danos. O segundo artigo, por sua vez, preceitua que se houver solicitado a resolução judicial do contrato de arrendamento, sob o fundamento do inadimplemento de uma das partes, pode o juiz, antes de julgar a ação, conceder ao inadimplente um prazo para o cumprimento da obrigação, exceto se a resolução se fundou na falta de pagamento do preço, ou se a resolução se fundamenta na omissão do demandado em uma obrigação de não fazer; mas com a ressalva de que o juiz deve sempre apreciar se a contravenção é ou não bastante grave para fundamentar a resolução do contrato. Assim, com a temperança do artigo 692 do Código Civil, ao exigir que a resolução do contrato apenas ocorrerá se houver a qualificação do inadimplemento como importante incumprimento da obrigação, o ordenamento jurídico da Costa Rica, como via de exceção à regra rígida da resolução do contrato, incorporou a Teoria do adimplemento substancial.

2.10. Direito internacional A análise da Teoria do adimplemento substancial no direito internacional gera um ambiente propício ao surgimento de questionamentos e respectivas respostas favoráveis à formação de seu conceito, na medida em que neste ambiente não se está diante de nações com condições

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comerciais igualitárias o que enseja a criação de situações bem peculiares e conceitos determinantes. Neste cenário, a constatação e o reconhecimento do espaço do conceito do inadimplemento fundamental foi um marco histórico, para, do outro lado, precisar o construto do adimplemento substancial advindo do sistema da common law. Em razão do alto grau de complexidade das relações jurídicas estabelecidas entre os países que assumem a posição de contratantes mediante estruturas políticas, sociais, comerciais e culturais distintas, houve a constatação do instituto do inadimplemento fundamental e seus desdobramentos na prática. É fato que no comércio internacional existe a tendência mais freqüente de exigir a aplicação de normas jurídicas mais harmônicas, com o intuito de preservar o equilíbrio entre as relações jurídicas estabelecidas, pois na maioria das vezes acontecem casos em que os contratantes não estão em posição de perfeita igualdade, tendo um deles menor poder de barganha do que o outro e a necessidade de transformar o ideal de justiça em realidade é iminente. A heterogeneidade das relações jurídicas formadas no âmbito internacional, seja ela oriunda da formação de diversos contratos coligados entre si, seja ela originada da pluralidade de partes contratantes, faz com que os legisladores dos Códigos e Convenções disciplinadoras de princípios transnacionais, tenham o esmero por construir instrumentos equânimes para regulamentar os contratos, visando concretizar o equilíbrio das relações, ajustando-as para o patamar mais igualitário possível.

2.10.1. O adimplemento substancial na Convenção de Viena

Na realização diária de contratos de compra e venda no cenário internacional, não há tempo nem espaço para os negociantes refletirem sobre a estrutura negocial tampouco a respeito dos conceitos intrínsecos aos contratos celebrados. Essa ausência de tempo propicia ainda mais a criação in natura de mecanismos jurídicos salvadores do vínculo contratual, pois no ambiente comercial internacional no qual bilhões de dólares estão em circulação, não se admite arbitrariedades do credor em rejeitar o contrato, sem qualquer justificativa plausível. É favorecida a manutenção do contrato até o limite razoável admitido pela Convenção de Viena,

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código regulamentador das relações comerciais celebradas na transnacionalidade do direito internacional dentro dos limites do inadimplemento fundamental. A Convenção de Viena foi editada em 1980 em Conferência Diplomática com representantes de 62 (sessenta e dois) estados e 8 (oito) organizações internacionais. Desde então, 54 (cinqüenta e quatro) estados dos 5 (cinco) continentes, incluindo quase que a maioria das nações, aprovaram, ratificaram e aceitaram a Convenção como código aplicável às relações internacionais e passaram a obedecer a seus preceitos. Embora na América do Sul, apenas a Argentina, Chile e Venezuela sejam signatários, é deveras importante a análise da sua aplicação, mesmo o Brasil não sendo signatário, uma vez que os seus dispositivos legais empregam-se muito bem na matéria de estudo do presente trabalho. Em razão da grande abrangência da Convenção de Viena na seara do direito internacional, a problemática exposta nas relações comerciais freqüentes em relação aos efeitos dos contratos, sejam estes acerca do inadimplemento absoluto ou relativo, sejam estes a respeito do adimplemento substancial, conduz à necessidade de ser esclarecido o conceito de inadimplemento fundamental, estabelecido no artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas na Convenção de Viena de 1980. Essa necessidade é iminente devido à tênue área que separa o inadimplemento fundamental e o adimplemento substancial, cuja proximidade gera controvérsias infinitas, se não houver o emprego correto e preciso de cada conceito em situações concretas específicas. Assim, por meio da extração do conceito do inadimplemento fundamental será mais fácil discorrer, com maior propriedade, que diante do adimplemento substancial, a parte lesada deve mensurar a exata dimensão do inadimplemento para que seja possível o seu exercício legítimo do direito de resolução quando o descumprimento revela-se importante e recaia sobre a obrigação principal, ou sendo obrigação acessória o inadimplemento desta impossibilite a preservação do programa contratual em relação à satisfação do interesse do credor conforme ditames contratuais previstos. Para a constatação dessa diferença, insta ponderar que o adimplemento substancial (substancial performance) do sistema da common law difere do inadimplemento fundamental

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(fundamental breach) exigido na seara internacional, pois neste a resolução é cabível, visto que o essencial da obrigação não foi cumprido e assim não houve a satisfação do credor. No adimplemento substancial é necessário avaliar se a relação obrigacional concreta foi atingida, isto é, se o contrato atingiu seus objetivos; e, caso positivo, a resolução não é admitida. A relação obrigacional complexa exige a satisfação dos interesses do credor, porém tem que se levar em consideração, também, os interesses do devedor, de acordo com a boa-fé. Assim, considerando a importância de precisar o conceito de inadimplemento fundamental, para descartar descumprimentos secundários, que não atingem a essência da obrigação, vale observar o disposto no artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas que assim estabelece: “Considera-se essencial a violação contratual cometida por um dos contraentes que causar ao outro contraente prejuízo tal que substancialmente o prive daquilo que poderia legitimamente esperar do contrato, salvo na hipótese de que o contraente faltoso não tenha previsto tal resultado, e que este não pudesse ser previsto, em igual situação, por pessoa razoável de mesma condição86.” Ainda no mesmo artigo, na sua parte 3ª, a Lei Internacional sobre Vendas complementa: “A quebra do contrato por uma das partes é fundamental se dela resulta um prejuízo para a outra parte a ponto de privá-la daquilo que podia esperar do contrato, a menos que a parte inadimplente não pudesse prever, e uma pessoa razoável, da mesma espécie e nas mesmas circunstâncias, não tivesse podido prever tal resultado87.” Na versão original em inglês: “A breach of contract committed by one of the parties is fundamental if it results in such detriment to the other party as substantially to deprive him of what he is entitled to expect under the contract unless the party in breach did not foresee and a reasonable person of the same kind in the same circumstances would not have foreseen such a result”. O teor do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, acima transcrito, é de interpretação complexa e controvertida, a começar pela expressão inadimplemento fundamental 86 87

Convenção de Viena. p. 57. Op. cit., p. 57.

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(fundamental breach), cujo conteúdo é deveras importante para o tema principal do presente trabalho. O conceito de inadimplemento fundamental exige a existência dos seguintes elementos: prejuízo substancial (substantial detriment), imprevisibilidade e razoabilidade no sentido de exigir uma pessoa ponderada (reasonable person) do lado da parte inadimplente. Em razão da complexidade do instituto, a redação do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, e conseqüentemente o conceito de inadimplemento fundamental, é fruto de inúmeras discussões de incontáveis propostas, tendo como objetivo a busca de precisão dos termos utilizados na definição. Apesar de tudo, a definição, tal como está redigida, não parece ser de fácil aplicação, tanto pelas partes, como por juízes, pois expressões nela existentes, v.g., previsibilidade, podem dar lugar a interpretações divergentes e contínuas mudanças de ponto de vista sobre o assunto88. A expressão fundamental breach (inadimplemento fundamental) foi estabelecida, em 1956, pela Uniforme Law on the International Sale of Goods (ULIS) – Lei Uniforme sobre Venda Internacional de Bens –, e que foi, posteriormente, adotada pela Conferência de Haia de 1964. A ULIS previa a fundamental breach tendo sido incorporada pelos ordenamentos jurídicos dos países membros como contravention essentielle, infrazione essenziale – isto é, infração essencial. A adoção do conceito de fundamental breach representa uma atitude recente dos legisladores idealizadores da Convenção Internacional, estando, portanto, dada sua recente aparição, aberto à interpretação. Não se constitui em um conceito histórico com raízes já solidificadas; o que exige dos operadores do direito maior atenção. A definição contida no artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas procura, antes de tudo, separar o inadimplemento fundamental do que não tenha essa qualificação, v.g. o descumprimento de parte mínima que caracteriza o adimplemento substancial. A distinção é 88

FRADERA, Véra Maria Jacob de. O conceito de inadimplemento fundamental do contrato no artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 15.

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realmente necessária, porquanto a existência ou não de inadimplemento fundamental é o termômetro para determinar a manutenção ou a resolução do contrato dentro das relações subordinadas ao direito internacional. A Professora Vera Fradera, mestre em direito comunitário pela Universidade de Paris II, verificou que “durante os trabalhos preparatórios da U.L.I.S., no ano de 1951, em Haia, o Delegado da Dinamarca propôs estender a noção de quebra do contrato a qualquer violação, de qualquer obrigação do contrato, substituindo a expressão breach of a fundamental obligation por fundamental breach of an obligation”. Pretendia, com esse recurso, evitar a resolução contratual e assim, salvar o contrato, caso a quebra, apesar de atingir uma obrigação fundamental, de fato causasse, apenas, um pequeno ou um insignificante prejuízo. A proposta foi aceita e incluída nos projetos de 1956 e 1963”89. O conceito de inadimplemento fundamental, nos termos do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, suscita a seguinte indagação: Qual seria o critério para considerar o inadimplemento como fundamental ou não? Michael Will90 sustenta que a origem do critério de inadimplemento fundamental estaria, justamente, no preceito “não teria concluído o contrato”, tendo sido esta idéia já esboçada nos projetos de Convenção, nos anos de 1939 e 1951, em Roma. Contudo, é preciso ter cautela a admitir essa noção em sentido amplo, pois a não conclusão do contrato pode estar relacionada a descumprimento parcial, sem desnaturar a obrigação fundamental, ou mínimo que não se caracterizariam na essencialidade da obrigação inadimplida exigida pelo inadimplemento fundamental. O inadimplemento fundamental, no plano das relações internacionais, é um pré-requisito exigido, como descumprimento essencial, cometido em sua integralidade, para resolver um contrato. Apenas diante do impedimento de bloquear os efeitos da obrigação esperada pelo outro contratante, privando-o da satisfação de seu interesse legitimado com base no contrato, 89 90

Will, Michael. Commentary on the International Sales Law, p. 209. Idem, p. 206 e ss.

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que há o inadimplemento fundamental. Nesta hipótese, a legislação internacional admite a resolução do contrato. Não sendo o inadimplemento qualificado como fundamental, aplica-se apenas ao inadimplente umaa pela reparação do dano por meio de uma indenização proporcional ao descumprimento. A extensão da violação de obrigação fundamental também encontra critérios de aplicabilidade nos artigos 49 e 64 da Convenção que admitem o direito do credor em resolver o contrato “se a inexecução pelo vendedor de qualquer uma das obrigações que resultam para ele do contrato ou da presente Convenção constituir uma violação fundamental do contrato91”. Além da privação do direito do contratante em receber a prestação devida, o inadimplemento fundamental também exige um prejuízo concreto à parte que possuía a expectativa pelo cumprimento e o mesmo não se deu, consoante estabelece a alínea b do artigo 49 da Convenção: o contrato não é resolvido, se o descumprimento não ensejar “um prejuízo tal que a parte fique privada substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar”; exceto nos casos em que não for possível evitar o descumprimento causado dentro dos limites do homem médio. Há ainda uma possibilidade do inadimplente cumprir com a devida prestação, a fim de evitar o inadimplemento fundamental, quando a parte da obrigação violada não for essencial para o contrato, hipótese na qual será dada a dilação do prazo para que seja possível executar a parte descumprida (Convenção, artigo 47.1.). Esse sistema denomina-se “Nachfrist”, sendo oriundo do direito alemão. Não sendo fundamental o dever inadimplido, é necessária a interpelação. Se o dever violado for fundamental, o prejudicado pode declarar a resolução do contrato extrajudicialmente, sem necessidade de ingressar em juízo, tornando-se, portanto, mais simplificada a solução do litígio. Esse dinamismo é necessário posto que nas relações transnacionais não há espaço para aguardar a resolução judicial que, na maioria das vezes, perdura por toda a eternidade até chegar em uma solução. Mas é evidente que a ordem internacional não permite declarações 91

Convenção de Viena. Op. cit. p. 65.

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insubsistentes de resolução do contrato, em razão do alto controle da boa-fé existente nestas relações comerciais. Por conseguinte, no contrato de compra e venda internacional, a legislação ora sob análise, enumera as hipóteses em que o comprador tem o direito de resolver o contrato no artigo 49 da Convenção Internacional sobre Venda, que estabelece, com clareza, as prerrogativas existentes a favor da parte adimplente. Por exemplo, de acordo com o disposto no § 10, letra “b” do referido artigo 49, a entrega, considerada obrigação essencial (fundamental obligation) quando não efetuada, dá lugar à aplicação do mecanismo da Nachfrist, ou seja, da concessão de um prazo suplementar. Há neste aspecto, portanto, uma exceção à regra geral do exercício do direito de resolução, face ao inadimplemento de obrigação essencial, porquanto o comprador pode optar pela resolução, mas, no caso, não imediatamente, apenas quando ficar configurado que o vendedor definitivamente não entregará a obrigação convencionada. Considerando que todo o problema gira em torno da condição da obrigação ser fundamental, a verificação da essência da obrigação, a fim de classificá-la como fundamental vem de encontro com a concreção do sofrimento, da outra parte contratante, de um prejuízo substancial, o qual depende de aferição do árbitro e da interpretação de cada caso concreto. Em outras palavras, é essencial a obrigação quando causar um prejuízo substancial que viole os elementos do programa contratual em proporção relevante que inviabilize o interesse da outra parte adimplente em preservar a vigência do contrato. Ressaltamos, como bem assevera Véra Fradera, que nas relações internacionais, às vezes, “as circunstâncias, muitas vezes cambiantes, poderiam, em casos excepcionais, transformar um aparentemente dano substancial, em um dano pouco relevante. Como exemplo de uma situação desse tipo, podemos imaginar o seguinte: um vendedor, desatento à obrigação de bem embalar a mercadoria, a fim de ser enviada ao comprador, não toma os cuidados que seriam necessários, mas, não obstante, a mercadoria chega intacta às mãos do destinatário. Houve descumprimento de uma obrigação fundamental, mas não resultou em prejuízo para o comprador. Se, contudo, o comprador tivesse perdido uma oportunidade de revenda do bem,

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ou tivesse perdido um cliente, então, sim, teria ocorrido o denominado prejuízo substancial, a que se refere o artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas92.” Isso significa que a prejudicialidade exigida pelo inadimplemento fundamental vem acompanhada da inutilidade da obrigação gerada nas hipóteses de descumprimento da respectiva prestação, ao passo que se houver um dano que não desnature a utilidade da prestação, não há que se falar em prejuízo substancial e, assim tampouco, em violação de uma obrigação fundamental do programa contratual passível da resolução do contrato. O regime jurídico do inadimplemento substancial prevê uma hipótese de exceção à responsabilidade do infrator na ocorrência do inadimplemento substancial, que evita a resolução contratual, quando há a possibilidade de comprovar que a violação da obrigação ocorreu, independente da diligência do supostamente responsável que mesmo procedendo de forma correta a cumprir a obrigação, foi surpreendido pelo resultado negativo da mesma. Essa situação denomina-se imprevisibilidade. Segundo pesquisa realizada por Véra Fradera, “a inclusão da imprevisibilidade, no artigo 25, referente ao conceito de inadimplemento fundamental, foi objeto de inúmeras críticas, por parte dos componentes do Working Group, encarregado de criar o projeto de Lei Internacional sobre Vendas, alegando-se que isto haveria de favorecer, encorajar a parte inadimplente, a invocar ignorância das circunstâncias. A conseqüência, inevitável, seria a de imobilização da outra parte que, mesmo prejudicada, nada poderia fazer. Por sua vez, os defensores da adoção da imprevisibilidade como meio de escusar-se o faltoso pelo inadimplemento, ponderam que o critério é eficiente, porque não basta declarar a imprevisibilidade, é preciso prová-la, e é evidente que nem sempre é fácil fazê-lo, tratando-se de um ponto de vista pessoal em relação ao assunto. Ainda que a parte inadimplente consiga provar a sua imprevisibilidade, isso só, não basta para satisfazer os ditames das normas relativas ao comércio internacional, outra exigência da Lei Internacional sobre Vendas existe, a de que uma pessoa ponderada, da mesma espécie e nas mesmas circunstâncias, não poderia, igualmente, ter previsto os acontecimentos93.” 92 93

Op. cit., 19. Idem, Ibidem, p. 23.

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Urge pontificar que em relação ao tempo para se configurar a imprevisilidade pela parte faltosa, as normas da Lei Internacional são omissas a respeito, tendo surgido várias sugestões por parte dos delegados membros da Comissão elaboradora. O critério mais prudente seria o de levar em conta o momento imediatamente subseqüente ao conhecimento dos fatos que tornassem impossível o cumprimento da obrigação. Por fim, a violação de obrigação fundamental causadora de prejuízo fundamental deve ocorrer nas circunstâncias de razoabilidade, isto é, diante da condição do inadimplente ser uma pessoa razoável que agiu dentro dos limites do homem médio – conceito fruto do desmembramento do conceito de boa-fé. Contudo, esse conceito é bem amplo, gerando inúmeras interpretações, pois de acordo com o caso concreto e as condições de adimplemento, chegaremos à extração do substrato do que venha a ser uma pessoa razoável. Segundo Michael Will, “the reasonable person test simply serves to eliminate unreasonable persons; i.e., those who are to be standard in international trade94”. Por esses ensinamentos, o critério da pessoa ponderada serve apenas para eliminar indivíduos não razoáveis ou não ponderados, isto é, aqueles que devem ser considerados intelectual, profissional ou moralmente nos padrões do comércio internacional. Mesmo com estes ensinamentos, o conceito ainda de pessoa razoável fica em aberto. Assim, o remédio é recorrer à interpretação do texto do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, no qual constam dois elementos que auxiliam o intérprete na tarefa de identificá-la, quais sejam, “pessoas da mesma espécie”, isto é, indivíduos que exercem a mesma linha de comércio, exercendo a mesma função, enfim, com o mesmo nível sócio-econômico; e com “as mesmas circunstâncias”, que diz respeito às condições comerciais nos mercados, tanto internacionais como regionais. Com a conjugação destes requisitos (descumprimento de obrigação fundamental, imprevisibilidade do inadimplemento e pessoa razoável responsável pelo inadimplemento) é 94

Op. cit., p. 219.

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concluída a estrutura exigida pelo inadimplemento fundamental, vista conforme os ditames da Convenção de Viena, especificamente pela Lei Internacional sobre Venda, sendo possível aplicá-la na seara internacional, sem haver qualquer confusão de conceitos com o adimplemento substancial ou o com o adimplemento absoluto e o relativo.

2.10.2. O adimplemento substancial no Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts Além da Convenção de Viena, urge analisarmos os princípios atuais que regem os contratos internacionais dispostos no Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts 1994, publicado pelo International Institute for the Unification of Private Law, já aprimorado na sua versão de 2004, publicada em abril do referido ano95 que versam sobre o tema, objeto de estudo do presente trabalho. Esses princípios são resultado de grupos de organizações internacionais e centros de arbitragem, tais como United Nations Commission on Internacional Trade Law (UNCITRAL), o ICC International Court of Arbitration, o Milan Chamber of National and International Arbitration e o Swiss Arbritation Association que foram convidados pela primeira vez, em 1994, para analisarem a aspiração comercial do mercado comercial internacional, a fim de estabelecer determinadas regras transacionais que se aplicassem aos contratos internacionais. Após dez anos da vigência do Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts 1994, a sua versão de 2004 traz inovações, com a inclusão de cinco capítulos, mas as alterações fundamentais podem ser resumidas nas seguintes: (i) inclusão de dois novos parágrafos no seu preâmbulo, os quais tratam a respeito da aplicabilidade do Unidroit Principles e como eles devem ser usados para interpretar e completar as leis (respectivamente, parágrafos quarto e sexto); (ii) o estabelecimento expressamente do Princípio da Boa-fé e da negociação justa (good faith and fair dealing), fazendo referência à doutrina do abuso de direitos; (iii) a instituição de um novo capítulo sobre o comportamento inconsciente de um

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Disponível em www.unidroit.org Acesso em 15 janeiro 2006.

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dos contratantes (artigo 1.8.); e (iv) ainda estabeleceu e reformulou alguns artigos para normatizar as relações jurídicas oriundas os contratos eletrônicos. Em relação ao tema específico do presente trabalho – adimplemento (performance) – a versão de 2004 do Unidroit Principles não apresentou mudanças quanto às regras do inadimplemento, da extensão apresentada ao adimplemento substancial e aos deveres das partes diante desse acontecimento. Assim, as regras anteriormente dispostas em 1994 foram novamente mantidas, a fim de manter a regulamentação quanto aos limites do inadimplemento e o limite do interesse legítimo do credor em recusar determinada prestação ou mesmo dos deveres deste em mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento. Os dispositivos referentes a esta matéria conjugam para precisar o adimplemento substancial como norma de salvaguarda do direito do credor e do dever do devedor, bem como da satisfação de ambos os interesses. Dessa forma, é imperiosa a análise dos artigos que tratam do tema para demonstrar esse preceito. Para iniciar, é necessária a abordagem do Capítulo 5 (Content and Third Party rights), mais especificamente o artigo 5.1.6, que embora não trata especificamente de adimplemento substancial, aborda mais aspectos qualitativos da prestação a ser ofertada pelo devedor e aceita pelo credor, nos exatos termos a seguir dispostos: “Article 5.1.6. (Determination of quality of performance) Where the quality of performance is neither fixed by, nor determinable from, the contract a party is bound to render a performance of a quality that is reasonable and not less than average in the circumstances.” Pela tradução livre do artigo acima transcrito, observamos que no âmbito internacional é exigida a qualidade na prestação fixada, sendo esta encarada dentro dos limites razoáveis, ao passo que se esta não foi fixada no contrato, nem determinada sua forma, a parte contratante é obrigada a executar a obrigação com qualidade razoável e não inferior do padrão médio advindo das circunstâncias de determinado programa contratual. Essa exigência é importante, pois a satisfação do interesse do credor está intimamente ligada à qualidade da prestação ofertada, sendo vedada a resolução do contrato quando a obrigação executada estiver revestida de qualidade suficiente para possibilitar ao credor a obtenção de benefício útil daquela.

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Destarte, o credor não terá direito de recusar a obrigação prestada, se esta for executada de forma a atender a qualidade nos critérios mencionados, configurando-se como a parte mais importante da prestação, em detrimento da parte mínima descumprida. Por vezes ainda, há a prerrogativa do devedor em atraso no cumprimento da obrigação de ainda tentar o seu adimplemento se o credor conceder um prazo suplementar para adimpli-la, com o objetivo de finalizar, satisfatoriamente, o programa contratual, afastando qualquer indício de inadimplemento, por mínimo que seja. Essa regra estipulada no Unidroit Principles, no artigo 7.1.5. revela o dever do credor em mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento, sendo similar ao sistema alemão “Nachfrist”, anteriormente abordado, na medida em que se a parte da prestação ainda a cumprir não fizer parte da essência da obrigação, o término do contrato apenas será possível se no fim da dilação do prazo concedido pelo credor, não houver seu efetivo cumprimento e desestabilizar a obrigação fundamental, caso contrário mesmo o devedor não realizando a parte mínima da prestação em aberto, não caberá resolução do contrato, mas sim ressarcimento ao credor pelas perdas e danos desta inexecução mínima. Ainda no referido artigo 7.1.5., inserido no Capítulo sobre inadimplemento, os sub-itens 3 e 4 trazem expressamente a estruturação do adimplemento substancial no Unidroit Principles, exigível nos contratos internacionais, verbis: “(3) Where in a case of delay in performance which is not fundamental the aggrieved party has given notice allowing an additional period of time of reasonable length, it may terminate the contract at the end of that period. If the additional period allowed is not of reasonable length it shall be extended to a reasonable length. The aggrieved party may in its notice provide that if the other party fails to perform within the period allowed by the notice the contract shall automatically terminate. (4) Paragraph (3) does not apply where the obligation which has not been performed is only a minor part of the contractual obligation of the non-performing party.” O item (4) deve ser analisado em conjunto ao item (3), na medida em que este confere a condição de que se o descumprimento alcançar uma obrigação não fundamental do contrato, o credor pode conceder um prazo suplementar para execução desta, e caso o devedor não a

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execute no tempo concedido, apenas e tão somente, após esse prazo é facultada a resolução automática do contrato. Frisamos que a hipótese deste dispositivo legal abarca duas condições: (i) inexecução de obrigação não fundamental do contrato e (ii) prerrogativa do credor em conferir dilação do prazo para cumprimento. Essa última prerrogativa acaba por reverter também uma tutela jurídica ao devedor que poderá, se ambas partes contratantes estiverem imbuídas de boa-fé, ser beneficiado pela concessão da dilação do prazo para cumprir satisfatoriamente a prestação acordada no contrato. Esse aspecto é importante, pois esse diploma internacional também se preocupa com o lado da parte inadimplente, o que mais claramente poderá se observar na análise do artigo 7.1.3. adiante comentado. Sob estas condições, o item (4) prevê a hipótese de adimplemento substancial ao determinar que a prerrogativa do credor em extinguir o contrato não se aplica se a inexecução da prestação consistir em obrigação mínima do programa contratual. Com essa restrição, o sistema do Unidroit Principles vedou expressamente o arbítrio do credor em resolver o contrato, caso o descumprimento refira-se apenas a uma parte mínima da obrigação contratual. Note que mais uma vez o sistema internacional traz à baila o conceito de obrigação fundamental para delimitar o exercício legítimo da parte adimplente em resolver o contrato – nos mesmos termos do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas. E não é por acaso. Com essa repetição da exigência da configuração do inadimplemento de obrigação fundamental é reforçado concretamente que a resolução do contrato no âmbito internacional só caberá se o prejuízo do inadimplemento gerado for de tal monta que inviabilizar sensivelmente o objeto do contrato, sendo este prejuízo imprevisível. O fundamento da obrigação essencial é destacado reiteradamente, porquanto que a gravidade da ausência do seu cumprimento é instrumento aniquilador de toda a expectativa do cumprimento do programa contratual, ensejando frustração direta no interesse do credor. Não se poderia permitir a violação de obrigação fundamental, sem resolver o contrato, pois isso geraria instabilidade no princípio pacta sunt servanda.

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Assim, de um lado, o sistema internacional proclama a obrigatoriedade da resolução em caso de inexecução de obrigação fundamental em razão da força imperativa oriunda do contrato, contudo, de outro lado, existe a temperança da manutenção do contrato se a obrigação descumprida representa parte mínima da prestação. Essa questão é deveras séria, ao passo que o Unidroit Principles estabeleceu a regra de exceção para invalidar cláusulas contratuais reguladoras das sanções pelo inadimplemento, se a natureza destas forem totalmente injustas, exatamente como dispõe o artigo 7.1.6., verbis: “Article 7.1.6 (Exemption clauses) – Terms regulating the consequences of non-performance are in principle valid but the court may ignore clauses which are grossly unfair.” Para o objetivo deste artigo, as cláusulas excludentes (“exemption clauses”) são, a primeira vista, aquelas que diretamente limitam ou excluem a responsabilidade da parte inadimplente na hipótese de inadimplemento, tendo em vista a mensuração da sua gravidade em cada caso concreto. A validade dessas cláusulas é, em um segundo momento, considerada com base naquelas que permitem a parte contratante executar uma prestação substancialmente, mesmo que de maneira diferente da esperada pela outra parte. Na prática, essas cláusulas são aquelas cujo propósito ou efeito permite uma parte, unilateralmente, executar uma prestação distinta daquela acordada no início do contrato, de tal maneira que transforme o contrato, mas não sua essência, isto é, sem desnaturar a obrigação fundamental. Entretanto, uma cláusula que limita ou exclui a responsabilidade do inadimplente ou permite a outra parte prestar uma obrigação substancialmente, mas diferente daquela prevista não poderá ser invalidada se for injusto seu fundamento, tendo em consideração o objeto do contrato. A construção deste princípio reflete a tutela jurídica do devedor mas até o limite em que a satisfação do interesse do credor não fique comprometida pela proteção conferida ao inadimplente. E a tutela jurídica do devedor também é contemplada no direito do credor de resolver o contrato, cuja prerrogativa está intimamente dependente do inadimplemento fundamental, ou seja, se na hipótese de inadimplemento por uma parte, a outra tem o direito de terminar o contrato, dependendo da gravidade da violação das obrigações recíprocas. Por um lado, o

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adimplemento pode ser tardio ou mínimo que a parte inocente não pode lidar com isso com seus objetivos próprios ou individuais. Sob esta ótica, é importante contemplar a questão de que a extinção do contrato poderá ocasionar sérios prejuízos para o inadimplente que não será reembolsado pelas despesas de preparação e execução da obrigação. Por essas razões, conforme o artigo 7.3.1. (Right to terminate the contract) da Seção 3 (Termination) do Unidroit Principles, estipula que a parte inocente poderá extinguir o contrato apenas se o inadimplemento da outra parte for fundamental, ou seja, concreto e essencial e não meramente de menor importância. Essa norma incorpora as hipóteses de inadimplemento substancial, ensejando, assim, por exclusão das hipóteses a seguir elencadas os casos caracterizadores do inadimplemento substancial, nos seguintes termos: “Article 7.3.1 (1) A party may terminate the contract where the failure of the other party to perform an obligation under the contract amounts to a fundamental non-performance. (2) In determining whether a failure to perform an obligation amounts to a fundamental nonperformance regard shall be had, in particular, to whether (a) the non-performance substantially deprives the aggrieved party of what it was entitled to expect under the contract unless the other party did not foresee and could not reasonably have foreseen such result; (b) strict compliance with the obligation which has not been performed is of essence under the contract; (c) the non-performance is intentional or reckless; (d) the non-performance gives the aggrieved party reason to believe that it cannot rely on the other party’s future performance; (e) the non-performing party will suffer disproportionate loss as a result of the preparation or performance if the contract is terminated.” Pelas previsões contidas no artigo acima, apenas será considerado inadimplemento fundamental que enseja a resolução contratual se (a) o inadimplemento privar, substancialmente, a parte inocente daquilo que ela estava disposta a receber da execução do contrato, a menos que a parte inadimplente não pudesse prever tal resultado (imprevisibilidade); (b) a obrigação descumprida estritamente é a essência do contrato; (c) o

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inadimplemento é proposital ou culpável pela negligência ; (d) o inadimplemento confere a parte inocente motivos para acreditar que não será mais possível confiar na outra parte na prestação futura; (e) a parte inadimplente irá sofrer um prejuízo desproporcional como resultado da prestação ou execução do contrato, se este fosse terminado. Essa última passagem é uma concreta demonstração da preocupação desta ordem jurídica internacional em empregar condições que visem mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento sob a ótica da parte inadimplente. A tutela jurídica do devedor chega a atingir seu ápice na estrutura do Unidroit Principles consoante a previsão do artigo 7.3.2. que retira o direito da parte inocente em resolver o contrato, mesmo se a prestação é executada tardiamente ou não conforme as previsões contratuais, se ela não enviar à outra parte uma notificação dentro de um prazo razoável após a previsão do cumprimento, o qual ela está aguardando. Em outras palavras, se a prestação está prevista para ser cumprida em 01 de abril e até 10 de abril, por exemplo, o credor não teve conhecimento da sua execução, ele deve encaminhar a notificação, sob pena de ser compelido a aceitar a prestação após esse período. O critério de razoabilidade aqui não tem mensuração numérica, não existe período de dias exatos corridos ou horas ou qualquer outra medida de tempo. Trata-se exatamente da razoabilidade exigida por este artigo que traz essa previsão nos termos abaixo transcritos: “Article 7.3.2 (Notice of termination) (2) If performance has been offered late or otherwise does not conform to the contract the aggrieved party will lose its right to terminate the contract unless it gives notice to the other party within a reasonable time after is has or ought to have become aware of the offer or of the non-conforming performance.” Com efeito, esse instrumento deve ser utilizado dentro dos ditames da boa-fé para não tornar um mecanismo de isenção de responsabilidade por parte do inadimplente, sob argumentos injustos, ou seja, para não se transformar na “exemption clauses” previstas no artigo 7.1.6. Outrossim, essa abertura do sistema do Unidroit Principles precisa ser aplicada com muita cautela, pois além da necessidade de tutela ao devedor no sentido de mitigar os efeitos

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negativos do inadimplemento, também há satisfação do interesse do credor que está em jogo no momento do inadimplemento. Dessa forma, é imperioso conjugar essas duas tutelas – uma ao inadimplente e outra à parte inocente – pois destemperança em qualquer um deles também não é frutífera na seara dos negócios jurídicos. Nessa busca pelo restabelecimento do equilíbrio ocasionado pelo inadimplemento, com o escopo de tutelar de forma equânime e concomitante os interesses do inadimplente e do adimplente, será fundamental a consciência clara do retrato do inadimplemento de uma obrigação fundamental e de uma parte mínima, para ser possível a utilização exata dos mecanismos dispostos nos dispositivos legais do Unidroit Principles, a fim de evitar quaisquer distorções nos conceitos retro retratados. Por conseguinte, a resolução exigível no descumprimento de obrigação fundamental é legítima para evitar que a parte adimplente tenha que realizar a contraprestação devida, mesmo não sendo beneficiado pela prestação do essencial da obrigação. Se o contrato não fosse resolvido, certamente haveria um desequilíbrio ocasionado pela satisfação integral do interesse do inadimplente contra a ausência de qualquer satisfação do interesse da parte adimplente. Por outro lado, no adimplemento substancial há a prestação da parte essencial da obrigação, restando apenas uma parte mínima a ser cumprida. Assim, os interesses da parte adimplente são satisfeitos substancialmente, sendo a resolução neste caso instrumento acéfalo de utilidade, pois além de afrontar a tutela jurídica do inadimplente, não estaria resolvendo também a satisfação do adimplente em relação à parte mínima da obrigação que não se cumpriu. Ao desenvolver os conceitos e instrumentos contidos em cada artigo do Unidroit Principles transcrito acima, ventilando desde a configuração do cumprimento da obrigação em termos de adimplemento (artigo 5.1.6.), a retratação pura do adimplemento substancial (artigo 7.1.5) em relação à limitação do inadimplemento fundamental, a outorga e a vedação de cláusulas contratuais que limitem ou legitimem, injustamente, as sanções de inadimplemento, com a visão final da tutela jurídica concedida à parte inadimplente até em termos bem liberais adaptados na dinâmica da ordem internacional, depreendemos que os feixes desse sistema são superiores, por retratarem disciplinas inovadoras que visam tutelar de forma equânime tanto a parte adimplente como a parte inadimplente. Sob este prisma, ambas são vistas como partes legítimas de direitos e obrigações, cujas diferenças ocasionadas pelo inadimplemento e pela

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sua gravidade, são equacionadas de forma a atender a satisfação dos interesses dos contratantes mas calcados na razoabilidade e no princípio da boa-fé, sendo seu estandarte principal o equilíbrio do programa contratual, seja pela manutenção deste ou pelo seu restabelecimento.

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Capítulo II O adimplemento substancial no sistema jurídico pátrio 1. O adimplemento substancial no Direito Brasileiro No final da década de 60, Clóvis do Couto e Silva ao apresentar e defender a idéia de que as obrigações recíprocas de um programa contratual são vistas como um “processo”, em razão do dinamismo oriundo das fases de formação, desenvolvimento e extinção da relação obrigacional que interligadas formam um sistema similar ao processo judicial, asseverou que “O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim96”. Efetivamente, a obrigação, vista em sua totalidade, persegue o adimplemento em todas as suas fases, a fim de garantir a satisfação dos interesses do credor e, conseqüentemente, do devedor. Investigamos a referida definição de Clóvis do Couto e Silva, descobrindo forte influência sob esta das lições de Karl Larenz, que em 1958, apregoou: “En este sentido la relación de obligación comprenderá una serie de deberes de prestación y conducta, y además de ellos puede contencer para una u outra de las partes derechos de formación (p. ej., un derecho de denuncia o un derecho de opción) u otrás ‘situaciones jurídicas’ (p. ej., competencia para recibir una denuncia). Es, pues, un conjunto no de hechos o de acontecimientos del mundo exterior perceptible por los sentidos, sino de ‘consecuencias jurídicas’, es decir, de aquellas relaciones y situaciones que corresponden al mundo de la validez objetiva del orden juridico” 97

(...) en toda relación de obligación late el fin de la satisfacción del interés en la prestación

del acreedor, puede y debe considerarse la relación de obligación como un processo98”. Com a construção da tese de que o adimplemento é o fim de todo o programa contratual, atraindo as obrigações recíprocas de um contrato, o jurista Clóvis do Couto e Silva começou a verificar o lado positivo do inadimplemento, isto é, iniciou a análise do quão prejudicial poderia ser um inadimplemento que se aproximava quase que totalmente do adimplemento, e mesmo assim ensejava a resolução do contrato. Essa análise foi realizada com foco no 96

COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo. p. 5. LARENZ, Karl. Op. cit. p. 37. 98 Ibidem, idem. p. 39. 97

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princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual os contratantes devem ser diligentes na execução da prestação e na minimização dos riscos e prejuízos oriundos do inadimplemento, a fim de evitar um proveito maior do que o outro, aproveitando-se deste ou daquele, na situação em que o cumprimento da prestação aproxima-se do ideal aguardado pela parte adimplente. Com essa análise, o mencionado jurista chegou, por meio da extração dos elementos da boa-fé objetiva, que serão mais aprofundados no capítulo 5.2. do presente trabalho, em conjunto com os ensinamentos da doutrina estrangeira, na definição do instituto do adimplemento substancial, qual seja: “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé99.” Com essa concepção, Clóvis do Couto e Silva foi o propulsor da Teoria do adimplemento substancial no sistema jurídico pátrio por ter sido o primeiro a detectar a importância de mensurar o inadimplemento de parte mínima do contrato como elemento operativo na hermenêutica jurídica dos negócios jurídicos, sob a base do princípio da boa-fé objetiva, mensurando suas conseqüências e, eventuais, penalidades. Esse trabalho foi elaborado quando o princípio da boa-fé objetiva não era nem codificado no Código Civil de 1916, sendo uma construção filosófica e doutrinária do jurista, embora por meio de um trabalho de interpretação integradora fosse possível extraí-lo pela redação do artigo 85, verbis: “nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Dessa forma, na interpretação das declarações de vontades emitidas dentro de um negócio jurídico, visando atingir a intenção do emitente, o princípio da boa-fé foi conclamado a operar sobre as declarações, objetivamente consideradas, comparando-as com as atitudes dos contratantes como maneira objetiva de avaliar a intenção, sendo que em razão deste princípio exigiu-se das partes novos deveres éticos na relação obrigacional, um deles vedando o abuso 99

SILVA, Clóvis do Couto e. apud: BECKER, A. Op. cit., p. 60.

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do direito de resolução, proibindo assim o credor de exercer esse direito potestativo quando é configurado o descumprimento de parte mínima da prestação convencionada. O fundamento desta Teoria, na visão do insigne doutrinador, encontra-se no princípio da boafé objetiva, na medida em que não seria razoável aplicar a resolução do contrato, se o contratante que deixou de executar uma pequena parte, prestou em grande parte as suas obrigações. Assim, a cláusula resolutiva, nestes casos, é empregada em dissonância ao princípio da boa-fé. O caso dessas cláusulas que permitem uma resolução por um contratante tendo em vista o inadimplemento de outro, é de inexecução e não propriamente de execução, como, de fato, existe no adimplemento substancial. De fato, “o direito de recusar a prestação não pode contrariar o princípio da boa-fé. Por isso, sendo o defeito pouco relevante, não se justifica a rejeição. Nesta sequência, Bianca afirma não ser possível a recusa da prestação, caso o defeito de cumprimento não permita a resolução do contrato.100” Essa visão do direito italiano também foi aos poucos sendo incorporada pelo sistema jurídico pátrio, ao passo que a ruptura do vínculo contratual só será admitida se a violação à parte do contrato atingir obrigação fundamental, pois caso contrário a recusa no recebimento da prestação desnaturaria o equilíbrio do programa contratual, abalando a confiança dispensada pela parte à outra, que representa a materialização da boa-fé101. A confiança depositada por uma parte na outra e, vice-versa, no início da fase preliminar do contrato até a fase pós-contratual, exige uma conduta equilibrada de cada uma, porquanto que a recusa no recebimento de uma prestação adimplida quase que totalmente, frusta essa confiança, gerando um desequilíbrio para a parte inadimplente ao receber a recusa da parte adimplente que propugnará pela resolução do contrato, mesmo se seus interesses foram atingidos substancialmente pela execução da obrigação realizada.

100 101

L’Obbligazione, p. 57. MENEZES CORDEIRO, Da boa-fé no direito civil, p. 1241-1251.

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O jurista mencionado sustentou que o princípio da boa-fé objetiva aplicado ativamente, limita o princípio rígido de que o cumprimento deva ser completo ou integral, admitindo outra solução, ou seja, “assim, sucede quando alguém se obriga a construir um prédio e a construção chega praticamente ao seu término (adimplemento substancial); não se faculta sempre, neste caso, a perda da retribuição contratada, ou a resolução do contrato por inadimplemento102”. Em outras palavras, o cumprimento integral não é precedente do pagamento do preço ajustado no contrato, ou seja, mesmo quando se está diante de um descumprimento de parte mínima, sem importância, o exercício do direito de resolução tornase impossível, sendo necessário o cumprimento da obrigação de pagar, por parte do adimplente. Além disso, também é impossível a prerrogativa do credor de recusar a aceitar a parte da prestação adimplida, sendo a solução mais equânime a que segundo a qual “desde que haja um adimplemento substancial está legitimado o contratante ao preço estipulado, sujeito tão-somente a uma reconvenção ou uma ação em reparação por omissões ou defeitos na execução103”. A tese construída por Clóvis do Couto e Silva dentro deste tema com base no desenvolvimento do princípio da boa-fé objetiva foi uma das maiores contribuições ao sistema jurídico civil brasileiro, na medida em que em razão de seus ensinamentos foi possível vislumbrar e concretizar o adimplemento substancial no ordenamento pátrio, mesmo quando não havia previsão legal deste princípio no vetusto código civil, trazendo assim a ética e a função social exigidas no contexto das relações obrigacionais, ensejando uma reforma dos valores dos contratos com fundamento na reconstrução valorativa das relações jurídicas advindas deste negócio jurídico. De fato, sua colaboração não foi apenas a precursora, mas continua sendo a tese balizadora no tema tratado neste trabalho, em razão da sua suma importância e especialmente pela riqueza nos fundamentos apresentados.

102 103

Op. cit., p. 39-40. Idem, ibidem, p. 39-40.

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1.1. A recepção do adimplemento substancial (common law) pelo ordenamento jurídico brasileiro (civil law) Antes de adentrarmos na explanação da recepção do adimplemento substancial – instituto oriundo do sistema da common law – pelo sistema jurídico pátrio – sistema da civil law – vale transcorrer, em poucas linhas, as diferenças de ambos sistemas, a fim de mensurarmos com maior propriedade a distinção entre essas duas codificações; rememorando a estrutura do sistema da common law, já discorrida no capítulo 1 do presente trabalho. O sistema da common law é um sistema antigo, de origem anglo-saxão. Teve seu início na Inglaterra, tendo seu reconhecimento por ser um sistema maleável no qual os seus princípios aparecem, na maioria das vezes, inseridos nos julgamentos realizados pelos Tribunais, normalmente pelas Cortes Supremas, em relação casos concretos específicos oriundos de conflitos já sentenciados pelas Cortes. Há uma aproximação muito forte com o dinamismo das relações sociais oriundas dos usos e costumes do local, concretizados em precedentes judiciais, complementados por leis e regulamentos que apresentam estrutura exutas mas repletas de cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados, dando mobilidade neste sistema aberto. O sistema da common law em comparação ao sistema da civil law apresenta uma estrutura aberta por meio da qual as regras vão se formando a partir da construção jurisprudencial, no momento em que as Cortes desenham os precedentes judiciais, e os códigos apenas complementam com normas gerais. Por outro lado, o sistema da civil law, de origem romano-germânica, teve o início da sua formação na codificação do Corpus Juris Civilis de Justiniano104, desenvolvendo-se, primeiramente, no continente europeu e depois por todo o mundo. Esse sistema, eventualmente, divide-se em dois grupos: o direito romano codificado (como maior exemplo destaca-se o Código Civil Francês de 1804, visto, primeiramente, no continente europeu e em Québec); e uma legislação romana não codificada existente no Sul da África e na Escócia. 104

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. p. 66.

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O sistema da civil law é altamente sistematizado e estruturado nas normas jurídicas dispostas em legislações codificadas apresentando princípios gerais que conferem uma interligação com os ditames legais e o sistema como um todo, formando a jurisprudência que pode ser instrumento de alteração da legislação, através de todo o processo legal, em razão dos anseios sociais apresentados aos Tribunais. A recepção da Teoria do adimplemento substancial nos países de civil law, como por exemplo França, Alemanha, Espanha, Portugal, Itália, Argentina, ocorreu por meio da construção de princípios e interpretação integradora de dispositivos legais, indicativos do princípio da boa-fé objetiva e em relação à extensão do inadimplemento – de sua gravidade em si –, encontrando respaldo na concretização da tese de que não cabe resolução do contrato quando o inadimplemento é de pouca importância. Sendo assim, a idéia central incorporada pelos países deste sistema consistiu no preceito de que o adimplemento sendo substancial limita o exercício do direito resolutivo. No tocante ao ordenamento jurídico pátrio, que também se baseia no sistema da civil law, a doutrina do adimplemento substancial do contrato, originária do direito estrangeiro, notadamente no sistema da common law, também foi recepcionada, ab initio, por meio da interpretação integradora de dispositivos legais e pela aplicação de princípios gerais de direito, especialmente o princípio da boa-fé objetiva. Por conseguinte, a recepção dessa doutrina no nosso sistema da civil law ocorreu com base no mesmo princípio mencionado, mas com apenas uma distinção, por meio da hermenêutica de artigos expressos nos códigos e legislações, na medida em que este sistema estrutura-se em codificações, não sendo fruto de construção jurisprudencial formada a partir de precedentes. Considerando que independentemente do sistema, essa doutrina é explicada como resultante da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, vislumbramos que as partes deverão sempre buscar, equilibradamente, a satisfação dos interesses, evitando que os danos sejam causados ou marjorados em razão de suas aspirações individuais e egoísticas. O dever de diligência dos

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contratantes, oriundo da probidade, é muito importante para normatizar essa relação de satisfação mútua calcada na reciprocidade das obrigações do contrato. Assim, o princípio da boa-fé manifesta-se na doutrina do adimplemento como instrumento equalizador da ínfima descrepância existente entre o objeto acordado pelas partes que não necessariamente será igual em todos os detalhes, admitindo uma divergência de parte mínima que ainda satisfaça o núcleo dos interesses do credor.

1.2. O adimplemento substancial no Código Civil de 1916 O Código Civil de 1916, também conhecido como Código de Beviláqua, foi influenciado pelos Códigos Civis da França, Alemanha e Suíça. Neste vetusto código civil voltado mais ao individualismo do indivíduo, como sujeito de direitos, sob o fundamento da liberdade individual, o legislador pátrio não incorporou o aspecto social da relação obrigacional calcado no princípio da autonomia privada. O espírito deste diploma civil prioriza conceitos individualistas como o princípio da vontade humana como expressão da liberdade vista dentro da relação jurídica intersubjetiva. “Daí por que o contrato, no Código de Beviláqua, será, antes de mais, uma categoria metafórica: a liberdade humana é primordialmente a liberdade de dispor sobre suas relações econômicas, isto é, de dispor, contratualmente, sobre os bens. Na pré-compreensão dessa idéia estavam duas diversas – mas conexas – perspectivas: a) a da relação jurídica intersubjetiva como aquela existente entre abstratos sujeitos de direitos, previamente definidos como ‘iguais’; e, b) a da existência de um alto grau de determinação dos sujeitos envolvidos105”. Com essa concepção liberalista, a relação obrigacional desenvolveu-se por meio de parâmetros rígidos e formalistas do princípio do pacta sunt servanda, no qual qualquer desvio de descumprimento da prestação devida ensejava a resolução do contrato, protegendo a parte adimplente que ficava com o livre arbítrio de exercer o direito potestativo resolutório, 105

MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e o seu sentido ético e solidarista. p. 333.

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cumulada com a possibilidade de pleitear as perdas e danos pelo inadimplemento gerado. E a tutela à parte inadimplente diante das variações do inadimplemento como se aplicava? Existia de fato? Neste diapasão, vislumbramos na doutrina nacional a menção desta Teoria por meio de várias nomenclaturas, sendo no começo até um pouco difícil a compreensão em razão dos diferentes vocábulos utilizados, na medida em que alguns juristas referiam-se a esta Teoria ora por adimplemento ruim106, ora por insatisfatório107, ora por cumprimento imperfeito108 e ora por inadimplemento insignificante109, mesclando algumas características destes conceitos e gerando por vezes algumas dúvidas a respeito do concreto regime jurídico do adimplemento substancial. Por sua vez observamos que as diferentes nomenclaturas justificam-se talvez em razão do fato da Teoria ser oriunda do direito americano, escrito na língua inglesa, ensejando, assim, distintas traduções sob o mesmo instituto jurídico. Com base no parágrafo único do artigo 1092 do revogado Código Civil de 1916110, não existia margem para se conferir qualquer tutela ao inadimplente diante da ausência de gravidade no inadimplemento gerado em relação à inexecução de parte mínima da obrigação, o que configura o adimplemento substancial, na medida em que a legislação em vigor não trazia os elementos necessários à caracterização do inadimplemento que ensejava a resolução do contrato. 106

Araken de Assis ao estudar a Teoria do Adimplemento Substancial, na página 129 do seu livro “Resolução do contrato por inadimplemento” aborda esta denominando-a de inadimplemento ruim ao exarar a seguinte definição “o adimplemento ruim pode versar sobre uma parte modesta ou diminuta e ou infinitesimal da prestação. O direito inglês cunhou, a respeito, a doutrina da ‘substancial performance’”. 107 O próprio Araken de Assis, no referido livro, mais adiante na página 134 já denomina o adimplemento substancial como adimplemento insatisfatório ao abordar o descumprimento de parte mínima da obrigação. 108 Ruy Rosado de Aguiar Júnior, no seu livro Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, na página 130, ao comentar o artigo 1455 do Código Civil Italiano – o qual é o fundamento do adimplemento substancial – classifica-o como cumprimento imperfeito, podendo gerar controvérsias com o instituto cumprimento defeituoso, se os conceitos de ambos não forem bem distinguidos e delimitados. 109 Araken de Assis, na obra citada, ainda encontra mais uma denominação (inadimplemento insignificante) na página 129, ao se referir ao inadimplemento de “scarza importancia” – sem importância – ou seja, o adimplemento substancial, ao observar os ensinamentos de Arturo Dalmartello no livro Risoluzione del contratto. O Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Jones Figueiredo Alves, também refere-se ao adimplemento substancial como inadimplemento insignificante in A Teoria do adimplemento substancial (“substancial performance”) do negócio jurídico como elemento impediente do direito de resolução do contrato, p. 407. 110 “Artigo 1092. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. (...) Parágrafo único. A parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos”.

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Diante dessa omissão, o posicionamento que prevalecia na maior parte da vigência do referido código era a de prestigiar a resolução, sem mensurar o prejuízo substancial ou às vezes inexpressivo decorrente da inexecução, fechando assim qualquer possibilidade de adequação do contrato diante do desequilíbrio maior ou menor, respectivamente, formado. Neste cenário, a parte inadimplente ficava descoberta de qualquer proteção jurídica, caso não conseguisse cumprir parte ínfima da obrigação prometida. Na estruturação do inadimplemento colacionada no dispositivo mencionado, o artigo 955111 do mesmo diploma civil trouxe à baila da discussão o construto da mora, estabelecendo que a mora do solvens se efetiva quando não houver a realização da prestação, por parte do devedor, no tempo, lugar e forma convencionados; por outro lado a mora do accipiens ocorre quando o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados. Por essa definição legal da mora, Pontes de Miranda asseverou que a insatisfação dos interesses do credor no inadimplemento defeituoso advém do não cumprimento do devedor da obrigação “no tempo, lugar e forma convencionados112”. Se aplicarmos essa definição para o instituto do adimplemento substancial que se difere do inadimplemento defeituoso, conforme se demonstrará no capítulo 5.5.1. do presente trabalho, poderemos extrair na idéia do renomado jurista que o credor apenas terá insatisfação legítima passível de reclamações no âmbito da quebra do vínculo contratual por meio da resolução se a obrigação não for integralmente cumprida no “tempo, lugar e forma convencionados”, dependendo da natureza da obrigação proposta ou da especialidade do contrato celebrado. Por exemplo, se há a celebração de um contrato para o cumprimento de uma prova de corrida dentro de um determinado período, a qual apenas computará pontos ao corredor se o mesmo realizar a prova inteira dentro de 2 horas, nada adiantará ele cumprir 99% do percurso em 1 hora e 58 minutos se efetivamente não cruzar a linha de chegada. Neste caso, o adimplemento 111

“Artigo 955. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados”. 112 Tratado de direito privado, v. 26, p. 15.

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substancial não se aplica, pois o cumprimento integral da prova era condição essencial para contagem de pontos. Com base no exemplo acima, observa-se que o adimplemento, fim da obrigação, deverá revestir-se de certas qualificações, sob pena de não ser aceito, como dispõe o artigo 1056 do Código Civil de 1916: não cumprindo a obrigação ou deixando de cumprí-la pelo modo e no tempo devidos, responde a devedor por perdas e danos. Clóvis Beviláqua ao comentar esse dispostivo legal pontua que “ se a inexecução é completa, mais extensa há de ser a responsabilidade; se a execução é, apenas, imperfeita, deve a responsabilidade ser proporcional ao que falta para completar a execução113”. De fato, via de regra, o devedor deverá efetuar a prestação devida pelo modo, pela forma e na época estipulados, sob pena de responder por perdas e danos perante o credor. As perdas e danos são devidos se a critério do interesse individual do credor, dentro do princípio da razoabilidade e da boa-fé objetiva, a prestação se tornar inútil, ganhando assim legitimidade para enjeitá-la com base no parágrafo único do artigo 956 do Código Civil114. Sob essa ótica liberal do interesse do credor tutelada pela legislação anciã, que poderia comprometer todo o programa contratual se utilizada de maneira egoística ao permitir a parte adimplente, mesmo diante da satisfação de seu maior interesse, recusasse a receber a prestação executada pelo devedor, e decidir pela resolução do contrato. No entanto, pelo critério da mensuração da inutilidade conjugado com o fundamento pautado no princípio da boa-fé objetiva, a atenuação da exigência da execução da obrigação nos moldes do tempo, lugar e modo ajustados no contrato pode ser relativizada, se o devedor executar a essencialidade da obrigação, atingindo os interesses do credor. Assim, na vigência do Código Civil de 1916 o único substrato existente na construção da Teoria do adimplemento substancial para ajustar a exata gravidade da inutilidade da 113

Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. vol. IV. p. 209. “Art. 956. (...) Parágrafo único. Se a prestação, por causa da mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”. 114

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prestação, bem como ao interesse do credor era o princípio da boa-fé objetiva, como já destacado por Clóvis do Couto e Silva115, que iria conjugar e adequar as disposições contidas nos artigos 955, 956, parágrafo único, 1056 e 1092, parágrafo único do referido diploma civil. Pontes de Miranda resume o problema ao admitir o remédio resolutivo tanto que cancelado o interesse do credor “em torná-lo bom” ou a “confiança no adimplemento posterior”; sendo exatamente estes parâmetros um dos valores tutelados pelo referido princípio. Ele também empregava o artigo 955 do diploma civil antigo como fundamento para o reconhecimento do inadimplemento incompleto pelo ordenamento jurídico pátrio naquela época116. Embora no Código Civil de Clóvis Beviláqua não existisse artigo expresso contemplando o adimplemento substancial, a jurisprudência pátria, por meio da interpretação analógica e com fundamento nos princípios do direito obrigacional, especialmente o princípio da boa-fé objetiva, conseguiu absorver, ainda que de forma minoritária, a Teoria do adimplemento substancial. Por exemplo, o acórdão proferido em 12 de abril de 1988, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº 588012666, pelo Desembargador Relator Ruy Rosado de Aguiar Jr.: “Contrato. Resolução. Adimplemento substancial. O comprador que pagou todas as prestações de contrato de longa duração, menos a última, cumpriu substancialmente o contrato, não podendo ser demandado por resolução. Ação de rescisão julgada improcedente e procedente a indenizatória.”. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul exerceu papel pioneiro, como na maioria dos casos, no posicionamento dos julgados inovadores referentes ao tema “adimplemento substancial”, cujo movimento também foi fruto do trabalho desenvolvido por Eloy José da Rocha, Pedro Soares Muíloz, Paulo Boeckel Velloso, Athos Gusmão Carneiro, etc... Como outra ilustração, podemos citar o voto vencido do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. no julgamento do Recurso Especial nº 226283, quando ele já estava na 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, publicado no Diário da Justiça em 27.08.2001. Esse processo tinha por 115 116

Op. Cit. p. 5. Idem, ibidem. v. 25, p. 342.

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objeto da venda de um apartamento, cujo contrato não foi adimplido integralmente, na medida em que a compradora, diante da ausência de realização de obras pela construtora-vendedora, deixou de pagar parte relativamente pequena em relação ao preço integral, que representava menos de 15% (quinze por cento) do valor total do preço. O referido Ministro, na fase recursal, ao julgar a sentença improcedente na ação de resolução do contrato, reformou essa decisão judicial para prestigiar o fato de que o contrato não pode ser resolvido, se o inadimplemento for de leve gravidade, dando provimento ao Recurso Especial da vendedora, ressaltando a possibilidade da construtora realizar a cobrança do seu crédito remanescente. Com esse voto, houve o reconhecimento da Teoria do adimplemento substancial, cujas palavras do Ministro Ruy Rosado de Aguiar merecem ser transcritas: “A resolução do contrato por inadimplemento do devedor somente pode ser reconhecida se demonstrada e aceita a falta considerável do pagamento devido. Do contrário, a regra é a de que se preserve o contrato, permitindo ao credor ainda insatisfeito a propositura da ação de cobrança do que lhe for devido. É por isso que na legislação estrangeira, no tratado de comércio internacional e também na mais recente doutrina nacional, tem sido admitido que o adimplemento substancial pelo devedor impede a extinção do contrato”. (REsp 226283/RJ, STJ, 4ª T., Voto Vencido, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 27.08.2001). Como a jurisprudência representa a forma mais próxima dos anseios e necessidades sociais, e tendo em vista que a aplicação rigorosa da resolução contratual começou a criar distúrbios entre a satisfação e os interesses dos contratantes, especialmente do inadimplente, o desenvolvimento da Teoria do adimplemento substancial começou a aparecer nos julgados proferidos pelos Tribunais, ocasionando a transmutação de uma concepção individualista da autonomia da vontade para o início da autonomia privada calcada na eqüidade. Com essa superação do liberalismo da vontade humana – que se observou ser prejudicial se não existir limites de equilíbrio – o Código Civil de 1916 passou a não responder mais os anseios sociais do seu tempo, indicando a necessidade da sua reformulação. Isso não significou que referido diploma era tecnicamente insuficiente, muito pelo contrário, conforme assevera Renan Lotufo: “... o Prof. Reale, propôs exatamente uma forma básica de revisão do Código Civil, porque o nosso Código Civil de Clóvis Beviláqua é considerado um

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monumento legislativo por todo o mundo. É importante que se diga que o maior tratado de Direito Civil da Alemanha, o de Enneccerus, Kipp e Wolf, faz menção expressa à excepcional qualidade do Código Civil Brasileiro, em termos de juridicidade: considera um monumento legislativo pela sua estruturação. E é baseado ainda em outro pensador de origem filosófica que o Prof. Reale propõe a reforma dizendo que ‘a reforma tem que atender às inovações que ocorrem no tempo, tem-se que aperfeiçoar uma obra que é muito boa, mas que em grande parte ficou envelhecida nos conceitos de que partiu, não na sua estrutura eminentemente técnica’117”. Destarte, o advento do novo diploma civil representou um aprimoramento do nosso ordenamento jurídico, na esfera do Direito Civil e Comercial, posto que o novo Código Civil contemplou matérias referentes ao último ramo da Ciência do Direito, o qual manteve toda a boa estrutura técnica do anterior, mas trouxe inovações em conceitos a fim de atender melhor aos anseios da sociedade contemporânea. E sob esse objetivo do Código Civil vigente, constataremos a seguir quais as regras referentes ao inadimplemento, e se por ventura houve espaço para a previsão expressa do adimplemento substancial, ou se este será obtido por meio de uma interpretação dos dispositivos aplicáveis à espécie, bem como dos novos princípios incorporados ao referido diploma legal – anteriormente existentes na jurisprudência – e cláusulas gerais que recheiam o sistema aberto adotado pelo Código Civil de 2002.

1.3. O adimplemento substancial no Código Civil de 2002 Com o advento do novo diploma civil, ora em vigor, embora não houve grandes mudanças estruturais nos capítulos destinados às obrigações, operou-se uma verdadeira revolução na estrutura do Direito obrigacional, na medida em que se incorporou no ordenamento jurídico a estrutura da obrigação, como anteriormente já apresentada por Clóvis do Couto e Silva, ou seja, considerada como processo e dentro dos princípios basilares da boa-fé. Essa visão 117

Da oportunidade do Projeto de Código Civil (Projeto de Lei n. 118, de 1984), Tribuna 22 – Centro Acadêmico 22 de Agosto, p. 16.

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também é acompanhada pelo jurista português Mário Júlio de Almeida Costa118 e por Judith Martins Costa. A Teoria do adimplemento substancial apenas a partir da vigência do Código Civil de 2002 ingressa na legislação no direito brasileiro, por meio da conjugação de dispositivos legais, encontrando positivado o princípio da boa-fé objetiva (CC, art. 422) seu fundamento ao limitar o exercício de direito de resolução. Com base nesta nova estrutura do Código Civil de 2002, Judith Martins Costa define o adimplemento como “.... o cumprimento da prestação concretamente devida, presente a realização dos deveres derivados de boa-fé que se fizeram instrumentalmente necessários para o atendimento satisfatório do escopo da relação, em acordo ao seu fim e às suas circunstâncias concretas119”. A conceitação deste construto ganha relevo por meio da introdução do princípio da boa-fé na codificação, no capítulo destinado aos contratos, como requisito de validade de conclusão e de execução, ao ser disposto expressamente na norma positivada do artigo 422 do Código Civil atual, trazendo consigo o delineamento da Teoria do adimplemento substancial como exigência e fundamento do princípio consagrado em cláusula geral aberta na relação contratual. É pela observância de tal princípio, que esta teoria solidifica-se, especialmente fortificando-se como instrumento inibitório da resolução do contrato, ainda com base na tese construída por Clóvis do Couto e Silva. Outra inovação que prestigia a depuração do conceito de adimplemento substancial é a apresentação de novo perfil metodológico do inadimplemento, nos seguintes termos: “a nova estrutura do inadimplemento, além de ensejar a apreensão sistemática das várias regras do próprio Título IV, oferece a possibilidade do seu tratamento conjunto com as demais regras e princípios que, em tema de Direito obrigacional, são – ou podem ser, conforme o caso concretamente examinado – correlatos ou afins, assim modulando um ‘sistema aberto de

118 119

Direito das obrigações, p. 61. Op. cit., p. 348.

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regras e princípios, axiologicamente orientado’120” – a expressão é de Canaris, ClausWilhelm121.” Nessa nova concepção, e dentro de um sistema aberto construído por meio de cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados – cujos conceitos serão aprofundamentos no capítulo VI – abandona-se a idéia de individualismo centrado na pessoa individual, para buscar-se a valorização da pessoa, como sujeito de direito, dentro das suas relações sociais, prestigiando inovadora compreensão do adimplemento e do inadimplemento das obrigações, na medida em que agora exige-se a conjugação dos interesses de ambos contratantes, e não apenas cega-se diante da exclusiva satisfação do interesse do credor. “Com efeito, uma das marcas de nosso tempo é a transversalidade122, que recobre a fisionomia da sociedade civil, refletindo a extraordinária variedade dos grupos e tipos sociais, a pluralidade e os diferentes papéis desempenhados pelos sujeitos no exercício das suas liberdades civis e econômicas. A isto acresce (em razão da afirmação, em várias Constituições, do princípio da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da sua personalidade), a relevância de uma noção da pessoa que se define não apenas por sua abstrata liberdade de firmar vínculos, mas por sua concreta e multidimensional vivência num espaço que é, concomitantemente, privado ou particular e público ou comum...123”. No reconhecimento dessa multidimencional realidade existente nas relações sociais entre os seres humanos, “... a regulação do Direito das Obrigações vem, agora, plena de conceitos flexíveis, passíveis de concreção judicial, tal como os ‘usos do lugar’, ‘circunstâncias do caso’, ‘natureza da situação’, ‘eqüidade’, ‘desproporção manifesta entre as prestações’, ‘premente necessidade’, ‘boa-fé’, ‘utilidade da prestação’, ‘fins econômicos e sociais’ do direito subjetivo124”.

120

MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 340. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. p. 76. 122 A expressão é de Irti, Natalino. Società Civile, p. 16. que significa “a síntese de unidade e de multiplicidade – a extraordinária variedade dos grupos sociais.” 123 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 333. 124 Idem, Ibidem, p. 334. 121

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Diante dessa flexibilidade apresentada pelo sistema jurídico atual, o artigo 475 do Código Civil dispõe sobre o direito de resolução em caso de inadimplemento, porém não cita, em seu texto, o modo de descumprimento que cabe tal direito, repetindo a mesma omissão do código civil anterior. No entanto, essa omissão é suprimida com a integração do artigo 394, do parágrafo único do artigo 395 e do artigo 389 do mesmo diploma civil que definem a mora e discorrem sobre a inutilidade da prestação para o credor e a possibilidade deste resolver o contrato com o direito de indenização por perdas e danos, na perda do seu interesse pelo cumprimento da prestação pelo devedor. A flexibilidade do sistema é construída com fundamento no princípio da boa-fé que edifica o adimplemento substancial, a contrario sensu, dos artigos 394 e 395, parágrafo único do Código Civil, porquanto que o descumprimento mínimo de parte da obrigação é configurado quando a ausência da prestação não violar a substância do contrato e não tornar inútil a prestação à parte adimplente, subsistindo o interesse desta em receber a obrigação executada no tempo, lugar e forma dispostos pela lei ou pelo contrato, ainda que reduzida ou prejudicada, minimamente, alguma parte destes critérios. E não só. O descumprimento de parte mínima do contrato encontra guarida no ordenamento jurídico vigente ao ser relativizado, como efeito da causa denominada função social do contrato (CC, art. 421), de modo a preservar a relação negocial de expressiva importância ao tráfico econômico; coincidindo com o princípio da conservação dos contratos que prestigia a manutenção eqüilibrada do vínculo obrigacional, se mantida a essencialidade da obrigação dentro da eqüidade aplicável sob o princípio do pacta sunt servanda que se relativiza mediante o princípio da função social que prima pelo equilíbrio contratual. De fato, o contrato somente se enquadra na sua função social se for útil e justo125. A jurisprudência formada com base no Código Civil de 2002 também postula pelo princípio da preservação dos contratos e da eqüidade, prestigiando o equilíbrio contratual, como observamos no julgamento do Agravo de Instrumento nº 70010517985 proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 20.12.2004, no qual se vedou o

125

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Projeto do Código Civil, n. 1, p. 20.

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protesto de título, bem como a inscrição do devedor em órgãos de proteção ao crédito, uma vez que fora comprovado o adimplemento substancial da dívida por meio da quitação das parcelas vencidas até o ingresso da ação principal, que objetivava discutir a legalidade da cobrança da dívida, aguardando obter provimento jurisdicional específico. Com base no julgamento acima mencionado, observamos que a utilidade e a justiça exigida nas relações obrigacionais, sob o Código Civil de 2002, não são mais ideais ou princípios dispostos de forma apenas a circundar o programa contratual. Agora, tais critérios são fundamentos e pressupostos de validade do contrato, na medida em que a ausência da obediência a estes ditames ocasionará o esvaziamento do núcleo da vontade contratual que é estabelecida para ser cumprida dentro da nova roupagem auferida, qual seja, a busca do adimplemento de forma equânime e equilibrada, visando dar guarida aos direitos, deveres e interesses de ambos contratantes.

1.4. A revolução do Direito obrigacional: uma nova visão dos limites do inadimplemento dentro da ampliação do adimplemento substancial Guido Alpa, no presságio do livro de Grant Gilmore, já elucidava a revolução do direito obrigacional, por meio da conscientização da “morte do contrato”, ao asseverar dois movimentos vivenciados: “... uno enfatizza del contratto soprattutto l’atto di autonomia privata, l’affare riservato alle parti, nel quale gli interventi esterni (del giudice o del legislatore) devono considerarsi fatti di eccezione e da limitare nella loro portata: è questa la concezione del diritto contrattuale che si fonda sull’assunto della ‘sacertà del contratto’ (‘sanctity of contract’). L’altro muove dall’opposta considerazione che il contratto, pur ‘fatto’ delle parti, è un atto esposto a tutti gli interventi esterni consentti dall’ordinamento, può essere ‘creato’ dalle corti, può essere variamente inciso dal legisltore: è questa la versione moderna del diritto contrattuale, che há fatto decretare la ‘morte’ del contratto, il ritorno allo ‘status’, il superamento della privatezza dell’affare126”.

126

ALPA, Guido. Saggio apud GILMORE, Grant. La morte del contratto. p. XV.

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Ab initio, clamamos que no presente estudo a expressão “morte do contrato” seja vista pelo seu ângulo positivo, qual seja, expressando uma mudança de estrutura decorrente da evolução do direito obrigacional, a fim de descartar a concepção de crise/derrota, como pontua Flávio Tartuce127. Assim, a superação da autonomia da vontade, que era individualista em seus interesses, originou a “morte do contrato”, na medida em que a teoria moderna do Direito Contratual rejeita a supremacia da vontade das partes em razão do equilíbrio nas obrigações comutativas estabelecidas em um negócio jurídico que enseja o prevalecimento da autonomia privada. Mas a concreção deste paradigma foi fruto de anos de amadurecimento das bases doutrinárias das relações obrigacionais, posto que primeiramente, no século XIX, conhecido como “il secolo del contratto128” assistiu-se a projeção da liberdade das partes por meio da celebração de contratos, prestigiando-se o encontro das vontades, reconhecido pela Teoria Clássica do contrato. Mas com o desenvolvimento dessa teoria, verificou-se a excessiva exaltação da liberdade individual, como constatou Guido Alpa: “Alle fine del sec. XIX tramonta anche l’idea di contratto inteso come espressione dell’eguale potere di obbligarsi riconosciuto alle parti. Atiyah (Rise and Fall, cit.) rintraccia le radici di questo declino nella nuova economia, nel tramonto del laissez-faire, nell’affermazione del principio di eguaglianza in senso sostanziale (oltre che formale), nel declino del sistema dell’equity129”. Essa visão expressa na doutrina italiana, retratando institutos do direito anglo-saxão, também é reconhecida no sistema positivo brasileiro como a fase atual de revolução no direito obrigacional que na visão de Nelson Nery Junior representa a transmutação da “exclusividade do individualismo como elemento caracterizador do contrato, no qual só interessava as pretensões dos contratantes manifestadas em suas declarações contratuais de vontade, que presidiu a regulação dos contratos a partir do início do século XIX pela influência do ‘Code Napoléon’ de 1803, restou superada pela função social do contrato, mais amoldada à realidade social, econômica e jurídica do século XXI130”.

127

A função social dos contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil, p. 71. FRIEDMAN, L. A History of American Law, p. 464. 129 ALPA, Guido. Op. cit., p. XV. 130 NELSON JUNIOR, Nery. Contratos no Código Civil, p. 426-427. 128

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Com efeito, essa revolução aponta para a superação do individualismo resultante do liberalismo para uma consciência social voltada para a promoção do comércio gerado pela celebração dos contratos de forma mais equânime e dentro de critérios da boa-fé objetiva, função social do contrato, solidariedade e eqüidade. Isso porque como o condão principal do contrato é possibilitar a colaboração econômica entre os homens131, e por esta razão o Direito das Obrigações exigiu e exige a transmutação de conceitos rígidos e tendências doutrinárias ultrapassadas, indo em busca da construção de paradigmas novos como forma de neutralizar o interesse egoístico das partes contratantes que sem limites do Estado (judiciais e legislativos) colocavam em risco a própria estrutura do programa contratual que se interliga por meio do equilíbrio existente nas obrigações comutativas e correspectivas. Assim, modernamente, a relação obrigacional passa a ser compreendida como um processo, como já asseverava Clóvis do Couto e Silva, sendo que “a concepção da obrigação como processo e como uma totalidade concreta põe em causa o paradigma tradicional do direito das obrigações fundado na valorização jurídica da vontade humana, e inaugura um novo paradigma para o direito obrigacional, não mais baseado exclusivamente no dogma da vontade (individual, privada ou legislativa), mas na boa-fé objetiva132”. Neste processo, a ordem é de cooperação mútua entre as partes. O vínculo obrigacional passa a ser visto de forma dinâmica, dele decorrendo deveres para ambos os pólos da relação jurídica. Isto, em virtude do entendimento de que esta relação é polarizada por uma finalidade tutelada pelo direito: a cooperação social mediante o intercâmbio de bens e serviços. Para que tal finalidade seja alcançada, é necessário que a obrigação seja cumprida, resultando daí que a relação obrigacional deixa de ser apenas a soma de crédito e débito, estaticamente considerados. Na medida em que é compreendida como uma ordem de cooperação, ao dever principal agregam-se deveres anexos, que permitem atingir o pleno adimplemento, i.e., a satisfação total do credor em seu interesse na prestação pelos ditames da boa-fé objetiva. E, desta forma, os binômios credor/devedor, direito subjetivo/dever jurídico, embora 131 132

GOMES, Orlando. Obrigações. p. 3. MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 79-80.

101

permaneçam o cerne da relação obrigacional, já não esgotam o conteúdo, pois, na verdade, trata-se de uma relação obrigacional complexa e dinâmica, integrada por um conjunto de direito e deveres recíprocos que, por tanto, atingem ambas as partes, ao exigir de ambas, comitantemente, autenticidade e lealdade em suas condutas e objetivos. Embora ainda existam opiniões divergentes, como por exemplo, a opinião de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, ao sustentar que “a teoria geral das obrigações permanece estática, inerte, quase imutável, apesar do aumento do comércio jurídico133”, com todo o respeito, ousamos divergir ao defender que a Teoria Geral das obrigações ganhou e vem ganhando relevo de destaque nos últimos anos por meio de uma revolução concreta expressa na transmutação dos seus pilares formadores da relação contratual, embora a codificação ainda apresente ditames semelhantes e aparentemente imutáveis. Neste novo contexto, a extensão e a durabilidade transitória do negócio jurídico, que se esvai no adimplemento, deve ser entendido como efeito natural das obrigações e não entre as causas de extinção do contrato, posto que nesta visão negativa privilegia-se o inadimplemento134. Essa pequena sutileza de tratamento acaba ganhando contornos mais expressivos, na medida em que para assimilarmos a real extensão da satisfação dos interesses dos contratantes (credor e devedor), principalmente dentro do adimplemento substancial, mister analisarmos o programa contratual com mentalidade mais positiva, no sentido de que o cumprimento da prestação devida é o efeito natural do contrato. Essa transmutação do ângulo de visão do cumprimento das obrigações constitui o novo paradigma do direito obrigacional porquanto que não se estará mais sancionando o devedor se existir a execução substancial da obrigação ensejadora do adimplemento substancial. Por conseguinte, o inadimplemento encontra óbices na aplicação da resolução injustificada e imediata mediante qualquer desvio de comportamento da parte inadimplente no atual momento histórico do direito privado, especialmente, no Direito Contratual que é oriundo de 133

Direito das obrigações: o caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações futuras, p. 20. 134 Cfr. RUGGIERO, Instituições direito civil, vol. III, pp. 97 e 98.

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uma revolução de visões e conceitos anteriormente enraizados de maneira negativa e formalista

no

comportamento

social

das

partes

contratantes,

i.e.,

por

qualquer

descumprimento, empregava-se o direito resolutório, em virtude da exaltação à autonomia da vontade. Contudo, atualmente, não é qualquer inexecução passível de resolução. Há certas inexecuções, como as hipóteses de adimplemento substancial, que não só admitem como exigem a manutenção do contrato, por serem decorrência lógica do preceito da boa-fé que busca valorar a utilidade da prestação ofertada ao credor, mesmo se ausente uma parte insignificante desta. A mutação aqui tratada não se correlaciona com a revolução nos textos de leis que não precisam estar totalmente remodelados para nós, como aplicadores do direito, incorporamosna. A transformação aqui abordada condiz com a transmutação da visão do Direito Obrigacional que passa a ser visto por outro ângulo, empregando instrumentos já existentes, mas para um direcionamento diferente, a fim de causar efeitos distintos, dando primazia à boa-fé concretizada nos negócios jurídicos que carecem de sua aplicabilidade, ameaçando a continuidade da vida negocial moderna, posto que “life would be impossible in modern conditions unless on the highway and in the market place we were entitled to rely on the other man behaving like a reasonable man135”. Os parâmetros médios e razoáveis esperados de qualquer indivíduo social coincidem com a formatação da boa-fé segundo a qual cada contratante deve atuar de acordo com a confiança do outro, no sentido de cumprir, regularmente, com seus deveres. Isso é uma obrigação impositiva a qualquer contrato, não se admitindo excludentes de sua aplicação, como previsto, na seara internacional, pelo Unidroit Principles136 que no artigo 1.7. dispõe: “Chapter 1 – General Provisions Article 1.7. (Good faith and fair dealing) (1) Each party must act in accordance with good faith and fair dealing in internacional trade. (2) The parties may not exclude or limit this duty.” 135 136

ATIYAH, P.S. The Rise and Fall of Freedom of Contract, p. 771. ver supra , p. 63.

103

Do princípio da boa-fé exigido na conduta das partes contratantes, “... incumbe a jurisprudencia la misión de velar por que se tomen en consideración las normas de justicia que están por encima de los intereses individuales, aí como los principios de la lealtad del tráfico y de la conservación de la confianza. Junto a estes grandes principios, sin cuya observancia no pueden existir a la larga relaciones sociales sanas, domina el derecho contractual la aspiracíon hacia la claridad y la seguridad jurídica, así como la tendencia a facilitar el tráfico jurídico (p. ej., libertad de forma, libertad de tipos, protección del contrato)137”. Com a boa-fé aplicada segundo a estrutura calcada nos princípios da probidade (lealdade do tráfico comercial e confiança), houve a superação do império absoluto do credor “descontente” em decretar o inadimplemento, criando-se a atmosfera necessária à revolução do direito obrigacional, que abre frestas à concretização da segurança jurídica no tráfico comercial da seara contratual que possibilita cada vez mais o cumprimento regular das obrigações e, caso não seja possível o cumprimento absoluto do sinalagma, o direito obrigacional moderno calcado nos princípios contratuais e gerais de direito formatados de forma mais ética e social em razão de uma nova conscientização oriunda do Código Civil de 2002, especialmente pelos anseios de uma sociedade contemporânea, clama pela aplicação equilibrada e justa das sanções aplicáveis ao inadimplemento de escassa importância e salvaguardam pela máxima manutenção possível do programa contratual, uma vez que todo contrato é celebrado para ser cumprido, ou seja, a morte natural do contrato pela execução da prestação devida é o fim central. Isso porque “em tempos pós-modernos é necessária uma visão crítica do direito civil tradicional, é necessária uma reação da ciência do direito, impondo uma nova valorização da boa-fé objetiva como paradigma limitador da autonomia da vontade, e dos instrumentos tradicionais do direito civil, os quais podem levar à opressão dos mais fracos na sociedade138”. A necessidade de coibir esse fenômeno de opressão fez com que a liberdade contratual fosse tutelada com maior segurança nas relações jurídicas, posto que a liberdade do outro 137

LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones, p. 15. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos de time-sharing e a proteção dos consumidores crítica ao direito civil em tempos pós-modernos. Revista de Direito do Consumidor, p. 64.

138

104

contratante pode ser aniquilida se não houver o equilíbrio no negócio jurídico formado. Essa proteção nada mais é do que a manifestação concreta da revolução do direito obrigacional que, agora na sua fase pós-moderna, amadurece seus conceitos no intuito de efetivar a justiça contratual mediante a aplicação equilibrada de seus efeitos e sanções.

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Capítulo III A estrutura do negócio jurídico diante do adimplemento substancial 1. O negócio jurídico diante do adimplemento substancial No negócio jurídico oriundo do fato jurídico conjugado com a vontade humana qualificada que se manifesta com o intuito de regular direitos e deveres de uma relação jurídica calcada em um objeto lícito139, os particulares conseguem estabelecer normas individuais para regular suas situações particulares. Com essa permissividade, o negócio jurídico assume papel de destaque por possibilitar o exercício da autonomia privada. Por essa razão, a vontade existente na ação humana criadora do negócio jurídico representa elemento importante de reflexão, ensejando a classificação, de acordo com esse critério, em negócio jurídico unilateral, bilateral ou plurilateral. No negócio jurídico unilateral, existe um contratante que manifesta sua vontade, cuja obrigação vinculará apenas o declarante. No negócio jurídico bilateral, existem duas manifestações de vontade que convergem para o mesmo objeto, porquanto que no negócio jurídico plurilateral existem mais de duas vontades manifestadas em torno do mesmo bem jurídico tutelado. Em razão do nosso tema, estar circunscrito nos negócios jurídicos bilaterais e pluraterais que representam o contrato, observaremos a seguir apenas a estrutura destes. Nos negócios jurídicos bilaterais e plurilaterais, a obrigação é formada por dois sujeitos (credor e devedor), o objeto (prestação de dar, fazer, ou não fazer) e os requisitos legais (objeto lícito, possível, determinado ou determinável, capacidade civil dos agentes, forma prescrita ou não defesa em lei – CC, art. 104) e os elementos acidentais derivados do contrato, da lei ou do princípio da boa-fé140.

139

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. Lei de introdução e parte geral 1, p. 226. 140 COSTA, Mário Júlio Almeida de. Op. cit., p. 64.

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A relação obrigacional representa o liame existente entre o direito subjetivo do credor diante do dever jurídico do devedor, na medida em que “... el acreedor tiene derecho ‘a’ la prestación (a recebirla), mas no que tenga derecho ‘sobre’ la prestación – como lo tiene el propietario sobre la cosa) y que su derecho se dirige ‘contra’ el deudor; pero no es un derecho sobre la persona del mismo, como ocurre con la propiedad sobre la cosa141”. A diferença abordada no parágrafo anterior refere-se a distinção entre direito obrigacional e real. O direito subjetivo do credor existente no direito obrigacional é diferente do exercício do direito real, sendo necessário destacar a diferença entre ambos para compreendermos que no primeiro a vinculação existente recai em face do devedor, passível de execução apenas patrimonial, sendo um direito relativo em razão de não possuir validade perante terceiros; enquanto que o direito real exerce influência sobre a coisa, sendo absoluto no sentido de que todos devem respeitá-lo. 142 Por outro lado, na sua estrutura, “a relação obrigacional pode ser entendida em sentido amplo ou em sentido estrito. ‘Lato sensu’ abrange todos os direitos, inclusive os formativos, pretensões e ações, deveres (principais e secundários dependentes e independentes), obrigações, exceções, e ainda posições jurídicas”143. “Neste sentido lato, apresenta-se como sinómino de dever jurídico e de sujeição ou estado de sujeição. Num significado ainda mais amplo, abranger-se-á também o ônus jurídico144.” Por sua vez, em sentido estrito, “... deverse-á defini-la tomando em consideração os elementos que compõem o crédito e o débito, como faziam os juristas romanos145”.

141

LAPENZ, Karl. Op. cit., p. 24. Cf. Edmundo Gatti, Teoría General de los Derechos Reales, p. 15. 143 ZEPOS, Zu einer “gestalttheoretischen” Auffassung”. p. 486. Archiv fl. Die civ. Praxis, 155. apud COUTO E SILVA, Clóvis. Op. cit. p. 8. 144 COSTA, Mario Júlio de Almeida. Op. cit., p. 53. 145 COUTO E SILVA, Clóvis. Op. cit. p. 8. 142

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O autor Mário Júlio de Almeida Costa classifica a obrigação como dever jurídico, no sentido lato, recaído no efeito impositivo da norma jurídica de determinada conduta, em relação a uma (efeito particular) ou mais pessoas (efeito geral), sob pena do infrator sofrer sanções previstas no ordenamento. O estado de sujeição, segundo referido autor, seria os direitos potestativos, ou seja, aquele que é exercido pelo ato de vontade de seu titular. Neste sentido, independe a vontade do sujeito passivo, tendo o titular do direito total autonomia para exercê-lo. Em um significado mais amplo, representa o ônus jurídico que significa “... a necessidade de adoptar certa conduta para a obtenção ou conservação de uma vantagem própria146”. Por sua vez, o sentido estrito da obrigação, segundo a visão do jurista Mário Júlio de Almeida Costa, consiste nas relações obrigacionais ou creditórias. Sob esta ótica, ele define obrigação como “o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação que deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção147”. É importante frisarmos essa concepção da obrigação do ponto de vista do interesse do credor, que é digno de tutela jurídica, que nos será bastante útil ao analisarmos a questão do inadimplemento em face do adimplemento, bem como a extensão dos interesses da parte adimplente e a tutela jurídica do devedor no capítulo V, uma vez que mister valorar o interesse daquele de forma equânime, a fim de não onerar demais o devedor, evitando assim qualquer desequilíbrio do negócio jurídico construído sob o equilíbrio das obrigações de ambos contratantes; e, especialmente, para verificarmos com maior precisão a extensão de inadimplemento absoluto, relativo ou mínimo. No negócio jurídico bilateral ou plurilateral celebrado, a relação jurídica disposta sob as obrigações elencadas pelas partes é justificada pela satisfação do interesse do credor em receber a prestação do devedor que, uma vez satisfeito, liberará o devedor, com êxito do 146 147

COUTO E SILVA, Clóvis. Op. cit., p. 54. Op. cit., p.56.

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vínculo contratual estabelecido, sendo neste momento exigível a contraprestação por parte do credor. Neste contexto, a obrigação apresenta como objeto, a prestação que “… puede consistir en una acción o en una omisión del deudor (§ 241, frase 2) y concretamente puede ser la entrega de una cosa o de un derecho, la concesión del uso de la cosa o de sus provechos, o cualquiera outra actividad. La prestación ha de serle en algún aspecto ventajosa al acreedor; no se exige que se trate de una ventaja patrimonial148”. A satisfação do interesse do credor oriundo do vínculo do negócio jurídico é correlata ao benefício decorrente da execução da obrigação a favor do credor, o qual desafia a questão da patrimonialidade da obrigação por ser matéria controvertida pelas doutrinas estrangeiras, sendo certo, v.g., que na doutrina italiana a patrimonialidade da obrigação é elemento intrínseco da sua estrutura, como preconiza o artigo 1321 do Código Civil italiano: “Il contratto è l’accordo di due o più parti per costituire, regolare o estinguere tra loro um rapporto giuridico patrimoniale”. Ao comentar o referido dispositivo legal, Emílio Betti fundamenta as razões da patrimonialidade da obrigação, verbis: “La ragione per cui la prestazione, oggettivamente considerata, deve essere suscetttibile di una valutazione econômica, è facilmente identificabile. Il diritto, infatti, nel prevedere l’eventualità che la prestazione non sia eseguita, distingue nettamente due ipotesi: 1º) che la prestazione abbia carattere fungibile e quindi la cooperazione mancata possa surrogarsi, in quanto la tipica utilità che essa è destinata a conferire al creditore è conseguibile anche mediante l’attività di un terzo, sia questo un organo dello Stato o un organo giurisdizionale o esecutivo, ovvero dando la possibilità allo stesso creditore di soddisfare il suo interesse mediante autodifesa autorizzata (vendita coattiva); 2º) che la prestazione sia infungibile e quindi non sia surrogabile: nel qual aso deve essere data al creditore la possibilità di soddisfarsi per la cooperazione mancata mediante un ‘compenso’ pecuniario, il quale fungerà da risarcimento del danno (art. 1223), o, eventualmente, da riparazione satisfattoria di un torto che non consista propriamente in una lesione patrimoniale (art. 185 cod. pen.)149”. Bianca também acompanha esse posicionamento150. 148

LARENZ, Karl. Op. cit., p. 20. BETTI, Emilio. Op. cit., p. 51-52. 150 Il contrato, p. 122. 149

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Todavia, esse ponto de vista não é adotado pela doutrina pátria conforme as lições de Renan Lotufo que aponta um simples exemplo para impugnar o requisito patrimonial da obrigação: se apenas obrigações de cunho patrimonial são passíveis de formarem o contrato, o matrimônio não será contrato por ser um negócio extrapatrimonial151. No entanto, cabe frisar que no ordenamento pátrio, a maioria dos contratos insere-se na categoria de patrimonialidade. Independentemente da controvérsia acima suscitada, é fato que toda obrigação tem por objeto um comportamento humano expresso pelas ações de dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa, e tais atos realizados representam o objeto da obrigação, ou seja, a prestação que “está integrada por un comportamiento del deudor, por una conducta activa u omisiva del obligado152.” Por conseguinte, a prestação é uma expectativa útil do credor, que tem por objeto receber uma atividade no seu interesse; trazendo um resultado à disposição do credor, desde que seja executada no modo, lugar e tempo previstos no contrato ou na lei; sendo que “in mancanza, essere rimesso al debitore, il quale deve comportarsi secondo buona fede, ‘in modo di conciliare gli opposti interessi153”. A ressalva existente na doutrina italiana de que a ausência de previsão legal ou contratual do modo, lugar e tempo de execução da prestação ensejará a realização da obrigação pelo devedor de forma a conjugar os interesses contrapostos, sob os ditames do princípio da boa-fé objetiva, é pilar concreto para sustentar a tese de que a estrutura do negócio jurídico bilateral ou plurilateral deve estar pari passu ao equilíbrio da prestação útil e benéfica ao credor mas também à contraprestação equânime e proporcional ao devedor. Se não for possível a concretização destes dois elementos, o contrato esvazia-se, perdendo seu fim: o adimplemento. 151

Anotações de aula da matéria “Contratos e o Código Civil” ministrada no 1º semestre de 2004 do curso de mestrado em Direito na PUC/SP. 152 ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 15. 153 PERSICO, Giovanni. Op. cit., p. 118

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Dessa forma, mesmo ausente a previsão das condições da obrigação exige-se do devedor uma conduta responsável de executar a prestação, e por outro lado, também obriga-se ao credor a estar disponível nesse momento para facilitar a realização do adimplemento. Nada adianta a boa-fé objetiva do devedor em querer efetivar o programa contratual, se o credor também não contribuir para esse fim. Essa conduta do devedor, na doutrina pátria, advém da aplicação do princípio da boa-fé objetiva e também deve ser exigida com a razoabilidade que lhe é implícita, bem como dos fins sociais e econômicos assumidos pelo negócio jurídico. Assim, a causa do negócio jurídico, considerada o interesse prático do contrato, ao passo que “não há contrato sem causa154”, pode ser classificada como causa razoável ou causa suficiente. A primeira confere juridicidade ao acordo realizado entre as partes contratantes, a fim de impigir-lhe os efeitos jurídicos próprios do negócio jurídico típico ou atípico. A segunda identifica o liame existente entre a prestação e a contraprestação. Em razão da relevância da causa do negócio jurídico, é mais adequado justificar a real natureza das obrigações sinalagmáticas ao preconizar que: “el juego de la causa, en efecto, presta base cierta y de innegable contenido jurídico para admitir el por qué, ante el incumplimento por una de las partes de sus prestaciones nacidas de un contrato bilateral, pueda la otra pedir la resolución de éste liberándose de las obligaciones que le incumben. Si el vínculo de reciprocidad se muestra en las obligaciones bilaterales y si en virtud de esa interdependencia de prestaciones se entiende, como ya se dijo, que cada parte asume su obligación para obtener el cumplimiento de la obligación de la outra, ello denota la mutua causalidad de los vínculos, que desaparece desde el momento en que sobreviene el incumplimiento155”. A Teoria da causa, no sentido que lhe dá a doutrina italiana, representa a causa do negócio jurídico como a função econômico-social do contrato. E sob esse prisma, também 154 155

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico e declaração, p. 123. ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 23.

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vislumbramos, na estrutura do nosso sistema positivo, a mesma função, sendo a causa do negócio jurídico como justificadora do adimplemento substancial, posto que “para lá dos contratos, essa causa é, em termos de hoje, o próprio ‘reconhecimento social do jurídico’, no negócio jurídico156...” Essa concepção é adotada pelo fato de que se o fim do contrato é a circulação de riquezas dentro da segurança jurídica, sua função econômico-social apenas será atingida se proporcionar a preservação do contrato de acordo com a proporção da obrigação prestada. Nada adiantaria a aplicação do direito resolutório se o fim sócio-econômico fosse configurado diante do cumprimento quase que integral do programa contratual, restando uma parte mínima da obrigação descumprida. Por conseguinte, “... a base econômica que origina a contratação, ou seja, a sua ‘causa’, preside tanto o nascimento do vínculo quanto regula seus efeitos. Esta assertiva, aparentemente revestida de encantadora simplicidade, em realidade amplia a causa, deslocando-a do seu lugar natural de elemento de existência do contrato, para conferir-lhe nova feição ‘funcional’, travestindo-a, agora, de ‘fator de eficácia’. Logo, derivando o contrato bilateral da reciprocidade de ‘obrigações’, dito sinalagma genético, ou primeiro e original sentido de causa, o que representa a utilidade visada pelos contratantes, o inadimplemento de um figurante destrói o recebimento do benefício pelo outro, dito sinalagma funcional ou segundo sentido de causa, e, conseqüentemente, aniquila a própria causa do negócio157”. Adicionalmente, a importância da causa do negócio jurídico pode ser resumida pelas palavras de Serpa Lopes ao afirmar que “a sua inexistência importa na inexistência do negócio jurídico158”.

156

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit., p. 123 ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 67. 158 Curso de Direito Civil, p. 431. 157

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É deveras fundamental entendermos a abrangência dessa afirmação para que seja possível vislumbrar o porquê o inadimplemento destrói a causa do contrato, ao extinguir a reciprocidade das obrigações, sem deixar espaço para utilidade ou benefício a favor do credor. Essa destruição possibilita o exercício do direito potestativo resolutório, posto que “la resolución por incumplimiento de la contra parte se reduce bien al concepto de ‘falta sobreviniente de causa de la obligación’, esto es, de falta de fundamento de la obligación de cumplir en vista del hecho de que la contraparte no cumple159’.” Sob essa ótica, o elemento causa do contrato é exigido para conferir validade às obrigações dispostas em um programa contratual, sendo necessária sua presença desde a fase de formação do contrato até o término da relação jurídica obrigacional. Pela configuração do inadimplemento, e tendo em vista a interdependência das obrigações assumidas dentro de um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, a causa deste deve ser compreendida em sentido teleológico e deontológico, ou seja, “atinente à exigência de sociabilidade que preside à função ordenadora do direito. Tal como os direitos subjetivos, também os poderes de autonomia, efetivamente, não devem ser exercidos em oposição com a função social a que são destinados: o instrumento da autonomia privada, colocado à disposição dos indivíduos, não deve ser desviado do seu destino160”. Considerada sob a sociabilidade exigida dentro da autonomia privada pelo controle externo aplicado a qualquer negócio jurídico, a causa do negócio representa a função econômicosocial caracterizadora desse tipo de relação jurídica formada, sendo fonte normativa da determinação dos limites impostos aos direitos subjetivos como recurso salutar de estabelecer os requisitos mínimos e necessários que todo contrato deve seguir. A causa, neste contexto, coíbe excessos no exercício do direito subjetivo, exaltando a sua função socialmente relevante do negócio-tipo.

159 160

MESSINEO, Doctrina General del Contrato. Tomo II, p. 337. BETTI, Emílio. Teoria General de las obligaciones. p. 334.

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Com fundamento nessa visão, depreendemos que a causa final do negócio jurídico consiste no efeito jurídico que se espera de um determinado ato (finalidade), isto é, a mudança pretendida pelas partes seja por ação comissiva ou omissiva. Nos negócios jurídicos bilaterais e plurilaterais, compreende a prestação da contraparte. Por outro lado, a causa impulsiva do negócio jurídico engloba a satisfação que a parte deseja obter. Nos negócios jurídicos bilaterais e plurilaterais, engloba o uso (a utilidade) que se fará da prestação. E, por fim, a causa eficiente consiste na fonte do contrato, ou seja o consenso reconhecido pelo ordenamento jurídico como fonte normativa. Bartolo afirma ser a causa final elemento essencial a todo contrato bilateral e a sua falta, pelo descumprimento do devedor, determinante da extinção da própria relação. Para isso, colaborou com o peso da autoridade de Dumoulin, que estendeu a noção de causa a todos os contratos nominados161. Contudo, vale frisar que não é qualquer ausência da causa final que ensejará a resolução do negócio jurídico; apenas a deficiência fundamental desta que fundamentará o exercício desse direito potestativo. Por este último requisito, o adimplemento substancial incorpora sua vestimenta por se tratar de descumprimento de parte não fundamental da prestação; que não afeta a causa final do negócio jurídico. Não obstante, na bilaterialidade e reciprocidade existentes no contrato, a causa do negócio jurídico deve subsistir, sob pena de causar a resolução do contrato, na medida em que “dans un contrat synallagmatique l’ obligation de l’ une des parties a pour cause l’ obligation de l’ autre et réciproquement, en sorte que, si l’ obligation de l’ une n’ est pas remplie, quel qu’ en soit le motif, l’ obligation de l’ autre devient sans cause162”. Se houver a nulidade da causa do negócio jurídico por parte do co-contratante, não haverá espaço para defender o adimplemento, aniquilando o programa contratual como um todo. Diante do inadimplemento de um dos contratantes, a causa do negócio jurídico torna-se desnaturada163, ou seja, dissolve-se, deixando o contratante inocente sem a salvaguarda do cumprimento do programa contratual, possibilitando-o assim a exigir o cumprimento da 161

CAPITANT, Henri. De la Cause des Obligations. p. 330-331. Idem, Ibidem, p.340. 163 CARIOTA-FERRARA, Luigi. Il negozio giuridico nel diritto privato ilatiano, p. 564. 162

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prestação pelo devedor mais perdas e danos164; ou a resolução do contrato cumulada com o ressarcimento das perdas e danos causados por esse inadimplemento. Para explicitar o inadimplemento, alguns juristas165 entendem que a resolução advém da causa do negócio jurídico: “... o incumprimento deixaria o contrato sem causa. Pela doutrina tradicional da causa, que vê a resolução como elemento estrutural da formação do contrato, a assertiva é facilmente refutável: o incumprimento se dá na fase da execução (sinalagma funcional), não podendo ter efeito extintivo sobre a fase genética. CAPITANT, afastou a objeção ao considerar a causa incluída também no sinalagma funcional. Mas, pondera-se, se o incumprimento elimina a causa e, assim, destrói o contrato, a sua extinção pela resolução poderia ser pedida também pelo devedor, o que foge à regra. Além disso, e mais importante, o incumprimento deixa outras alternativas ao credor, que pode buscar, na ação de adimplemento, a execução em espécie ou pelo equivalente. AULETTA é o mais eloqüente defensor da tese da resolução como sanção, conseqüência jurídica aflitiva imposta ao devedor inadimplente. Percebe-se, porém, e com facilidade, que a resolução libera ambos os contratantes, com recíproca restituição das prestações recebidas, pelo que não pode ser definida como sanção ao credor não-inadimplente. Mais aceitável é o entendimento de residir o fundamento da resolução na necessidade de defesa do interesse do credor e, igualmente, na necessária manutenção do equilíbrio das partes no contexto do contrato, com a equivalência entre as correspectivas prestações, a ser garantida também na fase funcional166”. Distintamente, no adimplemento substancial, a causa final (efeito jurídico pretendido) e a causa impulsiva (a satisfação do interesse da parte e a utilidade da prestação) do negócio jurídico persistem, pois verifica que na relação obrigacional caracterizada pela ausência da prestação de parte mínima há a concretização da causa do contrato, revestindo de validade as obrigações assumidas, ainda que de maneira quase que integral.

164

O ordenamento jurídico vigente admite que o contratante cumpridor de suas obrigações exija o adimplemento total da prestação mais perdas e danos – caso a natureza da obrigação permita – pelos prejuízos sofridos durante o interregno da mora, nos exatos termos do artigo 389 do Código Civil, verbis: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. 165 “É a causa do contrato e, sem causa, nenhuma obrigação se preserva viva”. – Araken de Assis, Op. cit., p. 68. 166 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit. p. 15-16.

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A causa do negócio jurídico no adimplemento substancial subsiste à quebra mínima do vínculo contratual, de importância escassa, porquanto que o efeito esperado pela parte adimplemente é atingindo, ainda que não totalmente, mas de maneira satisfatória e útil, caracterizando um resultado diverso do esperado apenas quanto à pequena ausência da concretude da obrigação prometida. A proporção ínfima inexecutada da obrigação não é apta a desnaturar a causa do contrato, preservando-o, porque a juridicidade da convenção estipulada entre a prestação e a contraprestação terá sido respeitada em sua grande parte.

2. A autonomia privada reflexa na obrigação A obrigação contida em um programa contratual encontra seu primeiro sustentáculo na livre iniciativa manifestada, a priori, pelo princípio da autonomia da vontade que, segundo Caio Mário da Silva Pereira167, permite às partes, livremente, (i) celebrar o contrato ou não; (ii) escolher os contratantes; (iii) determinar o conteúdo das disposições contratuais; e (iv) pleitear, em juízo, os direitos oriundos em caso de inadimplemento, por parte da parte adimplente. O princípio da autonomia da vontade advém do direito civil clássico, concebido sob o ângulo do puro individualismo do ser humano, como livre da manifestação da vontade real ou psíquica do indivíduo que se concretiza para expressar seus interesses indistintamente, criando relações jurídicas de naturezas infinitas. Sob a visão liberal da doutrina clássica, “... o contrato é sempre justo, porque, se foi querido pelas partes, resultou da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes. Teoricamente, o equilíbrio das prestações é de presumir-se pois sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar ...168”.

167 168

Instituições de direito civil. p. 22-25. BESSONE, Darci. Do contrato, p. 39.

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A vontade dos contratantes, especificamente no âmbito do negócio jurídico, é “criadora e criatura169” pois comitantemente exerce a força motriz do negócio jurídico, e ao iniciar seus efeitos com o cumprimento da obrigação passa a ter autonomia por produzir o negócio jurídico que contém conteúdo normativo ao criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. A vontade individual produzida dentro de um programa contratual reproduz as aspirações subjetivas de cada contratante ou a somatória de ambas, se assim estiver disposto, pois que dependendo da estrutura formada em determinado negócio jurídico pode o conjunto das vontades contrapostas mas harmônicas construírem uma vontade unitária, denominada vontade contratual objetivada na norma negocial, ou seja, a força vinculante do direito objetivo, que passa a ser o mote a ser perseguido e executado pelas partes. Por exemplo, em um contrato de parceria, os parceiros embora possam ter vontades antagônicas, um de obter lucro com o negócio, e o outro de promover seu nome profissional em razão da atividade a ser desenvolvida, a união entre eles converge para a vontade contratual de que o negócio atinja o sucesso esperado para que ambos possam lucrar; um, financeiramente, e outro, profissionalmente. A vontade, como exercício de um poder, realmente é elemento importante na execução de um contrato, porquanto que reflete na execução ou inexecução das obrigações correspectivas impostas pela norma jurídica individual criada pelos contratantes por meio do conteúdo normativo do contrato. Pela vontade de cada contratante, que haverá o adimplemento voluntário, ou o anormal com execução forçada da obrigação ou o inadimplemento involuntário por impossibilidade física ou legal ou o inadimplemento voluntário e imputável ao devedor170 ou ainda as variações oriundas das diversas formas possíveis do descumprimento de uma obrigação. Em razão da margem de auto-suficiência intrínseca na vontade subjetiva de cada indivíduo que detém um instrumento de capacitação dos seus direitos subjetivos, há um risco a ser superado pela autonomia da vontade, o qual é expresso por Clóvis Beviláqua nas exatas palavras: “... vê na liberdade contractual uma guilhotina, porque não pode ser realmente livre 169 170

NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções preliminares de direito civil, p. 116. ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 16.

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aquele que se acha em posição de inferioridade econômica ou de dependência, ou forçado pelas necessidades da vida, em face do mais poderoso ou mais forte171”. Esse risco de anular a liberdade conquistada na sociedade contemporânea concretiza-se nas relações sociais dos indivíduos, trazendo preocupação aos hipossuficientes, que ao encontrarem, do outro lado, um contratante mais forte e que intencione impor sua vontade subjetiva arbitrariamente, não encontrará mecanismo de tutela na autonomia da vontade, para evitar a supremacia absoluta da vontade deste. Nesta ótica, o princípio da autonomia da vontade prevalecerá a favor do mais forte, posto que não há espaço para um controle externo como forma de apaziguar os interesses, consolidando a livre manifestação de vontade do detentor do poder, aniquilando qualquer possibilidade de liberdade negocial172. Com essa roupagem assumida pelo princípio da autonomia da vontade, o sistema jurídico repeliu tal supremacia da vontade humana que, na maioria das vezes ficava ao arbítrio exclusivo de apenas um contratante, clamando por um novo direcionamento na liberdade negocial que pela sua potestade necessitava deparar com alguns ditames limítrofes para recuperar o equilíbrio nas relações jurídicas submetidas à produção de seus efeitos. Assim, a transmutação da autonomia da vontade para a autonomia privada reflexa na obrigação decorreu da revolução do Direito Obrigacional, abordada no capítulo anterior do presente trabalho, em razão da reestruturação ocasionada na alteração da visão da autonomia da vontade – como livre exercício do indivíduo para criar vínculos jurídicos – para a consciência de que a autonomia privada é salutar, posto que o auto-regulamento disposto em um determinado contrato deve ser estruturado e executado dentro de certos limites impostos pelo Direito, como a boa-fé e a probidade, por exemplo, a fim de que o poder individual de normatizar negócios jurídicos não supra a liberdade jurídica de um indivíduo, que em razão desta perde sua liberdade natural173, posto que com aquela obtém garantias para as relações jurídicas que pretenda celebrar.

171

Evolução da theoria dos contractos em nossos dias. p.32. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 116. 173 FERRI, Luigi. L’autonomia privata. Tomo II. p. 186. 172

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Nas palavras de Fernando Noronha, detectamos o patamar inicial da autonomia privada fundamentada pelos “valores básicos da liberdade, da justiça e da ordem correspondem, no Direito dos Contratos, os princípios da autonomia privada, da justiça contratual e da boa-fé, sendo estes três os ‘princípios de ordem pública contratual’”174. Por ser a autonomia privada um princípio de ordem pública contratual, sua aplicação é obrigatória e representa instrumento de segurança para que a liberdade negocial seja expressa como uma manifestação de vontade normativa, justificada não no interesse exclusivo do indivíduo, mas sim na soberania do sistema jurídico positivo controlado pelo Estado que premeia a vontade do contrato formada pela conjugação dos interesses de ambos contratantes. Ressalte-se que não é correto o pensamento de que a figura do Estado detém poder de intervir em um contrato, interferindo arbitrariamente em uma relação jurídica da qual não pertence, mas o Estado exerce esta função porque o Direito o legitima para tanto. Assim, a intervenção estatal não se caracteriza como mais um poder absoluto, superior e impositor de regras jurídicas que visa engessar o exercício do poder dos contratantes ao manifestarem sua vontade, seja ela para contratar ou seja ela para executar uma determinada obrigação. Não se pode confundir soberania com superioridade175, como nos ensina Luigi Ferri. A intervenção estatal, legitimada pelas normas jurídicas, que exerce seu poder de controle dentro das prerrogativas previstas no sistema positivo, acabou, assim, por limitar a autonomia da vontade, criando mecanismos de controle da vontade dos contratantes por meio da autonomia privada. Conseqüentemente, o contrato, como fonte normativa, passou a ser regulado por um poder externo – o Estado – que diante de qualquer abuso oriundo da vontade subjetiva de algum indivíduo, reveste-se de sua legitimidade para impedir tais abusos ou limitá-los. Eis o fundamento que legitima a intervenção estatal, possibilitando, por exemplo, a atividade nomotética dos juízes, para criar cláusulas em contratos omissivos, derrogar cláusulas abusivas e nulas consideradas dentro do sistema positivo.

174 175

O direito dos contratos e seus princípios fundamentais, p. 18. Op. cit., Tomo I. p. 42.

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A concepção de que a autonomia privada é um poder do particular vinculado ao dirigismo estatal é defendida por Luigi Ferri176, Pietro Perlingieri177 e Mário Júlio de Almeida Costa178, ao pontuarem que a autonomia privada consiste em um poder concedido pelo Estado ao particular para criar normas jurídicas individuais aplicáveis na esfera de um contrato, mas cujo poder encontra seus limites primários na própria estrutura do sistema jurídico, que estabelece algumas regras a serem observadas por todos e, em caso, de descumprimento, o Estado está legitimado a interverir por ser aquele que legitimou os particulares a exercerem esse poder. Esse poder converge para o enquadramento da vontade dentro do negócio jurídico, pois “como muito bem o disse IHERING, ‘o ato jurídico é a forma na qual a vontade individual desenvolve a sua atividade criadora, dentro nos limites que lhe são indicados pelo direito. A vontade não cria realmente senão tanto quanto permite esses limites; desde que os transpõe, ou bem sua ação é desprovida de todo efeito, e nada mais produz do que um ato vão e nulo, ou então este efeito se volta contra ela, impondo-lhe a necessidade de aniquilar por ela própria o resultado que ela haja obtido (pena de perdas e danos)’”179. Conseqüentemente, a liberdade negocial é mitigada em relação ao limite social existente na sociedade, isto é, o livre-arbítrio do indivíduo é automaticamente regulado pela responsabilidade oriunda de seus atos, os quais possibilitam a criação de normas individuais, como a criação do auto-regulamento na celebração de um contrato. Nesse diapasão, urge abrir um parêntese para colocar em pauta a questão do poder privado formador do auto-regulamento em um contrato. Essa concepção é repelida por Luigi Ferri que entende ser o auto-regulamento um preceito, uma norma ou um comando, e sendo um preceito geral objetiva disciplinar uma série de atos e não apenas um ato individual e privado. O contrato, ao contrário, não visa a regulação de toda uma coletividade ou uma classe de

176

Op. cit., Tomo II. p. 177. Perfis do direito civil – introdução ao direito civil constitucional. p. 17. 178 Op. cit., p. 92. 179 IHERING, “L’Esprit du Droit Romain”, trad. de O. Meulenaere, IV, n. 63, p. 131 apud LOPES, Miguel Maria de Serpa. Exceções substanciais: exceção do contrato não cumprido, p. 114. 177

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indivíduos, só se conter uma norma abstrata ou hipotética. E se um contrato não normatizar de maneira geral, ele não pode ser denominado de auto-regulamento180. Esse jurista ao apresentar essa posição diverge da opinião de Emílio Betti que sustenta ser o negócio jurídico um auto-regulamento181 em razão da possibilidade dos contratantes de normatizarem suas relações sociais individuais por meio da celebração de um negócio jurídico. Esse poder enseja a criação de normas jurídicas individuais fundamentadas na vontade objetiva existente na liberdade negocial que cria regras a serem obedecidas e executadas dentro dos limites externos impostos pelo Estado. Com essa diferenciação de pensamentos, ousamos divergir do primeiro jurista, para concordar com a posição do segundo, em virtude da constatação de que aos particulares, o sistema jurídico, confere o poder de criar de fato um auto-regulamento por meio de normas jurídicas individuais, ainda que o campo de atuação destas seja registro a duas pessoas ou mais ou ainda a uma determinada coletividade. Esse poder de criação é transferido ao particular pelo próprio sistema jurídico que admite e reconhece a formação de normas individuais e respeita tal normatização se realizada dentro dos preceitos da autonomia privada, da justiça contratual e da boa-fé objetiva. Não é porque o conceito literal de auto-regulamento esteja vinculado à noção de preceito geral aplicável a todos que deixaremos de considerar o contrato como um auto-regulamento na esfera privada. Fecha-se parêntese. Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentar a obra L’autonomia privata de Luigi Ferri, o qual a explica como norma superior ou legal que autoriza aos particulares a exercitá-la por meio da conferência de poder a eles na sua esfera privada de atuação, mas essa autorização é passível de intervenção através da aplicação de normas jurídicas pelo Estado182, apresenta um paralelo de distinção entre esses dois institutos nas seguintes palavras: a autonomia da vontade representa o desejo interior (psicológico) do indivíduo ao manifestar sua declaração de vontade dentro da liberdade de agir; respeitando a relação existente entre vontade e declaração que é um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana. Por sua vez, a 180

FERRI, Luigi. Op. cit. p. 51-55. Interpretazione della legge e degli atti juridici, p. 274. 182 Op. cit. p. 62. 181

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autonomia privada é fonte normativa que confere ao sujeito de direito o poder de criar normas jurídicas individuais para especialmente negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais (contratos)183. Essa diferenciação é deveras importante ao presente estudo, na medida em que se constatou durante os primórdios da Teoria do adimplemento substancial no sistema inglês que a falha identificada na aplicação desta Teoria por meio da distinção entre as cláusulas que possibilitavam à resolução em razão do inadimplemento consistiu no fato de que ficava ao arbítrio dos contratantes identificarem o que seria uma condition (cláusula com obrigação essencial, responsável pela quebra do programa contratual), e sua vontade expressada no sentido de qualificar uma cláusula desta natureza, sendo este o único parâmetro para os julgadores aplicarem essa teoria, exaltando por demais o princípio da autonomia da vontade que deixava à livre escolha das partes a eleição das cláusulas essenciais. Assim, o reinado absoluto da autonomia da vontade, levava às Cortes inglesas decretarem a resolução do contrato por qualquer descumprimento grave, independente da condition ou da warranty, se a vontade da parte adimplente se manifestasse neste sentido, em virtude da exaltação da vontade subjetiva (vontade psíquica) e objetiva (declaração exteriorizada) dos contratantes. Essa prerrogativa era empregada, às vezes, com excesso de formalismo, ao passo que se a vontade da parte adimplente fosse resolver o contrato, mesmo tendo obtido proveito da prestação executada, bastava manifestar sua vontade de que o descumprimento existente infringia uma condition, sendo, assim, necessária a resolução do contrato. Realmente essa estrutura primária da Teoria, calcada na autonomia da vontade reflexa na obrigação contemplava prejuízo a todo o sistema econômico que poderia ter um contrato resolvido, por simples desejo intrínseco de um contratante. Dessa forma, com o desenvolvimento da Teoria, as Cortes da Eqüidade alteraram o fundamento da resolução para empregá-lo apenas diante de inadimplemento de obrigação fundamental com real prejuízo à parte inadimplente. Essa alteração insere-se no contexto da autonomia privada na medida em que depreendemos uma intervenção estatal para tutelar, de maneira equânime, a preservação do contrato se o interesse da parte adimplente fosse satisfeito, ainda que não totalmente, e os objetivos do contrato 183

Noções preliminares de Direito Civil, p. 115-116.

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tivessem sido atingindos, possibilitando a circulação de riquezas na economia (fim primordial do negócio jurídico bilateral ou plurilateral). Ao incorporar tais regramentos no ordenamento jurídico pátrio, vislumbramos que a função e o sentido da autonomia privada184 têm de, primeiramente, serem buscados na Constituição Federal, notadamente no artigo 1º, II, que trata da dignidade da pessoa humana, e o inciso IV deste artigo que cumulado com o artigo 170, fundamentam a ordem econômica calcada na livre iniciativa, bem como no artigo 3º, inciso I da Carta Magna. Conforme dispõe o artigo 1º, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, cujo corolário é a proteção do livre desenvolvimento da personalidade. Nesse contexto, afastar a autonomia privada, ou limitá-la a extremos, é contrário a esses critérios constitucionais, na medida em que priva o particular de se autoregrar. De outra parte, o artigo 170 fundamenta a ordem econômica brasileira conduzindo-o à livre iniciativa, o que inegavelmente assegura à autonomia privada um papel central no domínio econômico, assumindo o contrato seu fim primordial de ser responsável pela ativação da economia. A conjugação do princípio da dignidade da pessoa humana com a regulação constitucional da livre iniciativa transforma a autonomia privada em uma autonomia solidária, em razão da sua conexão com a dignidade do ser humano e com a tutela da sua personalidade que se expressam na vida social, sendo que no direito obrigacional esse fenômeno ainda clama pelo princípio da probidade para se concretizar. Judith Martins Costa complementa este seu pensamento fundamentando-o por meio do artigo 421 do Código Civil ao defender que “a ‘autonomia solidária’: o ‘auto nomos’ dos privados há de ser exercido nos quadros de uma substantiva justiça social185.” O exercício do “auto nomos” inserido em uma justiça social representa a concretização da solidariedade, expressa no artigo 3º, inciso I da Constituição Federal, tendo como norte o 184

Insta ressaltar que a autonomia privada está sendo analisada e inserida, no presente trabalho, na área do direito obrigacional, mas ela também exerce influência sobre todos os ramos do direito civil. 185 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 345-347.

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princípio segundo o qual há a obrigatoriedade de todo indivíduo minimizar o risco da produção de danos. A solidariedade da autonomia privada reflexa na obrigação promove a extensão do princípio da boa-fé, no sentido em que “... é possível reconduzir o princípio da boa-fé ao ditame constitucional que determina como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade solidária, na qual o respeito pelo próximo seja um elemento essencial de toda e qualquer relação jurídica186”. Por encontrarmos fundamentos constitucionais ao Direito obrigacional (solidariedade, função social, etc), defendemos a integração do direito privado no texto constitucional brasileiro, coadunando com as idéias de Giovanni Ettore Nanni, que acredita ser possível verificar a existência de vários dispositivos legais do direito privado na Constituição Federal, além do fato de que há subjulgação da obediência os ditames constitucionais apregoados na Magna Carta nos assuntos referentes à pessoa, família, propriedade, sucessões e obrigações187. Em razão dessa junção, o direito privado pós-moderno (do terceiro milênio) incorpora os princípios da dignidade da pessoa humana, da sociabilidade e da solidariedade em sua estrutura. Assim, o caráter solidário atribuido à autonomia privada reflexa na obrigação é limitado pela característica de sua função social, na medida em que a solidariedade que lhe é implícita, condiciona a concretização de uma justiça social no sentido de buscar a eqüidade em todas as fases de um contrato, visando contribuir com o desenvolvimento equilibrado do programa contratual e, comitantemente, com o crescimento da economia e ainda com a evolução do “auto nomos” dos privados. A conexão destes ditames constitucionais refletidos na função social do contrato faz com que este princípio assuma sua função interna e externa, posto que ao mesmo tempo, que toda a sociedade tem o interesse de que a pretensão de contratar seja inicializada em patamares justos a fim de resultar em um contrato que atenda seus fins para os quais foi criado até suas 186

NEGREIROS, Tereza. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 117-118. A evolução do direito civil obrigacional e a transição da autonomia da vontade para a autonomia privada. Cadernos de direito civil constitucional 2. Renan Lotufo (coord.), p. 165. 187

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últimas conseqüências, devendo, assim, respeitá-lo; os contratantes também têm deveres com os terceiros, ao negociarem futuros contratos baseados apenas em critérios equânimes, preocupados com a solidariedade social com a dignidade humana de quem possa sofrer os efeitos, ainda que indiretos do contrato (função social externa do contrato), sem olvidar-se da realização equilibrada dos interesses de ambas as partes (função social interna do contrato), com o norte de atingir o adimplemento. Essa dupla função social do contrato há de ser exercida em qualquer negócio jurídico bilateral ou plurilateral, segundo o ditame de que “o contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF 3º I) e da justiça social (CF 170 ‘caput’), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF 1º III)...188”. Esses princípios constituem-se na base da função social, não sendo admitido seu descumprimento, seja na missão de preservar os interesses da coletividade, seja com o objetivo de eqüilibrar os interesses contrapostos e correspectivos dispostos no programa contratual. Ressalte-se, por fim, apenas que atualmente, na fase pós-moderna do direito obrigacional, a autonomia privada começa a se desvincular de algumas atuações estatais, em razão das multirelações jurídicas criadas a partir de um contrato ou daquelas interligadas por meio de contratos conexos e, até mesmo “em razão do enfraquecimento da noção do Estado como modelo de organização política189”. No entanto, advertimos que essa desvinculação da autonomia privada do poder estatal deve ocorrer por meio de uma proximidade aos princípios da dignidade da pessoa humana, da probidade, da solidariedade, da função social, da sociabilidade e da boa-fé, a fim de evitar um esvaziamento no direito obrigacional em razão da ausência do dirigismo contratual sem qualquer outro instrumento limítrofe à liberdade negocial que representaria uma retrocessão em todos seus fundamentos.

188 189

NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil, p. 427. GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A função social do contrato e os novos princípios contratuais, p. 42.

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3. O sinalagma contratual Sinalagma significa contrato, daí por que, “contrato sinalagmático” é uma redundância: “A expressão ‘sinalagma’, utilizada no texto citado (de Ulpiano), nada tem a ver com a bilateralidade; trata-se de uma expressão grega que quer dizer contractus ou conventio, mas por um erro de interpretação dos compiladores e comentaristas da época pós-clássica, vinculando-a ao ultro citroque obligatio e atribuindo-lhe uma significação mais ampla, começou-se a afirmar que contrato bilateral era contrato sinalagmático, resultando sua característica essencial a reciprocidade e interdependência das obrigações, quer dizer, o ultro citroque obligatio. É possível que a expressão ultro citroque obligatio tenha sido interpolada190”. De fato, no surgimento desse constructo, no direito romano, “as obrigações recíprocas não nasciam de um acôrdo formal entre as partes, mas de duas autônomas estipulações, cada qual respectivamente tendo como objeto uma das duas prestações. Assim, o contrato bilateral foi concebido originariamente como o complexo de dois contratos distintos, independentes um do outro, e que assim se mantinham mesmo no momento da execução, com um caráter autônomo191.” Essa concepção foi adotada durante muito tempo até que Labeão, jurista romano que entendia a língua grega, ao analisar um trecho de Ulpiano no Digesto, dissecou o conceito “synallagma” como significado de “contractum”, assimilando a idéia de que o contrato significa obrigação de uma e de outra parte, caracterizando a reciprocidade. Insta ressaltar que o conceito de “synallagma” para os gregos, naquela época, não era visto dessa forma, mas essa foi a interpretação dada por Labeão e seguida pelos demais juristas daquele tempo192. Em conseqüência, o vínculo sinalagmático começou a ser entendido como a reciprocidade de obrigações e não de simples consentimentos como pregavam os gregos. Por conseguinte, o sinalagma consistiu na representação do acordo de vontades calcado na reciprocidade das 190

LOPES, Miquel Maria de Serpa, Exceções Substanciais, p. 232. Idem, Ibidem, p. 229. 192 MONNIER, Cours de droit romain, II, p. 139. 191

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obrigações dispostas pelas partes, existindo uma correlação muito forte entre a prestação e a contraprestação devidas. Assim, o sinalagma, no signo lingüístico, traz significado de contrato, mas a utilização social deste significante acabou por incorporá-lo à concepção de reciprocidade e interpedendência das obrigações no sentido de que “a las obligaciones bilaterales corresponden en particular los contratos sinalagmáticos que se caracterizan por el hecho de que cada una de las partes promete hacer una prestación a la outra para obtener de ella una contraprestación ...193”. A vinculação existente entre o dever de executar a prestação na expectativa de receber a contraprestação faz com que a interdependencia sustentada no silagma produza um equilíbrio no programa contratual, ao passo que a obrigação de um contratante confluencia para a obrigação do outro, de maneira equânime. Nada adianta impor uma correspectividade entre o dever jurídico do devedor e o direito subjetivo do credor, se não houver a proporcionalidade equilibrada entre eles. O silagma contratual é incorporado em todos os sistemas jurídicos, na concepção da bilateralidade das obrigações dispostas no programa contratual, obrigando os contrantes reciprocamente, como dispõe, de maneira objetiva, o artigo 1.102 do Código Francês, verbis: “Le contrat est synallagmatique ou bilatéral lorsque les contractants s’ obligent réciproquement les uns envers les autres”. Em alguns sistemas jurídicos alienígenas, as codificações não trazem a conceituação do sinalagma, sendo uma construção meramente doutrinária, como por exemplo, o BGB e o Código Suíço das Obrigações. A reciprocidade advinda do sinalagma expressa prestações equivalentes e não idênticas. Serão recíprocas conforme a vontade e a intenção dos parceiros194: “c’est la réciprocité des engagements qui en découlent, chanune des parties ... le double rôle de créancier et de débiteur195”.

193

LARENZ, Karl. Op. cit. p. 18-19. Idem, Ibidem, p. 174. 195 WEILL, Alex. Droit civil. Les obligations, p. 37. 194

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A reciprocidade entre as obrigações é claramente vislumbrada no contrato bilateral ou plurilateral que é formado por obrigações recíprocas, equivalentes e contrapostas, mas ao mesmo tempo harmônicas, posto que estão direcionadas ao mesmo fim. Mas o ponto cerne dessa questão é que a prestação, por ser objeto da obrigação, é que deve ser recíproca, pois no contrato bilateral podem existir obrigações que não sejam recíprocas, como p. ex., no contrato de locação em que a reciprocidade constata-se apenas por meio da entrega do imóvel, pelo locador, e o respectivo pagamento do aluguel pelo locatário; não havendo reciprocidade no dever de devolução do bem locado ao término do contrato196. Em suma, “o verdadeiro contrato sinalagmático é o que cria, por ele próprio, em virtude do consentimento atual das partes, obrigações recíprocas197”. A classificação de um contrato em sinalagmático divide-se em genético e funcional, sendo que o primeiro constadado na origem da relação recíproca de dependência que enlaça as obrigações contratuais. Já o segundo representa o vínculo de dependência das obrigações, no momento da execução do contrato, que deve permanecer equilibrado, pois uma prestação não persiste sem a respectiva obrigação. Alberto Trabucchi apresenta uma definição clara destes dois institutos ao afirmar que: “Sinalagma genético está a significar a relação recíproca de justificação causal que deve intercorrer entre as duas obrigações nascentes do contrato, no momento da sua estipulação (...). Não basta a presença originária das duas prestações com função genética; o direito segue também a vida da relação, e, portanto, o contrato pode ser resolvido se, na seqüência, uma das duas obrigações venha a faltar ou não possa ser executada (sinalagma funcional), que é o fundamento da resolução por inadimplemento ou impossibilidade superveniente198”. Os sinalagmas genético e funcional reforçam o equilíbrio na reciprocidade entre as prestações e o inadimplemento exigido pela resolução deve ser a tal ponto a abalar a estabilização, privando, substancialmente, o credor da prestação a que teria direito. Não se pode tratar, portanto, simplesmente de falha secundária, sem reflexo na economia contratual. A gravidade 196

Cfr. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, p. 97. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 252. 198 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di Diritto Civile. p. 685. 197

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da ausência da obrigação que seria prestada, mas foi inexecutada, deve ser de tal monta a desnaturar o sinalagma funcional. Assim sendo, se não houver quebra do sinalagma funcional, poderemos estar diante de uma hipótese de adimplemento substancial. O efeito sofrido pelo sinalagma neste último caso abrange o fenômeno de uma execução boa suficiente da prestação para a parte adimplente obter proveito concreto da mesma, atendendo o seu interesse, bem como respeitando a comutatividade das obrigações. Se o caso concreto é de adimplemento substancial (por ter sido satisfeita a essencialidade da prestação, seja ela principal ou acessória), não há, é claro, comprometimento grave do sinalagma funcional e, para ter sido reconhecido como substancial, a ausência mínima da prestação ainda desperta o interesse para o credor em relação ao contrato como um todo. Isso sinifica dizer que nessa espécie de adimplemento com inexecução de parte de pequena importância a parte da obrigação faltante a executar não se reveste de fundamento para a resolução. Ao traçarmos um paralelo entre o adimplemento substancial e a resolução, interpretando os ensinamentos de Carlos Miguel Ibáñez que identifica as espécies contratuais passíveis de resolução,

compreendendo

“todos

los

contratos

con

atribuciones

recíprocas

o

interdependientes, incluyéndo-se en el concepto los contratos bilaterales y los reales unilaterales onerosos, quedando excluídos de dicho ámbito los contratos gratuitos y los onerosos sin prestaciones recíprocas199”, detectamos que se a resolução exige a quebra das obrigações recíprocas e interdependentes oriunda da configuração do inadimplemento, a fim de romper o sinalagma funcional, o adimplemento substancial estará caracterizado quando subsistir as obrigações recíprocas e correspectivas, preservando totalmente o sinalagma genético e corroendo, minimamente, o sinalagma funcional. Diante do exposto, concluímos que só existe adimplemento substancial em contratos sinalagmáticos nos quais a reciprocidade das obrigações é evidente e funciona como mecanismo de ligação entre a prestação e a contraprestação a serem adimplidas.

199

IBÁNEZ, Carlos Miguel. Resolución por incumplimiento, p. 164.

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4. Os efeitos das obrigações na satisfação dos interesses das obrigações recíprocas A celebração do contrato visa a satisfação integral das obrigações recíprocas e comutativas durante a fase contratual que atinge, seu ápice e fim regular no adimplemento, considerado como o cumprimento da obrigação exigida pelo credor; podendo, em alguns casos, os ditames contratuais estenderem-se para a fase pós-contratual pela existência de deveres secundários decorrentes do programa contratual celebrado. O contrato exaure-se no adimplemento, sendo a relação contratual, por este motivo, transitória, como extraído das lições de Mário Júlio de Almeida Costa, “as obrigações apresentam-se em regra como vínculos de curta duração ou transitórios, que não são queridos em si mesmos, antes nascem para se extinguir. Daí que o ‘cumprimento’ ou ‘adimplemento’ – isto é, a realização da prestação debitória – represente o aspecto culminante da vida da relação obrigacional200”. O contrato, considerado como negócio jurídico bilateral ou plurilateral, a ser idealizado pelas partes desde o momento das tratativas iniciais (fase pré-contratual) até a sua efetiva celebração (fase contratual) forma um programa contratual estruturado a ser executado pelas partes, em sentido substancial201, a fim de concretizar o efetivo adimplemento. É a satisfação de interesses das partes substanciais que se busca nesse programa; ressaltando que o interesse do credor é o primeiro regente dessa relação jurídica, encontrando seus limites na tutela jurídica do devedor. O adimplemento encarado dentro do programa contratual, que é formado por obrigações recíprocas e equivalentes, representa o cumprimento normal da prestação, cujo objeto é a obrigação, sendo que esta pode ser de dar, fazer ou não fazer. Em razão destas diferentes espécies da obrigação, o adimplemento não pode ser definido pelo conceito de “pagamento”, pois dependendo da obrigação pactuada o cumprimento não envolverá a efetiva entrega de soma de dinheiro ou outro bem usado como moeda de troca. Esta diferenciação resulta do 200

Op. cit., p. 887. BIANCA estabelece uma distinção esclarecedora quanto à parte, em sentido substancial, e parte, em sentido formal, que também se aplica ao ordenamento jurídico pátrio, ao asseverar que: “Parte del contratto o contraente in senso sostanziale é il titolare del rapporto contrattuale, cioè il soggetto cui è direttamente imputato l’insieme degli effeti giuridici del contrato. Parte del contrato o contraente in senso formale è l’autore del contratto, cioè chi emette le dichiarazioni contrattuali costitutive”. Diritto Civile – Il Contrato”. Vol. III – Capitolo secondo. p. 53.

201

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cumprimento da obrigação que abarca a sua forma que o devedor deve executar a obrigação como forma de livrar-se dela e não o conteúdo da obrigação, que abrange o lugar e o tempo do cumprimento. As obrigações recíprocas e correspectivas estabelecidas denotam nos contratos bilaterais e plurilaterais, a causa sinalagmática formadora pelo nexo de causalidade criado no feixe de prestações de um lado e de outro, havendo a interpedependência entre elas. Essa relação de reciprocidade das prestações estipuladas fundamenta os deveres jurídicos e exige o seu respectivo cumprimento pelas partes contratantes. Neste contexto, o contrato estrutura-se para “realizar uma operação econômica reconhecida e tutelada pelo direito202”; sendo que seu objetivo principal é a transferência de riquezas, a qual será mensurada conforme o nível social de cada contratante. Dentro dessa sua função, seus efeitos podem ser de duas espécies: contratos com eficácia obrigacional ou real. Na primeira espécie, agrupam-se os contratos que transferem apenas uma relação de crédito e débito entre os contratantes, sendo as obrigações dispostas no contrato seu efeito mediato, vinculando apenas as partes. Por sua vez, no contrato com eficácia real, o efeito almejado pelas partes é a passagem da propriedade de uma determinada coisa (bem móvel ou imóvel) para o patrimônio da outra parte, mediante o preço convencionado, sendo que essa convenção tem eficácia erga omnes. Essa passagem opera por meio do efeito translativo do consenso203, que possibilita a eficácia da transferência da propriedade por meio da declaração da vontade. Há também contratos que assumem ambos os efeitos, ou seja, produzem comitantemente efeitos obrigacionais e reais, como por exemplo o contrato de compra e venda, no qual há a eficácia real por meio da transferência da propriedade, bem como a criação da eficácia obrigacional através da obrigação de pagar o preço. Esses efeitos obrigacionais e reais devem ser delineados para que na satisfação dos interesses das obrigações recíprocas a serem realizadas pelos contratantes haja a observância da 202

NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual, p. 211. 203 Idem, ibidem. Op. cit., p. 214.

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produção de cada resultado, a fim de evitar qualquer desvirtuamento do fim do programa contratual. Além disso, a satisfação dos interesses das partes estará coadunada de acordo com a eficácia pré-disposta no contrato típico ou atípico permitidos no ordenamento jurídico. Em conseqüência, a realização dos benefícios esperados por cada contratante será atinginda se houver a execução satisfatória da obrigação de acordo com o efeito previamente determinado por cada tipo contratual.

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Capítulo IV Noções básicas do inadimplemento e do adimplemento 1. O inadimplemento e o adimplemento Por ser o adimplemento o momento de apogeu do contrato esvaindo-se logo em seguida em razão do cumprimento integral ou ainda por eventuais frustrações na falha ou na ausência da realização integral da prestação devida (descumprimento parcial ou total), focamos neste capítulo ao estudo do adimplemento pelas diversas ramificações positivas (cumprimento) ou negativas (descumprimento), resultantes de cada forma de cumprimento do sinalagma contratual e os interessantes reflexos deste fenômeno que apresenta aos juristas no século XXI, na fase pós-moderna do contrato, importantes desafios a fim de estancar as atrocidades existentes tanto do lado do credor como do lado do devedor quando ocorre alguma distorção no cumprimento de obrigações equivalentes resultando no desequilíbrio da eqüidade. O adimplemento é o foco principal de qualquer contrato, por representar a vontade contratual de ambos contratantes expressa na realização da prestação e contraprestação devidas. A extinção normal do contrato pelo adimplemento consiste ao meio através do qual as partes recuperarão sua liberdade individual existente antes da pactuação da liberdade contratual no momento em que decidiram estabelecer o programa contratual, como fundamenta Pablo Casafont Romero, verbis: “Por cumplimiento de la obligación se entiende la realización de la prestación debida, que determina su extinción. Representa tal cumplimiento, en la vida del contrato, su última fase o momento, el de la consumación a diferencia de los de generación y perfección del mismo, supuesto que al ejecutarse la prestación debida, desaparece o se extingue la relación jurídica obligacional, liberándose el deudor y quebando satisfecho el interés del acreedor, sujeitos ambos de la misma, para ser restituídos al estado de libertad en que se encontraban antes del nacimiento del vínculo contractual204”. Essa liberação advinda do adimplemento é possível em razão da execução regular das obrigações correspectivas dispostas em um contrato no tempo, modo e lugar devidos. Na

204

ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 15.

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satisfação de interesses de ambas as partes por meio do adimplemento, o estado de liberdade individual dos contratantes é automaticamente reconquistado. Esta força decorrente do adimplemento regular advém da submissão aos seguintes princípios: o da boa-fé; o da correspondência, identidade ou pontualidade; o da integralidade e o da concretização205. Segundo Judith Martins-Costa, o princípio da boa-fé é expresso por meio da “atuação do credor no exercício do seu crédito como a atividade do devedor no cumprimento de sua obrigação têm de ser presididas pelos ditames da lealdade e da probidade206”. Esse aspecto do princípio da boa-fé decorre da sua modalidade objetiva, cuja imposição é requisito elementar e primário para o adimplemento, posto que ambas as partes contribuem, cada uma com sua obrigação e dever de probidade, para a realização do cumprimento regular e satisfatório. A mesma jurista conceitua o princípio da correspondência, identidade ou pontualidade como o regramento exigido pelas partes de acordo com a obrigação imposta, com a qualidade e forma previstas no programa contratual, ressalvando quanto ao aspecto de pontualidade que “não se pode limitar pontualidade ao tempo da prestação207”. Esse princípio modela o adimplemento, na medida em que estabelece a imperatividade do cumprimento da obrigação seguir as disposições, seja no aspecto formal ou pontual. O princípio da integralidade impõe que a obrigação seja prestada sempre de forma integral, exceptuando os casos de livre pactuação das partes nesse sentido, cumprimento parcial ou de adimplemento substancial. Por fim, de acordo com António Menezes Cordeiro, “o princípio da concretização reúne o conjunto de parâmetros necessários para transmudar o teórico comportamento devido, previsto na obrigação, numa atitude concreta, real e efetiva208”. Luiz Eduardo Bussata ao comentar esse princípio, destaca que embora ele tenha caráter complementar em relação aos outros, ele tem seu campo de atuação e importância, especialmente na relação jurídica obrigacional complexas209. No entanto, por vezes esses princípios não são seguidos pelas partes – seja ou não em razão de elementos internos ou externos ao programa contratual – impossibilitando o cumprimento 205

BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e Teoria do adimplemento substancial, p. 15. Comentários ao novo Código Civil, p. 871. 207 Idem, ibidem, p. 95. 208 Direito das obrigações, Op. cit., v. 2. p. 187. 209 Op. cit., p. 21. 206

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regular das obrigações, ao ensejar desvios na fase de execução que podem levar à inexecução absoluta, relativa, parcial, na impossibilidade de seu cumprimento ou tão somente à execução próxima ao ideal pretendido, mas que não se configura em adimplemento total. Nas hipóteses de inexecução que podem assumir as espécies de absoluta ou relativa (mora), ou apresentar defeitos de gênero e forma (cumprimento defeituoso ou ruim) ou ainda conter apenas uma parte mínima, sem grande relevo, descumprida, procuramos nortear, nos próximos itens deste capítulo, estas diferentes nuances do descumprimento. Mas o principal objetivo perseguido no desenvolvimento dos próximos itens sobre as distinções entre adimplemento e inadimplemento consiste no apontamento da linha tênue que separa o momento da configuração do inadimplemento, que “acontece quando o devedor não cumpre a obrigação, voluntária ou involuntariamente210” e, de outro lado, quando o cumprimento da obrigação enseja a satisfação dos interesses do credor, mesmo não tendo sido executada integralmente. Sob a premissa do adimplemento de acordo com o conceito exarado pelo referido jurista da Costa Rica, buscamos a averiguação dos efeitos da não realização de uma parte mínima da obrigação principal, em contrapartida do inadimplemento, despertando um estudo mais acurado em razão de sua importância no atual momento histórico da Teoria Contratual, em que o credor perde seu trono de imperador absoluto sob o programa contratual estabelecido – anteriormente defendido pelo absolutismo da autonomia da vontade –, para convergir junto com a tutela jurídica do interesse do devedor, buscando-se a satisfação de ambos interesses que pode ser absoluta (adimplemento) ou se aproximar do ideal (adimplemento substancial). 2. O inadimplemento absoluto e relativo Por inadimplemento, conceituamos a ausência da execução da obrigação, imputável ao devedor. Mário Júlio de Almeida Costa identifica este instituto quando: “Verifica-se o não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação sempre que a respectiva

210

GOMES, Orlando. Op. cit. p. 170.

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prestação debitória deixa de ser efetuada nos termos adequados211”. Os termos adequados consistem naqueles contidos nas disposições contratuais em relação ao tempo, modo, forma (qualidade e quantidade) devidos. Para Agostinho Alvim, o incumprimento denomina-se inexecução, sendo esta classificada em: inadimplemento absoluto (impossibilidade de cumprir) e mora, que é o não-cumprimento no lugar, tempo e forma, mas ainda sendo possível a prestação212.

A classificação da inexecução nas duas espécies apontadas acima – absoluta ou relativa (mora) – converge para a seguinte diferença concreta a ser averiguada em cada caso concreto de inexecução: “será absoluto se tiver faltado completamente a prestação, e não há mais possibilidade de ser executada a obrigação, de forma útil e proveitosa para o credor. Será relativo se houve parcial cumprimento da obrigação, quanto ao objeto, ou se a obrigação não foi cumprida ‘in opportuno tempore’, mas ainda pode ser cumprida, ainda que em mora. Em ambas hipóteses, há descumprimento de obrigação, pois o credor tem direito a todo o devido, quanto ao objeto, ao tempo e demais circunstâncias do negócio jurídico213”. O direito do credor a ser exercido em cada uma das espécies elencadas é semelhante, pois, tanto no inadimplemento absoluto como no relativo, o credor pode “enjeitar a prestação e exigir a satisfação das perdas e danos214”. Diante do não cumprimento ou do atraso injustificado de executar a prestação, esvaindo-se a utilidade da prestação e o interesse do credor, o direito resolutório é a única medida para salvaguardar o direito da parte adimplente com todos os efeitos permitidos pelo ordenamento jurídico. No inadimplemento absoluto, a parte adimplente tem o direito de: (i) promover a execução forçada da obrigação, por culpa (CC, art. 236) ou não do devedor (CC, art. 235, ao admitir a resolução sem culpa do devedor se a coisa perecer; CC, art. 567 estabelece a resolução do contrato de locação, sem culpa do locatário e do locador, se a coisa alugada deteriorar-se), 211

Direito das obrigações. p. 955. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 7. 213 PAULA, Carlos Alberto Reis de. Do inadimplemento das obrigações, p. 365. 214 Idem, Ibidem, p. 50-51. 212

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sendo que diante da culpa, será admitido o pedido de indenização pelos danos sofridos; ou (ii) resolver a obrigação, na configuração de violação à obrigação fundamental do contrato que causa a inexecução. A valoração da culpa neste campo é matéria controvertida em comparação à orientação da legislação de cada país, ao passo que há diversas visões dos doutrinadores neste aspecto. Michele Giorginanni, ao comentar o sistema jurídico italiano, defende que a eficácia do inadimplemento não se explica a partir da culpa; prova disto se encontra na insistência de avaliar-se o efeito da inexecução através do interesse do credor, mesmo entre os que a ela dão especial relevo215. Por sua vez, Ruy Rosado Aguiar Júnior, ao discorrer sobre essa questão no ordenamento jurídico pátrio, atesta que “onde a mora se constitui havendo culpa do devedor (art. 396 do Código Civil), a resolução há de ser considerada como conseqüência do incumprimento culposo. Mas o sistema admite situações em que a resolução se faz possível independentemente da culpa do devedor pelo inadimplemento, nos casos em que houver perda do interesse do credor em receber a prestação...216”. No Brasil, tendo em vista que a culpa é elemento básico para a configuração do inadimplemento para efeitos indenizatórios, é necessária a verificação da culpa do inadimplente para caracterização do inadimplemento, mas não se exige a culpa do contratante faltoso na inexecução da obrigação que pode ocorrer por fatos alheios à sua vontade (p. ex. caso fortuito e força maior). Por conseguinte, a culpa é exigida apenas para mensurar a extensão da indenização cabível por perdas e danos. Assim, a culpa aplicável no inadimplemento absoluto é importante para mensurar a responsabilidade do inadimplente, porquanto que se houver a configuração da culpa, seu dever de indenizar a parte adimplemente é devido nos exatos termos da proporção dos danos causados pela inexecução, sendo que a ausência de culpa do devedor no inadimplemento gerado é causa extintiva da responsabilidade de ressarcimento dos danos pelo mesmo. 215 216

L’Inadempimento, p. 125. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 27

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No sistema pátrio, a própria noção de culpa vincula-se à autonomia privada. A responsabilidade pela conduta danosa é atribuída àquele que age de modo censurável, vale dizer, na esfera de sua autonomia, mas com culpa. Nesse contexto, a culpa pode ser classificada sob dois ângulos: do ponto de vista do dever violado, ela é classificada em contratual ou extracontratual; do ponto de vista da atuação do agente, ela pode ser in vigilando, in omittendo e in eligendo. Sob o primeiro prisma, a culpa contratual é “aquela decorrente de violação a um contrato. Extracontratual, ou aquiliana (originariamente definida na ‘Lex Aquilia’), é a violação a bem jurídico alheio ao dever geal de não causar dano a outrem, quando a conduta não está regulada por uma convenção.217” Por sua vez, sob o segundo prisma, a culpa in vigilando resulta da ausência do cuidar, ou velar; culpa in omittendo advém da omissão de obrigação que o agente deveria ter feito; e culpa in elitendo decorre da má escolha da pessoa a quem se atribue uma tarefa218. Conforme norma disposta no artigo 396 do Código Civil, “a culpa é elementar na configuração do inadimplemento. A ‘contrario sensu’, se a obrigação foi descumprida, mas quem deu causa à inexecução não agiu dolosamente nem agiu com negligência ou imprudência, não pode ser obrigado a reparar o dano sofrido pelo contratante219”. No Brasil, com fundamento no dispositivo legal em referência, concluímos que a culpa é elemento da mora para sua configuração, sendo que se esta der causa à resolução ensejará a condenação do inadimplente ao pagamento de perdas e danos derivados da sua falta. Mas o incumprimento inimputável também oportuniza a resolução, no entanto sem sofrer a respectiva indenização (CC, art. 235). A adoção desta visão em relação à culpa advém do direito romano clássico, no qual a responsabilidade do devedor diante de um inadimplemento, independentemente da proporção deste, é independente de culpa.

217

PAULA, Carlos Alberto Reis. Do inadimplemento das obrigaçõs. FRANCIULLI NETTO, Domingos; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira (Coord.). O novo Código Civil: Estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, p. 362. 218 Op. cit., p. 362. 219 Idem, Ibidem, p. 362.

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Em suma, basta a imputabilidade à resolução. Assim, não importa para o inadimplemento a verificação da culpa do devedor na inexecução de sua obrigação. Mesmo se agiu negligente ou propositadamente, o inadimplemento absoluto configurado permite a resolução do contrato, nos termos do artigo 475 do Código Civil. “Pode parecer estranho que se propugne pela resolução independentemente de culpa do devedor. É que se deve ajustar a teoria que vê a resolução como uma sanção com os dispositivos do Código Civil que expressamente admitem a resolução, apesar da ausência de culpa do devedor (...), a evidenciar que o próprio sistema codificado convive com as duas soluções: resolução com culpa, como regra geral, dando direito à indenização; resolução sem culpa, mas então sem indenização”220. Nas hipóteses da obrigação de não fazer, a violação desta pela comissão do agente da conduta proibida, gera automaticamente o inadimplemento absoluto, uma vez que a realização da omissão imposta leva à inexecução, sendo impossível o retorno ao status anterior, ensejando, assim, ao ressarcimento pelos prejuízos causados. O inadimplemento absoluto também é inevitável na obrigação em que o tempo é requisito fundamental, não se admitindo cumprimento tardio. O atraso, nesta situação, torna inútil a prestação ao credor, ensejando resolução do contrato com indenização por perdas e danos. Por sua vez, o inadimplemento relativo, também denominado mora, no ordenamento jurídico pátrio vem expresso no artigo 394 do Código Civil, sendo o atraso culposo na inexecução da obrigação, não cumprida no tempo, lugar e modos devidos de uma ou de ambas partes contratantes. Também há previsão no artigo 398 que configura a mora do devedor quando este pratica obrigações oriundas de atos ilícitos. O pressuposto central para configuração da mora consiste na viabilidade do cumprimento da obrigação em atraso, porque ainda é útil ao credor a prestação tardia, mas que origina à parte adimplemente, ao perder seu interesse nesta prestação vencida e exigível, o direito de postular pelas perdas e danos, que correspondem aos prejuízos de natureza material e moral suportados pelo credor. As perdas e danos englobam o que o credor efetivamente perdeu (dano emergente) com o atraso culposo no cumprimento da obrigação, bem como aquilo que ele 220

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 116.

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deixou de ganhar se houvesse o cumprimento regular da obrigação (lucro cessante), consoante estabelece o artigo 402 do Código Civil. O adimplemento relativo distingue-se do absoluto, pois naquele ainda há a possibilidade de cumprimento da obrigação se for de interesse do credor e se as circunstâncias do caso concreto possibilitarem a execução satisfatória do programa contratual. Esta possibilidade decorre da utilidade da obrigação ao credor, mesmo caracterizado o atraso no seu cumprimento. Se configurada a inutilidade da obrigação, a mora transforma-se no inadimplemento absoluto (CC, artigo 395, parágrafo único), posto que a obrigação não é cumprida no prazo e nem pode mais ser cumprida por responsabilidade imputável ao devedor ou por imprestabilidade da prestação ao credor. De acordo com Carlos Alberto Reis de Paula, “a mora é o retardamento injustificado por uma das partes, ou por ambas, da relação obrigacional quanto à pretensão221”. De fato, a mora pode ser praticada pelo devedor (mora debendi ou solvendi) como pelo credor (mora credendi ou accipiendi). Na primeira modalidade, o cumprimento imperfeito injustificado da execução da prestação é devida ao devedor que não cumpriu sua obrigação no tempo, modo e lugar estabelecidos no contrato. Na segunda modalidade, a mora decorre da recusa do credor em receber a prestação no tempo, modo e lugar convencionados. Outrossim, o elemento central da mora consiste na culpa, como pontua Orlando Gomes ao definir esse construto da seguinte forma: “Mora se há de definir, pois, como impontualidade culposa. Verifica-se quando o devedor não efetua o pagamento no devido tempo por fato, ou omissão que lhe seja imputável222.” No nosso sistema positivo, como já retradado, a culpa é elemento da mora, como preceitua o artigo 396 do Código Civil, e pressuposto da indenização por perdas e danos. A culpabilidade exigida pela mora deve ter cunho intencional (CC, art. 396), sendo que para exclusão da responsabilidade do devedor, este requisito deve ser comprovado concretamente. A culpa é 221 222

PAULA, Carlos Alberto Reis de. Op. cit., p. 365. GOMES, Orlando. Obrigações, p. 200.

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retratada de forma subjetiva e objetiva. Sob o aspecto subjetivo, perquiri a vontade do agente, seu estado psicológico no seu agir. Por outro lado, no aspecto objetivo, está condicionada a transgressão de um dever de conduta padrão do bonus pater familias223 que representa o comportamento exigido do homem médio. Havendo cumprimento imperfeito e sendo ainda viável a execução da prestação devida, o credor pode: (i) esperar pela execução da prestação, e pedir indenização por este atraso, caso aquela não se realize; (ii) conceder prazo suplementar para o cumprimento, e na ausência deste expirado o prazo, resolver o contrato diante da inércia do devedor; e (iii) resolver imediatamente, se a violação for fundamental, como nas obrigações de não fazer e obrigações com condição temporal imposta. A constatação do inadimplemento relativo ocorre “desde o seu termo, quando se trata de inadimplemento de obrigação positiva e líquida (mora ex re). Não havendo prazo assinalado, começa desde a interpelação judicial ou extrajudicial224”. A configuração da mora nas obrigações a prazo e a termo opera-se de forma automática, independentemente de notificação, como preceitua o artigo 397, caput do Código Civil: “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”. No entanto, “na hipótese resolutiva – direito legal e dependente da demanda do interessado – que nos ocupa a atenção, concede o remédio se a inutilidade altera a mora, passando-a ao estado de inadimplemento absoluto225”, isto é, a mora se não purgada passa a ser inadimplemento absoluto. Apesar de apresentarem algumas diferenças, tanto a mora como o inadimplemento absoluto constituem formas de violação contratual, podendo-se afirmar que a mora é espécie de 223

LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: obrigações – parte geral (arts. 233 a 420), vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 445. 224 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., 120. 225 GIORGIANNI, Michele. L’ inadempimento. n. 26, p. 887.

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inadimplemento, tanto que também é chamada de inadimplemento relativo. A doutrina seguindo as lições de Agostinho Alvim distingue as duas formas de violação contratual pelo fato de que, na mora, existi a possibilidade de purgação ou emenda, enquanto que, no inadimplemento, não há possibilidade de cumprir a obrigação, por ser fato irrecuperável, tendo a prestação tornardo-se inútil ao credor. Nesta distinção entre inadimplemento absoluto e relativo (mora), entendemos ser o credor quem vai possibilitar receber ou não a prestação. A ele, credor, não importa ter obtido o resultado a que fazia jus por vontade do devedor, ou mediante execução forçada; se, porém, a obrigação for do tipo infungível, não há como constranger o devedor, o inadimplemento será absoluto, e as perdas e danos serão devidas.

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Capítulo V Teoria do adimplemento substancial 1. A estruturação da Teoria do adimplemento substancial O adimplemento substancial é fundamentado no princípio da conservação dos contratos; no princípio da igualdade jurídica; no sinalagma contratual (equivalência/interdependência das prestações); no princípio da boa-fé objetiva; no princípio da liberdade contratual expresso pela autonomia privada no sentido de satisfazer de forma equânime os interesses dos contratantes, harmonizando-os no programa contratual que apresenta como fim a satisfação mútua dos interesses das partes por meio do adimplemento. O adimplemento substancial é esculpido, parafraseando como se constrói e modela uma imagem de barro, posto que o princípio da conservação dos contratos irá garantir-lhe a rigidez necessária a preservar a parte do programa contratual já executada, sem impingir à parte mínima descumprida que terá um tratamento diferenciado em relação à parte maior totalmente adimplida. Será, enfim, o seu baluarte. O princípio da igualdade jurídica será o material formador do adimplemento substancial, na medida em que se não houver tratamento igualitário às partes contratantes, mesmo ao inadimplente da parte ínfima da obrigação, irá correr-se o risco do “boneco de barro” – ou seja, o contrato – desmoronar pelo fato do material apresentar insuficiência ingredientes (em razão da ausência de sanção ao inadimplemente ou compensação da frustração do interesse credor) ou excesso de seus componentes (pela severidade imposta ao inadimplente ao perder todo o seu direito em razão da parte da prestação já executada normalmente). O sinalagma contratual assume o papel da água na criação de uma imagem de barro, ao passo que por conter a reciprocidade devida será responsável por temperar a tutela dos interesses do credor diante do inadimplemento de parte mínima da obrigação, mas também tem o sutil encargo de tutelar os interesses do devedor nesta situação como forma de equilibrar a interdependência das prestações. Ele é a estrutura de madeira que gira em baixo da escultura.

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Por sua vez, o princípio da boa-fé objetiva é o responsável pelo espírito criador do artista, ou seja, trazendo esta idéia para o direito contratual, no contrato é imperioso no mínimo a existência de duas partes em sentido substancial. Este princípio será o norteador das ações das partes contratantes, uma vez que ambas devem estar imbuídas de probidade pela consecução do adimplemento e havendo o descumprimento mínimo deste, sem grande relevância, este espírito de boa-fé objetiva deve ser exaltado a fim de terminar a obra de arte, ainda que distinta do projeto inicial. Por fim, o princípio da liberdade contratual calcado na autonomia privada é o toque final desta construção, por representar o sopro de vivência de cada contrato, como se a imagem do boneco de barro criasse vida, e encontra-se a liberdade da autonomia dos contratantes delimitada na autonomia privada. Com todos estes ingredientes, a Teoria do adimplemento substancial consiste na preservação do vínculo contratual diante de inexecução da obrigação de escassa importância. Essa teoria pode ser explicada como resultante da aplicação do princípio da boa-fé, objetivamente considerado, em sua atuação mais moderna, isto é, criando deveres para todos os contratantes, independentemente se figuram como credores ou devedores, pois com esta nova noção não importa de qual lado a parte adimplente ou inadimplente está no sinalagma, mas sim a força conjunta da preservação do contrato, possibilitando restringir a regra absoluta do inadimplemento que causa a resolução, se o descumprimento atingir parte tão reduzida da prestação, não tendo importância ou mesmo tendo alguma importância, esta é tão insignificante que a rejeição pelo credor da parte da prestação executada pelo devedor é totalmente contrária à boa-fé, admitindo solução diversa daquela imposta pela resolução contratual. Ensina Karl Larenz226 que não se deve recusar uma prestação oferecida de modo incompleto, mas na qual falta somente uma pequena parte em relação ao todo, e sem que exista interesse, objetivamente fundado, que se oponha à aceitação da parte oferecida.

226

“Derecho de Obligaciones”, p. 150.

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Já Anelise BECKER esclarece que: “o adimplemento substancial consiste em um resultado tão próximo do almejado, que não chega a abalar a reciprocidade, o sinalagma das prestações correspectivas. Por isso mantém-se o contrato, concedendo-se ao credor direito a ser ressarcido pelos defeitos da prestação, porque o prejuízo, ainda que secundário, se existe deve ser reparado227.” Jones Figueiredo Alves, desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, define o adimplemento substancial comparando-o com a exata dimensão e limite do direito de resolução nos seguintes termos: “... o suporte fático que orienta a doutrina do adimplemento substancial, como fator desconstrutivo do direito de resolução do contrato por inexecução obrigacional, é o incumprimento insignificante. Isto quer dizer que a hipótese da resolução contratual por inadimplemento haverá de ceder diante do pressuposto do atendimento quase integral das obrigações pactuadas, em posição contratual na qual se coloca o devedor, não se afigurando razoável a extinção do contrato228”. A dimensão do inadimplemento é fator determinante para constatar se houve inexecução ou adimplemento substancial. A valoração da gravidade do inadimplemento e o grau de satisfação do interesse da parte adimplente são dois critérios interligados para optar-se, legitimamente, pela extinção do negócio jurídico ou pelo resguardo da relevância social da manutenção do contrato, uma vez que “if, on the other hand, the breach is not material, the aggrieved party is not discharged from the contract, although she may recover money damages229.” Pelo trecho acima colacionado oriundo do direito inglês, sistema precussor da Teoria do adimplemento substancial, uma das características marcantes para configuração deste instituto é a gravidade do descumprimento, sendo hipótese de exclusão da aplicação da resolução, se este não representar uma violação concreta na obrigação prometida, sendo apenas permitido à parte adimplente o requerimento de indenização pelos danos decorrentes da ausência de prestação da parte mínima da obrigação. 227

BECKER, A. op. cit., p. 63. Op. cit., p. 406. 229 MANN, Richard A. and ROBERTS, Barry S. Business law and the regulation of business, p. 311. 228

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Nos casos em que o inadimplemento contratual não tenha a força suficiente para ensejar a resolução, opera-se uma irretratabilidade plena da relação contratual, garantindo apenas à parte adimplente a execução específica da indenização causada pelos prejuízos oriundos do inadimplemento contratual incompleto, contra o devedor da prestação insatisfeita, de forma a preservar o contrato em seus fins e em prestígio ao trato econômico-social que ele representa. É ponderável admitir, assim, a irrazoabilidade da conduta da parte adimplente em postular a resolução do contrato. A teoria do adimplemento substancial atende, com precisão, ao interesse na conservação dos contratos, de modo a impedir a resolução do negócio, bem como está em consonância ao princípio da integralidade do cumprimento, mas o relativiza ao primar pela manutenção do contrato na hipótese de descumprimento insignificante. Nessa linha de raciocínio, Junqueira de Azevedo apregoa que o adimplemento substancial é configurado quando o contratante, embora tenha cumprido grande parte de suas obrigações, somente deixa de executar uma pequena parte, insignificante perante todo o programa contratual. Nessa hipótese, se houvesse a aplicação do direito potestativo resolutório, seria exercido em dissonância ao princípio da boa-fé objetiva230. Pelos ensinamentos colacionados acima, podemos concluir que o adimplemento substancial será caracterizado quando houver um descumprimento ínfimo da prestação prometida, sem ocasionar o desequilíbrio no sinalagma das obrigações correspectivas dispostas no programa contratual, isto é, não afetando o objeto do contrato, relevando-se causa impeditiva da aplicação do direito resolutório, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva que tutela a manutenção do contrato. Em suma, há efetivamente a execução da prestação, no entanto, efetivada apenas substancial e não integralmente, na medida em que a “substantial performance is performance that, though incomplete, does not defeat the purpose of the contract. If a party substantially, but not completely, performs her obligations under a contract, the common law generally will allow her to obtain the other party’s performance,

230

Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista de Direito dos Tribunais, vol. 775, maio/2000, p. 13-14.

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less any damages the partial performance caused. If no harm has been caused, the breaching party will obtain the other party’s full contractual performance231.” Em conseqüência, a parte que descumpriu sua obrigação minimamente terá o direito de receber a contraprestação totalmente, sendo responsável pelo ressarcimento dos prejuízos oriundos da ausência insignificante da sua prestação em favor da parte adimplente. Se mesmo com o descumprimento mínimo não houver a constação de qualquer prejuízo, apenas nessa hipótese, a contraprestação a ser realizada pela parte adimplente deverá ser integral, sem o direito de postular por qualquer indenização oriunda de perdas e danos. Caso a parte adimplente sofredora de alguns prejuízos em razão da ausência da execução de parte mínima da obrigação, ainda não tenha realizado sua contraprestação de forma integral, é possível haver uma redução proporcinal desta na exata medida dos danos ocasionados pelo descumprimento de parte da obrigação de pouca relevância. Outrossim, é permitido à parte adimplente a adoção de medida judicial cabível para postular o cumprimento da parte mínima faltante, cuja ação pode cumular com o pedido de perdas e danos. Nesse diapasão cumpre trazer à baila um exemplo ilustrativo da aplicação dessa teoria como forma de concretizar os conceitos acima expostos. Adams construiu uma casa por U$ 300,000 para Betty mas não seguiu seguir algumas especificações dispostas no contrato, ocasionando para Betty um prejuízo de U$ 10,000. Se o Tribunal considerrasse isso como uma violação concreta da obrigação, Betty não teria que pagar pela casa que já estava exercendo sua posse, beneficiando-se da construção realizada, um resultado que iria claramente configurar um enriquecimento sem causa a favor dela. Portanto, em razão da execução de Adam ter sido substancial, o Tribunal afastou a configuração da inexecução por inadimplemento, e obrigou Betty pagar para Adam U$ 290,000 que representa o valor devido descontado os prejuízos causados232.

231 232

MANN, Richard A. and ROBERTS, Barry S. Op. cit., p. 313. Idem, Ibidem, p. 313.

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A teoria do adimplemento substancial nos obriga a enxergar a estrutura do programa contratual pelo ângulo do adimplemento, porquanto que “se toda a relação obrigacional está ordenada em função do adimplemento, é porque este constitui o momento no qual se realiza o interesse do credor... 233” No direito pátrio, o adimplemento substancial é configurado, a contrario sensu, dos artigos 394 e 395, parágrafo único ambos do Código Civil, por meio da subsunção da interpretação do cumprimento da essencialidade da obrigação, realizada conforme o fim econômico-social do contrato, ao princípio da boa-fé objetiva e aos bons costumes (CC, art. 187), mesmo que ausente uma parte mínima desta; mas esta falta não reverte na inutilidade da prestação à parte adimplente. O cumprimento substancial ocorrerá se a prestação for cumprida no tempo, lugar e forma devidos – a contrario sensu do art. 394 com desvirtuamento insignificante destes requisitos; relembrando que se a obrigação for a termo haverá, indubitavelmente, inadimplemento absoluto. Além disso, o critério de utilidade da prestação ao credor é essencial para identificar-se o adimplemento substancial ou o inadimplemento, na medida em que se o interesse do credor pela prestação cumprida quase que totalmente dissipou-se em razão da gravidade do inadimplemento, não se configura o adimplemento substancial (CC, art. 395, parágrafo único). Por sua vez, se mesmo com a falha no cumprimento da prestação, o interesse do credor foi resguardado, uma vez que o fim principal do objeto contratual foi cumprido, haverá a concreção da hipótese de adimplemento substancial, posto que a utilidade da prestação, mal cumprida, persistiu aos interesses da parte adimplente observando quase que totalmente a forma exigida. Pelo artigo 394 do Código Civil, o cumprimento da obrigação deve obedecer aos pontos fixados pelas partes no programa contratual, ou seja, não apenas cumprir no tempo devido, mas também executar a prestação na estrita observância da forma e lugar convencionados. Todos esses elementos devem ser observados, dentro da boa-fé objetiva de cada contratante, pois o devedor que fugir dos termos previstos em dissonância à probidade, terá frustado o

233

MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 347-348.

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programa contratual, e, por outro lado, o credor que exigir mais ou não for razoável ao aceitar a prestação, às vezes, prestada de forma quase completa, permanecendo, parte irrisória descumprida, também estará violando o referido princípio. Também é mister destacar que nas obrigações infungíveis não haverá possibilidade para aplicação das regras do adimplemento substancial, posto que uma vez inexecutada, o inadimplemento será absoluto, e as perdas e danos serão devidos. Não obstante, nas obrigações negativas de não fazer, também não haverá a caracterização desse instituto. Nestas hipóteses em que o adimplemento substancial não é cabível, mesmo insignificante o descumprimento, é incontroversa a perda total do desinteresse do credor, sendo legítima a resolução do contrato. Outrossim, o adimplemento substancial pode ocorrer tanto nas obrigações principais como nas acessórias de um contrato, tendo sempre por critério a ofensa direta causada pela primeira espécie ou indireta advinda da violação da segunda espécie ao objeto do contrato, desestruturando-o substancialmente. Como é cediço, a obrigação principal engloba o objeto principal do contrato. E a obrigação secundária pode ser conceituada como: “... quelle il cui adempimento è di scarza importanza avuto riguardo all’economia del rapporto contrattuale e all’interesse del creditore234”. (Projeto do Código Europeu dos Contratos, artigo 107) Essa importância secundária da obrigação não significa sua desvalorização, mas apenas sua subordinação à obrigação principal, sendo que quando sua violação infringir frontalmente à principal, haverá desequilíbrio contratual, passível de resolução dependendo da gravidade dessa inexecução. Tanto o descumprimento da obrigação principal como da acessória, considerado grave, ensejará “a resolução se caracterizada a violação substancial do contrato, com perda do interesse do credor, aferível de acordo com os critérios adiante indicados. A prestação imperfeita, mas que significou o adimplemento substancial da obrigação, autoriza pedido de indenização, porém não o de resolução235”. 234

SCHULZE, Reiner e ZIMMERMANN, Reinhard. Testi Fondamentali di Diritto Privato Europeo. p. 459460. 235 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 124.

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Por conseguinte, o adimplemento substancial pode ser caracterizado por inexecução da obrigação principal, se ofendê-la diretamente, bem como pode decorrer de descumprimento de obrigação acessória, sendo essa violação causadora de ofensa direta à obrigação principal, gerando, conforme a gravidade da quebra material do programa contratual, o seu desfazimento236. Destarte, o descumprimento da obrigação acessória pode motivar a resolução quando tornar impossível ou gravemente imperfeita a prestação principal. Para sintetizar a força da violação da obrigação secundária sob a obrigação principal, apontamos que o incumprimento da obrigação acessória leva à resolução quando: “(1) implica o incumprimento da obrigação principal; (2) tiver sido pactuado que seu descumprimento resolveria a relação, respeitados os limites da boa-fé...237”. Em síntese, o adimplemento substancial oriundo de violação de cláusula acessória só poderá atingir a obrigação principal, apenas quando sua acessoriedade estiver fortemente ligada à obrigação principal, ou representar parte essencial do contrato em razão de convenção desta importância pelas partes no contrato; sendo essa livre pactuação mas subordinada ao princípio da boa-fé. Por exemplo, o dever de lealdade diante da não divulgação de informação essencial para realização da venda de ações de empresa falida. A conseqüência oriunda da configuração do adimplemento substancial, de acordo com o princípio da conservação dos contratos conjugado com o princípio da integralidade do cumprimento relativizado, é a manutenção do contrato, com (i) a indenização das perdas e danos, como medida de preservar o equilíbrio contratual, pelo inadimplente baseado na apuração dos prejuízos oriundos do descumprimento insignificante de parte da prestação; ou (ii) se não houve nenhum prejuízo, mesmo com a ausência de parte ínfima da obrigação, não é cabível nenhuma redução da contraprestação devida pela parte adimplente, tampouco a objeção ao seu cumprimento, seguindo o contrato seu fluxo final normalmente até seu exaurimento completo. De fato, o que importa é que no adimplemento substancial o essencial 236 237

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 124. VIGARY, Rafael Alvarez. La Resolución de los Contratos Bilaterales por Incumplimiento. p. 119

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da obrigação foi cumprido, satisfazendo os interesses do credor, não cabendo a resolução do contrato, sob pena de estar agindo de má-fé. Em conseqüência, o ordenamento jurídico outorga, à parte adimplente, o direito de perdas e danos para que se mantenha o equilíbrio contratual, compensando as diferenças ou prejuízos relativos à prestação minimamente incompleta e, se possível, o pedido de adimplemento da parte faltante por meio de medida judicial cabível com cumulação do pedido de indenização, se houve dano. Por conseguinte, em qualquer das conseqüências acima identificadas, em razão do substrato desta Teoria, o princípio da boa-fé objetiva, o devedor não perde todas as prestações já quitadas, pois a resolução não tem fundamento e evita eventual arbitrariedade a ser cometida pelo credor. A abertura de proteção conferida ao devedor nesta Teoria é campo de salvaguarda para a parte inadimplente, que merece essa tutela se agir conforme a boa-fé objetiva. Segundo Anelise Becker, “para a jurisprudência norte-americana, é importante a conduta do devedor; é dito que a doutrina do ‘substancial performance’ pretende proteção e auxílio daqueles que leal e honestamente esforçaram-se em executar seus contratos em todos os particulares materiais e substanciais, de modo que seu direito à compensação não deva ser perdido em razão de meros defeitos ou omissões técnicas, inadvertidas ou não importantes238”. O atendimento do interesse do credor é um dos requisitos desta Teoria, como também a proteção ao devedor; sendo que ambos devem ser valorados pelo seu substrato, qual seja a boa-fé objetiva. A dosagem entre o interesse do credor e a tutela jurídica do devedor é fator decisivo para a configuração da substancialidade da prestação executada que uma vez conjugados de forma equânime não é passível de quebrar o equilíbrio contratual na estrutura do programa contratual.

238

BECKER, A. op. cit., p. 65.

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Além desses requisitos, a Teoria do adimplemento substancial requer: imprevisibilidade; ausência de gravidade no inadimplemento de parte mínima da obrigação; utilidade da prestação executada quase que completamente; proporcionalidade razoável do cumprimento da obrigação diante do descumprimento insignificante e atendimento ao interesse da parte adimplente. Estes elementos serão estudados individualmente nos próximos capítulos, no intuito de desenvolvermos essa Teoria em todos seus aspectos, identificando seu regime jurídico para facilitar a compreensão e aplicação de seus fundamentos diante dos casos concretos enfrentados nas relações sociais dos indivíduos que celebram contratos, sendo estes instrumentos propulsionadores da econômica. 1.1. Regime jurídico O adimplemento substancial submete-se aos princípios gerais dos contratos, por estar intrínseco ao sistema jurídico aberto formado pelo Código Civil de 2002, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, estabelecidos nos artigos 421 e 422 do diploma civil. O regime jurídico do adimplemento substancial foi construído, neste trabalho, paralelamente ao regime jurídico do cumprimento, que embora não sejam institutos idênticos, ambos contêm semelhança em sua base, qual seja, o fim do contrato: a execução da obrigação disposta no programa contratual. Assim, iniciaremos a verificação do regime jurídico do adimplemento a fim de extrair os elementos necessários para chegar no regime jurídico do adimplemento substancial. Pois bem, na opinião de Giovanni Pérsico, “... l’adempimento è um atto giuridico, che rappresenta una manifestazione di volontà (manifestazione che può vedersi anche nella c.d. attuazione), ma del tipo degli atti dovuti239”. Mário Júlio de Almeida Costa, ao definir o regime estrutural do adimplemento na doutrina portuguesa, coaduna com o mesmo pensamento, ao asseverar que “... assenta melhor ao

239

L’eccezione d’inadempimento. p. 155.

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cumprimento a categoria de simples ‘acto jurídico’240.” Mas este jurista complementa este pensamento ao indicar que mesmo sendo o adimplemento um simples ato jurídico, as normais gerais da Teoria dos negócios jurídicos também são aplicáveis em razão da similaridade entre ambos – por exemplo, os vícios da vontade – e pela razão de que a prestação pode ter por objeto um negócio jurídico. Nesta limítrofe área existente entre o ato jurídico e o negócio jurídico, Ruggiero, jurista italiano, traça ainda outro paralelo ao conceituar o adimplemento entre estes dois institutos jurídicos, nos seguintes termos: costuma alguns não ver no pagamento senão um fato, um puro fato jurídico, cuja conseqüência é a extinção da dívida. Mas quando se consideram as condições que a lei requer para a sua validade, especialmente as relativas à capacidade de alienar (se a prestação consiste em dar) ao elemento intencional que se exige no ‘solvens’, à manifestação de vontade que a execução em si contém, deve reconhecer-se que se trata antes de um verdadeiro e próprio negócio jurídico, o qual está, assim, sujeito a todos os princípios gerais que governam os negócios. No entanto, a doutrina está dividida acerca da espécie: enquanto alguns definem o pagamento como um acto jurídico unilateral, pois consiste num facto voluntário apenas do devedor, que, prestando, tende a extinguir a relação obrigatória, outros vêem nele antes um negócio jurídico bilateral, um verdadeiro e próprio contrato, porque à prestação do devedor deve corresponder a aceitação do credor, exige-se, isto é, um concurso de duas vontades, como em qualquer outro contrato... A verdade é, quanto ao aludido dissenso, que a ‘solutio’ pode ser ora um negócio unilteral ora um negócio bilateral, segundo a natureza específica da prestação: onde esta consiste numa omissão e, muitas vezes também, onde consista num fazer, uma intervenção do credor não é, em regra, precisa; o seu concurso é, pelo contrário, indispensável, se a prestação consiste em um dar, porque aí é necessária a aceitação do credor241”. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, jurista português, também defende ser o adimplemento ora ato jurídico ora negócio jurídico, mas com algumas outras peculiaridades específicas, ao asseverar que: “o cumprimento não é mais do que a realização do mandado da norma dirigido ao devedor, quer dizer, a realização do conteúdo da obrigação pelo devedor, e que, como tal, 240 241

COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 888 RUGGIERO e MARROI, Instituições diretto privato, p. 61-62.

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não tem o caráter de negócio jurídico. Só tem este carácter nos casos em que o direito de crédito se dirige a um acto de prestação que tenha carácter de negócio jurídico (emissão de declaração de vontade ou conclusão de um contrato); mas não, pelo contrário, naqueles casos em que o devedor está obrigado a mero acto de direito, como, por exemplo, a dar uma notícia e, decerto também nos casos em que pode e deve fazer a sua prestação sem cooperação alguma do credor, como, por exemplo, quando se trata de deveres de omissão e de muitas prestações de serviços242.” Sob o pensamento deste jurista, a execução da prestação atinge a natureza de negócio jurídico, quando possui este caráter, ou seja, exige o animus solvendi de realizar a prestação como também a vontade do credor em aceitá-la no modo, na forma e no tempo convencionados; se houver recusa injustificada do credor, constituirá a mora accipiendi. Em outras palavras, o adimplemento revestirá da figura de negócio jurídico ao ocasionar a emissão de duas vontades opostas mas destinadas a um mesmo fim – a execução regular e integral do programa contratual – a produzir a realização de obrigações interdependentes e recíprocas que visam a satisfação de ambos interesses dos contrantes. Ou seja, na seara contratual, tendo como parâmetro negócio jurídico bilateral ou plurilateral, o adimplemento será classificado como negócio jurídico. Partindo da premissa de que o adimplemento é um negócio jurídico, por se realizar por meio da emissão de duas vontades contrapostas mas ao mesmo tempo harmônicas dentro de um contrato, o adimplemento substancial também assume esta mesma estruturação, na medida em que o seu resultado consiste na execução da prestação pelo devedor e a aceitação do credor desta. Este apenas apresenta uma pequena diferença em relação ao adimplemento por não traduzir o cumprimento integral da prestação devida, mas sim contém a parte faltante tão reduzida que não tem importância para o credor ou mesmo tendo alguma importância esta é ínfima. É certo que a ausência desta prestação ficará condicionada ao interesse do credor que não poderá resolver o contrato, por motivos pessoais e desproporcionais, pois a recusa do credor em aceitar a parte relevante da prestação executada traduz-se no retorno do império

242

Do cumprimento como modo de extinção das obrigações. Boletim do Ministério da Justiça nº 34, p. 10.

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absolutista da autonomia da vontade do credor individual, ou em termos menos formais, no seu egoísmo puro. O adimplemento substancial ao ser classificado como negócio jurídico, em razão do regime jurídico apresentado neste instituto, ainda demonstra outra peculiaridade em sua formatação, ao ser identificado como uma espécie parcial de direito formativo gerador243, segundo a classificação exposta por Ruy Rosado de Aguiar Junior244, que representa aquisição de direito por meio de ato positivo do titular, pois as obrigações oriundas do incumprimento insatisfatório da obrigação geram uma função de ressarcir os danos oriundos do ato negativo (inexecução), sendo o fundamento da indenização cabível por perdas e danos. Nessa hipótese, o contrato é preservado no tocante à prestação maior e relevante já cumprida, sendo devido ao contratante adimplente a indenização por perdas e danos decorrentes da ausência do cumprimento total da obrigação. A preservação do vínculo obrigacional é exigida pelo adimplemento substancial, em razão do princípio da conservação dos contratos que restringe as hipóteses de aplicação do exercício do direito resolutório aos casos em que o inadimplemento for realmente grave e inadequado, desnaturando a obrigação principal. O regime jurídico do adimplemento substancial sendo definido como negócio jurídico, insta identificarmos os elementos componentes deste; o qual também parte da base dos elementos da obrigação cujo objeto deve ser lícito e possível, devendo as partes possuir capacidade para agir, exceto nos casos em que mesmo sendo o devedor incapaz a prestação executada vale como cumprimento, pois o credor aproveitou-se desta obtendo satisfação plena do seu interesse, sem que haja ao mesmo tempo prejuízo ao devedor incapaz. Para que o adimplemento seja considerado substancial, é necessária a configuração dos seguintes elementos: - a boa-fé objetiva expressa nas ações de ambos contratantes; 243

COUTO E SILVA, A obrigação como processo. p. 88; PONTES DE MIRANDA, Op. cit., vol. V, p. 351352. 244 Op. cit., p. 29.

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- imprevisibilidade; - ausência de gravidade no inadimplemento da parte mínima da obrigação; - satisfação dos interesses da parte adimplente; - utilidade da prestação mesmo diante do inadimplemento sem pouca importância; e - proporcionalidade razoável do adimplemento substancial em relação ao programa contratual. Vejamos, então, a peculiaridade de cada um desses elementos. 1.2. O princípio da boa-fé Como já salientado, a Teoria do adimplemento substancial é construída e fundamentada sob o princípio da boa-fé, objetivamente considerado, por ser “o resultado das necessidades éticas essenciais245”. De fato, o princípio da boa-fé objetiva como normatizador de todas as relações desenvolvidas dentro de uma sociedade, assume seu papel de eticização jurídica, sendo, especialmente, na seara contratual, um instrumento norteador do princípio da autonomia da vontade, a fim de transformá-lo em princípio da autonomia privada, no sentido de que “... a incidência da boa-fé objetiva sobre a disciplina obrigacional determina uma valorização da dignidade da pessoa, em substituição à autonomia do indivíduo, na medida em que se passa a encarar as relações obrigacionais com um espaço de cooperação e solidariedade entre as partes e, sobretudo, de desenvolvimento da personalidade humana246”. Sob essa nova ótica do direito obrigacional, o princípio da boa-fé objetiva, como fundamento da Teoria, objeto do presente estudo, clareou suas bases, ao mensurar o exato espaço ocupado pelos caracteres de dignidade da pessoa humana e solidariedade na produção dos efeitos das obrigações. Em razão da sua importância, insta estudarmos esse princípio, buscando sua natureza jurídica, espécies e extraindo-o como fundamento da referida Teoria.

245 246

COUTO E SILVA, Clóvis. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. Op. Cit., p. 61. NEGREIROS, Teresa. Op. cit., p. 117-118.

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1.2.1. A natureza jurídica da boa-fé Antes de desenvolvermos os desdobramentos do princípio de boa-fé, insta realizar uma pequena reflexão, com base nas lições de Renan Lotufo ao analisar se a boa-fé é um princípio ou uma cláusula geral. Segundo o referido jurista, sendo a boa-fé um princípio esse paradigma influencia o sistema jurídico como um todo, conferindo-lhe validade; por sua vez, se for uma cláusula geral será um instrumento de abertura do sistema aplicável na interpretação de obrigações integrantes de um negócio jurídico247. Segundo Antonio Junqueira de Azevedo248, a boa-fé trata-se de uma cláusula geral por conter um conceito legal indeterminado quando se refere ao tipo de comportamento exigido dos contratantes. Ao comparar os construtos da boa-fé como princípio e cláusula geral, Judith Martins Costa apregoa que: “na verdade a confusão entre princípio jurídico e cláusula geral decorre, no mais das vezes, do fato de uma norma que configure cláusula geral conter um princípio, reenviando ao valor que este exprime, como ocorre com o reiteradamente citado parágrafo 242 BGB. Assim, se poderá dizer que determinada norma é ao mesmo tempo princípio e cláusula geral. (...) Em suma, não se pode afirmar que as cláusulas gerais e princípios são o mesmo, se tomarmos a expressão princípio jurídico em toda a extensibilidade que lhe é própria. (...) Boa parte da incerteza acerca das lides das cláusulas gerais e dos princípios é devida à confusão entre sintagma cláusula geral e o enunciado, com a correspondente proposição normativa, contida num texto que consubstancia cláusula geral. Aí se fala, indistintamente, no ‘princípio da boa-fé’, inscrito no 242 do BGB, e na ‘cláusula geral da boa-fé’ desenhada pelo mesmo texto legislativo, como se poderia falar no conceito juridicamente indeterminado revelado na expressão linguística ‘boa-fé’249”. A distinção básica entre cláusula geral e princípio consiste no fato de que a primeira consiste em técnica legislativa responsável pela concretude e efetividade do princípio, enquanto que o 247

Código Civil Comentado: parte geral (arts. 1º a 232), vol. 1. p. 113. http://www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo7.htm 249 A boa-fé no direito privado: sistemática e tópica no processo obrigacional , p. 323-324. 248

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segundo é substrato influenciador das normas jurídicas dispostas em um sistema positivo. Não é necessária sua menção expressa, para aplicá-lo. Se a norma o exige, cabe ao aplicador do Direito usar o princípio como fundamento. Em razão das premissas apresentadas acima, defendemos ser a boa-fé um princípio pelo conjunto de valores (probidade, diligência, eticidade, solidariedade e lealdade) que traz em seu bojo, produzindo influências por todo o sistema jurídico, independentemente da natureza da norma jurídica, sendo nosso pensamento fundamentado por Fernando Noronha que também defende a principiologia contida na boa-fé, a qual impõe o “dever de cada parte agir de forma a não defraudar a confiança da contraparte250”. Mesmo sendo um princípio imperativo, influenciando a interpretação das normas jurídicas e dos negócios jurídicos, a boa-fé foi inserida no Código Civil vigente nos artigos 113 e 422 por meio de cláusula geral, ao conferir ao magistrado a tarefa de precisar o que exatamente significa a celebração e execução de um contrato consoante os ditames da boa-fé, bem como na interpretação do programa contratual. Essa inserção possibilitou a concreção do princípio da boa-fé no ordenamento jurídico vigente, conferindo-lhe efetividade. A efetividade existente conduz para a abertura do sistema possibilitada pelas cláusulas gerais que dão mobilidade para acompanhar a dinâmica dos fatos sociais, na medida em que reenvia ao juiz os princípios e valores inspirados do ordenamento jurídico. No caso específico da boafé, extraímos do diploma civil a cláusula geral nos dispositivos legais supra citados, nos quais também há referência ao princípio da boa-fé, posto que este aparece enunciado na mesma proposição normativa. Não são sinôminos, pois as clásulas gerais funcionam como “meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de ‘standarts’, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento jurídico251”. 250 251

NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 18. COUTO E SILVA, Clóvis. Op. cit., p. 274.

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Assim, podemos afirmar que são dois conceitos distintos, mas que ao mesmo tempo se completam pelo simples fato de que as cláusulas gerais, como simples instrumentos de abertura no sistema positivado, reeinviam aos aplicadores do Direito o princípio da boa-fé que aparece como fundamento as relações sociais desenvolvidas pelos indivíduos, especialmente na seara do direito obrigacional, ao impor aos contratantes atitudes inseridas dentro dos deveres de lealdade, obrigando a todos a criação de um ambiente de confiança, a fim de evitar desvios de comportamento, como por exemplo, o abuso de direito.

1.2.2. Espécies de boa-fé O princípio da boa-fé é estruturado sob duas concepções: a primeira subjetiva e a segunda objetiva, sendo que ambas devem reger as relações contratuais, a fim de atingir os interesses de ambas as partes, bem como de primar pela execução equilibrada das prestações. Segundo Fernando Noronha, a primeira consiste na valoração aos critérios psicológicos do indivíduo, e a segunda aos elementos externos que indicam o padrão de contuda a ser seguido pelo homem médio252. A boa-fé subjetiva consiste na atitude da consciência, que é objeto de uma interpretação psicológica; atitude implícita na ignorância de que se está a prejudicar um interesse alheio tutelado pelo direito. Trata-se de um estado psicológico que se manifesta no desconhecimento da circunstância decisiva, que imprima caráter de ilicitude à conduta, se não houvesse sido ignorada; ignorância, em conseqüência, que atribui a qualificação de correta à conduta de quem dela padece253. A boa-fé subjetiva está ligada ao interior do psíquico e intelectual do indivíduo que se sustenta na perquirição da intenção do agente de acordo com a sua consciência. Nesta espécie de boa-fé, o agente transgressor de alguma norma, só será apenado se agir com culpa. A ignorância mencionada no trecho acima retrata o estado de conhecimento ou de 252 253

NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 131-132. BETTI, Emílio. Op. cit., p. 74 e ss.

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desconhecimento do indivíduo ao adotar certas atitudes reguladas pelo sistema positivo, cuja transgressão ensejará a respectiva sanção. Por sua vez, a boa-fé exigida como padrão de comportamento, impondo sua obediência por todos indivíduos sociais, ao assumirem direitos ou obrigações, foi discorrida pela primeira vez no Código Civil alemão, no artigo 157254, na sua concepção objetiva, que “consiste no dever de agir de acordo com os padrões socialmente reconhecidos de lisura e de lealdade255”. A boa-fé objetiva consiste em “... uma boa-fé normativa. Traduz-se em normas de conduta, quer permitindo formulá-las para além de previsões legais ou cláusulas contratuais, quer condenando tipos de exercício, como os comportamentos contraditórios, que violem uma noção objetiva de boa-fé”256. Essa normatividade promove-a a categoria de um princípio geral de direito, na medida em que sua soberanidade sobre o sistema jurídico é imperiosa, por expressar norma de conduta padrão às regras de conduta social257 que exige dever de informação clara e objetiva, dever de sigilo, dever de lealdade e de proteção, que pairam acima de qualquer cláusula imposta nos negócios jurídicos ou mesmo fundamentam normas jurídicas positivadas baseadas em cláusulas gerais ou conceitos legais indeterminados. A boa-fé objetiva caminha pari passu com a probidade, em razão de esta ser complementar ao comando de lealdade e confiança impostos por aquele princípio, ao significar o comportamento honesto em agir diante das obrigações assumidas, adimplindo-as dentro dos limites e finalidades impostos pelo auto-regulamento (programa contratual) e pelas normas positivadas. No ordenamento jurídico pátrio, a boa-fé objetiva, além de ser um princípio valorativo, está estruturada em três alicerces dentro do Código Civil, quais sejam: (i) artigo 113, o qual estabelece na interpretação contratual, a adoção de critérios de boa-fé para realizar a integração do contrato; (ii) artigo 187, que impõe limites aos direitos subjetivos, que não 254

LOTUFO, Renan. Op. cit, p. 113. NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 18. 256 ASCENSÃO, José Oliveira. Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé, p. 110. 257 DIEZ-PICAZO, Luis y Antonio Gullon. Sistema de derecho civil. Introducción Derecho de la persona negocio jurídico. vol. I., p. 428. 255

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podem ser ilícitos; e, por fim, (iii) artigo 422 que estabelece deveres jurídicos de cooperação independentemente da vontade das partes258. A função interpretativa da boa-fé expressa no artigo 113 em comento, incidente numa relação jurídica, remete o intérprete para a valorização equilibrada entre a vontade interna das partes (vontade subjetiva) e a declaração (vontade exteriorizada). A declaração de uma parte (objetiva) gera um sentimento interno na outra parte (confiança-subjetiva) que apresentará conduta proporcional ao agir daquela. Nesta função assumida pela boa-fé, encontramos uma área de conexão entre a boa-fé subjetiva e objetiva expressa na manifestação do fenômeno do agir de uma parte refletir na conduta da outra, cabendo ao intérprete observar atenta e comitantemente “a boa-fé subjetiva e a objetiva: a primeira concerne à valoração da conduta do lesado, porque agiu na crença (condição psicológica, interna, subjetivamente avaliável), a segunda à valoração do comportamento da parte que permitiu, por ação ou omissão que a aparência errônea fosse criada259”. Essa conexão é essencial à aplicação do princípio da boa-fé que deve perscrutar os valores que gravitam em torno do negócio jurídico – vontade e declaração – em função da responsabilidade do que uma declaração repercute no co-contratante, mas sempre interpretando visando mais a sua concepção objetiva, porquanto que a boa-fé subjetiva desempenha seu papel, mas não influi na integração contratual isoladamente, na medida em que o seu equilíbrio com a boa-fé objetiva é essencial. Além disso, se o intérprete ficasse preso somente à subjetividade da vontade de cada contratante, sua missão interpretativa estaria condicionada a um preceito de difícil extração, comprometendo a interpretação do negócio jurídico e seus respectivos efeitos dentro de uma relação jurídica. A boa-fé objetivamente considerada permite ao intérprete alcançar a função do contrato, aplicando seus preceitos de maneira estruturada e adequada aos movimentos do direito obrigacional.

258

Essa divisão da boa-fé objetiva é apresentada por Ruy Rosado de Aguiar Junior na sua obra A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Condumidor, n. 14. abr. jun. 1995, p. 25. 259 COSTA-MARTINS, Judith. Op. cit, p. 435.

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Na sua função de limite ao exercício arbitrário dos direitos subjetivos, a boa-fé objetiva empregada no artigo 187 coibe o abuso de direito expresso no exercício de um direito subjetivo sem objetivo próprio (aemulatio), com a intenção de prejudicar outrem. O abuso de direito é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, agora expressamente na codificação, sob o dever de não prejudicar o próximo, exigindo-se condutas dentro da boa-fé e dos bons costumes, e de acordo com o seu fim social e econômico, sendo que os primeiros critérios limítrofes a todo e qualquer exercício de direito, enquanto que os segundos são aplicáveis apenas na esfera do negócio jurídico260. O Código Civil brasileiro ao adotar a mesma concepção do abuso de direito formatada no Direito Português, assumiu também seu critério objetivo-finalístico, ao dispensar a valoração da vontade interna do agente de agir além dos limites impostos para sua configuração. O abuso ocorre quando um indivíduo, independentemente da sua intenção de causar prejuízo a outrem, ao exercer seu direito subjetivo, ultrapassa os limites impostos pelas normas positivadas, pelos princípios sociais e contratuais, e, ainda, pelos padrões de conduta (boa-fé objetiva e os costumes praticados em cada núcleo social), produzindo, ao final, um resultado negativo reprovável ao atingir e prejudicar a esfera jurídica de outrem. Mario Rotondi expõe o conceito primário do abuso, aproximando-se da produção e do alcance do abuso de direito, ao expor que: “Apparirà allora come debbasi in tale locuzione intendere per abuso, um uso cattivo, riprovevole o riprovato, illegitimo o ritenuto tale, di um diritto da parte dichi ne è tilolare261”. De fato, o abuso de direito é oriundo do egoísmo dos direitos subjetivos inerentes a cada indivíduo, ensejando a produção de atos maléficos reprováveis e ilegítimos. E partindo desse ato abusivo, por exceder os fins pretendidos e os princípios constitucionais e contratuais, “... o próprio sistema jurídico parte em busca de limites aos poderes que concedeu aos sujeitos, surgindo, então, a figura do abuso do direito como instrumento que se opõe à liberdade, expressa mediante uma categoria que a Modernidade erigiu como ‘átomo jurídico’ do sistema

260 261

LOTUFO, Renan. Op. cit., p. 501. L’ abuso di diritto ‘aemulatio’, p. 17.

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privado: o direito subjetivo. É justamente em torno deste último, que toma lugar e se desenvolve a construção teórica do abuso do direito262”. Efetivamente o abuso de direito é a fronteira da livre atuação dos exercícios dos direitos subjetivos e a ausência da liberdade, por ser exatamente danoso e oposto à liberdade, a qual não pode conviver com excessos praticados em detrimento de sujeitos que se sentem ameaçados ou até mesmo submetidos a condições desvantajosas. Os efeitos prejudiciais produzidos pelo ato abusivo são maléficos não apenas entre as partes sofredoras de suas conseqüências, mas também na sociedade como um todo, na medida em que emanam repercussões desestimuladoras da livre manifestação das vontades subjetivas individuais. O reflexo e a amplitude do ato abusivo também atingem a esfera social, sendo um “vírus” em constante mutação, porque o “... abuso di diritto è un fenomeno socieale, no un concetto giuridico, anzi uno di quei fenomeni che il diritto non potrà mai disciplinare in tutte le sue applicazioni che sono imprevedibili: è uno stato d’animo, è la valutazzione etica di um periodo di transizione, è quel che si vuole, ma non una categoria giuridica, e ciò ‘per la contradizion che nol consente’. Quel giorno che il diritto intervenga a disciplinare un caso concreto di abuso, l’abuso sfuma, sguscia come Proteo alle mani in seguitori e non resta che la sanzione giuridica positiva, l’atto lecito o illecito263”. O ato abusivo ao produzir os prejuízos – que são variáveis e até mesmo, em circunstâncias peculiares, imprevisíveis ao Direito que existe para tutelar e adaptar-se às novas relações sociais que surgem com a evolução da sociedade –; decorrem do excesso da realização do direito subjetivo praticado, exigindo uma atuação iminente e direta sob seus efeitos, implicando, nesse momento, na exatidão da tutela jurídica a ser empregada de acordo com a ilicitude ou a antijuridicidade que lhe é peculiar, cuja distinção primordial explicaremos a seguir.

262 263

PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais, p. 03. ROTONDI, Mario. Op. cit. p. 18.

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O civilista belga Henri de Page264 insere o exercício excessivo dos direitos subjetivos que configurem um abuso de direito em uma categoria própria, diferente do ato ilícito265, considerado em seu sentido estrito. A tese que defende ser o abuso de direito uma espécie particular do ato ilícito com regime jurídico próprio está fundamenta no fato de que em se tratando de direitos subjetivos praticados com excesso dos seus fins, econômicos ou sociais, ou mesmo contrários à boa-fé objetiva, seus efeitos podem, às vezes, apenas produzir um dano iminente, ao invés de um dano concreto, que em virtude da sua antijuridicidade, enseja a severa repreensão por parte das normas jurídicas por meio do exercício do controle externo. O controle externo aplicável aos direitos subjetivos, principalmente nos abusos que são oriundos de contratos, representa a regra heterônoma, comentada por Bianca266, a qual estabelece mecanismos externos de controle que agem, diante do excesso prejudicial da livre manifestação de vontade, para coibir seus danos, levando às partes ao retorno do “status” anterior; ou caso não seja possível referida volta, impõe a indenização cabível em cada caso. Em outras palavras, o abuso de direito não precisa necessariamente ocasionar um dano concreto indenizável, uma pretensão abusiva já basta para o ato abusivo se configurar com todos os seus elementos, e gerar a aplicação da sanção cabível. Basta a caracterização da antijuridicidade de uma pretensão abusiva, para estar-se diante de um abuso de direito. Neste ponto crucial reside a distinção com a ilicitude, pois o ato ilícito restará caracterizado, quando produzir efetivamente um dano concreto que, pelas regras positivadas, resultará em uma indenização (Código Civil, artigos 186 e 927). Essa distinção ocorre, pois ao contrário do ato de abuso de direito, no ato ilícito, “dois de seus pontos fundamentais são a ‘imputabilidade de um fato’ e o ‘dano já produzido’, dano este entendido como prejuízo patrimonial ou moral a um determinado indivíduo ou grupo bem 264

Traitè Élémentaire de Droit Civil Belge. Vol. I, pág. 148, nº 112. O Professor Renan Lotufo conceitua com precisão o ato ilícito em sentido estrito, ao asseverar que “o ato ilícito faz nascer para quem teve seu direito violado e sofreu o dano, ainda que meramente moral, o direito de ver reparado tal dano, mediante um sistema de reação do Direito” ; diferentemente do negócio ilícito que “é reprimido pela ineficácia, isto é, a vontade das partes de produzir determinados efeitos não é considerada, porque só há negócio jurídico produtor de efeitos jurídicos quando for conforme à lei (art. 104,II).” – Op. cit., p. 496. 266 Op. cit. vol III – Capitolo primo. p. 07 265

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definido de pessoas. E não à sociedade como um todo267”. Assim, o abuso de direito não está compreendido no ato ilícito, sendo um instituto autônomo, que deve ser balizado por meio dos ditames da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva ainda na seara de impor limites ao direito subjetivo, que não é absoluto, apresenta os seguintes parâmetros advindos da Teoria dos atos próprios: venire contra factum proprium, suppressio e surrectio e tu quoque268 que representam instrumentos de controle aos atos contrários ao padrão de eticização exigido pelas necessidades mínimas de uma sociedade civilizada calcada dentro de princípios éticos sociais. Venire contra factum proprium, baseado essencialmente no princípio da confiança, como assevera Canaris269, significa a alteração de conduta que frustra legítima expectativa da outra parte. Essa concepção é acompanhada também por Menezes Cordeiro, que a complementa ao sustentar que esse princípio assume posição subjetiva e objetiva. Se considerado objetivamente, vislumbramos a materialização da boa-fé ao primar pela confiança mútua entre as partes, como dever objetivo de lealdade. Por outro lado, se verificarmos o aspecto subjetivo, haverá a análise da existência de dolo ou culpa na consciência da parte inadimplente que gerou confiança na outra parte270. A conjugação da concepção objetiva e subjetiva deve ser aplicada conjunta e equilibradamente, como por exemplo, se o pagamento de aluguéis é realizado, reiteradamente em local diverso do apontado no contrato, gera legítima expectativa do devedor que confia estar cumprindo, corretamente, sua obrigação, mesmo se executada em lugar diverso do estipulado no contrato, impedindo que o credor, sem aviso, queira fazer valer a cláusula contratual para exigir-lhe a quitação conforme previsão contratual. Neste simples exemplo, depreendemos que o aspecto objetivo do venire contra factum proprium é expressado por meio da quebra da confiança mútua desenvolvida pelas partes, a qual o sistema jurídico visa proteger, a fim de impedir a quebra do equilíbrio do programa contratual; e por sua vez, o 267

NAVES, Lúcio Flávio de Vasconcellos. Abuso no Exercício do Direito, p. 211. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo código civil. p. 25. 269 MENEZES CORDEIRO, António Manuel Rocha. Op. cit., p. 742-743. 270 Idem, Ibidem, p. 759-760. 268

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aspecto subjetivo revela a intenção dolosa do credor em alterar o lugar do pagamento, sem qualquer justificativa plausível, desestruturando a confiança gerada perante o devedor. Outrossim, notamos que a existência do venire contra factum proprium advém da construção jurisprudencial no direito alemão. Segundo a ótica do direito alemão, os atos praticados em desacordo com a boa-fé compreendem a Teoria dos atos próprios, na qual os atos são exercidos sob um “agir do titular de um direito, que se põe em contradição com a conduta anteriormente adotada e na qual a contraparte havia confiado271”. Por esses atos serem diversos da confiança adotada, a ninguém é concedido proceder venire contra factum proprium. Por conseguinte, é forçoso concluir que o venire contra factum proprium está em dissonância com o princípio da boa-fé objetiva, na medida em que “... el princípio del ‘venire’ es una aplicación del principio de la ‘confianza en el tráfico jurídico’ y no una específica prohibición de la mala fe y de la mentira272”. Suppressio é a perda de uma faculdade jurídica, em razão de conduta anterior, constadada na situação em que a reiterada ausência do exercício de um direito por uma parte, enseja a convicção na outra parte de que aquele direito não será mais cumprido. Esse instituto também é fundamentado na confiança oriunda do princípio da boa-fé objetiva, na medida em que a ausência de um comportamento gera na outra parte a certeza legítima de que não haverá mais o exercício daquele direito273. A surrectio, pelo contrário, acarreta o nascimento de uma faculdade jurídica, em razão de conduta anterior, na medida em que por ser praticada reiteradamente cria um direito subjetivo, reconhecido pela ordem jurídica, conferindo-lhe validade e eficácia. Segundo ensinamentos de Menezes Cordeiro274, a surrectio exige a configuração dos seguintes requisitos para o titular do direito criado: (i) confiança na situação criada pela conduta reiterada que ganhará sua validade conferida pelo sistema jurídico; (ii) aja segundo a boa-fé subjetiva, ou seja, sem a 271

Cf. WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fé. p. 60 e segs. WIEACKER, Franz. Op. cit. p. 62. 273 MENEZES CORDEIRO, António Manuel Rocha. Op. cit., p. 378. 274 Op. cit., p. 824. 272

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intenção de causar dano a outrem; (iii) crie um novo direito dentro da ética e da licitude exigida pela boa-fé objetiva. Tu quoque, representa o último instrumento da boa-fé objetiva mencionado no campo dos limites impostos ao direito subjetivo, que veda o direito da parte inadimplente exigir o adimplemento da outra parte, caso esteja em mora ou inadimplente. Nas palavras de Teresa Negreiros, na “‘tu quoque’, a boa-fé objetiva atua como guardiã do sinalagma contratual, impedindo que o contratante que descumpriu norma legal ou contratual venha a exigir do outro que, ao contrário, seja fiel ao programa contratual: é o caso do contratante em mora quando da ocorrência de circunstâncias que alteram a base do negócio, pretender então que o negócio seja extinto...”275. Por fim, nos termos do artigo 422 do Código Civil, a boa-fé objetiva produz ainda uma série de efeitos os chamados deveres laterais ou anexos às obrigações principais, notadamente, os deveres de cuidado, proteção, previdência, de cooperação e de informação, lealdade (probidade), notificação relativos à pessoa e ao patrimônio da contraparte276 que se manifestam como verdadeiros pilares do direito obrigacional, assumindo a figura de “standard” de comportamento a ser seguido pelos contratantes. Estes deveres laterais ou anexos realmente são considerados e tutelados pelo ordenamento jurídico como padrão de conduta a ser observado pelos indíviduos, pois, como comenta Ruy Rosado Aguiar Junior, em “... uma relação obrigacional complexa, na qual se incluem, além da obrigação principal de prestação e respectivos direitos, (...) (b) os deveres laterais, ou anexos, ou de conduta, derivados de uma cláusula contratual ou do princípio da boa-fé, existentes antes da celebração, persistentes durante a execução e mesmo depois de efetuada a prestação...277”. Os deveres de proteção impõem a cada parte o respeito à dignidade da pessoa humana, desembocando na tutela no desenvolvimento da personalidade, da família e o patrimônio do 275

Teoria do Contrato: novos paradigmas, p. 143. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 64. 277 Op. cit., p. 46. 276

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indivíduo, bem como do respeito deste ao seu semelhante que também possui a tutela devida aos caracteres mencionados. Os deveres de cooperação obrigam as partes a auxiliarem-se, mutuamente, afastando as dificuldades que estiverem a seu alcance (dever de mitigação do credor em razão da tutela jurídica ao devedor) e minimizando os riscos e impactos (sanções) para a outra, na busca da realização do adimplemento. O Professor Emílio Betti, da Universidade de Roma, ao comentar esse dever de cooperação, afirma que “... la buena fé contractual, consiste, no ya en un estado de ignorância, sino en una actitud de activa cooperación que lleva a cumplir la expectativa ajena, con una conducta positiva propia, la cual se desarrola en favor de un interésse ajeno278”. A ação ativa, ou até mesmo pró-ativa, do dever de cooperação converge ao “... núcleo da conduta devida, porque serve para possibilitar, mensurar e qualificar o adimplemento279”, mediante a criação de uma obrigação implícita aos contratantes que exige a facilitação da realização do adimplemento, bem como a omissão de não causar empecilhos ao adimplemento, em suma, é o dever de conduta de favorecer a satisfação do interesse alheio. De fato, “a colaboração possibilita o adimplemento, porque para que este seja eficazmente atingido, é necessário que as partes atuem ambas, em vista do intresse legítimo do ‘alter’. As partes de uma relação obrigacional não são entidades isoladas nem podem ser atomisticamente consideradas. A colaboração intersubjetiva constitui uma necessidade para que ocorra o adimplemento...280”. E “... se o Direito das Obrigações implica colaboração intersubjetiva, implica, dada a sua natureza de Direito inserido em determinada sociedade, um certo tipo de colaboração: uma colaboração informada pelos valores próprios da ordem jurídico-econômica considerada281”. Assim, essa colaboração visa a satisfação do interesse do outro, preservando também a proteção ao interesse individual de cada contratante, mas que converge para a criação de um 278

Teoria general de las obligaciones. Revista de Derecho Privado. 1/77, p. 69. MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 350. 280 Ibidem, idem. p. 350. 281 MENEZES CORDEIRO, Antonio Menezes. Op. cit., vol. 1, p. 143. 279

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interesse único que representa a vontade contratual expressada com o escopo de atingir a função social e econômica do contrato. Os deveres de informação obrigam as partes a prestarem, mutuamente, informações claras e objetivas referentes aos aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que com ele tenham relação e, ainda, dos efeitos que da execução possam advir. O dever de lealdade condiciona as partes “absterem-se de comportamentos que possam falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado. Com esse mesmo sentido, podem ainda surgir deveres de atuação positiva. A casuística permite apontar, como concretização desta regra, a existência, enquanto um contrato se encontre em vigor, de deveres de não-concorrência, de não celebração de contratos incompatíveis com o primeiro, de sigilo face a elementos obtidos por via da pendência contratual e cuja divulgação possa prejudicar a outra parte e de atuação com vista a preservar o objetivo e a economia contratuais282”. Embora laterais, esses deveres de informação, cooperação e proteção assumem grande relevância porque “… exceden del próprio y estricto deber de prestación – cuyo cumplimiento constituye normalmente objeto de demanda – y que resultan para ambas partes bien de lo expresamente pactuado, del sentido y fin de la obligación, del principio de buena fe de acuerdo con las circunstancias o, finalmente, de las exigencias del tráfico, los denominados ‘deberes de conducta’ (‘Verhaltenspflichten’), ya que pueden afectar al conjunto de la conducta que de cualquier modo esté en relación com la ejecución de la obligación283”. O descumprimento ou inobservância dos deveres de conduta, calcados na boa-fé objetiva, das relações obrigacionais acarreta, conforme o caso, o dever de indenizar ou a nulidade da relação jurídica formada. Essas sanções impostas pela inexecução destes deveres pode ir a conseqüências severas, pois dependendo da proporção e gravidade do descumprimento, a obrigação principal pode ser atingida pela ausência da observância dos deveres de conduta. 282 283

MENEZES CORDEIRO, António Menezes. Op. cit, 606. LARENZ, Karl. Op. cit., p. 22.

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Diante das ramificações de funções assumidas pelo princípio da boa-fé objetiva, ora sendo instrumento de hermenêutica, ora sendo limite ao exercício do abuso do direito, ora sendo fonte para a criação de instrumentos de limitação da super valoração dos direitos subjetivos (atos próprios), a boa-fé objetiva enraiza-se no direito obrigacional por conter elementos próprios e norteadores das condutas das partes contratantes que evitam o abalo nas estruturas do programa contratual.

1.2.3. Boa-fé: o substrato da Teoria do adimplemento substancial A boa-fé objetiva é o fundamento essencial da Teoria do adimplemento substancial, ao exigir das partes condutas calcadas na confiança, lealdade, probidade, especialmente no momento do adimplemento, a fim de mensurar sua exata extensão e, ao detectar, algum desvio da prestação prometida pela outra parte, será por meio dos elementos da boa-fé objetiva que se compreenderá o efeito da prestação executada, bem como as sanções de seu eventual inadimplemento mínimo . Em outras palavras, este princípio relativiza a aplicação do instituto da resolução por uma questão de justiça substancial e de eqüidade, evitando-a se houver o preenchimento dos requisitos do adimplemento substancial. No momento do adimplemento das obrigações assumidas pelas partes, a boa-fé exigida é a objetiva, segundo a qual as disposições contratuais e o comportamento das partes (regra de conduta padrão socialmente exigível) devem ser compatíveis com o equilíbrio econômico e os pressupostos do contrato, sob pena, em alguns casos, de ocasionarem a nulidade do contrato284, como por exemplo, na hipótese do abuso de direito. Dentro de um programa contratual, o credor deve ter um motivo justo e legítimo, segundo os ditames da boa-fé objetiva, para recusar-se a receber determinada prestação, na medida em que “un suo rifiuto di ricervela deve essere giustificato da un motivo legitimo. É un rifiuto controllabile dal giudice in sede giurisdizionale; c’è indubbiamente, da parte del creditore, un

284

ROPPO, ENZO, ALPA, MARIO, BESSONE E. Rischio Contrattuale e Autonomia Privata, p. 313.

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dovere di buona fede, e a sanzione di questo dovere, una sua soggezione, poichè se non adempie spontaneamente a questo dovere di bouna fede, egli è soggeto agli effetti giuridici della mora (art. 1207), effeti per lui pregiudizievoli, e che costituiscono la sanzione, per l’apppunto del dovere a lui incombente di collaborare all’adempimento, di collaborare all’esecuzione della prestacione285”. O princípio da boa-fé objetiva atua de forma a proteger o devedor frente a um credor malicioso e inflexível (infrator da boa-fé subjetiva), como causa de limitação do exercício de um poder jurídico, no caso, do direito formativo de resolução que se for exercido diante do adimplemento substancial será abusivo. Isso porque se a obrigação foi substancialmente adimplida, o pedido de resolução não trará nenhum benefício legítimo ao credor, apenas prejuízos para o devedor que, tendo praticamente satisfeito a totalidade da obrigação, verá tudo retorar ao status quo ante, sem ser contemplado com o recebimento proporcional da contraprestação devida pelo credor. Além desse prejuízo causado ao devedor, é inegável que a resolução nos casos de adimplemento substancial também trará prejuízos ao credor que arcará com o custo das despesas desembolsadas para o retorno da obrigação ao status quo ante que serão maiores do que o prejuízo gerado pelo inadimplemento de parte mínima da obrigação. De fato, é sútil essa questão, às vezes, não valorada pelo credor, que em um primeiro momento, no anseio de resolver o contrato pela frustação ínfima de não ter o seu interesse satisfeito totalmente como previa o programa contratual, acaba rompendo o vínculo contratual. Se não houvesse a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, na configuração do adimplemento substancial, o credor perderia duas vezes diante do adimplemento substancial: (i) perderia porque não obteria nenhum proveito da prestação executada quase que totalmente, em razão da resolução do contrato; e, (ii) perderia, pela segunda vez, com o desfazimento do vínculo contratual em razão do suporte das despesas geradas por este rompimento. Assim, o princípio da boa-fé objetiva não assume apenas a função de tutelar o devedor contra qualquer indício de exercício arbitrário do direito potestativo de resolução por parte do credor,

285

BETTI, Emilio. Op. cit., p. 63.

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mas também age como critério balisador do interesse do credor que deve ser avaliado por meio da mensuração do real benefício extraído da utilidade da prestação executada, ainda que ausente uma parcela mínima, posto que “... non si dice che solo il debitore nell’adempimento della obbligazione deve comportarsi secondo buona fede, ma si dice che tanto l’una quanto l’altra pate, tanto il debitore quanto il creditore nei reciproci rapporti debbono tenere un contegno rispondente al criterio di correteza.....286”. A exigência de comportamento de confiança de ambas as partes é decorrente da boa-fé objetiva, que ao exercer seu controle diante do adimplemento substancial é realizada por meio do controle jurisdicional, caso necessário, porquanto que “... il criterio della buona fede serve a valutare se vi sia stato, o meno, il soddisfacimento dell’interesse della controparte, nei casi in cui si fa questione se la prestazione esiga od offra ancora per il creditore quella utilità che essa è destinadta ad apportagli (artt. 1180, 1256, 1379, 1411,1455 etc). A questo proposito ci limiteremo a richiamare le norme che contemplano la risoluzione per inadempimento (art. 1455) e il così detto termine essenziale (art. 1457). Qui l’apprezzamento se l’inadempienza abbia scarza importanza, o se la prestazione tardiva sia ancora nell’interesse dell’altra parte, è sì rimesso alla iniziativa dellla parte interessata; ma l’apprezzamento non è arbitrario, bensì controllabile. Il giudice potrà controllarlo; e qui, sempre alla stregua della buona fede, sarà da apprezzare se un adempimento tardivo o parciale (art. 1464) sia pur sempre tale da apportare una utilità, o non sia più tale da soddisfare l’interesse del creditore287”. A confiança, por ser a materialização da boa-fé como já discorrido anteriormente, implica no dever de diligência, que nos termos da boa-fé objetiva, imputa ao devedor a obrigação de adimplir integralmente, desde a fase pré-contratual até todo o desenvolvimento do contrato, buscando, ao máximo, a satisfação dos interesses do credor, evitando-lhe causar danos. Tal dever impõe-lhe o “adequado esforço volitivo e técnico para realizar o interesse do credor e não lesar direitos alheios. (...) Para satisfazer ou respeitar tais interesses, deve o sujeito lançar mão de todo o esforço apropriado, segundo um critério de normalidade, empregando meios materiais, observando normas técnicas e jurídicas, adotando a cautela adequada, etc288”. 286

BETTI, Emilio. Op. cit., p. 81 Idem, Ibidem, p. 105. 288 BIANCA, Massimo. La nozione di buona fede quale regola di comportamento contrattuale. p. 210. 287

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Por sua vez, com fundamento na boa-fé objetiva, o credor também tem o dever de não dificultar a realização do adimplemento da obrigação do devedor, bem como criar um ambiente de cooperação mútua para facilitar a prestação. Esse preceito vem expressamente previsto no artigo 422 do Código Civil, exprimindo a aplicação da boa-fé objetiva dentro do adimplemento, no sentido de propugnar pela atuação da parte adimplente que deverá estar imbuída de lealdade, agindo a gerar confiança no devedor de que a prestação executada será recebida em seus efeitos, mesmo se não adimplida totalmente, cujo descumprimento seja mínimo e ser importância, mas que atingiu a satisfação de seu interesse no escopo principal. Esse dever de agir conforme a boa-fé objetiva não pode ser excluído ou renunciado pelas partes dentro de um programa contratual, sendo que se existir disposição nesse sentido, a mesma será nula. É um dever imperativo e balisador de todas fases contratuais que aspiram pelo adimplemento, uma vez que não podemos olvidar que o contrato é celebrado, visando seu término, isto é, seu fim regular pelo cumprimento das prestações dispostas no programa contratual. Tanto o credor como o devedor ao celebrarem um negócio jurídico bilateral ou plurilateral não podem assumir posição de partes contrapostas como se estivessem em um litígio, primando pela imposição da força de um contratante sob o outro. A cooperação mútua e a proteção à liberdade negocial decorrentes da boa-fé objetiva devem prevalecer em detrimento de qualquer interesse individual egoístico que possa, eventualmente, se manifestar. Em suma, com fundamento na boa-fé objetiva, a Teoria do adimplemento substancial pretende proteger e auxiliar aqueles que leal e honestamente esforçaram-se em executar seus contratos de acordo com suas disposições materiais e substanciais, de modo que seu direito de receber a contraprestação devida pelo credor não deva ser obstado em razão de meros descumprimentos mínimos ou não importantes, descontando-se, dentro do critério da razoabilidade, a proporção do pagamento devida pela ausência da parte ínfima da obrigação não executada, se for o caso.

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2. Requisitos da Teoria do adimplemento substancial 2.1. Imprevisibilidade É fato que se a parte adimplente pudesse, no momento da celebração do negócio jurídico, prever a gravidade do futuro inadimplemento a ser cometido pela parte inadimplente, tal constatação frustraria, de início, seus interesses, e o contrato não seria nem celebrado. Mas também é incontroverso que se o devedor pudesse prever ou planejar a frustação mínima oriunda do adimplemento substancial, ele seria apenado com mais severidade, em razão de agir em dissonância ao princípio da boa-fé objetiva. Dessa forma, a imprevisibilidade consiste na possibilidade do devedor demonstrar que o adimplemento substancial ocorreu sem que fosse possível prever esse resultado. Ele também foi surpreendido pelo resultado negativo gerado pela inexecução. É necessário demonstrar a imprevisibilidade por meio de provas para isentá-lo de qualquer responsabilidade. Outrossim, a imprevisibilidade é medida de acordo com o princípio da razoabilidade, ou seja, além da efetiva comprovação da ausência de ciência do devedor de que seria efetivado o adimplemento substancial, também é necessária a demonstração de que a prestação incompleta de parte insignificante da obrigação ocorreria com qualquer homem do padrão médio, que na mesma situação também não conseguiria evitar o descumprimento pequeno da prestação prometida. Isso resulta na regra de que não seria possível, para qualquer pessoa ponderada, civilmente capaz, prever este acontecimento. Destarte, o elemento de imprevisibilidade exerce a função de pautar as condições em que o adimplemento substancial foi gerado, não sendo privilégio ou descrédito do devedor o fato de não ter sido executada parte mínima da prestação existente, na medida em que esta ausência é fruto de condições externas ou internas ao contrato originadas após a efetivação do sinalagma genético, tendo sua causa durante o sinalagma funcional em decorrência a fatores alheios à vontade da parte inadimplente. Em suma, a existência do elemento imprevisível é fundamental para caracterizar a espontaneidade da configuração dessa espécie de

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adimplemento que embora executado, ainda carece de insignificante porção da prestação a cumprir.

2.2. Ausência de gravidade do descumprimento da obrigação no adimplemento substancial A ponderação da gravidade do incumprimento inicia-se a partir de um critério objetivo, fundado na interdependência da prestação, considerado por Mosco como sendo o “standard” decisivo para uma conclusão sobre o tema289. Depois, deve ser considerado o aspecto subjetivo, relativamente à justa expectativa do credor na satisfação do seu interesse, assim como enunciado na Convenção de Viena (artigo 25, já comentado no capítulo I). O elemento de gravidade a ser ponderado na configuração do adimplemento substancial assume diferentes denominações nas legislações alienígenas, sendo intitulado como “material breach” no direito inglês; como violação fundamental no direito internacional sob a influência da Convenção de Viena. Também é classificado a contrário sensu, como na legislação italiana a ser conceituado como inadimplemento de pouca importância e na codificação portuguesa. Na legislação pátria, perquirimos pelo inadimplemento insignificante. Independente da nomencratura, trata-se do mesmo elemento, apenas denominado sob o aspecto negativo (quebra material ou violação fundamental) ou o aspecto positivo visto sob os parâmetros do adimplemento. Assim, a questão da materialidade da obrigação atingida pelo descumprimento, como parâmetro para a configuração do adimplemento substancial ou do inadimplemento passível de resolução, representa uma ausência substancial no cumprimento da obrigação de modo a desnaturar a obrigação prometida, ao passo que: “An unjustified failure to perform substantially the obligations promised in a contract is a material breach. The key is whether the aggrieved party obtained substantially what he bargained for, despite the breach, or whether the breach significantly impaired his rights under the contract. (...) Although there are

289

MOSCO, Luigi. La Risoluzione del Contratto per Inadempimento. p. 42.

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no clear-cut rules as to what constitutes a material breach, several basic principles apply. First, partial performance is a material beach of a contract if it omits some essential part of the contract. Second, the courts will consider a breach material if it is a quantitatively or qualitatiely serious. Third, an intencional breach of contract is generally held to be material. Fourth, a failure to perform a promise promptly is a material breach if time is of the essence; that is, if the parties have clearly indicated that a failure to perform by a stated time is material; otherwise, the aggrieved party may recover damages only for loss caused by the delay. Fifth, the parties to a contract may, within limits, specify what breaches are to be considered material290”. Assim, não existe regra determinada para se verificar se a materialidade e a essencialidade da obrigação foi cumprida ou descumprida. O caminho existente para essa valoração ocorre por meio da aplicação de parâmetros aplicados dentro da boa-fé objetiva, de forma a constatar se: (i) a execução parcial será considerada uma inexecução grave se atingir alguma parte essencial do contrato; (ii) uma violação fundamental será valorada se atingir seriamente quantidade ou a qualidade da obrigação; (iii) uma inexecução do contrato intencional caracteriza-se uma violação fundamental; (iv) será um inadimplemento grave se a obrigação não for realizada no tempo devido, sendo este requisito fundamental; e (v) as partes podem elencar nas cláusulas contratuais quais obrigações, se descumpridas, configurarão uma violação fundamental. No tocante a este último parâmetro, vale frisar que essa prerrogativa outorgada aos particulares pelo ordenamento jurídico é calcada no princípio da boa-fé objetiva, posto que se as partes eligirem cláusulas contratuais como essenciais e estas carecerem dessa natureza, o inadimplemento destas não terá força para caracterizar uma violação fundamental passível de resolução contratual, podendo ser impugnada na via judicial a resolução aplicada nesta hipótese. Esse parâmetro confere uma grande margem às partes que para terem resultado frutífero devem exercê-lo mediante os limintes impostos pela boa-fé ao passo que “os figurantes do

290

MANN, Richard A. and ROBERTS, Barry S. Op. cit., p. 312.

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contrato bilateral, da mesma maneira que, livremente, introduzem a interdependência das prestações, convencionando a bilateralidade, e, assim, submetem-no ao regime geral, podem: estipular a natureza do descumrpimento cabível ao remédio, desprezando, por exemplo, a utilidade da prestação; reduzir a resolução ao inadimplemento absoluto...291”. Contudo, qualquer abuso cometido pelos contratantes nessa eleição, é sancionado pelo sistema jurídico positivo, por meio do não reconhecimento da referida escolha, sendo passível de impugnação judicial com a atribuição da responsabilidade proporcional ao abuso cometido. Não obstante, nos princípios do Direito Europeu dos Contratos, no artigo 8:103 também verificamos critérios norteadores da gravidade do inadimplemento, por meio dos seguintes requisitos: “L’inadempimento di una obbligazione è grave in relazione al contratto se a) la stretta osservanza dell’obbligazione appartiene alla natura del contratto; o b) l’inadempimento priva sostanzialmente il creditore insoddisfatto di ciò che esso ha il diritto di ricevere in base al contratto, salvo che il debitore non ha né abrebbe ragionevolvemente potuto prevedere tale risultato; o c) l’inadempimento è dovuto a dolo e dà al creditore ragione di ritenere di non potere più fare affidamento sui successivi adempimenti292”. Outrossim, o Projeto do Código Europeu dos Contratos também aborda o requisito da importância do inadimplemento capaz de gerar a resolução do contrato, no artigo 107, ao estipular que: “Ai fini delle regole seguenti un inadempimento è di rilevante importanza se concerne uno degli obblighi principali (e non secondari) del contratto, e inoltre quando, tenuto conto della qualità delle persone e della natura della prestazione, l’inadempimento stesso cagiona al creditore un pregiudizio tale da privarlo sostanzialmente di ciò che egli è in diritto di attendersi dal contratto. Si considera, in particolare, di rilevante importanza l’inadempimento quando: a) è totale; b) è parziale, ma l’interesse del creditore di ottenere la parte rimanente è venuto obbiettivamente meno293”. No sistema jurídico pátrio, a gravidade do inadimplemento é pontuada por meio da análise dos efeitos gerados, poisque “... para a dissolução do vínculo e quebra do contrato, certamente 291

ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 50. SCHULZE, Reiner e ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., p. 400. 293 Idem, Ibidem, p. 459. 292

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há de se exigir um incumprimento mais forte e qualificado, que esteja, assim, a atingir o contrato na sua substância, e não em simples acidente ou qualidade294”. A necessidade de desnaturação séria do programa contratual para a existência do inadimplemento originador do exercício do direito resolutório serve como medida acautelatória de determinação do inadimplemento ou do adimplemento substancial. Na hipótese, da ausência do alcance da essência do contrato pelo descumprimento, haverá apenas um simples desvio da execução na sua quantidade ou qualidade que privilegiam a manutenção do contrato, descontando a falta do cumprimento com as penalidades devidas. Por conseguinte, a gravidade do inadimplemento gerado será objetivamente valorada em relação ao prejuízo causado ao credor pela inexecução por meio do critério concreto de essencialidade do sinalagma. Se não houver a configuração dos critérios acima expostos, o descumprimento não será fundamental, ensejando a constatação da insignificância da inexecução caracterizadora do adimplemento substancial com conseqüências diversas a do inadimplemento absoluto ou relativo.

2.3. Utilidade da prestação diante do adimplemento substancial A ponderação entre a parte essencial da prestação cumprida e a parte mínima inexecutada pela parte inadimplente deve ser observada mediante a utilidade substancial da prestação principal ou acessória, executada nos exatos limites impostos para gerar a resolução do contrato. No ordenamento jurídico pátrio, essa ponderação pode ser exercida por meio da hermenêutica e aplicação do parágrafo único do artigo 395 do Código Civil que estabelece a prerrogativa da parte adimplente em rejeitar a prestação se esta tornar-se inútil. Pela análise deste dispositivo legal, observamos que o critério de utilidade na obrigação prestada também é decisivo para distinguir o inadimplemento do adimplemento substancial, porquanto que se não houver benefício ao credor oriundo da execução, o contrato não pode ser preservado. De fato, “an important element in determining whether part performance rendered by the plaintiff makes it

294

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Idem., p. 132.

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unfair to allow the defendant to refuse to go on with the contract is the benefit or lack of benefit derived by the defendant from the part performance295”. O adimplemento substancial configura-se no momento em que a parte adimplente receba a prestação de forma tão substancial que atinja a maior parte do interesse desta em razão da utilidade (benefício) advinda do gozo dos direitos advindos da execução. Além disso, a prestação deve ser prestada nos fins propostos, sendo mais grave a falta de adequação, posto que torna a coisa inútil do que propriamente a falta de identidade296. Para caracterizar o direito de resolução, o inadimplemento tem que atingir substancialmente a obrigação. A prestação tendo utilidade para o credor, mesmo não tendo sido cumprida de forma exata, deve ser preservada, pois a resolução, nesta hipótese, poderá revelar um exercício abusivo do direito da parte adimplente, uma vez que contraria o princípio da boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé objetiva aplicado sob o elemento de utilidade/benefício da prestação executada é regido por meio da conjugação dos “... dados objetivos (equivalência entre as prestações) e subjetivos (finalidade e condições pessoais das partes), de acordo com a boa-fé; não é apenas a quantidade do que falta objetivamente na prestação incompleta ou defeituosa (apurável mediante a consideração do que seria a prestação perfeita), mas a visualização dessa falta diante do interesse do credor.297” O interesse do credor, também elemento do regime jurídico do adimplemento substancial, é refletido na utilidade da prestação, ao passo que se houve benefício concreto à parte adimplente por meio da prestação executada próxima do resultado final pretendido, é inegável a satisfação do interesse daquele que não pode recusar-se a receber a proporção maior da obrigação cumprida, sob pena de agir em dissonância ao princípio da boa-fé objetiva, originando um grave desequilíbrio contratual. Isso porque “o inadimplemento ou o 295

WILLISTON, Samuel and THOMPSON, George J. Selections from Williston’s Treatise on the Law of Contracts, p. 727. 296 MACHADO, João Batista. Pressupostos da Resolução por incumprimento, p. 391-392. 297 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p.168.

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adimplemento inútil são causas de desequilíbrio, porque privam uma das partes da contraprestação a que tem direito. Por isso se lhe concede o direito de resolução, como medida preventiva. Mas, para que haja efetivamente um desequilíbrio, algo que pese na reciprocidade das prestações é necessário que tal inadimplemento seja significativo a ponto de privar substancialmente o credor da prestação a que teria direito298”. A questão da prerrogativa ou do impedimento do direito do credor em recusar a prestação ofertada é facilmente detectada por meio da observância do benefício extraído pela conduta da parte adimplente diante da parte da obrigação executada que “... pode funcionar como pressuposto negativo da resolução. Assim, se depois de ter tido conhecimento do defeito, introduzir alterações na coisa, designadamente transformando-a ou continuando a utilizá-la, dando a aparência de não a querer rejeitar, a resolução seria entendida como um ‘venire contra factum poroprium’ e, nessa medida, ilícita”299. Portanto, o credor não pode agir de forma maliciosa a postular pela resolução do contrato após obter proveito da prestação executada na falta de parte mínima, sob pena de essa atitude ser compreendida como um “venire contra factum proprium” e, assim, passível de penalidades. Se houve efetivamente utilidade oriunda do adimplemento substancial, cabe apenas à parte adimplente exigir a indenização por perdas e danos por eventual prejuízo causado pela ausência insignificante do cumprimento da prestação.

2.4. Proporcionalidade razoável do adimplemento substancial em relação ao programa contratual O adimplemento substancial consiste em um resultado tão próximo do almejado, que não chega a abalar a reciprocidade, o sinalagma das prestações correspectivas em relação a todo programa contratual almejado pelos contratantes. Não se verifica a inexecução de uma determinada obrigação exposta no contrato, mas sim todo o conjunto de obrigações e o

298 299

BECKER, Anelise. Op. cit., p. 65. MARTINEZ, Pedro Romano. Op. cit., p. 301.

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reflexo do inadimplemento nestas: se grave, gera a resolução; se mínimo, configura o adimplemento substancial. Dessa forma, a prestação incompleta, efetuada em quantidade menor do que a prevista ou ainda em qualidade inferior ao convencionado, deve ser examinada em proporção ao valor total do negócio que se pretende extinguir e em relação à própria natureza da prestação, em vista do interesse do credor. Por exemplo, a falta de duas peças principais, num jogo de mesa, entre dezenas, pode justificar o desinteresse do credor, enquanto a falta de 30% do pagamento do preço, em obrigação de dinheiro, não afeta substancialmente esse mesmo interesse, que fica protegido pela via da execução. Esse elemento de proporcionalidade razoável constatado no regime jurídico do adimplemento substancial não apresenta nem na doutrina nem na jurisprudência um instrumento exato quantificador da sua configuração, não sendo possível defini-lo por meio de porcentuais numéricos ou cálculos matemáticos certos a serem aplicados como regra. Sua valoração irá depender da análise de cada caso concreto, sob a premissa de que a proporção razoável deve ser medida em relação ao programa contratual como um todo. Nesse sentido, segundo Anelise Becker, não existe fórmula para a determinação do percentual aplicável para a configuração do adimplemento substancial do contrato, em relação ao programa contratual como um todo, cabendo, pois, a sua definição no caso concreto, o que pressupõe uma mudança no próprio método da aplicação do direito, ou seja, a superação do raciocínio lógico-subsuntivo pelo da concreção300, embora existam alguns julgados dos Tribunais pátrios indicando a configuração do adimplemento substancial quando haja o cumprimento de mais de 50% da obrigação convencionada301. Também verificamos que foram proferidos outros provimentos jurisdicionais que vedam a aplicação do adimplemento substancial se falta o pagamento de mais da metade do valor do prêmio do contrato de seguro302, v.g., bem como reconhecem e defendem essa modalidade de 300

Op. cit, p. 60. TJRS, 18ª Câm. Cível, Ap. Cível 70010227387, rel. Des. Mário Rocha Lopes Filho, j. 24.02.2005. 302 STJ, Resp 415971-SP – 3ª t. – J.14.05.02, rel. Min. Nancy Andriaghi. 301

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cumprimento da obrigação se há a ausência do pagamento da última prestação do contrato do seguro (RT 806/156). Mas o critério para configuração do adimplemento substancial não fica adstrito ao percentual de 50% da prestação ou a ausência de uma parcela, há ainda outros julgados que admitem a sua existência se apenas 10% do contrato de compra e venda não foi quitado pelos compradores, sob a justificativa de que esse percentual inviabiliza a resolução do ajuste, cabendo apenas a cobrança do saldo remanescente por meio da via executória303. A jurisprudência pátria ainda utiliza um critério amplo e indefinido, a primeira vista, ao admitir que a ausência do pagamento de “pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem304” configura o adimplemento substancial. A relatividade constante no conceito de “pequeno” poderia ser considerada como um critério a gerar insegurança e instabilidade no sistema jurídico positivo, mas não é assim, em razão de que é valorado em comparação ao contrato como um todo. Não se reveste de uma análise isolada, mas sim em proporção razoável ao que foi convencionado pelas partes no momento de formação do sinalagma genético. Por conseguinte, não encontramos um critério objetivo exato para determinar a proporcionalidade razoável inserida no regime jurídico do adimplemento substancial, que coíbe a resolução contratual. O que existe é a mensuração deste elemento mediante à parte maior executada da prestação em relação ao contrato como um todo, refletindo em percentuais diversos caracterizadores do cumprimento próximo ao resultado pretendido, variando entre os critérios de mais de 50%; ou ausência da prestação em 30% ou 10% ou ainda na falta de cumprimento de uma parcela, etc...

303 304

TJRS, Ap. 70004311924, 18ª Câm Cível, j. 16.12.2004. v.u. STJ, REsp 469577/SC – 4ª t. – j. 25.03.2003, rel. Ruy Rosado de Aguiar.

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2.5. O interesse do credor como parâmetro do adimplemento substancial No adimplemento substancial, a proporção mínima do descumprimento da prestação não pode atingir substancialmente a legítima expectativa do credor em relação à execução de todo o contrato. O benefício a favor do credor deve ser de tal monta que deve representar quase que totalmente a expectativa que ele aguardava em razão da celebração do contrato, não existindo assim grande diferença entre a expectativa e o realmente obtido com o adimplemento substancial. O interesse do credor se estabelece em razão da natureza da prestação e daquilo a que ela normalmente se destina a satisfazer de modo a atingir o bem da vida esperado. Se a prestação executada já não atende ao interesse que seria satisfeito com a prestação prometida e cumprida regularmente, desaparecendo totalmente o interesse do credor em receber a prestação, não há como manter o contrato com fundamento no adimplemento substancial. Isso decorre do próprio sinalagma, em que existem prestações correspectivas em equivalência, sendo objetivamente estabelecido que o interesse da prestação prometida ao credor será satisfeito mediante duas ordens: pela regulação contratual e pela da natureza da prestação (elemento objetivo), e pela necessidade do credor receber uma prestação que atenda o objetivo esperado, de acordo com a sua legítima expectativa (elemento subjetivo). Para a configuração do adimplemento substancial, é primordial a perseguição desses elementos objetivos e subjetivos calcados na satisfação do interesse do credor que é o fim perseguido por toda relação obrigacional305”. Com base nessas lições de Karl Larenz, Ruy Rosado Aguiar Júnior desenvolve essa idéia por meio do fundamento de que “toda relação de obrigação persegue, sempre que possível, a mais completa e adequada satisfação do credor, ou dos credores, em conseqüência de um determinado interesse na prestação306”. É instigante a afirmação do referido jurista de que será atingido “... sempre que possível, a mais completa e adequada satisfação do credor ou dos credores...”, levando-nos a esmiuçar 305 306

LARENZ, Karl. Op. cit. p. 39. Op. cit., p. 47.

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esse pensamento para defender que às vezes, por algum desvio de comportamento, a obrigação não é executada completa e adequadamente, ensejando a geração de outros efeitos que não o adimplemento ou o inadimplemento, como ocorre com o adimplemento substancial se a prestação cumprida atingir o núcleo do interesse do credor, ainda se subsistir uma parte mínima a ser executada. Nesta hipótese, a relação obrigacional não terá sua extinção regular que ocorre “… cuando el acreedor (o todo el que participa como acreedor) haya sido totalmente satisfecho en su interés en la prestación307”, mas haverá seu término satisfatório mediante apenas a compensação por meio de uma indenização pela ausência mínima do cumprimento da obrigação, uma vez que seu interesse, embora não totalmente satisfeito, foi saciado no seu centro. O adimplemento substancial apresenta conotação distinta do inadimplemento absoluto, da impossibilidade parcial, da mora ou do cumprimento defeituoso no tocante ao interesse do credor na medida em que no primeiro a satisfação da parte adimplente existirá, ainda que não completamente, enquanto que nas demais hipóteses, a ausência do interesse do credor origina a desnaturação no recebimento da prestação, servindo de fundamento à resolução. Agostinho Alvim esclarece que o critério específico da distinção entre os inadimplementos absoluto e relativo reside na possibilidade, ou não de o credor receber a prestação308. O devedor que não cumpre integralmente sua prestação, em desatenção da boa-fé, dependendo da proporcionalidade desta em relação ao objeto contratual, pode eliminar o interesse do credor em receber a obrigação daquele, posto que o desaparecimento do interesse da parte adimplente constitui causa extintiva da obrigação, como assevera Mário Júlio de Almeida Costa309.

307

LARENZ, Karl. Op. cit. p. 39. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, p. 45. 309 Op. cit., p. 88. 308

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Um forte indício de que a prestação cumprida substancialmente é suficiente para atender aos interesses do credor é a sua retenção por este, ao usufruir dos benefícios da maior e essencial parte da obrigação executada pelo devedor. No entanto, advertimos que mesmo o ínfimo descumprimento, dependendo do caso, poderá representar a perda total do interesse do credor pela parte da prestação descumprida, justificando-se a resolução. A hipótese de inadimplemento substancial neste caso fica bloqueada pelo motivo de que não houve o atendimento do interesse do credor. P. ex. serviço de buffet serviço em um jantar em um casamento com hora marcada, servido após 3 horas. Ressaltamos que o interesse do credor deve ser exercido dentro da licitude e da boa-fé, objetivamente considerada, para merecer a proteção do ordenamento jurídico. Se não há perda do interesse do credor, mantendo-se o sinalagma, o direito potestativo de resolução é abusivo, ocorrendo o adimplemento substancial em razão do princípio da conservação dos contratos que valoriza e tutela a manutenção equilibrada do programa contratual.

3. As relações entre credor e devedor no adimplemento substancial 3.1. A tutela jurídica do devedor no adimplemento substancial Por ser a proteção jurídica do devedor subalterna ao interesse do credor, o devedor só terá a tutela jurídica, se não prejudicar essencialmente o escopo da obrigação e, assim, não frustar, substancialmente o interesse da parte adimplente. A referida tutela jurídica decorre do fato de que em todo e qualquer contrato existe um dever de cooperação mútuo entre as partes, mesmo que o credor ainda não possa cumprir com sua obrigação – p. ex. pagar o preço por determinada compra de uma coisa que ainda não foi entregue pelo devedor – ele deve apresentar condutas que demonstrem sua ajuda ou criem um ambiente de facilitação para receber a prestação do devedor.

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A relação obrigacional complexa é vista como uma ordem de cooperação recíproca entre credor e devedor, polarizada pelo adimplemento, cujo escopo é a satisfação dos interesses do credor. Assim é definida porque, em razão da incidência do princípio da boa-fé objetiva, exige-se que ambas as partes ajam segundo a boa-fé objetiva tanto cumprindo a obrigação, como exercendo o direito de que seja titular. Sob este último prisma, aponta a necessidade de consideração também do interesse do devedor que vem expresso no seu direito de adimplir a obrigação disposta no contrato, satisfazendo o interesse do credor, cujo limite de manutenção ou aplicação do direito resolutório será constatado pela graduação do alcance dos objetivos do contrato. Esse dever de cooperação é extraído do nosso ordenamento jurídico por meio do artigo 422 do Código Civil, sendo um dever lateral da obrigação. No entanto, não é mérito exclusivo do diploma pátrio referido princípio, uma vez que é exaltado em legislações alienígenas, como exemplo a codificação dos Princípios do Direito Europeu dos Contratos, que no artigo 1:202 estabelece “le parti sono tenute reciprocamente a cooperare al fine di dare piena esecuzione al contratto310”. No regramento do adimplemento, os direitos e deveres dos contratantes devem ser ambos conjugados para o mesmo fim de cooperação, pois enquanto o credor tem o direito de receber o adimplemento, ele tem, ao mesmo tempo, o dever de contribuir para o recebimento da obrigação executada; e, comitantemente, o devedor tem o dever de adimplir, mas também o direito de exercer esse direito. Nessa bilateralidade de comportamentos exigidos, o credor tem o dever de lealdade baseado em um alcance positivo do dever de cooperação mútua, segundo o qual “... nei rappporti di obbligazione ciò che si richiede è un atteggiamento positivo di cooperazione, un impegno nell’interesse altrui, e la ‘bona fides311’ consiste in un criterio di

310

SCHULZE, Reiner e ZIMMERMANN, Reinhard. Op. Cit., p. 366. Vocábulo utilizado no direito romano com o surgimento dos contratos internacionais que exigiam a conduta das partes dentro do espírito de lealdade em fazer valer a palavra dada. Era uma espécie de garantia do cumprimento da obrigação. Cfr. MOREIRA ALVES, José Carlos. A parte geral do projeto de código civil brasileiro, p. 120. 311

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condotta

ispirata

ed

informata

all’interesse

della

contraparte,

condotta 312

all’adempimento positivo della aspettativa di cooperazione di essa controparte

dirreta

”.

Vale extrair desse pensamento o princípio de que a conduta de um contratante deve ser executada visando atingir o interesse da contraparte, a expectativa de cooperação do outro contrantante, leva à outra parte a adimplir suas obrigações. Assim, “il creditore há anzitutto (...) un dovere di collaborare all’adempimento della prestazione313”, mitigando os impactos do inadimplemento, caso perceba que o devedor esteja preste a inadimplir, devendo agir com lealdade e segundo a boa-fé objetiva. Esse dever de cooperação ao adimplemento da prestação está vinculado à relevância do interesse do devedor como “sanção e meio de defesa contra uma conduta do credor que agrave injustamente a situação daquele.314” Esse receio existente por parte da doutrina ou da legislação nos países em que a codificação prevê expressamente esse dever do credor é oriundo do exercício arbitrário do direito subjetivo praticado, às vezes, pelo credor. Outrossim, esse dever do credor está fundamentado na Doutrina da mitigação, oriunda do direito inglês (“doutrine of mitigation”), pela qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não se agrave, pela sua ação ou omissão, o resultado danoso decorrente do incumprimento. Os princípios dessa doutrina proclamam que “o lesado deve tomar todas as providências razoáveis para mitigar o dano, e não pode pretender o ressarcimento de perda que teria podido evitar, mas que não evitou, por injustificada ação ou omissão. Essa doutrina dirigida para a avaliação do ressarcimento cabível atua, também, na avaliação do prejuízo ao contrato resultante do incumprimento, tendo em vista a sua definição como sendo um incumprimento grave para o fim de resolução. Se a gravidade desse incumprimento decorreu da ação ou da omissão concorrente do credor, tal acréscimo não deve ser levado em consideração315”.

312

BETTI, Emilio. Op. cit., p. 79 Idem, Ibidem, p. 63. 314 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit.,. p. 90. 315 ROSELLO, C. Carlo. Sull ondere del creditare di ridurre le conseguenze dell’inadempimento. RTDPC, 1983, vols. 3-4, , p. 1.158-84. 313

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O fundamento dessa doutrina consiste no direito do devedor de adimplir o contrato, que existe ao lado do seu dever de adimplir. Isso significa que o direito do adimplir do devedor está ligado à uma obrigação omissiva do credor em não impedir o adimplemento, se o credor cria uma situação que impede o devedor de cumprir, ele estará na verdade atingindo sua esfera de liberdade, impedindo-lhe de executar um ato que o auto-regulamento lhe impõe, com fundamento no sistema positivo, e que ao mesmo tempo lhe garante316. De sua parte, o credor pode ter colaborado, conscientemente ou não, para a inadimplência, omitindo-se em fornecer documento ou informações, dificultando de qualquer modo o pagamento ou a quitação, exigindo acréscimos indevidos, recusando inflexivelmente de receber opções de cumprimento propostas pelo devedor. Neste caso, não será legítimo ao credor pedir a resolução do contrato, em razão da tutela jurídica do devedor que coibe o abuso do direito do credor em dificultar ou impedir o adimplemento para, posteriormente, requerer a resolução do contrato cumulada com indenização por perdas e danos. Assim, a solução desse impasse poderá se dar por meio da ação do devedor em propor uma ação consignatória, a fim de liberar-se da obrigação, na parte em que não for possível cumprir por dificultação do credor. Esse impedimento gerado pelo credor não se coaduna com o “princício de solidariedade contratual que transcende o regulamento negocial317” ao impor ao programa contratual a observância do dever de lealdade e da facilitação da execução das obrigações. Não significa que as partes contratantes devam ser coniventes ou menos exigentes. Ao contrário. Em razão desse princípio, as partes devem agir de maneira a ajudar-se mutuamente, até mesmo porque o fim do contrato é perquerido por ambas. Assim, por que não haver colaboração dos dois lados para obter o adimplemento? Por sua vez, o dever de cooperação a cargo do credor também está vinculado à manifestação da sua concordância ou não da prestação executada, pois dependendo da proporção do adimplemento da obrigação, se ele não reagir oportunamente, as deficiências ou irregularidades da prestação podem ser consideradas sanadas em razão da sua aceitação tácita, 316 317

FERRI, Luigi. Op. Cit., p. 198. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 120.

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sem ressalvas, sendo que era seu dever tê-lo feito, levando ao devedor a acreditar que a obrigação foi aceita, mesmo em desconformidade com alguma parte, na medida em que o credor usufruiu da execução da prestação, tendo a satisfação de seus interesses, ainda que não integralmente. No contexto da proteção jurídica ao devedor, o Código Civil Português, apresenta norma jurídica importante para enquadrar a tutela jurídica do devedor no adimplemento substancial. No artigo 934º – já transcrito anteriormente no Capítulo 3.5. retro – observa-se norma jurídica imperativa, na medida que o não cumprimento de parte mínima da obrigação – no caso da legislação portuguesa essa parte mínima configura-se pela ausência de cumprimento de até 1/8 do preço –, cujo reflexo seja de pouca importância, a situação de débito do devedor não pode ser prejudicada por acordo das partes, tampouco pela recusa injustificada do credor. No ordenamento jurídico pátrio ainda não existe norma jurídica semelhante. No entanto, talvez seja frutífero dispormos algo nesse sentido na codificação pátria, a qual sirva para evitar a existência de injustiças ou desequilíbrios contratuais nesta seara e mesmo facilitar o trabalho dos magistrados ao julgarem ações cujo objeto da lide seja esta questão. Enquanto isso, defendemos que a tutela jurídica ao devedor também é aplicável ao ordenamento jurídico pátrio por meio da extração do dever lateral de cooperação existente na boa-fé objetiva inserida no artigo 422 do Código Civil. A tutela jurídica a favor do devedor consiste na obrigação do credor em não dificultar a execução da prestação e, especialmente, diante do adimplemento substancial, tendo seu interesse satisfeito no seu objetivo central e principal, realizar a contraprestação ajustada no contrato, com a dedução dos prejuízos causados ou ainda ajuizar uma ação de ressarcimento para cobrar os danos sofridos pelo inadimplemento insignificante. Como doutrina Luis DiezPicazo: “Onde a parte recebeu substancialmente o benefício que esperava, embora as condições do contrato tenham sido descumpridas em particulares insignificantes, que não lhe tiram o benefício que iria obter com o cumprimento literal, ela é obrigada a pagar o preço sob a doutrina do adimplemento substancial318”.

318

apud VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. p. 123.

189

O aforismo minimis non curat praetor também é aplicável na tutela jurídica do devedor, na medida em que não é justificável o credor demandar em juízo em face do devedor por um defeito mínimo e insignificante, sendo também injusto a recusa do credor em realizar a contraprestação devida pelo contrato. A Convenção de Viena também traz expressa previsão quanto à doutrina da mitigação, na medida em que em seu artigo 77 contempla: “A parte que invoca a violação do contrato deve tomar as medidas razoáveis, face às circunstâncias, para limitar a perda, aí compreendido o lucro cessante, resultante da violação contratual. Se não o fizer, a parte faltosa pode pedir uma redução da indenização por perdas e danos no momento da perda que deveria ter sido evitada”. Essa prerrogativa existente a favor do devedor baseia-se na doutrina da mitigação e significa que o dever de cooperação do credor é compulsório, não se admitindo ressalvas, pois caso não obedeça, a indenização resultante do descumprimento da obrigação será reduzida proporcionalmente ao limite correspondente à gravidade da ação ou omissão do credor que impossibilitou ou dificultou o cumprimento da obrigação por parte do inadimplente.

3.2. O adimplemento substancial por parte do credor Até o presente momento no desenvolvimento da Teoria do adimplemento substancial, apenas focamos as hipóteses e conseqüências do adimplemento substancial causado pelo devedor. No entanto, não podemos deixar de questionar a possibilidade do adimplemento substancial ser causado pelo credor em virtude da inexecução de sua obrigação decorrente da ausência de uma proporção mínima em relação à parte integral da prestação. O questionamento que ora colocado é salutar à discussão do presente trabalho, na medida em que no negócio jurídico bilateral ou plurilateral celebrado, a relação jurídica é disposta no auto-regulamento em razão de direitos e obrigações de ambas as partes, cujo equilíbrio do sinalagma é justificado pela satisfação do interesse de ambas as partes, tanto do credor como

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do devedor, sendo que este também deverá receber a obrigação da parte adimplente para liberá-la com êxito do vínculo contratual estabelecido. Por conseguinte, o credor deverá cumprir integralmente com sua obrigação, mas também terá a tutela jurídica, caso execute seu dever, mas faltando uma pequena parte sem importância, cuja ausência caracterize o adimplemento substancial. De fato, essa proteção legal conferida ao credor no caso de causar o adimplemento substancial é verificada por meio do artio 500 do Código Civil, principalmente na hermenêutica do primeiro parágrafo, verbis: “Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. § 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio”. Na primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 500 do Código Civil, verificamos claramente na legislação brasileira uma abertura voltada à caracterização da proporção do descumprimento que possa caracterizar o adimplemento substancial por parte do credor (vendedor), porquanto que se presume que as dimensões contidas na escritura representam mera declaração objetiva, não influindo no interesse do comprador pelo imóvel, o qual mantém sua estrutura substancial. O adimplemento substancial apenas não será configurado nesta hipótese se a redução das dimensões representar a frustração do interesse do comprador em realizar determinado negócio jurídico, cuja frustação deve ser comprovada. Assim sendo, é cabível o adimplemento substancial por parte do credor quando a ausência de parte do objeto prometido do contrato não interferir no valor patrimonial do preço, não resultando, assim em prejuízo para o devedor.

191

Além disso, vislumbramos outra hipótese de configuração do adimplemento substancial por parte do credor, quando a ausência do cumprimento de parte insignificante da sua obrigação não ocasionar uma violação fundamental no contrato, não impossibilitando o devedor de cumprir com a sua obrigação. Assim, se o credor “deixou de cumprir parte insignificante da prestação, cuja falta não justificava o incumprimento da contraparte, não fica privado do direito de resolução. O que entregou o prédio locado sem a pintura prometida cometeu uma falta, mas pode resolver, se não receber os aluguéis, porque a falha do locatário é mais grave, já que está usando o bem. Cuida-se de verificar a prevalência de um adimplemento sobre o outro, atendendo à realidade total do contrato...319.” No exemplo acima suscitado, observamos que a ausência do cumprimento da obrigação do credor que não desnatura o objeto principal do contrato – qual seja, a posse do prédio locado ao devedor – não o impossibilita de exigir o cumprimento integral do devedor em relação ao objeto contratual, ou seja, a contraprestação pela utilização da coisa locada por meio do pagamento dos aluguéis. A única prerrogativa conferida ao devedor neste caso seria postular pelo abatimento no primeiro aluguel do valor referente à pintura do prédio ou ainda ajuizar uma ação de obrigação de fazer, a fim de compelir o credor a executar a pintura prometida. Mas em nenhum momento poderá o devedor postular a resolução do contrato em razão da ausência da pintura. Por sua vez, essa ausência do cumprimento da obrigação do credor não o impede de postular a resolução do contrato, na hipótese de inadimplemento por parte do devedor. No ordenamento jurídico ingles, o adimplemento substancial do credor é reconhecido por meio de precedentes judiciais como no caso Plotnick versus Pennsylvania, na medida em que o comprador (devedor) “may revoke only if there is substantial impairment or the value ‘to him’. The reference ‘to him’ suggest that the court is to measure the impairment by reference to the particular buyer’s particular needs. That suggestion is confirmed by the last clause in the las sentence of Comment 2: ‘The question is whether the non-conformity is such as will in fact cause a substantial impairment of the value to the buyer though the seller had no advance knowledge as to the buyer’s particular circumstances’. It was also raides by the New York

319

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de.Op. cit., p.168.

192

Law Revision Commission in its exatmintion of 2-608. It is theoretically possible, therefore, for the seller to deliver goods which a garden variety, reasonably prudent buyer would find reasonably satisfactory (though nonconforming in insubstantial details) and yet find that because of his buyer’s particular needs, his buywer has a right to revoke acceptance. Why a buyer should be permitted to measure the seller’s tender by such subjective standards is not clear. (…) we suspect that a single standard of objective ‘substantial nonconformity’ will cover 99.44% of all rejection and revocation cases320”. Diante da análise retro deduzida, concluímos que o adimplemento substancial por parte do credor é admitido pelo sistema jurídico, cabendo a tutela jurídica ao credor se na execução de sua obrigação, faltar parte insignficante a cumprir.

4. O adimplemento substancial e figuras correlatas 4.1. Adimplemento ruim ou defeituoso e adimplemento substancial O adimplemento ruim, também denominado por defeituoso por alguns juristas brasileiros, “... depende do preenchimento de quatro condições. A saber: primeira, ter o devedor realizado a prestação violando o princípio da pontualidade; segunda, ter o credor procedido à sua aceitação por desconhecer ou, conhecendo-a, apondo uma reseva; terceira, mostrar-se o defeito relevante; quarta, sobrevirem danos típicos321”. É o ensinamento de Orlando Gomes322, invocando o “desinteresse”, introduzido na relação contratual através do adimplemento ruim. Em outros termos, se ostenta necessário que, na defeituosidade, se espelhe a inutilidade contemplada no artigo 395, parágrafo único do Código Civil de 2002. Então, a hipótese se aproxima da regra exarada quanto ao inadimplemento absoluto323. 320

WHITE, James J and SUMMERS, Robert S. Uniform commercial code.p. 260. MARTINEZ, Pedro Romano. Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada. p. 129-130. 322 Obrigações. p. 201. 323 ASSIS, Araken. Op. cit., p. 102. 321

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Consoante acentua Mário Júlio de Almeida Costa, “do inadimplemento insatisfatório decorre, – individualizando, de vez, a espécie em tela – um dano cuja tipicidade é muito diversa daquela ocorrente nos inadimplementos absoluto e relativo324”. Ele ainda complementa que no cumprimento insatisfatório ou defeituoso ou imperfeito, “... se verifica uma violação do crédito, apesar de o devedor não se encontrar em mora, nem haver incumprimento definitivo. Será o caso, por exemplo, de o devedor efectuar uma prestação cujas deficiências ou irregularidades produzem danos específicos ao credor325”. O cumprimento defeituoso é hipótese de violação contratual positiva326. O inadimplemento ruim ou defeituoso é oriundo da teoria da violação positiva do contrato contemplada pelo direito alemão pelos ensinamentos de Hermann Staub327. Essa espécie de inadimplemento consiste no cumprimento da obrigação pelo devedor, mas embora preste, deixa de prestar como deveria, ocorrendo, então, violação positiva do contrato, podendo englobar as seguintes hipóteses: (i) descumprimento de obrigações negativas; (ii) negligente cumprimento de deveres de prestação; (iii) mau cumprimento de obrigações duradouras, pondo em risco os fins do contrato; (iv) descumprimento de deveres laterais; e (v) recusa antecipada do devedor de cumprir o devido. A violação positiva do contrato formou-se a partir do trabalho desenvolvido pelo jurista alemão Hermann Satub que detectou a ausência de previsão legal para este instituto no Código Civil alemão em razão das relações sociais ocorridas no seu tempo. Não havia previsão legal para as situações de inadimplemento resultante de um incumprimento imperfeito. Essa modalidade aproxima-se do inadimplemento absoluto por desnaturar o programa contratual como um todo mas assume sua autonomia em razão de nuances que lhe são peculiares como o cumprimento integral da obrigação, mas de forma defeituosa, sem aproveitamento do credor que reverte para um inadimplemento absoluto. Essa Teoria conservou sua importância ao longo das décadas até os dias contemporâneos no direito

324

COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 744. Idem. p. 929. 326 FARIA, Jorge Leite Areias Ribeiro de. Direito das obrigações. 2 vol. p. 342. 327 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da Silva. A boa-fé e a violação positiva do contrato, p. 216-218. 325

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obrigacional por abranger casos específicos que merecem guarida no sistema jurídico positivado. A figura da violação positiva do contrato tem o sentido de uma lesão culposa da obrigação, que não tenha como conseqüência nem a impossibilidade, nem a mora. Staub entendia resultar em uma lesão “positiva” pelo fato de, no caso, não ser imputada ao devedor omissão de uma conduta adequada, ou a impossibilidade de um cumprimento moral, mas sim, um agir positivo diferente do esperado. O adimplemento ruim ou defeituoso, resultante da violação de dever anexo, ou seja, de lesão ao princípio de boa-fé, não se relaciona com a culpa, pois o conceito de dever secundário é mais amplo do que o de culpa, apesar de entre eles existirem pontos de contato; “na medida em que o devedor está adstrito a um cumprimento que deve ser realizado de boa-fé, não sendo executada a prestação nos termos devidos (p. ex., se são violados deveres acessórios), o credor pode rejeitá-la em razão do desrespeito de um dever obrigacional. Contudo, como foi referido na alínea a), nº 3, o princípio da boa-fé tem aplicação recíproca, pelo que, não sendo o defeito significativo, o credor tem o dever de aceitar o que lhe for prestado328”. Segundo João de Matos Antunes Varela329, o descumprimento dos deveres derivados da boafé objetiva configura a hipótese de adimplemento defeituoso ou imperfeito. Clóvis do Couto e Silva elucida o cumprimento defeituoso com o seguinte exemplo: o comerciante Pedro convenciona com a agência Beta a confecção de anúncio luminoso do seu produto. Fabricado conforme a avença, a agência colocou-o em local pouco freqüentado, de sorte que o objetivo principal do contrato – divulgação do produto de Pedro – não foi atingido. Embora o contrato não determinasse local, o comerciante não pode considerar a prestação satisfatória330, vez que o fim principal da obrigação não foi atingido pela Agência.

328

MARTINEZ, Pedro Romano. Op. cit., p. 143. Das obrigações em geral. vol. I, p. 65. 330 Op. cit., p. 40. 329

195

Neste caso, houve falta de identidade entre o convencionado entre as partes e o serviço prestado pela agência Beta. De fato, em um contrato de publicidade ou divulgação de um produto, a obrigação principal é divulgar o produto que o contratante deseja vender. No exemplo acima, embora a obrigação da Agência tenha sido cumprida, houve defeito na prestação do serviço que fiocu aquém do pretendido pelo contratante e o convencionado entre as partes. O cumprimento defeituoso também pode ocorrer por falta de qualidade (defeitos) ou identidade, como por exemplo, a venda ao consumidor de produtos estragados, ocasionandolhe danos na saúde; o advogado que apresenta tempestivamente recurso de apelação, quando de fato deveria ter interposto agravo de instrumento; auditoria contábil que retrata visão financeira equivocada da empresa, levando a compra da mesma por valor superior ao que realmente possuía, etc. Na hipótese de cumprimento imperfeito, o credor tem a prerrogativa de: (i) aceitar a mercadoria defeituosa em quantidade ou qualidade inferior e pedir indenização; (ii) exigir a entrega de mercadorais em substituição, se a falta constituir violação fundamental, emprestando a norma disposta no artigo 46.2. da Convenção de Viena331; (iii) exigir a reparação da falta de qualidade, por analogia ao artigo 46.3. da Convenção de Viena332; e (iv) resolver a obrigação. A diferença entre adimplemento ruim ou defeituoso e adimplemento substancial seria pelo fato de que no primeiro a obrigação é cumprida pelo devedor sem atingir seu fim (falta de identidade), ou de maneira diversa da convencionada (falta de qualidade) ou por violação a um dever acessório, caracterizando uma violação fundamental do contrato; enquanto que no adimplemento substancial o devedor cumpre a obrigação de acordo com o seu fim e qualidade 331

“Art. 46.2. Se as mercadorias não estiverem conformes ao contrato, o comprador apenas pode exigir do vendedor a entrega de mercadorias de substituição se a flata de conformidade constituir uma violação fundamental do contrato e se a substituição de mercadorias foi exigida no momento da denúncia da falta de conformidade, feita nos termos do artigo 39, ou num prazo razoável a contar desta denúncia”. 332 “Art. 46.3. Se as mercadorias não são conformes ao contrato, o comprador pode exigir do vendedor que repare a falta de conformidade, salvo se isso for irrazoável, tendo em conta todas as circunstâncias. A reparação deve ser exigida no momento de denúncia da falta de conformidade, feita nos termos do artigo 39, ou num prazo razoável a contar desta denúncia”.

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mas não totalmente, remanescendo uma parte ínfima da obrigação sem cumprir. Embora para Araken de Assis esses conceitos equivalham à mesma coisa ao afirmar que “o adimplemento ruim pode versar uma parte modesta, ou diminuta e ou infinitesimal da prestação333”, não coadunamos da mesma idéia, em razão do adimplemento ruim estar apenas associado ao cumprimento defeituoso da obrigação, enquanto que o descumprimento de parte ínfima da obrigação configura o adimplemento substancial. A hipótese estrita de adimplemento substancial – descumprimento de parte mínima – equivale, no direito brasileiro, grosso modo, ao adimplemento chamado insatisfatório: ao invés de infração a deveres secundários, existe discrepância qualitativa e irrelevante na conduta do obrigado. Em tais termos, a solução do problema se acomoda ao regime comum e usual. O juiz avaliará a existência ou não da utilidade na prestação, segundo determina o artigo 395, parágrafo único, do Código Civil. Diante do exposto, podemos sintetizar por meio do quadro abaixo algumas características fundamentais entre ambos institutos através de suas diferenças e semelhanças: (i)

Diferenças:

Adimplemento ruim ou defeituoso Pode ser antecipado ou retardado

Adimplemento insatisfatório ou substancial Apenas retardado, i.e., posterior

Execução da obrigação, mas de forma Ausência mínima da execução da obrigação defeituosa Discrepância

grave

na

qualidade

quantidade da prestação prometida

ou Discrepância irrelevante na qualidade ou quantidade da prestação prometida

A importância e a gravidade do defeito A irrelevância e a ausência gravidade do apresentado deve ser de tal monta a descumprimento da obrigação possibilitam a desnaturar a obrigação pretendida

manutenção do programa contratual diante da continuidade do interesse do credor em receber a maior e mais importante parte da obrigação prestada

333

ASSIS, Araken. Op. cit. p. 129.

197

Quebra do interesse do credor Figura

semelhante

ao

Manutenção do interesse do credor inadimplemento Figura

absoluto, mas com características próprias

semelhante

ao

inadimplemento

relativo, mas com características próprias

(ii) Semelhanças: Adimplemento ruim ou defeituoso

Adimplemento insatisfatório ou substancial

Critérios para configuração: importância e Critérios para configuração: relevância e a gravidade do defeito apresentado em relação à gravidade do descumprimento da obrigação obrigação pretendida

em relação ao contrato como um todo

Fundamento: Princípio da boa-fé

Fundamento: Princípio da boa-fé

Conseqüência: indenização por perdas e Conseqüência: indenização por perdas e danos

danos

4.2. O adimplemento substancial e o inadimplemento absoluto Conforme já analisado no capítulo anterior, o inadimplemento absoluto enseja, indubitavelmente, a resolução do contrato diante do incumprimento denitivo, em razão deste desnaturar o programa contratual pela violação material da obrigação, não subsistindo o equilíbrio contratual necessário à realização regular do adimplemento (fim do contrato). De fato, “a resolução exige o pressuposto do incumprimento definitivo, que resultaria da demora ou do cumprimento imperfeito, com a destruição do interesse do credor334”. O incumprimento, para ser definitivo e causa de resolução, deve ser qualificado por essa perda de interesse do credor, decorrente da inutilidade da prestação, sem a viabilidade de haver o cumprimento ulterior da obrigação. No inadimplemento absoluto, o descumprimento da obrigação pode resultar de culpa concorrente, na medida em que: “(a) devedor e credor concorrem para impedir a prestação do 334

Ruy Rosado de Aguiar Junior, Op. cit., p. 121.

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devedor; (b) devedor e credor deixam ambos de cumprir com a sua obrigação. No primeiro caso, deve-se verificar a importância do incumprimento de cada um, segundo a boa-fé, e apenas resolver a obrigação, contra o devedor, se o comportamento dele era só por si suficiente para a extinção do contrato. No segundo, cabe verificar quem tinha a obrigação de prestar em primeiro lugar, sendo este o responsável pela resolução, salvo se as circunstâncias evidenciarem que o outro também não iria cumprir a sua parte335”. A distinção referida no parágrafo anterior é fundamental para se detectar a gravidade do incumprimento da obrigação é passível de resolução, pela configuração do inadimplemento absoluto, ou caso contrário, segundo os ditames da boa-fé objetiva, permitir a manutenção do vínculo contratual, se inexistir causa suficiente para a extinção do contrato, configurando o adimplemento substancial. Essa causa suficiente que fundamenta a aplicação do direito potestativo de resolução consiste exatamente na valoração da gravidade do incumprimento, porquanto que se não houver a configuração da violação material e grave da obrigação, a resolução não é admitida, sendo, na verdade, hipótese de adimplemento substancial. O adimplemento próximo ao resultado final pretendido pelo credor que caracteriza o adimplemento substancial reveste-se de certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação, não configurando uma grave violação no descumprimento mínimo causado pelo devedor. A ausência da desnaturação do programa contratual enseja a manutenção do contrato, exatamente pelo fato de que a inexecução insignificante da obrigação não se aproxima do inadimplemento absoluto que causa o esvaziamento no interesse do credor e na prestabilidade da obrigação por destruir, completamente, o equilíbrio necessário no programa contratual formado por obrigações correspectivas. A distinção existente entre esses dois institutos resume-se a um só conceito: gravidade no inadimplemento gerado pela inobservância do cumprimento da prestação prometida. Se o descumprimento for sério, atingindo a essencialidade da obrigação, haverá inadimplemento 335

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 109.

199

absoluto. Entretanto, se a inexecução da obrigação for insignificante, ferindo parte mínima da obrigação, não caberá a aplicação da resolução, por existir a configuração do adimplemento substancial que, pelos princípios da conservação dos contratos, da probidade, da solidariedade e da autonomia privada, não admite a ruptura do vínculo contratual com o retorno das partes ao status quo ante. O critério de seriedade e gravidade do inadimplemento gerado em cada caso concreto será observado e valorado de acordo com a boa-fé objetiva, que representa o substrato da Teoria do adimplemento substancial, a fim de detectar as hipóteses passíveis de resolução e as situações impeditivas da aplicação deste remédio resolutório.

4.3. O adimplemento substancial e o inadimplemento relativo A mora, por ser o “retraso en el cumplimiento de la obligación, es de considerar si en todo caso constituye un ‘verdadero y propio incumplimiento’ en la medida necesaria para la procedencia de la resolución del contrato”336, sendo, incontestavelmente, causa de resolução do contrato se advinda da lei ou do contrato quando a prestação, pelo atraso no seu cumprimento, não mais interessa o credor (Código Civil, artigo 395, parágrafo único). É pacífico que a simples mora não é causa de resolução, e isso porque a própria lei somente permite ao credor enjeitar a prestação ofertada após o vencimento e a constituição da mora, se não for obrigação positiva e líquida, que se constitui de pleno direito, sendo denominada como mora automática. A prestação deve ser cumprida em dia certo, sob pena do interesse do credor, sob pena de se mostrar inútil. A mora distingue-se do adimplemento substancial, uma vez que ela consiste no cumprimento imperfeito da obrigação, no lugar, tempo e modo devidos, enquanto o segundo advém de (i) um mínimo defeito ou ausência infíma da obrigação principal a ser prestada, distinta do acordado entre as partes no momento da celebração do negócio jurídico bilateral, ou da

336

ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 40.

200

obrigação secundária que assume contornos de principal importância à realização do programa contratual; (ii) pela ausência da gravidade do inadimplemento, o qual não desnatura o fim principal do contrato, sendo útil ao interesse do credor, embora não totalmente, por faltar o adimplemento total. Por outro lado, a mora uma vez configura reveste-se da qualidade de gravidade e importância sendo classificada como um inadimplemento relativo. Embora Araken de Assis aproxime o inadimplemento relativo do adimplemento substancial337, sob o critério de que ambos os institutos não contemplam o adimplemento regular e aguardado como o fim de todo o contrato, entendemos que essa aproximação é válida, mas com a ressalva de que existem distinções fundamentais entre eles que norteiam efeitos jurídicos diferentes. De fato, enquanto a mora compreende a “inexistência” da prestação, a prestação “tardia”, a efetuada “fora do lugar” adequado, ou sem a “forma” da convenção ou da lei, o adimplemento substancial consiste na execução positiva da obrigação no lugar e forma devidos, mas com a ausência de parte ínfima da obrigação, sem importância ao todo programa contratual já cumprido. Além disso, o adimplemento substancial supera o regime jurídico da mora, por admitir que o contrato possa ser mantido mesmo se a prestação da obrigação não cumprir rigorosamente o tempo (se não for obrigação a prazo), o modo (se não for essencial) e o lugar devido (se não for elemento intrínseco ao cumprimento da obrigação). A prestação quase que integral, mas que atingiu a essencialidade da obrigação, justifica a manutenção do contrato, relativizando o princípio da integralidade do adimplemento, porém ensejando o pedido de indenização, mas jamais o de resolução; como ocorre diante da mora constituída. Assim, a sanção entre esses dois institutos também é distinta, pois enquanto no primeiro há a manutenção do contrato, sob pena de quebra do princípio da boa-fé objetiva, na segunda, deve ser aplicada a resolução, sob pena da violação do referido princípio. Em suma, o fundamento é o mesmo mas a conseqüência assume rumos antagônicos.

337

ASSIS, Araken. Op. cit., p. 102.

201

4.4. O adimplemento substancial e o adimplemento parcial de obrigações divisíveis e indivisíveis É interessante suscitarmos o elo existente entre o adimplemento substancial e o adimplemento parcial de obrigações divisíveis e indivisíveis, como critério norteador do cumprimento parcial passível de manutenção do contrato ou causador da resolução contratual. Nas obrigações divisíveis, o início do adimplemento pode ser considerado como um adimplemento parcial, o que não irá ocorrer se a obrigação for indivisível – mesmo o seu início não será apto a evitar a configuração do inadimplemento, em razão de ser formada por um todo indissociável; enquanto que na primeira espécie de obrigação, esta se subdivide em partes. De fato, “l’adempimento deve inoltre essere integrale in quanto il creditore può rifiutare un adempimento parciale anche se la prestazione è divisible, salvo che la legge o gli usi dispongano diversamente (art. 1181 cc). Sull’adempimento parziale tornerò più oltre, è però necessario fin d’ora distinguere tra adempimento parziale e inizio d’adempimento (integrale). Circa il criterio di distinzione il Rubino – RUBINO, Costituzione in mora e risoluzione per inadempimento, p. 60, n. 2 – ha acutamente osservato che nei casi di prestazione per sua natura divisibile d’inizio di adempimento può considerarsi adempimento parziale; per converso se la prestazione è per sua natura indivisibile, un semplice inizio di adempimento non può configurarsi adempimento parziale. A cio credo di potter aggiungere che una prestazione naturalmente divisibile può dalle partti essere considerata indivisibile, sicchè anche in questo caso l’adempimento parziale non constituirà inizio di adempimento, sebbene inadempimento vero e proprio338”. Nesse mesmo sentido, o jurista português João Baptista Machado entende que se o devedor tenha realizado uma parte da obrigação divisível, remanescendo ainda outra parte desta obrigação, o credor não poderá recusar que a prestação parcial extinguiu uma parte diretamente proporcional da obrigação vista como um todo, não sendo, assim, admitida a resolução do contrato, sob o fundamento do inadimplemento absoluto. Apenas será possível

338

PERSICO, Giovanni. Op. cit., p.118.

202

caracterizar o não cumprimento em relação à parte remanescente que não foi executada pelo devedor; o que nos leva a concluir que se estará ou diante do inadimplemento relativo – mora – ou diante do adimplemento substancial, dependendo da proporção da parte da obrigação não cumprida pelo devedor. Mas, por sua vez, se a obrigação for indivisível, não é possível dar este mesmo tratamento, na medida em que a mera ausência do cumprimento, enseja o inadimplemento absoluto da obrigação, ensejando a resolução do contrato339. A distinção entre obrigação divisível e indivisível neste tema é deveras fundamental pois cria elementos de legitimação do direito resolutório a ser exercido pelo credor ou obsta o seu exercício. Pois bem, “... o credor pode recusar a prestação parcial e apurar se ela se verifica no caso considerado. Se os dois ou mais objectos foram encarados pelas partes como um todo, não pode o credor ser compelido a aceitar apenas um ou alguns deles, pois o devedor não cumpre exatamente a obrigação. Se, diversamente, eles não forem encarados como um todo, como se fixaram épocas diferentes para o vencimento, então já o credor pode ser obrigado a aceitar a prestação separada de cada um deles340”. Vaz Serra ao comentar a prerrogativa do credor em aceitar o cumprimento de uma prestação parcial ou recusa-lá ainda que a prestação seja divisível, a não ser que isto contrarie a boa-fé, os bons costumes e as normas jurídicas, defende que “... se trata de vários créditos, embora originados na mesma relação jurídica, cada um pode ser satisfeito, sem que a isso se oponha aquele princípio. (...) A este respeito, observa-se que ‘quando... uma obrigação comporta prestações com vencimentos sucessivos, tais como anuidades..., cada uma pode ser objecto de um pagamento isolado.’ Esta segunda regra é aplicável também às dívidas acessórias, se tiverem vencimento diferente”341. No cumprimento parcial de obrigação divisível, “ad un inadempimento di poca importanza, può essere opposta dall’altra parte soltanto una sospensione parziale della propria prestazione, qual ora questa sia per sua natura divisibile342”. (grifou-se).

339

cfr. MACHADO, João Baptista. Pressupostos da resolução por incumprimento, p. 343 e segs. Idem. p. 91-92. 341 Op. Cit. p. 90-91 342 PERSICO, Giovanni. Op. cit., p. 132. 340

203

A divisibilidade da obrigação não foi conceituada no Código Civil brasileiro, mas a indivisibilidade vem expressa no artigo 258, que assim dispõe: “A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”. É importante destacarmos que a característica de indivisão recai na prestação, e não em seu objeto, o que denota a possibilidade deste ser divisível sem que deixe de ser indivisível a prestação343 (p. ex. débitos condominiais que são indivisíveis). Além da natureza da prestação, há também o aspecto social inserido neste dispositivo legal, no momento em que o legislador estabeleceu a indivisbilidade da obrigação “por motivo de ordem econômica”. Ao traçar um paralelo entre os efeitos das obrigações divisíveis e indivisíveis no cumprimento parcial, entendemos que se for obrigação divisível, haverá adimplemento substancial se a proporção das parcelas da obrigação realizada for de tal monta a configurar o cumprimento quase que integral da prestação convencionada. Se houver a execução reduzida do número das parcelas, não haverá margem para se configurar o adimplemento, sendo que no ordenamento jurídico vigente não há norma positiva imperativa contabilizando essa margem de prestação reduzida. Contudo, acreditamos que essa contabilização será feita em cada caso concreto, conforme a natureza jurídica do contrato e a importância de cada parcela em relação ao todo do programa contratual. Nesse diapasão, cumpre trazer à baila um exemplo advindo do sistema da common law que retrata a importância e a dimensão de cada parcela nas obrigações divisíveis em relação ao programa contratual como um todo, não permitindo a resolução do contrato se este não for atingindo substancialmente, permitindo apenas um ajustamento no preço: “In Continental Forest Products v. White Lumber Sales, Inc., there was an installment contract for the sale of twenty carloads of plywood. The first carload did not conform to the contract in that nine percent of the plywood in the car deviated from the thickness specifications. The trade standard authorized deviationbs of five percent of the load. The second and third carloads which arrived at buyer’s place of business after he had purportedly canceled the contract did conform to the specifications. The court held that the deviation did not substantially impair

343

ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Obrigações. p. 127.

204

the value of the whole contact and found moreover that the nonconformity could be coured by an adjustment in the price344”. Por sua vez, se for obrigação indivisível, não há dúvidas: será hipótese de inadimplemento. Em outras palavras, não é possível a configuração do adimplemento substancial em obrigações indivísiveis, nem do cumprimento parcial, uma vez que o simples ato de inadimplir já configura o próprio inadimplemento, que será classificado em absoluto.

4.5. O adimplemento substancial e a impossibilidade parcial A impossibilidade parcial decorre de causa natural ou jurídica, sendo uma espécie de cumprimento não total, imputável ou não ao devedor. O devedor presta o que for possível, dentro da impossibilidade gerada, ensejando a redução proporcional da contraprestação devida pelo credor na exata medida da execução da parte da obrigação possível, se houver o seu interesse em receber a execução parcial da prestação. Se este estiver sido exaurido, e razão da parte parcial cumprida corresponder ao mínimo da prestação prometida, o credor terá a prerrogativa de resolver o contrato. Na impossibilidade parcial, o fundamento para o pedido resolutório ocorrerá se a falta da parte da prestação ainda a ser prestada ofender substancialmente o interesse do credor, tenha ou não havido culpa do devedor. Essa impossibilidade é uma das causas extintivas da obrigação originária do direito resolutório se a parte da prestação realizada não contentar os elementos de utilidade e prestabilidade da prestação que na proporção executada não atinge a essencialidade da obrigação. Por outro lado, não haverá inadimplemento imputável para resolver o contrato, quando o cumprimento parcial reflita o núcleo da obrigação contratada, na proporção veemente das obrigações concretizadas.

344

WHITE, James J. and SUMMERS, Robert S. Uniform Commercial Code. p. 259.

205

Assim, nessa modalidade, haverá a liberação do devedor em relação ao que foi executado, mas ele responderá nos limites da extensão dos danos, mediante a valoração da culpa, sendo proporcional a contraprestação da parte adimplente. A parcialidade da obrigação cumprida pode atingir o liame da relação jurídica formada no contrato celebrado, liberando o credor deste vínculo contratual, como também ocorre em “... alcuni casi inglesi nei quali il pagamento parziale era stato considerato non satisfattivo, per formulare la regola generale che l’adempimento parziale, in quanto non idoneo a realizzare l’interesse del creditore, priva l’accordo di ‘consideration’ (liberando perciò il creditore da ogni vincolo assunto in contratto)345.” A execução parcial da obrigação, seja pela impossibilidade ocasionada por simples dificuldade seja por onerosidade da prestação, representa a ausência do critério da forma (qualidade e quantidade) da obrigação prometida, em proporções significantes, sendo distinta, por esse aspecto, do adimplemento substancial, ao passo que neste a falha apresentada no descumprimento pode decorrer de quantidade ou qualidade da prestação em proporções mínimas que não atingem a essenciliadade da obrigação. A distinção entre esses institutos gira, basicamente, em torno da verificação da satisfação ou não do interesse do credor em relação à parte adimplida do programa contratual. Se parte da obrigação executada, parcialmente, não é satisfativa, a impossibilidade concretizada inviabiliza a conservação do contrato e dos seus efeitos, ensejando a resolução contratual. Contudo, por outro lado, se parte da prestação cumprida atende, parcialmente, o interesse do credor que mantém sua intenção de receber mesmo que parte da obrigação, essa situação levará à preservação do contrato, com a redução proporcional da contraprestação devida pelo credor. Nesta última hipótese, a estrutura gerada pela impossibilidade parcial aproxima-se do adimplemento substancial em sua forma, posto que a essencialidade da prestabilidade da

345

TEDESCHI, Vittorio. Contratto nel diritto nord-americano. p. 84.

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obrigação e da satisfação do interesse do credor terão sido atingidos, evitando, assim em ambos casos, mas em razão de fundamentos distintos, a resolução contratual. Ainda neste prisma de aproximação da impossibilidade parcial ao adimplemento substancial, Ruy Rosado Aguiar Junior vislumbrou uma hipótese em que a aproxiamação do interesse do credor na impossibilidade parcial da obrigação também pode levar ao adimplemento substancial, se a parte da obrigação já cumprida ainda atende ao interesse do credor. Este jurista chega a esta conclusão por meio do exemplo dado de que a falta de um exemplar, em partida de 10 exemplares iguais, significa que o devedor cumpriu substancialmente sua prestação, não sendo viável a resolução contratual; o que não ocorre se a prestação, tornada parcialmente impossível por algum óbice legal ou contratual, não significa o cumprimento substancial da obrigação, como por exemplo na falta de um volume, na coleção rara de 10 livros, que pode destruir o seu valor como um todo346.

4.6. Exceção do contrato não cumprido diante do adimplemento substancial Como o contrato visa o adimplemento das obrigações recíprocas e interdependentes, baseado na execução das prestações correspectivas existentes no sinalagma do programa contratual, diante da ausência de cumprimento da obrigação por um dos contratantes, pela bilateralidade existente, admite-se que o contratante que deveria prestar sua obrigação posteriormente, abstenha-se de cumprí-la até o efetivo cumprimento da obrigação por parte daquele contratante. Este remédio denomina-se exceção do contrato não cumplido (exceptio non adimpleti contractus), e é aplicável apenas aos contratos sinalagmáticos que estejam inseridos em uma relação de bilateralidade formada pelo conjunto de uma prestação e uma contraprestação correspectivas ou mais, desde que sejam correspondentes. É um remédio de defesa ao contratante adimplemente em face do inadimplente “cuando uma de las partes no ha ejecutado su obligación, puede la otra, a su vez, recusar el cumplimiento de la suya, de tal suerte que el

346

Op. cit., p. 101.

207

incumplimiento de la obligación de una de las partes se entiende que autoriza el incumplimiento de la contráida por la obra, lo que equivale a considerar justificado este último347”. Segundo Giovanni Persico, “l’adempimento si considera inesatto quando la prestazione a) non avviene nel termine b) viene prestata una cosa diversa o viene adempiuto solo parzialmente, oppure viene prestata una cosa affetta da vizi o mancante di qualità c) non vengono adempiute obbligazioni accessorie. Rigardo all’ ‘exceptio’ si deve stabilire se possa palarsi di una nuova figura in materia di inesatto adempimento (la c.d. ‘exceptio non rite adimpleti contractus’) o se i casi di inesatto adempimento vadano considerati como vero e proprio inadempimento. A me pare che l’inadimplemento difettoso della prestazione può equivalere ad inadempimento ai fini di legittimare l’excecptio non adimpleti contractus348”. Consideramos respeitável a posição acima do jurista italiano, mas nos parece melhor conceituar a exceção do contrato não cumprido como um inadimplemento puro, e não como um adimplemento defeituoso. A exceção do contrato não cumprido tem força para quebrar o sinalagma contratual calcado na correspectividade das obrigações bilaterais, ao passo que o inadimplente não executa sua prestação de forma completa, ensejando, assim, a parte adimplente a opor-lhe essa defesa como medida legítima de recusar de prestar sua obrigação. Esse instituto foi formado a partir da doutrina fundamentada na boa-fé objetiva dos contratantes, especialmente por meio do tu quoque, instrumento limitador do exercício dos direitos subjetivos, na medida em que não seria razoável permitir ao inadimplemente exigir a obrigação do contratante adimplente, se aquele se encontra em mora ou em estado de inadimplência. Esse instrumento visa sustentar de maneira equilibrada o sinalagma funcional a favor do adimplente que não sofrerá os efeitos do inadimplemento relativo enquanto o primeiro executor não prestar sua obrigação. Como extensão da aplicação do princípio da boa-fé, M. Planiol y J. Ripert definem o instituto da exceção do contrato na cumprido: “Noción de la excepción de cumplimiento. La parte 347 348

ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 72. L’eccezione d’inadempimento. p. 126.

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sujeta a un contrato sinalagmático, frente a la negativa de la otra de cumplir su obligación, ¿qué conducta podrá adoptar? ¿Acudir a la vía judicial y al cumplimiento forzoso para obtener lo que se le debe o pedir la resolución? Le sería conveniente negarse a su vez al cumplimiento provisionalmente, hasta el día en que la otra parte cumpla también, que es el derecho a no cumplir sino ‘dando y dando’. En éste hallamos un medio de precisón eficaz para provocar el cumplimiento correlativo, sin exponer al que lo emplea a los riesgos del incumplimiento definitivo y a la insolvencia de sua adversario, teniendo además la ventaja de no exigir la intervención de los Tribunales. Antecedentes históricos: La frase no es romana y el principio general nunca fue expuesto en Roma, si bien el derecho a negarse al cumplimiento fue bastante aceptado en materia de contratos sinalagmatácios, en virtud de la idea según la cual es contrario a la buena fe reclamar el cumplimiento sin haber cumplido la obrigación propia correlativa349”. Assim, esse instituto também está calcado na boa-fé objetiva e na eqüidade ao descaracterizar qualquer descumprimento contratual em relação à parte adimplente que não pode ser obrigada a executar sua contraprestação se não recebeu a prestação da parte inadimplente. O efeito da boa-fé objetiva refletido neste instituto é claro ao vedar o inadimplente a exigir a prestação da outra parte, se nem cumpriu a sua. Todavia, a extensão da boa-fé assume aspecto dúplice, por conter outro aspecto de tutela explicado por Ruy Rosado de Aguiar Junior, que em apertada síntese, esclarece: “na sua função limitadora da conduta, a boa-fé se manifesta (...) vedando o uso abusivo da ‘exceptio non adimpleti contractus’, quando o inadimplemento da outra parte, no contexto do contrato, não o autorizava...350.” A abusividade contida nesse instituto revela-se quando a parte adimplente se escora na exceptio para não executar sua obrigação, mesmo quando o inadimplemento ocasionado pela outra parte é mínimo. O impedimento no exercício do direito de defesa advindo da exceção do contrato não cumprido trazido pela boa-fé nos leva à linha divisória entre esse instituto e o adimplemento substancial. A exceção apenas configura-se quando o inadimplente não executa total ou parcialmente, a obrigação principal, havendo a perda do interesse do credor por 349

M. PLANIOL y J. RIPERT. Tratado Práctico de Derecho Civil Francés, p. 612-613. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Considerações sobre a Boa-fé na relação de consumo, Revista do direito do consumidor, p. 27.

350

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caracterizar um inadimplemento grave que desestrutura o contrato como um todo. Por outro lado, não será passível de aplicar esse remédio, quando o inadimplente não executa uma parte do contrato diminuta ou de pouca importância, que ainda gera utilidade e o interesse do credor em relação ao cumprimento já executado da obrigação devida, não comprometendo, assim, substancialmente, o adimplemento (fim) do contrato. Nesta hipósete, é compulsório à parte adimplente executar sua prestação, cobrando apenas as perdas e danos oriundos da prestação diminuta que não foi realizada pelo inadimplente. Essa distinção é pontuada por Giovanni Persico, nas seguintes palavras: “L’inadempimento dell’eccipiente deve essere equivalente o proporzionato a quello della conroparte, sicchè, se l’inadempimento di quest’ultima è di leve entità, non può opporsi l’ ‘exceptio non adimpleti contractus’. Questo ulteriore requisito trova anch’esso il suo fondamento nella necessità che chi rifuta la prestazione sia in buona fede351”. Em outras palavras, em razão da boa-fé objetiva, o excipiente apenas poderá utilizar, com legitimidade, o remédio da exceção do contrato não cumprindo se o inadimplemento gerado pela parte que deveria adimplir em primeiro lugar atingir a mesma proporcionalidade da contraprestação devida pela parte adimplente. Se, o inadimplemento do devedor for de gravidade leve, o ordenamento jurídico veda a aplicação da exceção. Por sua vez, se não houver a configuração do adimplemento substancial na proporção exposta no parágrafo anterior, a conseqüência da exceção do contrato não cumprido não enseja a resolução do contrato, apenas garante ao contratante adimplente exigir o cumprimento da obrigação do outro, abstendo-se de executar a sua obrigação até que haja o adimplemento da obrigação daquele: “... abstenerse la parte que se cree perjudicada por el incumplimiento de la outra, por estimarlo prudente o por cualquiera outra consideración de seguir cumpliendo com las obligaciones que le incumben352”. Em outras palavras, trata-se de uma causa impeditiva de exigibilidade da prestação pelo inadimplente, suspendendo o cumprimento da obrigação devida pela parte adimplente.

351 352

PERSICO, Giovanni. Op. cit., p. 144. Sentença da Corte de Cassação da Costa Rica proferida em 22.01.1917.

210

No ordenamento jurídico pátrio, o artigo 476 dispõe expressamente sobre a exceção do contrato não cumprindo, seguindo o mesmo regime adotado na Alemanha e na Itália353 que também admitem tal instituto de forma expressa na legislação civil. Quanto ao momento de invocação deste instituto, existem duas situações, quais sejam: (i) não é legítima a invocação da exceptio para o contratante que devia adimplir primeiro; e (ii) se houver a desconfiança quanto ao não cumprimento da prestação pela outra parte, o cocontratante pode invocar a exceptio para não sofrer os prejuízos pelo inadimplemento; como expressamente previsto no Direito Europeu dos Contratos, no artigo 9: 201, verbis: “1) La parte che deve adempiere contemporaneamente o dopo l’altra parte può rifiutarsi di adempiere la sua obbligazione fino a quando quest’ultima non offra o non esegua la sua prestazione. La parte che eccepisce l’inadempimento può rifiutarsi di adempiere in tutto o in parte secondo che sai ragionevole in relazione alla circostanze. 2) Analogamente la parte può rifiutarsi di adempiere la sua obbligazione fino a quando sai evidente che l’altra parte non adempirà alla scadenza354”. Esta última hipótese também deve ser exercida dentro da boa-fé objetiva. Não basta uma simples desconfiança, é necessária a configuração de indícios concretos. Por outro lado, a boa-fé objetiva também exerce outra função sob a exceção, a de limitar o seu uso indiscriminado, posto que se o credor aceitar a prestação diversa do convencionado ou parcial, a exceção é coibida. A sua vedação advém ao critério de razoabilidade adotado na valoração do inadimplemento, o qual se for aceito pelo credor ou tiver alguma utilidade não contemplará a exceção, ao passo que: “l’accettazione esplicita del creditore riguarda una prestazione diversa o parziale (art. 1197 cc) non potrà applicarsi l’eccezione d’inadempimento. Negli altri casi, invece, l’ ‘exceptio non adimpleti contratus’ può sempre opporsi seppure con certe limitazioni. Ciò non é contrarrio alla legge, ma trova in essa una sicura conferma. L’art. 1460 cc faculta una delle parti a rifiutare l’adempimento se l’altra ‘non adempie o non offre di adempiere”. (....) Inoltre lo stesso capoverso dell’art. 1460 esclude la possibilità di rifiutare l’esecuzione se, ‘avuto riguardo alle circostanze, il rifiuto è contrario alla buona fede’, e certamente con questa formula s’intende anche far riferimento

353 354

Cfr. Código civil italiano, artigo 1460. SCHULZE, Reiner e ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., p. 404.

211

all’ademplimento non esatto, che ammette la ‘exceptio’ in linea di massima, ma non consente sempre che possa trattenersi la totalità della controprestazione355”. A exceção do contrato não cumprido é um remédio autônomo, apresentando os seguintes requisitos caracterizadores: I.

prestação executada com vícios ou ausência de qualidade da coisa, cujo vício legitima a suspensão da execução da contraprestação356;

II.

não pode ser argüida quando uma das prestações estiver beneficiada com a concessão de um termo, pois enquanto este não expirar este prazo, o devedor não é obrigado a realizar a sua prestação, nem o credor pode opô-la como razão para não adimplir;

III.

não pode mais ser invocada se o devedor já houver cumprido a sua prestação ou se já a ofereceu de modo a corresponder quantitativa ou qualitativamente ao que efetivamente se obrigou ou o credor já demonstrou sua aceitação quanto ao prestado pelo devedor; e

IV.

não se aplica a todas as obrigações resultantes de um contrato bilateral, mas tão-só àquelas inseridas em um contrato sinalagmático, onde a reciprocidade das prestações é exigível.

No item I, o regime jurídico da configuração da exceção decorre da má execução da prestação, cujo vício de quantidade ou qualidade demonstra-se essencial à utilidade da prestação, na medida em que “... la questione deve essere esaminata in rapporto al modo in cui è stata accettata la prestazione; essa infatti può essere stata eseguita, senza che il ricevente si sai pronunciato, od abbia potutopronunziarsi; il ricevimento può essere stato fatto con riserva o sotto protesta; o può infine, verificarsi che la prestazione sia stata ricevuta e despressamente dichiarata soddisfacente. In quest’ultima evventualità si può eccepire l’inadempiuto contratto solo se la cosa accettata sia affetta da vizi o mancante delle qualità promesse ovvero di quelle essenziali per l’uso cui è destinata; occore per altro che chi accetta la prestazione non conoscesse, al momento del contratto, i vizi della cosa, ,che si tratti cio è di 355 356

PERSICO, Giovanni. Op. cit., p. 129. Idem, Ibidem, p. 131.

212

vizi occulti e non facimente riconscibili, oppure anche di vizi facilmente riconoscibili o addirittura apparenti purchè, secondo il modo d’esecuzione del contrato, l’accettante non sia potuto verirne a conoscenza o l’altro contraente abbia dichiarato che la cosa ne era esente (art. 1491 cc). Ugualmente nell’ipotesi di mancanza di qualità, occore che l’accettajnte non abbia potuto aver conoscenza all’atto della stipulazione del contratto, che la cosa non presentava le qualità dichiarate357”. A característica levantada no item II supra demonstra que se houver uma condição suspensiva aplicada à obrigação, conforme regra geral da Teoria dos Contratos, não será exigível a respectiva prestação enquanto o termo não se expirar. Por outro lado, no item III retro mencionado, sintetizamos o elemento que distingue a exceptio do adimplemento substancial, porquanto que se o devedor já houver cumprido a sua prestação ou se já a ofereceu de modo a corresponder quantitativa ou qualitativamente ao que efetivamente se obrigou não haverá configuração de causa impeditiva a favor do credor para prestar sua obrigação, sendo esta, na verdade, compulsória. Assim, se existir a execução da prestação muito próxima ao ideal esperado pelo credor, com aproveitamento deste da maior parte da obrigação recebida, caracterizará o regime jurídico previsto no adimplemento substancial. Nesta hipótese, os efeitos da exceção do contrato não cumprido em relação ao adimplemento substancial são muito distintos, na medida em que a exceção reveste-se de causa legítima para a parte adimplente não executar sua obrigação enquanto que o cumprimento substancial de parte da obrigação obriga à parte adimplente a realizar a prestação. Por conseguinte, não poderá se valer o credor do remédio de defesa da exceção, se houve o aproveitamento da prestação efetivada, conforme requisitos deste instituto. E, por fim, o item IV mencionado supra reafirma a condição de que a exceção do contrato não cumprido apenas tem abrangência e atuação nos contratos sinalagmáticos, nos quais a interdependência das obrigações e a equivalência entre elas estão dispostas no mesmo nível de

357

PERSICO, Giovanni. Op. cit., p. 129.

213

reciprocidade. Outrossim, a exceção do contrato é um remédio aplicável às relações contratuais de execução continuada. Se as duas prestações, porém, tiverem exigibilidade diversa no tempo, a exceptio fica excluída, como no caso do contrato de trabalho, em relação ao trabalhador, e no de locação de coisas, em relação ao locatário.

4.7. Enriquecimento sem causa e a Teoria do adimplemento substancial A priori, o preceito do enriquecimento sem causa é elemento para fundamentar o direito de resolução da parte adimplente diante do inadimplemento da outra parte, na medida em que seu objetivo é resguardar a reciprocidade das obrigações correspectivas dispostas em um contrato, como instrumento coibidor de um injusto equilíbrio entre a distribuição das utilidades de fato realizadas pelas partes através do contrato, pelo perigo de um enriquecimento injusto a favor da parte inadimplente em detrimento da outra358. Por outro lado, não é possível admitir a resolução contratual diante da configuração do adimplemento substancial, sob pena de configurar-se um enriquecimento sem causa a favor do credor. Essa assertiva resulta no ápice da discussão da Teoria do adimplemento substancial, por trazer à baila um fundamento da resolução do contrato, mas empregado a contrario sensu, pois da mesma forma de que sustentar a manutenção do contrato no inadimplemento de obrigação fundamental configura-se enriquecimento sem causa, por comprometer a economia do contrato a favor do inadimplente, aplicar a resolução do contrato diante do adimplemento substancial é favorecer a parte adimplente, concedendo-a maior benefícios econômicos e ocasionando o empobrecimento da parte inadimplente que por não ter executado parte mínima da obrigação, perderá toda a prestação cumprida que engloba a essencialidade do programa contratual e não poderá exigir, proporcionalmente, a contraprestação da parte adimplente.

358

DELL’AQUILLA, Enrico. La ratio della risoluzione del contratto per inadempimento. p. 858 e 859.

214

Assim, através da doutrina do adimplemento substancial o devedor não perde todas as prestações já quitadas, pois a resolução não tem fundamento e evita o enriquecimento sem causa por parte do credor. O risco da aplicação do direito de resolução que ensejaria este enriquecimento seria em virtude da substancialidade da prestação maior cumprida pelo inadimplente de modo a satisfazer a parte adimplente, ainda que não totalmente. O enriquecimento sem causa foi discorrido por Giovanni Ettore Nanni que escreveu um livro específico sobre o assunto, ressaltando, especialmente que “há que se considerar a hipótese de enriquecimento quando a causa, anteriormente existente, deixa de estar presente, como prevê o art. 885 do Código Civil de 2002359”. Não obstante, insta ressaltar ainda que a denominação “enriquecimento ilícito” não é adequada a ser empregada neste contexto, na medida em que “o enriquecimento ilícito é figura específica do direito administrativo. O enriquecimento ilícito está ligado aos atos de improbidade administrativa, sendo tipificado pela Lei nº 8.249, de 2 de junho de 1992. O artigo 9º da mencionada lei designa quais são os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito.360” Sobre esse tema, Anelise Becker pondera que “na verdade, por não permitir que um dos contratantes se beneficie de uma ligeira desconformidade entre a prestação e o contratado para pretender considerá-la um pagamento parcial, passível de recusa, autorizando-o, portanto, a não executar suas próprias obrigações, a doutrina do adimplemento substancial é uma forma de prevenção ao enriquecimento ilícito. Talvez por isso Cheshire e Fifoots considerem-na mais uma qualificação do que uma exceção à regra que exige o cumprimento estrito361”. Apenas com a ressalva de que o enriquecimento não é ilícito, mas sim sem causa, consoante argumentos supra deduzidos, Anelise Becker pontuou o reflexo da Teoria do adimplemento substancial dentro do enriquecimento sem causa, porquanto que se o credor pudesse, arbitrariamente, recusar-se a cumprir sua contraprestação diante do adimplemento substancial, 359

NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. p. 179. Idem, Ibidem, p. 100-101. 361 BECKER, Anelise. Op. cit. p. 63. 360

215

ele estaria sendo recebendo benefício a maior, pois além de obter a utilidade advinda da prestação executada tão próxima do resultado pretendido, ainda lucraria, sem causa, por se abster de cumprir com sua obrigação. A construção dessa orientação é decorrente do princípio da boa-fé objetiva na medida em que “é objetivando o asseguramento do direito dos suplicantes-reconvintes que deve ser garantida a permanência do vínculo contratual, sob revisão, a ensejar as modificações que interessam ao Estado Social. Não é razoável que, sob o prisma de falta de pagamento de única parcela, sejam os inadimplentes desposados do bem e, ainda por cima, terem o perdimento de todas as prestações pagas em favor da instituição financeira. Seria coonestar um absurdo enriquecimento sem causa, em detrimento do empobrecimento da parte mais vulnerável da relação jurídica de direito material. É completamente desproporcional o objetivo perseguido na petição inicial (…)362”. Por conseguinte, o enriquecimento sem causa tem manifestação também na Teoria do adimplemento substancial, quando por um mínimo desvio da prestação prometida pelo devedor, é aplicada a resolução contratual, o que ensejará um maior benefício à parte adimplente que terá usufruído da parte maior da obrigação executada e, ainda, ficará isenta de realizar sua contraprestação, ocasionando, assim, um empobrecimento no patrimônio do devedor.

5. O adimplemento substancial diante da resolução do contrato O direito de resolução tem sua origem remota no Direito Romano, quando se admitia que a parte adimplente na caracterização da inexecução da obrigação pelo outro contratante, pudesse interpor uma ação para exigir o cumprimento da obrigação convencionada. Nessa época, a medida judicial não tinha o condão de finalizar o contrato.

362

ALVES, Jonas Figueiredo. Op. cit. p. 411.

216

No entanto, em razão do aumento das relações sociais, iniciou um movimento de incluir nos contratos de compra e venda, uma cláusula expressa, denominada lex commissoria, que permitia ao vendedor adimplente, considerar extinto o contrato, se o comprador não cumprisse com sua obrigação. Esta cláusula foi instituída para coibir o desequilíbrio contratual causado pelo inadimplemento do comprador, o qual não satisfazia os interesses do vendedor e, ainda, não o liberava do vínculo contratual. Existem autores que buscam a origem do direito de resolução na conditio causa data causa non secuta, pela qual se podia pedir a restituição da coisa em face do contratante que não tivesse cumprido a sua parte, não sendo exigida a culpa do faltoso, bastando o inadimplemento para exercitar-se a concitio causa data. Mas na verdade, esta conditio foi estabelecida como sanção ao enriquecimento sem causa. A origem deste instituto parece estar mais seguramente nos princípios do Direito Canônico e Feudal. No período medieval, dada a descentralilzação do poder, tornava-se impossível, ao poder público, assegurar o cumprimento dos contratos. Foi através da influência da Igreja Católica, cuja força se fazia sentir em todos os âmbitos, que se passou a considerar o compromisso entre as partes como uma obrigação assumida também perante Deus. Em razão dessa consciência, o descumprimento dos contratos determinava uma atuação dos Tribunais Eclesiásticos, tendo enorme importância a influência da eqüidade em matéria contratual, tendo como fundamento a máxima fraganti fidem, fides non est servanda.

Dessa forma, todo caso de inadimplemento era levado ao Tribunal Eclesiástico, que, entendendo existir o inadimplemento, decidia com base na regra franganti fidem, fides non est servanda, ou seja, quem não cumpria sua parte não merecia tutela jurídica para seu direito à contraprestação. Por conseguinte, foi o Direito Canônico, portanto, que firmou a concepção tradicional da resolução nos contratos sinalagmáticos, considerando o contrato bilateral o exemplo típico de acordo que objetiva uma troca de bens, ao qual se deveria aplicar as regras da justiça comutativa, o que determinou a absoluta interdependência entre as prestações.

217

Não há dúvida também que os antecedentes do direito de resolução se encontram no Direito Canônico Medieval, porém com uma conotação moral, como por exemplo, vemos a utilização da doutrina da resolução, no século XIII, na atuação do Papa Inocêncio III que, dela valeu-se como sanção de uma ação criminal, praticada para vassalo do Conde de Toulouse, que assassinou emissário do Papa. Na concepção deste construto, o direito de resolução é definido como a faculdade outorgada à parte lesada quando não desejar mais o cumprimento definitivo da obrigação, podendo exigir do devedor, em qualquer das hipóteses, a indenização por perdas e danos (CC, art. 475). “O contratante cumpridor de suas obrigações tem, no dispositivo, duas alternativas para opor-se ao inadimplemento do outro: resolver o contrato ou exigir-lhe o cumprimento contratual, uma vez cabível a execução coativa mediante a tutela específica. Em qualquer dos casos, haverá a indenização por perdas e danos, o que difere da simples conversão da obrigação insatisfeita em indenização tratada pelo artigo 633, caput, do CPC e condicionada ao descumprimento do preceito (RT 716/165). Mesmo implementada a obrigação, cumulam-se perdas e danos, o que constitui inovação saudável363”. Os Princípios do Direito Europeu dos Contratos, no artigo 9:301 objetiva o conceito da resolução do contrato diante do inadimplemento grave: “1) In caso di inadempimento grave di una parte, l’altra può risolvere il contratto364”. A resolução tem efeito retroativo (obrigação de restituir as prestações já realizadas), exceto se for contrato de execução continuada ou trato sucessivo, nos quais o efeito da resolução não se aplica as prestações já efetuadas. O artigo 475 do Código Civil não faz ressalva expressa quanto à resolução aos contratos bilaterais, mas artigo 476 do referido diploma civil, que disciplina a exceção do contrato não cumprido, faz expressiva alusão aos contratos bilaterais. No direito brasileiro, a resolução é estranha à questão de exigir contrato bilateral oneroso ou gratuito. Ela se aplica apenas aos 363 364

ALVES, Jones Figueiredo. Novo Código Civil comentado, p. 425. SCHULZE, Reiner e ZIMMERMANN, Reinhard. Op. cit., p. 405.

218

contratos bilaterais, não englobando os contratos bilaterais imperfeitos ou unilaterais onerosos, conforme assevera Ruy Rosado de Aguiar Junior365, ao contrário do que ocorre na Argentina, em que se admite a resolução nos contratos unilaterais onerosos366. Como preleciona Ruy Rosado de Aguiar Júnior, a resolução é um direito formativo extintivo, pois enseja o término do contrato pelo seu meio irregular, ou seja, não atinge seu fim: o adimplemento; representando, assim, exceção ao princípio da estabilidade do vínculo em virtude de fato adventício ao seu aperfeiçoamento367. Isso significa que o direito à resolução consiste no desfazimento da relação contratual, por decorrência de evento superveniente, ou seja, do inadimplemento imputável, e busca a volta ‘ao status quo’. Face às considerações expendidas em torno do direito de resolução, previsto no artigo 475 do Código Civil, entendemos que ele pode ser exercido: a) Face a um inadimplemento absoluto; b) Face à ocorrência de mora, quando houver, com ela, a perda do interesse, para o credor, na prestação; c) por impossibilidade da prestação; e d) quando a prestação devida por uma parte torna-se excessivamente onerosa, configurando a Teoria da imprevisão. Mister colacionar um pensamento sintético de Ruy Rosado de Aguiar Junior ao definir o regime jurídico da resolução do contrato por inadimplemento que se caracteriza: “pelo unitarismo com que trata as diversas espécies de obrigações e deveres; pela exigência de violação fundamental do contrato como pressuposto da resolução; pela fixação de prazo suplementar ao devedor, pelo procedimento extrajudicializado pela possibilidade de resolução com ou sem fato imputável ao devedor; pela garantia de cumulação da resolução com a indenização pelos danos, pela consideração de interesse positivo do credor, como se o 365

Op. cit., p. 88. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. A Convenção de Viena e a resolução do contrato por incumprimento. Revista da Faculdade de Direio da Universidade do Rio Grande do Sul, p.1. 367 COSTA, Mário Julio de Almeida. Op. cit., p. 210. 366

219

contrato tivesse sido efetivamente cumprido; pela adoção do princípio geral da boa-fé objetiva, que há de se entender servir não apenas para a interpretação do contrato mas também determinante do comportamento das partes. No Brasil, estas mesmas são as características, com exceção de que é exclusivamente judicial, não prevê prazos suplementares ao devedor, não tem regras delimitadoras de prazo para o exercício da ação368”. O exercício do direito formativo de resolução é extintivo, mas também gerador, pois faz surgir no lugar da relação sinalagmática uma nova relação, normalmente com prestações bilaterais, imposta pelo credor ao devedor inadimplente369.” Em suma, “o incumprimento, requisito da resolução, é apenas o ‘incumprimento definitivo’, originário de impossibilidade superveniente, total, absoluta ou relativa, imputável ao devedor, ou resultante da perda do interesse do credor em receber uma prestação ainda possível, mas que não foi efetuada ou foi malfeita por impossibilidade parcial ou temporária, por cumprimento imperfeito ou pela mora370”. No Brasil não se admite a modalidade extrajudicial de resolução pela simples manifestação de vontade do credor. No caso de ser possível a prestação, mas já sem interesse do credor, por inutilidade decorrente da demora ou do cumprimento imperfeito, sem culpa do devedor, a obrigação pode ser resolvida. Faltará causa eficiente para a resolução do contrato, sempre que o adimplemento irradiar, em seus efeitos próprios, circunstância de não configuração da resolubilidade diante das prestações satisfeitas, ao evidenciar a inexistência de graves conseqüências do inadimplemento verificado. A resolução no ordenamento jurídico brasileiro pode ensejar as seguintes conseqüências, que são vedadas no regime jurídico do adimplemento substancial:

368

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 25. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. p. 48. 370 Idem, ibidem, p. 96. 369

220

(i) proposta a ação de cumprimento, e verificada a impossibilidade do adimplemento, o autor pode pedir a resolução, ainda no curso da ação, conforme artigo 462 do CPC; (ii) o exercício do direito de resolução convencional, pela via extrajudicial, extingue o negócio, não cabendo mais a execução; e (iii) proposta a ação de resolução, é lícito ao credor pleitear a execução do contrato (desde que não tenha havido sentença resolutiva com trânsito em julgado), devendo para isso desistir da ação de resolução e propor a de adimplemento (CPC, art. 294). Quanto às situações de adimplemento ruim ou defeituoso e de adimplemento próximo ao almejado ou adimplemento substancial, o exercício do direito de resolução dependerá do exame dos prejuízos acarretados pelo comportamento faltoso do devedor. A conseqüência do adimplemento substancial é a manutenção do contrato, considerando a parte substancialmente já cumprida, e a indenização pela parte mínima não cumprida ou executada de modo mínimo insatisfatório, cuja extensão dos danos, para efeitos de ressarcimento, será medida proporcionalmente aos prejuízos advindos da parte prestação defeituosa (CC, art. 940). Observa-se, portanto, que o princípio de que o pagamento deve ser completo sofre exceção, e em razão da teoria do adimplemento substancial, o direito de resolução toma feição abusiva, pois seu exercício viria a ferir o princípio da boa-fé, quando ele atua como regra limitadora do direito estrito, como veremos a seguir.

5.1. Aplicabilidade da cláusula resolutória diante do adimplemento substancial A resolução “pode constar de cláusula contratual expressa (resolução convencional, art. 474 do Código Civil); mas, exista ou não previsão contratual, a regar do art. 475 do Código Civil incide sobre todos os contratos bilaterais, autorizando o credor a pedir em juízo a resolução do contrato descumprido (resolução legal)371”.

371

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 12.

221

A resolução prevista no artigo 475 do Código Civil é uma faculdade do credor e, portanto, depende da sua vontade; não é uma condição que atua de pleno direito, pela simples ocorrência do pressuposto, pois nesta “o implemento da condição resolutiva tem eficácia ‘ipso jure’372”. Pela sua estrutura, “o exercício desse direito extintivo depende da vontade do interessado, porque a resolução legal ou convencional não se dá de pleno direito. É necessário que o titular do direito subjetivo declare sua vontade para a produção do efeito extintivo. Isso afasta a possibilidade de o juiz resolver de ofício a relação, quando nada é alegado ou pedido pela parte373.” E aqui reside o perigo da resolução quando se está na hipótese de cumprimento substancial da obrigação. Sob essa questão, gostaríamos de deixar uma sugestão de lege ferenda a ser aplicada no artigo 474 do Código Civil – A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial – norma legal explícita na qual deve ser incluída um parágrafo único a positivar o adimplemento substancial como fenômeno jurídico suficiente para a não resolução do contrato. Se operar de pleno direito, ao livre arbítrio do contratante lesado, essa resolução expressa pode ocasionar danos indenizáveis à parte culpada, se a causa da resolução for baseada apenas no adimplemento substancial, tendo este recaído em obrigação contratual que não desnatura a satisfação dos interesses do programa contratual que atenderam aos objetivos das partes (obrigação principal). Araken de Assis ao comentar a aplicabilidade imediata da cláusula resolutória expressa precisa a liberdade ilimitada conferida pela legislação em vigor, do contratante inocente operar o direito negocial à resolução374

375

consoante seu livre arbítrio, sem a necessidade de

372

PONTES DE MIRANDA. Op. cit., vol. V. p. 181. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit. p. 32. 374 ASSIS, Araken de. Op. cit. p. 49. 375 É um direito negocial, pois a resolução do contrato depende do ajuizamento de uma ação constitutiva negativa, a fim de obter a prestação jurisdicional específica para pôr fim ao contrato celebrado. 373

222

qualquer interpelação prévia ao contratante inadimplente. Referido jurista fundamenta seu posicionamento, tomando por exemplo, o contrato de compra e venda, comentando-o: “é comum, de resto, no tráfico jurídico, a adoção da cláusula resolutória. Estatui-se, ao lado do vencimento antecipado da dívida que é objeto de parcelamento, a faculdade de resolver o contrato ante o inadimplemento de uma ou de algumas prestações376”. E se o inadimplemento for referente à última prestação? Mesmo assim resolver-se-á o contrato? Entendemos que não. A resolução disposta no artigo 475 do Código Civil – “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos” – direciona esse exercício quando há efetiva lesão no descumprimento grave gerado. Pelo dispositivo legal acima, que prevê o regime jurídico para caracterização da resolução nos contratos bilaterais diante do inadimplemento oriundo do devedor, observamos que o diploma civil em vigor não impôs limites prévios à resolução, deixando ao livre arbítrio do contratante lesado com o inadimplemento. Tal liberdade pode ser prejudicial, se considerar que o inadimplemento parcial relativo – que representa o adimplemento substancial – embora configure a satisfação da obrigação principal pelo devedor, ensejando assim, em parte, a satisfação integral do interesse do credor, permite que seja aplicada a cláusula resolutória expressa mesmo quando estiver configurado cumprimento da obrigação principal do programa contratual; o qual, mesmo tendo sido inadimplido em relação à obrigação acessória, será resolvido pelo rigor do inadimplemento, no seu conceito estrito. Nessa hipótese, seria mais produtivo para os contratantes admitir o adimplemento substancial, e exigir o pagamento das perdas e danos oriundos do inadimplemento da obrigação acessória. Assim, a cláusula resolutória expressa não pode ser aplicada imediatamente na hipótese de adimplemento substancial.

376

ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 49.

223

Já a Lei nº 4.864/35, artigo 1º, inciso VI377, nos contratos de compra e venda de imóveis em construção, cujo pagamento ocorre por meio de parcelas consecutivas, apenas admite a resolução do contrato “após o atraso de, no mínimo, 3 (três) meses do vencimento de qualquer obrigação contratual ou de 3 (três) prestações mensais”. Por outro lado, a disposição contida nesse artigo, não prevalece perante o artigo 1º do Decreto-Lei nº 745/69378, segundo a qual o inadimplemento de apenas uma parcela enseja a resolução do contrato, ou se existir um termo, opera-se a cláusula resolutória expressa, i.e., sem a necessidade de interpelar o devedor, outorgando-lhe prazo para purgação da mora. Esse posicionamento do diploma civil pátrio e da legislação especial em referência é contrário à legislação alienígena, como por exemplo o Código Civil Italiano, que no seu artigo 1476, estabelece o dever dos contratantes, ao celebrarem o contrato, estipularem no respectivo programa contratual qual parcela, que descumprida, ensejará a resolução. Assim, é forçoso concluir que dependendo da espécie e da natureza do inadimplemento, não é lícito permitir no contrato bilateral a cláusula resolutiva expressa ocasionadora da resolução imediata, sob pena de comprometer-se o programa contratual e o equilíbrio das prestações interdependentes dispostas neste. Em suma, “o escopo de isolar o fundamento resolutivo pressupõe a correta delimitação do instituto. Um argumento basta para realçar semelhante necessidade. Os figurantes do negócio, ao pactuarem o remédio, podem distorcê-lo, desfigurando-o a ponto de alterarem seu 377

Lei nº 4.864/35: “Artigo 1º. Art. 1º Sem prejuízo das disposições da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 os contratos que tiverem por objeto a venda ou a construção de habitações com pagamento a prazo poderão prever a correção monetária da dívida, com o conseqüente reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, observadas as seguintes normas: (...) VI - A rescisão do contrato por inadimplemento do adquirente sòmente poderá ocorrer após o atraso de, no mínimo, 3 (três) meses do vencimento de qualquer obrigação contratual ou de 3 (três) prestações mensais, assegurado ao devedor o direito de purgar a mora dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data do vencimento da obrigação não cumprida ou da primeira prestação não paga.” 378 “Art. 1º Nos contratos a que se refere o artigo 22 do Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que dêles conste cláusula resolutiva expressa, a constituição em mora do promissário comprador depende de prévia interpelação, judicial ou por intermédio do cartório de Registro de Títulos e Documentos, com quinze (15) dias de antecedência.”

224

fundamento: a convenção que autorizasse o desfazimento do contrato ante o descumprimento de obrigação alheia à correspectividade principal, desprovida de qualquer relevo em seu âmbito, desprovida de qualquer relevo em seu âmbito, deitaria por terra a identidade de ‘ratio’, que se procuraria debalde. A vontade das partes pode endereçar-se a isto, ao sabor dos seus interesses, embora, comumente, as cláusulas coloquem ênfase na tipicidade do evento resolutivo e na disciplina da eficácia379”.

5.2. Cláusula resolutiva expressa e tácita: efeitos diante do adimplemento substancial Não se admite, contemporaneamente, a concepção que a resolução é sempre uma condição tácita do contrato – como fazia antigamente os primeiros intérpretes do Código de Napoleão, fundamentados no prestígio do princípio da autonomia da vontade – pois esse instituto decorre da lei, e não da vontade das partes (CC, art. 475). É preciso distinguir, porém, entre a resolução legal, que depende de uma sentença judicial favorável à pretensão resolutória, e a resolução convencional, que se processa extrajudicialmente e tem, esta sim, com efeito imediato. Na Itália380 e na Alemanha, a cláusula resolutória expressa opera de pleno direito ensejando o término do contrato por ato unilateral e extrajudicial do contratante adimplemente através de intimação, por escrito, endereçada ao inadimplemente. A resolução mediante procedimento judicial é sistema oriundo da França (art. 1184 do Código de Napoleão), aplicável à resolução legal dos artigos 475 e 478 do Código Civil. Para sua configuração são necessários os seguintes elementos: negócio jurídico bilateral e válido, inadimplemento absoluto do devedor ou modificação das circunstâncias, e a adimplência do outro contratante (credor).

379

ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 55. Código Civil italiano, artigo 1454: “A la parte incumplidora la outra podrá intimarle por escrito que cumpla dentro de un término conveniente, bajo apercibimiento de que, transcurrido inútilmente dicho término, el contrato se entenderá, sin más, resuelto. El término no podrá ser inferior a quince días salvo pacto en contrari de las partes o que, por la naturaleza del contrato o de acuerdo com los usos, resulte conveniente un término menor. Transcurrido el término sin que se haya cumplido el contrato, éste quedará resuelto de derecho”. 380

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Nessa modalidade, o ordenamento jurídico vigente confere ao credor o direito de ingressar com uma demanda resolutória, cumulada com indenização para ressarcimento dos prejuízos advindos do inadimplemento. No Brasil, existe a resolução legal do artigo 475, também denominada de tácita, que é sempre proposta e exercida perante o Poder Judiciário, que se aplica a todos os contratos bilaterais, e a resolução convencional, que depende de estipulação expressa no contrato, prevista no artigo 474, que pode ser extrajudicial. Exceto no pacto comissório (CC, antigo artigo 1163) que admite a resolução legal automática. Essa nomenclatura não é de ser aplaudida, porque a resolução legal (art. 475) não decorre de tácito acordo de vontade das partes, mas deriva da própria lei, tenha havido ou não esse acordo tácito, e poderá ser decretada ainda que haja acordo expresso em sentido contrário, negando a possibilidade de resolução. Já o direito legal de resolução do artigo 475 do Código Civil impõe a iniciativa do lesado à obtenção de sentença desconstitutiva. Em abono desse mecanismo, ponderamos, em primeiro lugar, a existência de condição tácita, portanto indesejada e imprevista na manifestação originária de vontade das partes, e, assim, a hipotética superveniência do evento resolutivo implicaria o crivo judicial para contrabalançar abusos. Por conseguinte, o exame de semelhante pedido traz consigo uma “causa petendi” e desce às causas e aos efeitos do inadimplemento, além – e aqui entra o ponto tratado – da qualidade do adimplemento. Por outro lado, em semelhança nada desprezível, a demanda é desnecessária na presença de condição resolutória expressa (art. 474 do CC). Em tal hipótese, ensina Clóvis, a cláusula incide automaticamente em benefício do parceiro fiel. Essa a razão de a 1ª Turma do STF julgar procedente demanda possessória, cumulada à ação resolutória, porque o contrato estava desfeito pleno iure, e o entendimento oposto vulneraria, “às claras o art. 119, parágrafo único.

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Com efeito, “... pode rejeitar a aplicação da cláusula resolutiva quando houver o adimplemento substancial, ou quando o inadimplemento é de prestação acessória (...) autoriza o juiz a reduzir a pena pelo descumpriemnto quando manifestamente excessiva381”. O perigo da vontade da parte exercida diante da cláusula resolutória expressa advém da: “opinión que se inclina por el reconocimiento de la eficacia de la cláusula resolutoria expressa de operar de pleno derecho y sin intervención judicial la resolución, tiene en su abono el elemento que es básico en la vida del contrato: la voluntad de las partes. Si esa voluntad contractual preside la formación del contrato, rige y se extiende igualmente a la extinción del mismo, de lo que es buena prueba el que las partes puedan por mutuo disenso, ponerle fin. Debe admitirse por lo tanto que está en el poder de dichas partes, en uso de la libertad contractual y en ejercicio de la autonomía de la voluntad, disponer la forma de terminar o extinguir el vínculo contractual, mediante el remedio de un pacto expreso, de una cláusula categórica de resolución que denote la existencia, de modo claro, terminante y preciso de esa voluntad, y cuyo contenido y finalidad, por lo demás, no pugna com la ley, la moral ni el orden público para que pudiera decirsse de un pacto prohibido, por ilícito382”. Como já comentado, na Convenção de Viena, a resolução prescinde de manifestação expressa da vontade das partes, no momento da celebração da avença ou de cláusula adjeta. Da mesma forma no Brasil, se aplica independentemente de previsão. Há uma diferença, porém. Enquanto a Convenção (artigo 6º) constitui conjunto de regas de caráter dispositivo, derrogável livremente pelas partes, no ordenamento jurídico brasileiro entende-se, com predominância, ser vedado aos contratantes a pré-exclusão do direito de resolver, assim como a predefinição da gravidade do incumprimento de alguma das partes, quando causar ofensa ao princípio da equivalência.

381 382

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit. p. 59. ROMERO, Pablo Casafont. Op. cit., p. 47.

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6. Conseqüências do adimplemento substancial 6.1. O equilíbrio contratual da relação obrigacional diante do adimplemento substancial O descumprimento ínfimo da prestação prometida não ocasiona o desequilíbrio no sinalagma das obrigações correspectivas, na medida em que não desnatura a essencialidade do programa contratual, por conservar o interesse do credor e a utilidade da parte quase que total da prestação executada. O desequilíbrio contratual decorre do “descumprimento da obrigação principal do contrato implica a faculdade de o contratante fiel resolvê-lo. O fundamento da resolução, em suas várias vertentes, não desautoriza tal juízo; costumeiramente, aliás, se justifica o rompimento do contrato, afetado pelo inadimplemento, invocando a ‘ratio’ do instituto, como faz Luigi Mosco, ao recordar a ‘interdipendenza funcionale383’ das obrigações principais. A eqüidade leva a um idêntico raciocínio. Se o parceiro não presta, quebra o equilíbrio contratual e carreia o risco de injustiça flagrante, sujeitando-o à eficácia repristinatória do mecanismo384”. No dever de preservar o equilíbrio contratual, diante da tutela do interesse do credor, “... concluiremos que a proteção daquele interesse ou a conservação desse equilíbrio não são mais do que a expressão da justiça comutativa que, em última instância, fundamenta o princípio de poder o credor não-inadimplente (e, excepcionalmente, o devedor) requerer judicialmente o desfazimento da relação, cujo justo equilíbrio veio a ser rompido pelo incumprimento do devedor da prestação...”. Mas será que esse é o efetivo equilíbrio exigido em todos os inadimplementos, independente da proporção da inexecução? Especialmente diante da revolução ocorrida no direito obrigacional? Será que qualquer retorno equilíbrio baseado na resolução não estaria comprometendo as diretrizes insculpidas no Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts 2004, anteriormente analisadas? Ou até mesmo o adimplemento substancial no regramento disposto no ordenamento jurídico vigente?

383 384

La risoluzione del contratto per inadempimento. p. 72. ASSIS, Araken de. Op. cit., p. 110.

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Assim, insta destacarmos que o equilíbrio contratual perquirido dentro do regime jurídico do adimplemento substancial prende-se na manutenção da justiça comutativa do contrato comitantemente ao interesse do credor em ter recebido aquela prestação. A preservação do contrato diante do descumprimento de parte ínfima da obrigação representa o equilíbrio necessário no auto-regulamento, mas justificado pela execução de quase a integralidade da obrigação. Assim, o equilíbrio do sinalgma diante da configuração do adimplemento substancial encontra guarida na estrutura do negócio jurídico, a partir do fato de que a vedação da aplicação do direito resolutório, evitando o retorno das partes a situação anterior o que implicaria em despesas de o desfazimento do vínculo contratual e eventuais danos às partes, legitima a permanência do contrato como forma de garantir a realização do programa contratual de maneira satisfatória a ambas as partes, a fim de atender os interesses destas.

6.2. Programa contratual: garantias contratuais diante do adimplemento substancial As garantias contratuais existentes no regime jurídico do adimplemento substancial referemse as tutelas colocadas à disposição da parte adimplente para ser ressarcida dos prejuízos eventualmente caracterizados em razão da ausência da prestação de parte insignificante da obrigação descumprida. A concreção dos prejuízos é eventual, na medida em que é possível a hipótese que a inexecução de parte mínima da prestação não reverta em danos para a parte adimplente que aceitará a maior proporção da obrigação cumprida, sendo esta a essencialidade do programa contratual, usufruindo da sua utilidade, e ainda terá que cumprir com a contraprestação integralmente por ausência de prejuízo. É fato, também, que essa é uma exceção da exceção, mas pode ocorrer raramente, quando, por exemplo, a parte mínima inexecutada referir-se ao modo pelo qual a prestação deveria ter sido cumprida e apenas não o foi substancialmente. Essas garantias são aplicadas conforme o princípio da boa-fé objetiva (CC, art. 422), que define o standard da conduta devida ao largo da relação obrigacional; bem como de acordo

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com o exponencial do contrato submisso à finalidade econômico-social do negócio jurídico, (CC, art. 187); e pelo critério da utilidade da prestação, que marca a mutabilidade (ou não) do adimplemento substancial para o inadimplemento, relativo (mora) ou absoluto (CC, art. 395, parágrafo único). O descumprimento deve ser aquele que cause desinteresse do credor em ver cumprido, efetivamente, a obrigação do devedor. O interesse do credor é critério para a avaliação concreta do dano causado e da respectiva indenização apurada em favor do mesmo. A boa-fé objetiva é, com efeito, elemento decisivo na verificação e avaliação de perdas e danos decorrentes ao longo da vida do contrato, Assim, a conseqüência advinda do adimplemento substancial será de duas ordens: (i) o credor pode requerer o pedido de adimplemento da parte faltante, se for possível; (ii) ou indenização que deve ser na proporção disposta no artigo 944 do Código Civil. Os eventuais prejuízos serão cobertos através do ressarcimento compatível. Ressaltamos que, conforme no direito português, “a execução pelo equivalente (art. 234, 2ª parte; art. 236; art. 255 do Código Civil) não se confunde com a execução em espécie, nem com a indenização por perdas e danos. A execução em espécie permite ao credor exigir e receber a própria coisa (ou obra) contratada (o devedor deve A e paga A); a execução pelo equivalente significa a manutenção do contrato, com direito ainda à indenização (em vez de pagar A, conforme o convencionado, o devedor paga B, e indeniza). Em ambas as situações em que se permite ao credor executar o contrato bilateral, e isso é o normal, o devedor deve a prestação, e o credor, a contraprestação, seja em espécie (a própria prestação contratada), seja pelo seu equivalente. Já a resolução extingue o contrato, pelo que nenhuma das prestações é exigível: o contrato se desfaz, e o credor adimplemente, que não deu causa ao rompimento do contrato, tem o direito de ser indenizado. A indenização é a reparação do danos sofrido pelo credor, seja quando dá cumprimento ao contrato e executa o seu crédito, mas recebe apenas o

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equivalente da prestação convencionada, e não ela própria, seja quando resolve o contrato por incumprimento do devedor385.” A indenização a ser aplicada em razão dos eventuais perdas e danos advindos da configuração do adimplemento substancial deve ser contemplada por meio de uma mensuração razoável da regra disposta no artigo 413 do Código Civil, verbis: “A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. Embora a regra contida no artigo 944 do Código Civil seja aplicável na seara extracontratual, trazemos à baila para também nortear a razoabilidade mencionada, segundo a qual “a importância da gravidade da falta cometida pelo agente, para que ele não venha a suportar uma sanção maior do que a correspondente à culpa com que se houve para a causação do dano. (...) A gravidade da culpa será apreciada segundo o grau de causalidade do ato de cada um, pois a primeira nada mais é do que um elemento da causalidade. Portanto pela análise da gravidade da causalidade na realização do dano é que se concluirá sobreo grau de culpa de seu causador (...) As circunstâncias objetivas ligadas às pessoas da relação obrigacional e as circunstâncias do caso, alidas à gravidade da falta do demandado, é que justificarão ao juiz fixar uma indenização de montante inferior aos danos386”. Antigamente, segundo o magistério de João Baptista Machado, a gravidade da inexecução, por si só e diretamente, não influi sobre o direito a indenização, qualquer que seja a extensão ou importância da inexecução, desde que esta seja imputável ao devedor, impõe-se a reparação dos danos derivados do incumprimento387. Atualmente, mede-se a indenização pela extensão dos danos causados, como disposto no artigo 944 do Código Civil. Pela nova estrutura apresentada neste artigo, observamos que “a responsabilidade civil no atual Código preocupa-se com a dimensão do dano e suas causas 385

AGUIAR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 26-27. CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por eqüidade no Novo Código Civil, p. 98-101. 387 Idem, Ibidem, p. 352. 386

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correspondentes, para ser um meio justo de impor a indenização, coibindo qualquer enriquecimento sem causa da outra parte388.” Na doutrina, muito se controverte se a indenização visa ao ressarcimento dos danos positivos, vale dizer, colocando o parceiro fiel na situação em que se encontraria caso o contrato se tivesse exaurido pelo cumprimento, ou dos negativos, compensando os prejuízos sofridos em virtude da conclusão do negócio. Nos danos positivos, englobam-se os pedidos referentes aos danos emergentes e ao lucro cessante. Segundo Francesco Carnelutti, uma vez ela admissível tanto o contratante tenha postulado a prestação quanto o desfazimento do vínculo, todavia seu alcance difere, porque neste último caso, reporia “quella situazione patrimoniale in cui si sarebbe trovato se il contratto non fosse stato conchiuso389”. Já Pontes de Miranda assevera tratar-se de dano “que resultou de se ter tornado sem efeito o que se cria que teria efeito390”. E por demais evidente a total incompatibilidade lógica entre a primeira teoria e a eficácia do remédio resolutório. Realmente, como situar o credor em posição equivalente à que resultaria do cumprimento, se o contrato foi destruído retroativamente? Por isso, embora o tema seja marginal à resolução e ao presente trabalho, o artigo 475 do Código Civil contempla o chamado “interesse negativo”; por conseguinte, a indenização outorgada ao parceiro que cumpriu ou se ofereceu a isso recompõe o dano originado de se ter contratado inutilmente. Em suma, a indenização vista como a garantia contratual no adimplemento substancial “...visa colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato (‘interesse contratual negativo’) ou, antes, na que se encontraria se o contrato fosse cumprido (‘interesse contratual positivo’). Por outras palavras: acrescenta-se à resolução a indemnização do ‘dano

388

SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. A autotutela e o Código Civil de 2002. Questões processuais do novo código civil. MAZZEI, Rodrigo (coord.), p. 148. 389 CARNELUTTI, Francesco. Sul risarcimento del danno in caso di risoluzione del contratto bilaterale per inadempimento. Rivista di Diritto Commerciale., p. 329-330. 390 Tratado de direito privado. v. 25. p. 344.

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negativo’ ou de ‘confiança’ (dano ‘in contrahendo’), ou a do ‘dano positivo’ ou ‘de cumprimento’ (dano ‘in contractu’)391”. A indenização por perdas e danos também reflete o restabelecimento do equilíbrio contratual, coibindo-se o enriquecimento sem causa, na medida em que veda a parte inadimplente da parte mínima lucrar com o recebimento integral do preço do contrato, sem qualquer reajuste, e ao mesmo tempo, a parte adimplente não estará prejudicada em razão de não ter recebido integralmente a prestação. Esse ressarcimento pode-se dar através de compensação, se a contraprestação divisível ainda não foi realizada ou, se já o foi, mediante o pagamento de quantia suficiente para o ressarcimento devido. Em ambos os casos, não estará adstrito à diferença entre o preço estipulado no contrato e o valor real da prestação incompleta, podendo abranger todas as perdas e danos suplementares em vista das despesas realizadas na sua reparação.

391

COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 935-936.

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Capítulo VI A aplicabilidade do adimplemento substancial Diante de todo o exposto nos capítulos anteriores, passaremos agora a demonstrar a aplicabilidade dos conceitos, disposições normativas e especialmente as particularidades práticas da Teoria do adimplemento substancial em algumas espécies contratuais. Vale diferenciar a aplicabilidade desta Teoria nos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo em relação aos contratos celebrados por meio do pagamento do objeto do contrato em parcelas consecutivas, que via de regra será o preço. Nos primeiros, encontramos várias dívidas individualizadas representadas por pagamentos, com periodicidade determinada (mensal, anual, etc.). O contrato de execução continuada “caracteriza-se pela pluralidade das prestações integrantes de sua função, apresentando cada uma delas um interesse distinto e autônomo do credor392”. Nessas espécies contratuais, “há que considerar as prestações seriadas e autônomas, que, uma vez cumpridas, não mais podem ser afetadas pelo inadimplemento das demais prestações, cujos vencimentos se lhes seguirem393”. Por outro lado, nos contratos celebrados por meio de pagamento parcelado ou da divisibilidade das prestações do mesmo objeto do contrato, denota-se que existem várias parcelas de uma única dívida ou de um único objeto, sendo que uma vez executada uma parcela, as demais continuam exigíveis em relação a esta, bem como a ausência do pagamento de uma desencadeia o vencimento antecipado das demais, pelo menos via de regra. Isso significa que uma parcela está interligada a outra, sendo que ambas fazem parte de um mesmo conjunto, não podendo ser separadas na análise do adimplemento ou inadimplemento, conforme o caso. Com base neste cenário, vislumbramos que a Teoria do adimplemento substancial apenas é aplicável em contratos executados por meio de parcelas consecutivas representativas de uma única dívida, posto que nos contratos de execução continuada, a periodicidade do início e 392 393

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 229. Idem, Ibidem, p. 280.

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término de cada uma das dívidas existentes renova-se e expira-se dentro da regularidade de pagamentos estipulada. Por exemplo, no contrato de locação, a obrigação de pagar o aluguel existe e renova-se a cada mês. Se o locatário vier cumprindo regularmente com sua obrigação de pagar aluguel nos últimos 6 (seis) meses, e no mês seguinte não adimplir sua obrigação, existirá a ausência de cumprimento de uma obrigação que por si só configura o inadimplemento, na medida em que esta espécie de obrigação é continuada ao longo do tempo, e por se estar diante de uma obrigação futura – qualidade da execução continuada – cada obrigação mensal constitui-se em uma dívida integral e individual em relação aos meses subseqüentes; sendo seu inadimplemento fator caracterizador para configurar a quebra da confiança da parte adimplemente que poderá exigir a resolução do contrato. Outrossim, se admitisse a aplicação desta teoria nos contratos de execução continuada, poderia gerar um desequilíbrio contratual, na medida em que se em cada parcela o devedor pudesse deixar de cumprir com uma parte mínima, ao final de uma certa quantidade de parcelas, cada parte mínima inexecutada representaria uma parcela integral constituindo assim um grave inadimplemento, porquanto que a parcela formada pelos descumprimentos estaria totalmente inadimplida, deixando o devedor de solver a sua obrigação. Ressaltando que esse descumprimento, aparentemente, mínimo de cada parcela, pode ser reiterado, agravando o desequilíbrio gerado, pois se ao invés do devedor quitar cada parcela que representa uma dívida individualizada, e quitá-la sempre com um valor inferior, o preço do contrato ajustado entre as partes será modificado, definitivamente, desnaturando, assim, o sinalagma. O sistema da common law também apresenta esse mesmo entendimento ao asseverar, na redação do artigo 2.612 (3) do Uniform Commercial Code que “whenever non-conformity or default with respect to one or more installments substantially impars the value of the whole contract there is a breach of the whole”394. Ruy Rosado de Aguiar Junior também coaduna da mesma idéia ao asseverar que “se a inexecução é apenas de determinada prestação, a resolução pode ser declarada apenas relativamente a esta prestação, permanecendo íntegras as prestações anteriores. Para esta, e só

394

WHITE, James J. and SUMMERS, Robert S. Op. cit., p. 258-259.

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para ela, caberá a restituição do que já foi cumprido. Se o incumprimento de uma prestação original gera séria dúvida sobre o cumprimento das futuras prestações, o credor pode resolver o contrato para o futuro (art. 73, 2), restituídas as prestações já efetuadas. O caso é, mais propriamente, de resilição do contrato duradouro, de execução periódica, forma de extinção por incumprimento que produz efeito “ex nunc”. O efeito retroativo somente ocorrerá se houver interdependência entre as prestações (art. 73, 3). No Brasil, a legislação específica sobre contratos de execução continuada, como por exemplo, locação urbana e arrendamento rural também preseva as prestações já executadas395. Pedro Romano Martinez também apresenta o mesmo entendimento em relação a questão, ao comentar os mesmos artigos 73.2. e 73.3. da Convenção de Viena396. Neste aspecto, o contrato tem que ser considerado como um todo, visto que a parcela não cumprida pode ser insignificante e desse modo a resolução não se justifica. Porém, o adimplemento substancial não é cabível em alguns casos que mesmo insignificante o descumprimento há perda total se interesse do credor, sendo possível a resolução do contrato. O que será sempre decisivo é o atendimento do interesse do credor. Vale ainda frisarmos que não podemos confundir contratos de execução continuada ou trato sucessivo com contratos de longa duração. Nesta última espécie, estamos diante de uma única dívida representada por meio de diversas parcelas, sendo que “o comprador que pagou todas as prestações de contrato de longa duração, menos a última, cumpriu substancialmente o contrato, não podendo ser demandado por resolução397.”

1.1. Contratos típicos Os contratos típicos ou nominados são aqueles que possuem seu regime jurídico dispostos no tipo normativo, com seus elementos e estrutura previamente previstos pelo legislador. A

395

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 06. MARTINEZ, Pedro Romano. Op. cit., p. 418-419. 397 TJRS, Apelação cível nº 588012666, j. 12.04.88, 5ª Câm. Cível, Des. Relator Ruy Rosado de Aguiar Jr. 396

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tipicidade dos contratos vem regida no Código Civil ou em leis especiais que regulam sua normatização e seu modelo contratual. Assim, os contratantes a celebrarem um negócio jurídico típico, devem observar o regime jurídico disposto na legislação vigente à época da contratação.

1.1.1. Contrato de compra e venda A reflexão que ora propomos é importante, se considerarmos o contrato de compra e venda celebrado por meio de parcelas previstas para o pagamento, posto que o contrato de compra e venda pago à vista, não suscita à análise da Teoria do adimplemento substancial, na medida em que a satisfação integral da obrigação de pagar o preço do bem móvel ou imóvel é satisfeita no momento da celebração do contrato pelo devedor ou totalmente inadimplida, se realizada por meio de cheques sem fundos, por exemplo. Além disso, o contrato de compra e venda realizado por meio do pagamento do preço em parcelas submete-se integralmente a Teoria do adimplemento substancial, pois trata de espécie contratual que se constitui por meio de uma única dívida representada através de prestações com vencimentos periódicos (mensal, trimestral, semestral, anual, etc...). O contrato de compra e venda vem regulado pelos artigos 481 a 532 do Código Civil, tendo como objetvo a transferência de propriedade de determinado bem móvel ou imóvel mediante o pagamento do preço convencionado pelas partes. Essa espécie contratual gera “efeitos exclusivamente obrigacionais, tornando-se perfeita e acabada mediante o simples acordo de vontades sobre a coisa e o preço398”. Se existe a convenção do parcelamento do preço do contrato, e ocorre a hipótese do comprador não quitar algumas parcelas que representem o descumprimento mínimo em relação ao todo do programa contratual, o contrato de compra e venda não pode ser resolvido,

398

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, p. 27.

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sendo cabível, conforme o caso, apenas a cobrança pelo saldo devedor, ou na existência de prejuízos, essa cobrança cumulada com indenização por perdas e danos. O critério para configuração do descumprimento mínimo nessa espécie contratual, passível de caracterizar o adimplemento substancial, varia conforme o valor total do contrato e o número de parcelas inadimplidas cuja somatória delas apresentem quantia mínima em relação à soma total do preço já paga. Na jurisprudência pátria, encontramos alguns parâmetros deste elemento, podendo ser de 10% até 30%, consoante ementas a seguir transcritas: “... quando o imóvel foi entregue aos apelados, eles já haviam quitado mais de 90% do preço, o que caracteriza, perfeitamente, o adimplemento substancial, que impede a resolução do ajuste, cabendo ao vendedor, tão-somente, a opção pela cobrança do saldo devedor. (TJRS, Ap. nº 70004311924, 18ª Câm. Civ. j. 16.12.2004.)”; “Demonstrado que o promitente-comprador pagou quase 70% do preço do terreno, sobre o qual, aliás, edificou sua residência, caracterizado está o adimplemento substancial, a inviabilizar a resolução do ajuste, ressalvado ao promitente-vendedor o direito à cobrança do saldo devedor” (TJRS, Ap. nº 70002184729, 18ª Câm. Civ. j. 27.11.2003). Nos dois exemplos acima ora analisados, o adimplemento substancial é caracterizado, na medida em que não há gravidade no inadimplemento gerado; a proporção da obrigação executada representa a essência do programa contratual convencionado pelas partes; o credor obteve benefício com a maior parte do pagamento efetuada; e ainda pode postular o pagamento do saldo restante por meio da medida judicial cabível. Vale ressaltar que o parâmetro entre 10% a 30% é meramente elucidativo, não sendo uma regra imposta e fechada. Tudo irá depender do caso concreto e da avaliação entre o montante pago e o saldo inadimplido. Sem olvidar que há julgados que não reconhecem como adimplemento substancial a ausência do pagamento do preço em 28%, autorizando a resolução do contrato (TJRS, Ap. nº 7000971988, 19ª Câm. Civ., Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 17/12/ 2004). A resolução do contrato de compra e venda também é afastada quando existe a ausência do pagamento de número reduzido de parcelas e, ainda, o comprador consigna em juízo a parte

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faltante, conforme já asseverado no julgamento do Agravo de instrumento nº 70010678415 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul pela Décima Oitava Câmara Cível. Nas hipóteses elencadas acima, havendo a configuração de prejuízo suportado pelo credor pela ausência de pagamento mínimo do preço, nada lhe obsta a postular indenização proporcional aos danos sofridos mediante a comprovação dos mesmos. Por outro lado, na modalidade do contrato de venda ad mensuram, que consiste “na venda na qual as medidas do imóvel são precisas e determinantes para a realização do negócio jurídico399”, existe a possibilidade das medidas não serem atendidas pela coisa no percentual inferior a 1/20 das dimensões dispostas na escritura do imóvel em relação às efetivamente mensuradas no local, hipótese na qual o contrato não será resolvido, prevalecendo o corpo do imóvel como critério substancial cumprido pelo vendedor; e transformando-a em venda ad corpus. O parágrafo primeiro do artigo 500 do Código Civil abarca essa hipótese expressamente, in verbis: “Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. §1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio”. Na primeira parte do parágrafo primeiro do artigo supra transcrito, verificamos uma passagem na legislação brasileira voltada à caracterização da proporção do descumprimento que possa caracterizar o adimplemento substancial, porquanto que se presume que as dimensões contidas na escritura representam mera declaração objetiva, não influindo no interesse do 399

NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação extravagante anotados, p. 202.

239

comprador pelo imóvel, o qual mantém sua estrutura substancial. O adimplemento substancial apenas não será configurado nesta hipótese se a redução das dimensões representar a frustração do interesse do comprador em realizar determinado negócio jurídico. Ainda no que tange ao adimplemento substancial aplicado no contrato de compra e venda, observamos que diante do contrato preliminar de promessa de compra e venda, tem-se por caracterizado o adimplemento substancial a inviabilizar a resolução do contrato, “devendo a parte, através de vias próprias, buscar a satisfação do avençado e de eventuais prejuízos advindos do inadimplemento (TJRS, 17ª Câm. Cível, Ap. Cível 700112052981, rela. Desa. Elaine Harzheim Macedo, j. 12.07.2005), aceitando-se a substancialidade obrigacional, em havendo pagamento de mais de 50% do valor do contrato, a mostrar impossível a resolução do ajuste (TJRS, 18ª Câm. Cível, Ap. Cível 70010227387, rel. Des. Mário Rocha Lopes Filho, j. 24.02.2005). O contrato preliminar da compra e venda também se submete aos mesmos elementos do contrato principal, ficando submetido à averiguação do percentual adimplido em relação ao valor total do contrato, tendo por base a satisfação do interesse do credor e a execução da essencialidade da obrigação. O contrato de compra e venda ainda pode desencadear outra situação diante do contrato de financiamento, garantido por cláusula de reserva de domínio, que estabelece a reserva feita pelo alienante do domínio da coisa vendida até o momento no qual todo o preço é pago pelo comprador400. Nesse contrato de compra e venda com essa cláusula especial, a resolução do contrato em razão da inexecução de parcela ínfima do preço reveste-se da qualidade de medida apreensiva postulada como impositiva de lesão desproporcional em face da teoria do adimplemento substancial, a significar, afinal, no pleito ajuizado, evidente quebra da boa-fé que deve presidir toda e qualquer relação contratual. (TJRS, 14ª Câm. Cível, Ap. Cível 70009127531, rel. Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery, j. 28.10.2004). Por conseguinte, mesmo havendo controvérsia sobre o montante do saldo a ser atendido, quando pago substancialmente o preço do bem levado a financiamento imobiliário, com prestações já exigidas pelo financiador (TJRS, 2ª Câm. Cível, AI 70004734711, rela. Desa.

400

VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 95.

240

Marilene Bonzanini Bernardi, j. 09.09.2002), a resolução não é cabível, sendo cedido espaço para o adimplemento substancial, mormente nas hipóteses de imóvel financiado pelo SFH (TJRS, 18ª Câm. Cível, Ap. Cível 70011616208, rel. Des. Pedro Luiz Pozza, j. 02.06.2005). Ao constatarmos nos parágrafos anteriores alguns aspectos do contrato de compra e venda, tivemos a intenção de demonstrar a aplicabilidade da Teoria do adimplemento substancial nessa espécie contratual, a fim de pôr em prática os conceitos doutrinários discorridos no capítulo 5. É fato que não esgotamos a matéria, porquanto que não analisamos todas as espécies das cláusulas especiais de compra e venda. Mas também não era nosso intuito. Nosso foco nesse momento era extrair os elementos dessa teoria e subsumi-los a essa espécie contratual pura.

1.1.2. Contrato de alienação fiduciária em garantia O contrato de alienação fiduciária em garantia “é um direito real de garantia onde o devedorfiduciário proprietário de uma coisa móvel aliena-a fiduciariamente ao credor-fiduciário, tornando-se depositário e possuidor direto, para que esse credor-fiduciário com a posse indireta e o domínio resolúvel, possa receber o crédito devido e, no caso de inadimplemento da obrigação contratual, possa vender a coisa, ressarcindo-se dos prejuízos havidos; caso contrário, quando do integral pagamento da dívida, sente-se na obrigação de transferir a coisa ao devedor-fiduciário401”. Seu regime jurídico é formatado por meio no Decreto-lei nº 911/69, no qual o modelo contratual é delinheado. O contrato de alienação fiduciária é espécie do gênero negócio fiduciário que apresenta efeitos reais e obrigacionais perante um mesmo objeto (a coisa que será transferida), na medida em que “uma parte (o fiduciante) transfere à outra parte (o fiduciário) a propriedade de uma coisa, e o fiduciário assume contextualmente a obrigação, perante o fiduciante, de retransferir-lhe aquela mesma coisa depois de um certo tempo, ou de retransferi-la a terceiros,

401

ANDRADE, José Alfredo Ferreira de. Da alienação fiduciária em garantia, p. 26.

241

ou então de fazer um uso determinado dela402”. Em ambas espécies, o interesse envolvido está na garantia do negócio jurídico. Considerando que no contrato de alienação fiduciária, a coisa só retornará ao patrimônio do devedor, se houver o integral pagamento do preço ajustado, a proporção da liquidação da dívida é fundamental para atestarmos a aplicabilidade da Teoria do adimplemento substancial. Assim, com fundamento no regime jurídico dessa Teoria, diante de contratos de alienação fiduciária, admitiu ser “atentatório ao princípio da boa-fé a busca e apreensão do bem, cujo pagamento representa parte substancial do débito, considerando ser desproporcional em desfavor do consumidor” (TJRS, 14ª Câm. Cível, Ap. Cível 70011850427, rel. Des. Bráulio Marques, j. 07.07.2005); devendo o credor “buscar seu crédito em ação de cobrança própria” (TJRS, 14ª Câm. Cível, Ap. Cível 7-8815524, rel. Des. Rogério Gesta Leal, j. 23.12.2004). A posição do Superior Tribunal de Justiça pontifica na mesma linha, ao referir que “não viola a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora” (STJ, 4ª T., REsp 469577-SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25.03.2003), deixando assente que “o adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução”, certo ainda que não atende à exigência da boa-fé objetiva tal atitude do credor ao desconhecer o fato do cumprimento quase integral do contrato (STJ, 4ª T. REsp 272739-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 01.03.2001). Nessa estrutura, há a limitação do direito formativo extintivo do credor de resolução do contrato de financiamento, com alienação fiduciária, pela incidência do princípio da boa-fé em sua função de controle, a repelir, de tal sorte, o exercício abusivo do reportado direito subjetivo resolutório. Assim, na ação de busca e apreensão fundamentada no descumprimento mínimo de contrato de alienação fiduciária, a liminar ou mesmo o pedido da ação não deve ser concedido em razão do pequeno valor inexecutado da dívida em relação ao montante total do bem. Nessa

402

NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 217.

242

situação, a via a ser escolhida pelo credor deve ser a de cobrar a parcela ou parcelas inadimplidas. Nessa hipótese, o indeferimento da liminar ou a improcedência da ação de busca e apreensão não viola o artigo 3º do Decreto-lei nº 911/69, na medida em que este dispositivo legal autoriza a concessão da liminar se comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor. Consoante os ensinamentos discorridos nos capítulos 4.2. e 4.3., vislumbramos que a diferença existente entre o inadimplemento relativo e o absoluto em relação ao adimplemento substancial é crucial nesse momento em que a valoração da parte inadimplida será realizada com base sob os critérios de gravidade da inexecução e satisfação do interesse do credor a ensejar ou a coibir a concessão da liminar. Na inexecução ínfima de parte da prestação pelo devedor no contrato de alienação fiduciária em garantia gerada pelo adimplemento substancial, a comprovação da mora ou do inadimplemento – requisitos exigidos para a concessão da liminar – é afastada ao passo que inexiste a violação material e grave da obrigação caracterizadoras do inadimplemento absoluto, não atingindo a essencialidade da obrigação, justificando o indeferimento da liminar. Não obstante, a liminar de busca e apreensão também deve ser indeferida na hipótese em que o contrato possa ser mantido mesmo se a prestação da obrigação não cumprir rigorosamente o tempo (se não for obrigação a prazo), o modo (se não for essencial) e o lugar devido (se não for elemento intrínseco ao cumprimento da obrigação). Assim, não há concretização da mora, poisque a prestação foi executada quase que integralmente, mas que atingiu a essencialidade da obrigação, justificando a manutenção do contrato, com a posse direta do bem permanecendo com o devedor.

1.1.3. Contrato de arrendamento mercantil O contrato de arrendamento mercantil está regrado no ordenamento jurídico vigente na Lei nº 6.099/74, alterada pela Lei nº 7.132/83, que, assim, o define: “considera-se arrendamento mercantil, para efeito desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha

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por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”. Segundo Arnaldo Rizzardo, consiste em “um contrato pelo qual uma empresa adquire um bem, entregando-o para o uso e proveito de um terceiro, que paga prestações correspondentes ao preço do bem e mais encargos, com possibilidade de opção de compra ao final. Não adquirindo o bem, ou não exercida a compra e venda, transforma-se o contrato em locação; se optar pela compra quem tem a posse, a espécie para compra e venda financiada403”. Isso significa que no final do contrato, os valores pagos, a título de aluguel, passam a integrar o pagamento do preço do bem arrendado, possibilitando a aquisição deste pelo devedor, se for de seu interesse. Essa modalidade contratual surgiu nos Estados Unidos, por volta de 1950, com a denominação de “leasing”. Nós também incorporamos essa palavra em nosso sistema, na medida em que por vezes a referência a esta espécie contratual é realizada por meio deste vocábulo em língua estrangeira. A Teoria do adimplemento substancial é aplicável nessa espécie contratual, na medida em que o credor não é legitimado a reintegrar-se na posse do bem, quando a falta de pagamento das prestações devidas do preço represente parte mínima descumprida em relação ao valor integral do contrato. Admitir o retorno da posse direta do bem ao credor, nestas circunstâncias, representa ato atentatório ao princípio da boa-fé objetiva e ao preceito de lealdade que deve regular as relações contratuais. O magistrado pernambucano Virgínio Marques Carneiro Leão, em sentença proferida nos autos de ação de rescisão contratual, cumulada com reintegração de posse e perdas e danos, perante contrato de “leasing mercantil”, registrou que “a teoria do cumprimento substancial da obrigação derivada do contrato não dá azo ao pedido de rescisão”, assinalando com extrema autoridade que “a parte que se sente lesada – arredante – pode, perfeitamente, titular de um título executivo, valer-se da ação própria para satisfação de seu direito.” A sentença é clara ao

403

Op. cit., p. 848.

244

dispor que “é objetivando o asseguramento do direito dos suplicantes-reconvintes que deve ser garantida a permanência do vínculo contratual, sob revisão, a ensejar as modificações que interessam ao Estado Social. Não é razoável que, sob o prisma de falta de pagamento de única parcela, sejam os inadimplentes desposados do bem e, ainda por cima, terem o perdimento de todas as prestações pagas em favor da instituição financeira. Seria coonestar um absurdo enriquecimento sem causa, em detrimento do empobrecimento da parte mais vulnerável da relação jurídica de direito material. É completamente desproporcional o objetivo perseguido na petição inicial (…)404”. Outrossim, a desembargadora Isabel de Borba Lucas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ao julgar a Apelação cível nº 70009887696, cuja lide estava fundamentada pela interposição de ação revisional cumulada com reintegração de posse pela arrendadora quando restavam apenas 6 prestações a serem saldadas. Ao vedar o retorno da posse direta do bem à arrendadora, a desembargadora trouxe à baila o julgamento da Apelação cível nº 70009127531 proferida pela mesma 14ª Câmara Cível, cujo relator foi o desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery que se assemelha a hipótese ora sob análise, como fundamento do adimplemento substancial caracterizado no contrato de arrendamento mercantil, nos seguintes termos: “Não se olvide, ademais, que o antigo Código Civil (art. 924), bem como o atualmente em vigor (art. 413), já conferia ao juiz a faculdade de reduzir proporcionalmente a pena estipulada pela mora ou inadimplemento, no caso de cumprimento parcial da obrigação. Com efeito, esses dispositivos legais amparam o princípio da boa-fé e, mais especificamente, o do adimplemento substancial, porque atentatório à lealdade entre as partes o apenamento daquele que se encontra parcialmente inadimplente como se integralmente o estivesse. Nessa esteira, impossível é dissociar o dever de boa-fé do exercício dos direitos subjetivos das partes, que, na busca da realização dos seus direitos,não devem praticar atos lesivos umas às outras. Ou seja, fazer valer o seu direito, uma parte não poderá impor lesão desproporcional à outra. É nesse ponto que merece aplicação, no caso dos presentes autos, a teoria do adimplemento substancial. Se o devedor já cumpriu substancialmente a sua obrigação, não há suporte jurídico na imposição a ele de um prejuízo desproporcional. Assim, tendo o réu pago quase todas as prestações contratadas, apenas com

404

ALVES, Jonas Figueiredo. Op. cit. p. 411.

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o prejuízo dos encargos moratórios, a apreensão do bem se traduz em verdadeiro apenamento desproporcional, já que desapossa o financiado do automóvel e implica em verdadeiro perdimento das prestações já pagas e que praticamente contemplaram a totalidade da avença (...) Aqui, cumprido quase a totalidade do contrato, não vejo lesão considerável ao autor, a ponto de causar desinteresse à instituição financeira no adimplemento da obrigação nos seus moldes originais. Ou seja, não há razão plausível pela qual a obrigação principal (pagamento de prestações pecuniárias) deva ser substituída pela execução da garantia (apreensão do bem). O inadimplemento do contrato, por parte do financiado, não pode se tornar evento mais rentável à instituição financeira do que o próprio cumprimento do negócio avençado”. Pelo trecho do julgamento colacionado acima, fechamos o regramento da Teoria do adimplemento substancial face ao contrato de arrendamento mercantil ou leasing, cujos elementos necessários para sua configuração aparecem nos seguintges preceitos: não é razoável nem equânime sancionar o devedor inexecutor de parte mínima da prestação com a resolução do contrato, perdendo as parcelas já pagas, tampouco com a busca e apreensão do bem; é desproporcional desfazer o vínculo contratual do devedor que executou substancialmente sua obrigação, sob pena de gerar um enriquecimento sem causa a favor da empresa arrendadora que irá lucrar mais com o desfazimento do contrato ao reassumir a posse do bem alienado e, ainda, ter a prerrogativa de vendê-lo pelo valor integral de mercado.

1.1.4. Contrato de seguro No Código Civil anterior, a questão do inadimplemento refletida no contrato de seguro, sob a premissa de que era injusto que um segurado não seja indenizado se ele estiver em atraso no pagamento, era facilmente resolvida sob o texto do artigo 1450 que dispunha: “o segurado presume-se obrigado a pagar os juros legais do prêmio atrasado, independentemente de interpelação do segurador, se a apólice e os estatutos não estabelecerem maior taxa”. Pela análise de referida norma anteriormente positivada, uma vez que o atual diploma civil não a adotou, era defensável que mesmo o segurado estando inadimplente, o contrato era preservado e consoante apregoa Sérgio Wainstock, não é facultado a seguradora “furtar-se às

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obrigações decorrentes do contrato de seguro, firmado com o segurado, sob a alegação de mora deste, devendo, pois esta arcar com o pagamento dos ônus que é devido, uma vez que, ao receber parte do prêmio, assumiu os riscos da indenização, e o eventual atraso nas prestações implica em sua cobrança com juros, como ocorre no caso de qualquer outra obrigação405”. Por outro lado, as seguradoras encontram no sistema positivado um argumento que pode ser usado a favor da tese de suspensão da cobertura até o pagamento do prêmio no Decreto-lei 73/1966, no artigo 12, que ao regular a obrigação do pagamento do prêmio pelo segurado estabelece: “Art. 12. A obrigação do pagamento do prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro até o pagamento do prêmio e demais encargos. Parágrafo único. Qualquer indenização decorrente do contrato de seguros dependerá de prova de pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.” No dispositivo legal acima, não existe a precisão se o pagamento do prêmio deve ser integral ou se é admissível a inexecução de parte mínima das parcelas. Em uma primeira leitura, é possível afirmar que o segurado é obrigado a pagar o “prêmio devido”, no sentido de que esse deve ser integral. Mas como coadunar o adimplemento substancial nessa espécie contratual? É admissível no pagamento parcelado do prêmio a inexecução de parte ínfima da prestação? O contrato de seguro por ser aquele em que um dos contratantes assume a obrigação de suportar os riscos ocorridos com o outro contratante, ou com terceiros, por meio do pagamento do prêmio, é deveras fundamental verificarmos a extensão da obrigação de pagar do segurado diante da vinculação do segurador em assegurar o cumprimento do contrato. “... il contratto di assicurazione (artt. 1882, 1904 cod. civ.): in questo contratto l’una prestazione consiste nel pagamento dei cosí detti premi all’assicuratore; la prestazione corrispettiva, invece, non è né un contegno da valutare a stregua di diligenza nè un risultado utile; anzi,

405

Inadimplemento do seguro: impossibilidade de rescisão unilateral do contrato. p. 5.

247

applicando a questo contratto la definizione tradizionale della prestazione (cod. civ. ted. § 241), la quale ravvisa in essa l’oggetto dell’aspettativa di un contegno o di un risultato, si sarebbe addirittura tratti a pensare che prestazione, in questo contratto, non esista, potendosi avere qualche dubbio anche sulla qualifica di prestazione, intesa nel senso ora indicato. Però, se i premi vengono pagati, e d’altra parte si tratta di un contratto sinallagmatico, ciò postula concettualmente la presenza di un’utilità corrispettiva conferita dall’assicuratore. L’utilità infatti c’è, e consiste in una garanzia, in una sicurezza, che fin dal momento della conclusione del contratto l’assicuratore dà all’assicurato nel senso che, verificandosi l’evento da questi temuto, esso assicuratore gli conferirà un indennizzo o, in generale, un compenso che lo tenga indenne, almeno parzialmente, del danno che venga a soffrire. Perciò, prima ancora che l’evento temuto si verifichi, v’è l’attribuzione di una utilità, da parte dell’assicuratore all’assicurato, che è data dalla assuncione del rischio di cui si teme, da parte dell’assicuratore406”.

Nessa análise, urge precisar os exatos conceitos abordados envolvendo a suspensão do contrato, pois as obrigações do segurado continuarão a ser exigidas – a cobrança do pagamento dos prêmios em atraso, v.g., é uma das obrigações que perduram durante a suspensão da garantia – sendo ainda exigível sua cobrança com os encargos financeiros. Infelizmente o nosso legislador não abordou toda essa problemática na promulgação do artigo 763407 do Código Civil, que apenas retira, taxativamente, o direito do segurado receber a respectiva indenização pelo sinistro, no período em que perdurar sua mora, sem especificar ou diferenciar a exata proporção do inadimplemento gerado pela ausência do pagamento do prêmio. Essa dimensão seria imprescindível, na medida em que nos prêmios periódicos ou parcelados dependendo da gravidade do inadimplemento, a sanção ao inadimplente deve variar equânime e proporcionalmente, a fim de que o equilíbrio do programa contratual seja mantido.

406

BETTI, Emilio. Op. cit., p. 41-42. Código Civil: “Art. 763 do Código Civil: Não terá direito à indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes da sua purgação”. 407

248

Em outras palavras, o Código Civil vigente não esclareceu se o inadimplemento do segurado for mínimo, se ainda se aplica a suspensão da garantia, como prevê taxativamente o artigo 763 cumulado com o artigo 12 do Decreto-lei nº 73/66. E nesse momento esse será o nosso desafio a ser enfrentado com a apresentação de uma solução, obtida por meio dos princípios contratuais e da estrutura atualmente regente do nosso ordenamento jurídico, especialmente com bases na Teoria do adimplemento substancial. Para tanto, analisemos duas hipóteses separadamente. Primeiro, com fundamento na hermenêutica do artigo 12, do Decreto-lei 77/63, cumulado com o artigo 763 do Código Civil, insta verificarmos se na hipótese de inadimplência de apenas uma única parcela do prêmio parcelado de cinco parcelas devidas, o segurador tem a faculdade de suspender o sinalagma funcional a seu favor, mesmo o segurado já tendo adimplido a maior parte do contrato. Será lícito ao segurador suspender a garantia do pagamento da indenização, se trazermos à baila nessa discussão o princípio da boa-fé exigido como corolário de todo contrato, e mais especificamente nesse, como dispõe expressamente o artigo 765 do Código Civil? Será que a regra de suspensão da garantia do contrato de seguro deve ser aplicada indistintamente? Entendemos que não. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na vigência do Código Civil anterior, tendo a matéria sido pacificada no âmbito da Colenda 2ª Seção do STJ (REsp 316.552/SP, rel. Min. Adir Passarinho Junior, j. em 09.10.2002), dispunha o entendimento que “o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige ou a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação, ou o ajuizamento de ação judicial competente”. (STJ, 4ª T., REsp 286472/ES, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 19.11.2002, DJU 17.02.2003, p. 282). No mesmo sentido, o STJ também posicionou-se no efeito de considerar que a ausência de quitação da última parcela na data do sinistro, não autoriza a companhia seguradora dar por extinto o contrato, porquanto a segurada havia cumprido substancialmente o contrato, ao dar

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provimento ao REsp 76.362-MT (STJ – 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 11.12.1995), obrigando a seguradora a cumprir o contrato. Outra visão da problemática da mensuração do adimplemento substancial no contrato de seguro, consiste na hipótese em que os pagamentos dos prêmios são periódicos. Nesse caso, o segurador poderá continuar cobrando os prêmios do segurado, e comitantemente, suspender a garantia do pagamento da indenização? Também defendemos que não. E se o segurado inadimplir uma parcela do prêmio, mas no mês subseqüente quitar o prêmio e continuar honrando com essa obrigação no futuro? “Na França, por exemplo, decidiu-se que, na hipótese do prêmio fracionado, a suspensão decorrente do não pagamento de uma das frações do prêmio produz efeitos até a expiração do não-pagamento de uma das frações do prêmio produz seus efeitos até a expiração do período anual considerado, e assim o fez para que a suspensão da garantia não se prolongasse até o período da recondução tácita do contrato, também previsto no direito brasileiro (art. 774 do novo CC). Essa foi a solução dada pela lei francesa, consagrando a solução jurisprudencial anterior à promulgação da lei. No entanto, lá fixou-se que, após um certo período de suspensão, a própria seguradora é obrigada a promover a rescisão do contrato. Na Bélgica, a cobrança dos prêmios posteriores é permitida, desde que o segurado tenha sido notificado, e eventual devolução de prêmio só ocorre se houver rescisão do contrato, e somente serão devolvidos os prêmios pagos após a data em que esta passou a surtir efeitos408”. Vale ressaltar que referidos dispositivos legais e orientações doutrinárias não podem ser interpretados com excesso de formalismo ou rigor, sob pena de desprestigiar o equilíbrio contratual e a própria função social interna dessa espécie contratual. Isso porque sua interpretação literal não condiz com o princípio de Boa-fé inerente ao adimplemento, conforme já exposto no Capítulo V do presente trabalho, e reiteradamente reforçado por meio do artigo 765 do Código Civil, nessa espécie contratual. 408

ABREU, Virginia Duarte Deda. O Inadimplemento no pagamento do prêmio no contrato de seguro em face do Novo Código Civil. Revista dos Tribunais, p. 29-30.

250

Embora defendemos essa posição, existem entendimentos contrários, privilegiando a interpretação literal do artigo em referência, como a exarada por Ernesto Tzirulnik, que ao comentar o artigo 763 do Código Civil exara que: “estabelece com clareza que a garantia securitária terá sua eficácia suspensa enquanto perdurar a mora do segurado. A purgação posterior da mora não opera efeitos para sinistros ocorridos durante o período de inadimplemento relativo. Os sinistros ocorridos durante o período de suspensão não serão indenizáveis409”. Na configuração do adimplemento substancial no contrato de seguro, entendemos que a solução mais equânime a ser adotada nesta hipótese seria o abatimento do valor do prêmio devido da indenização a ser paga. No entanto, essa solução também deve ser dosada, na medida em que se o segurado apenas quitou uma parcela do prêmio, estanto ainda mais que representem a substancialidade do contrato, essa medida não será justa para a seguradora. Não obstante, por sua vez, se o pagamento reduzido da indenização representar uma insegurança ao contrato, na medida em que a seguradora não terá maiores garantias para receber o quitação substancial do prêmio, essa solução não deve ser adotada. Assim, em suma, esse recurso é apenas cabível quando o inadimplemento gerado consista em parte mínima descumprida do contrato, configurando o adimplemento substancial com todos os seus elementos e efeitos.

1.1.5. Contrato de empreitada O contrato de empreitada é um contrato típico, uma vez que seu regime jurídico está previsto nos artigos 610 a 626 do Código Civil. Ele apresenta o regramento para construção de obras de grande porte em que se associam não só as construções civis mas também equipamentos elétricos e mecânicos, sendo suas cláusulas também de suma importância, na medida em que a legislação contempla apenas aspectos gerais, necessitando das disposições contratuais para estabelecer as regras peculiares de cada obra.

409

O contrato de seguro – Novo Código Civil. p. 63.

251

“As regras do contrato de empreitada coexistem em alguns contratos típicos, ou seja, contratos de prestação de serviços com a obrigação de resultado410”, contrato de trabalho, mandato, compra e venda, fornecimento, e até construção por administração se for convencionado pelas partes, mas por conterem características específicas acabaram por criar um contrato nominado próprio com regime jurídico semelhante àqueles contratos, mas ao mesmo tempo distinto. Nesse tipo contratual, o empreiteiro deve executar a obra nos termos do programa contratual para que no final da obra o comitente exerça o seu direito de inspecionar a obra para verificar se as especificações contidas no contrato foram seguidas, sendo que a sua aceitação é condição para extinção regular do contrato. Assim, “um dos aspectos essenciais do contrato de empreitada é o facto de a obra deve ser aceite por quem a encomendou. Ele se configura, pois, como um contrato bilateral, não só genético, como também funcional (...) A obrigação principal do empreiteiro é, como se mencionou, a de realizar a obra. E a do dono da obra é de aceitá-la e pagar o preço convencionado411.” Por ser a aceitação do comitente ato de aperfeiçoamento e extinção regular do contrato por meio do adimplemento, insta analisarmos até que ponto esse direito subjetivo do dono da obra pode ser exercido, sem ocasionar atos lesivos a ambos contratantes na hipótese de imposição de uma lesão desproporcional na recusa em receber a obra. Nesse ponto, a Teoria do adimplemento substancial inicia sua aplicação. Vejamos um exemplo para aclarar a idéia: uma companhia “A” celebra um contrato com outra empresa “B” para a construção, por esta, de uma estrada de 100 kilometros pelo período de 2 (dois) anos. No final deste período, “B” construiu apenas 85 km, ficando claro aos contratantes que seria necessário mais três meses para terminar a estrada. Diante do ocorrido, “A” encaminha uma notificação para “B” para completar a obra em apenas um mês. No 410

COUTO E SILVA, Clóvis do. Contrato de “Engineering”. Contratos: Actualidade e evolução – Actas do Congresso Internacional organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa de 28 a 30 de novembro de 1991, p. 207-208. 411 Idem, ibidem, p. 209.

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entanto, não é possível “B” concluir a obra pelo prazo fixado por “A” em razão da irrazoabilidade do prazo reduzido fixado e pela extensão da obra; devendo ser extendido pelo prazo de três meses. Com esse impasse, “A” recusa-se a receber a obra, e “B” fica na iminência de não receber o pagamento, mesmo tendo adimplido substancialmente o contrato; sendo razoável a concessão do prazo adicional requerido por “B” em razão da própria obra solicitada por “A”. Nesta hipótese, premiar “A” com a resolução do contrato em virtude da inexecução de pequena parte da obra seria infringir o princípio da boa-fé objetiva, caracterizando um exercício arbitrário do direito potestativo pela irrazoabilidade da sua imposição. A solução mais equânime a ser aplicada no exemplo suscitado seria “A” aceitar os 85 km já construídos da estrada e exigir o cumprimento, como “B” mesmo propôs no prazo de três meses. “A” não poderia recusar-se a receber a parte já adimplida que representa a essencialidade da obrigação prometida, exceto se houver a perda do seu interesse; hipótese essa remota neste caso ao menos que a obra tivesse como condição prazo para cumprimento (obrigação a termo) condicionada à inauguração de uma cidade, interligada por esta estrada, por exemplo. A questão da aceitação pelo comitente da obra realizada também é valorada consoante regras oriundas do sistema jurídico português, mais especificamente o artigo 1222º do Código Civil que assim determina: “o comitente só pode resolver o contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina; enquanto, por força do art. 913º, para além da inadequação ao fim, também constitui causa de resolução a existência de um vício que desvalorize a coisa. Apesar da lei não o referir, entende-se que deverá ser uma desvalorização substancial”412. De fato, essa regra também é aplicada aos artigos 615 e 616 do Código Civil brasileiro, nos quais a obrigação do dono em receber a obra encomenda é compulsória, mesmo com descumprimento mínimo que não reverta para uma desvalorização substancial da obra encomendada; sendo concedido ao comitente apenas a opção de, dependendo das circunstâncias do caso concreto receber a obra no estado em que se encontra, mas 412

MARTINEZ, Pedro Romano. Op. cit., p. 298.

253

descontando-se a parte proporcional inexecutada do preço a ser pago ou reclamando a indenização pelas perdas e danos gerados. Essa orientação é reforçada por Clóvis do Couto e Silva que verificou, primeiramente, a aplicação da Teoria do adimplemento substancial ao asseverar que “a obrigação principal do empreiteiro é entregar a obra no modo e no prazo convencionados, cumprindo, por igual, os deveres anexos ou secundários decorrentes do princípio da boa-fé. Se isto não ocorrer, configura-se a demora do empreiteiro e pode exercer o dono da obra o direito de resolução, como sucede com os demais contratos bilaterais. Nas obras de engenharia, principalmente nas construções ou edificações, desde cedo no direito inglês começou-se a aplicar o princípio de que se já houvesse sido construída uma grande parte da obra o aludido direito de resolução não poderia ser exercido. É o que se denomina de ‘substancial performance’. Essa mesma solução irradiou-se, mais parte, por outros direitos, como por exemplo, pelo direito alemão e também pelo direito brasileiro. Constitui uma clara decorrência do princípio da boa-fé; contudo, cabe ao dono da obra o direito a ser indenizado, em razão de o contrato não haver sido cumprido na sua totalidade. (...) Por esse motivo, relativiza-se em certa medida o radicalismo do princípio de que se não se cumpriu totalmente o convencionado nada foi cumprido413.” A percepção desse entendimento é um marco importante no desenvolvimento da Teoria do adimplemento subtancial no sistema jurídico pátrio, ao passo que o princípio da integralidade do cumprimento foi mitigando diante da abertura do sistema para a execução quase que integral, com ausência mínima de parte da obrigação prometida que não prejudica a substancialidade do contrato.

1.2. Contratos atípicos Os contratos atípicos ou inominados compreendem as espécies contratuais desprovidas de regulamentação específica em lei.

413

Op. cit., p. 221-222.

254

A formação dos contratos atípicos decorre da outorga de poderes concedida pela autonomia privada aos particulares que ficam livres para criarem normas particulares a defenirem as disposições regentes de determinada contratação. É incontestável que essa liberdade é limitada pela autonomia privada e também pelo princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato, sob pena de configurar um ato de abuso de poder ou mesmo arbitrário em suas próprias razões. Além disso, o artigo 425 do Código Civil determina expressamente que: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. Com a liberdade individual de contratar mitigada, há a produção de contratos atípicos advindos da junção de elementos de negócios jurídicos distintos que acabam por originar um novo tipo contratual com regras próprias diferentes dos contratos originários, na medida em que houve a transmutação do objeto do contrato. Assim, as regras que lhe são aplicáveis não encontram definições na legislação, sendo necessário uma interpretação de suas cláusulas e a absorção de sua estrutura e regime jurídico próprio pelos operadores do direito. Na complexidade da estrutura dos contratos atípicos, depreendemos que inexiste um modelo pronto e acabado regido por normas jurídicas postas no sistema normativo, o que nos leva a apreender o regime jurídico de cada um deles com maior acuidade. Por sua vez, há doutrinadores, como Inocêncio Galvão Telles414 e Arnaldo Rizzardo415 que sustentam ser possível a alteração de um contrato atípico para um contrato típico quando existe a reiteração consecutiva de determinado contrato atípico que acaba por ganhar, na prática, a tipicidade dos contratos nominados, sendo consagrado pela jurisprudência, usos e costumes. Recentemente, esse fenômeno pode ser observado na promulgação do Código Civil de 2002 que introduziu no sistema posistivado os moldes contratuais da agência e distribuição (CC, arts. 710 a 721), da corretagem (CC, arts. 722 a 729), do transporte (CC, arts. 730 a 742) e da comissão (CC, arts. 693 a 709).

414 415

Manual dos Contratos em Geral, p. 383. Contratos, p. 60

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1.2.1. Contrato de Engineering O direito brasileiro incorporou o contrato de engineering por meio de legislação complessiva, englobando vários modelos contratuais mas com características peculiares. Essa espécie contratual originou-se no país na década de 1970 em que se construíram as grandes obras de infra-estruturas, como as grandes centrais hidroelétricas, as pontes e aeroportos, ou o reequipamento dos portos brasileiros416. Segundo Clóvis do Couto e Silva, “o contrato de ‘engineering’ é um negócio jurídico complexo, porquanto, de regra, são feitos diversos contratos, parciais, seja com finalidade preparatória, seja executiva, que constituem no seu todo o aludido negócio jurídico. O seu conteúdo pode abrigar, assim, contratos de empreitada parciais, de planejamento da obra, de realização de certas partes ou equipamentos, contratos de serviços, contratos de transporte, contratos de supervisão, sendo a sua totalidade o ‘contrato de engineering’. Configura-se, como um contrato atípico, que se despreendeu do modelo de empreitada, e que, conforme, a complexidade da obra, poderia ter como partes, diversos figurantes, e não apenas um empreiteiro e o dono da obra, como sucedida, em regra, no modelo de empreitada previsto no Código Civil. Por esse motivo, não é possível descrever o desenvolvimento desse contrato em todas as suas formas; de um modo geral, ele supõe a existência de um projecto, realizado por empresas competentes para isso, projecto esse que depois é executado pelos empreiteiros417”. O cumprimento do programa contratual do contrato de engineering é exercido pelo fiscal da obra contratado, via de regra, pelo dono da obra, que tem como função a fiscalização técnica dos serviços de engenharia conforme especificações constantes no contrato. Por analogia do artigo 615 do Código Civil aplicável ao contrato de “engineering”, concluída a obra, o dono é obrigado a recebê-la, de acordo com o ajuste ou costume do lugar. No entanto, será legítimo recusá-la se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.

416 417

COUTO E SILVA, Clóvis do. Op. cit., p. 207-208. Idem, Ibidem, p. 214.

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A recusa do contrato de “engineering” também está submetida ao critério de razoabilidade inserido na substancialidade da obra já realizada pelo executor da obra, apresentando um aspecto peculiar no qual o recebimento da obra, colocando-a para funcionar com finalidade lucrativa, configura a aceitação tácita parcial do credor, não sendo admitida a recusa, posterior, vedado assim o direito de resolução do contrato, posto que tal recusa estaria em total dissonância com o princípio da boa-fé objetiva. Assim, nessa espécie contratual, a Teoria do adimplemento substancial é verificada no momento em que há a ausência do cumprimento de parte da obrigação de escassa importância não impede o dono da obra de aceitá-la no estado em que se encontra, na medida em que terá proveito e lucratividade. Por conseguinte, não há que se falar em perda do interesse do credor nessa hipótese, porquanto que o benefício obtido com a maior parte da obrigação satisfeita, permitirá o bom funcionamento da obra entregue. Ainda quanto ao contrato de engineering, este apresenta uma espécie contratual com traços semelhantes, mas ao mesmo tempo distinto. Tratam-se dos Engineering, Procurement and Construction Contracts – EPC. Essa espécie contratual compreende “contratos de construção de obras de grande porte, de origem anglo-saxã, guardam, à luz do direito pátrio vigente, pontos em comum com os contratos de empreitada global, sendo de ressaltar que algumas das cláusulas padrão dos EPCs encontratam tratamento legal nas disposições dos contratos de empreitada contidas no Código civil vigente418”. É um contrato complexo e atípico misto, na medida em que engloba cadeias contratuais de diversas naturezas – p. ex. compra e venda de equipamento e de empreitada – de acordo com o objetivo e a especificidade da obra a ser contruída. Há a utilização, por analogia, de regras referentes ao contrato de empreitada quando essa espécie contratual é executada exclusivamente no âmbito do território nacional. Nos EPCs, via de regra, encontramos a modalidade de empreitada global, a qual se caracteriza por ser de preço certo, data determinada de conclusão e chave na mão, caso em que o 418

PINTO, José Emilio Nunes. O contrato de EPC para construção de grandes obras de engenharia e o novo código civil. Revista da Associação dos Advogados do Rio de Janeiro, p. 71.

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contratante receba a obra em condições de operar a instalação419. Normalmente, na empreitada global, o empreiteiro fornece materiais e mão de obra, mas na prática acaba havendo uma mistura de obrigação, posto que o dono da obra chama a si a responsabilidade pelo fornecimento de determinados materiais ou equipamentos, enquanto o empreiteiro encarrega-se do fornecimento de outros, além da prestação de mão de obra420. Nessa modalidade de contrato misto em que as obrigações recíprocas dos contrantes podem se confundir, a conjução de esforços para o adimplemento é fortalecida, sendo que ambas as partes envidaram todos o empenho para a satisfação do mesmo fim, qual seja, a conclusão da obra. Também nessa modalidade a Teoria do adimplemento substancial é adotada com as conseqüências retro expostas, sendo que sua exigência é ainda mais forte, na medida em que se ambas as partes estão buscando o mesmo fim, com empenhos semelhantes em suas obrigações, não sendo legítimo permitir ao dono da obra recusar uma determinada construção adimplida substancialmente, se a porção ínfima inexecutada também foi acompanhada por ele, sendo que pela boa-fé exigida dos contrantes, é cediço de ambas as partes o motivo desse descumprimento mínimo. Assim, pela conjugação de esforços entre as partes, especialmente se o adimplemento substancial decorrer por ausência de alguma parte de material ou de equipamento, em que também era obrigação do dono prever sua existência na obra.

2. A atividade jurisdicional diante da valoração do adimplemento substancial A atividade jurisdicional diante da valoração do adimplemento substancial ganhou relevo de destaque com a promulgação do Código Civil, em razão deste ser um sistema aberto formado por conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais que permitem e exigem dos operadores do direito a construção de um novo Direito Civil calcado na boa-fé objetiva, na probidade, na busca pela harmonização dos interesses das partes pela valorização da dignidade da pessoa

419 420

Op. cit., p. 77. PINTO, José Emílio Nunes. Op. cit. p. 76.

258

humana por meio da autonomia privada, especialmente no direito obrigacional que é o foco do presente trabalho. Essa valoração nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa é expressa nos seguintes termos: “as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados (‘unbestimmte Rechtsbegriffe’) destinam-se a conferir ao juiz, como ‘operador jurídico’, ampla margem de liberdade de apreciação em cada caso concreto421”. Essa liberdade de apreciação e valoração focadas no adimplemento, em sua extensão e efeitos, representa segurança jurídica conferida pela atividade jurisdicional para os contratantes que fiquem à mercê de um exercício arbitrário do direito subjetivo do credor no adimplemento substancial. Nos conceitos legais indeterminados, a existência de vagueza em seus conceitos obriga o intérprete buscar a extensão denotativa do conceito mencionado no dispositivo legal que contenha tal imprecisão, dentro dos parâmetros sociais e da ética jurídica, a fim de atingir a exata proposição normativa apresentada. Essa vagueza é considerada por Cláudio Luzzati como uma vagueza socialmente típica, em razão de o conceito legal indeterminado emitir valores a serem considerados pelos julgadores422. Essa emissão de valor é feita como complementação à norma jurídica que contenha um conceito legal indeterminado, e em razão da necessidade de se socorrer de elementos externos ao sistema positivado, como por exemplo, conceitos da moral e dos bons costumes, para se atingir a exata hermenêutica posta pelo conceito legal indeterminado. O mecanismo existente no conceito legal indeterminado é explicado por António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro por meio da seguinte estrutura “um conceito que não permite comunicações claras quanto ao seu conteúdo, por polissemia, vaguidade, ambigüidade, porosidade ou esvaziamento: polissemia quando tenha vários sentidos, vaguidade quando permita uma informação de extensão larga e compreensão escassa, ambigüidade quando possa reportar-se a mais de um dos elementos integrados na proposição onde o conceito se insira,

421 422

Op. cit., p. 98. La vaghezza dele norme: un’ analisi del linguaggio giuridico, p. 302-303.

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porosidade quando ocorra uma evolução semântica com todo um percurso onde o sentido do termo se deva encontrar e esvaziamento quando falte qualquer sentido útil423”. Por outro lado, as cláusulas gerais inseridas na codificação civil em vigor representam mecanismo de técnica legislativa, posto que por conterem conceitos abertos abrangem o maior número possível de casos concretos levados à julgamento, permitindo ao legislador maior possibilidade de realizar a subsunção do caso concreto à norma jurídica que lhe é aplicável424. Ao contrário dos conceitos legais indeterminados, que contêm vagueza, polissemia, ambigüidade ou esvaziamento, as cláusulas gerais contêm proposições jurídicas com conceitos abstratos que exigem a concreção do aplicador do Direito para extrair seu núcleo semântico a fim de aplicá-lo ao caso concreto. Essa abstração implica exatamente na mobilidade garantida pelas cláusulas gerais, pois se o conceito já fosse inserido na norma concretizado, seria o mesmo imóvel; ao passo que, por ser abstrato, a mobilidade é garantida. De acordo com Pedro Pais de Vasconcelos, as cláusulas gerais distinguem-se dos conceitos gerais indeterminados, na sua estrutura, na medida em que “as primeiras têm estrutura proposicional e os segundos têm estrutura conceptual. Na concretização as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados pdem muito do intérprete: exigem-lhe que se debruce sobre a situação concreta do caso, que intua a constelação valorativa de referência, que pondere a consequência da concretização e que formule o juízo em termos tais que seja suceptível de ser sindicado425”. A mobilidade, flexibilidade e abertura possibilitadas por meio da existência de cláusulas gerais no Código Civil vigente leva ao julgador à adoção de dois métodos: o indutivo e o dedutivo, pelo primeiro atribui conteúdo à cláusula geral, enquanto que pelo segundo há a subsunção da cláusula geral ao caso concreto resultando na emissão de um julgamento, reinviando-o a um determinado princípio, dependendo do caso, devendo o juiz prever penalidades, para o caso de inadimplemento. 423

Op. cit, p. 1176-1177. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. p. 233 e 234. 425 Op. cit, p. 393-394. 424

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Outra diferença existente entre referidos institutos consiste no fato de que: o conceito legal indeterminado contém um valor (conceito axiológico426), enquanto que a cláusula geral reinvia o intérprete a um princípio que são “deônticos, visto que estabelecem comandos, proibições e permissões, o que não ocorre com os valores427”. Segundo Alberto Gosson Jorge Junior, “as ‘cláusulas gerais’ se inseririam na classe dos princípios em forma de proposição jurídica, apresentando todo o leque de complexidade decorrente do controle das fundamentações e na apreciação dos valores aos quais a norma remete, preenchendo a função de componentes destinadas à ‘conformação’ do ordenamento jurídico428 (...) São normas jurídicas dotadas de uma função peculiar, diferenciada das demais normas, por carregarem uma ‘amplitude semântica’ ou ‘valorativa’ maior do que a generalidade das disposições normativas429”. Feitas essas considerações, verificamos a aplicação das cláusulas gerais no campo do direito obrigacional. O surgimento das cláusulas gerais possibilitou a criação de instrumentos hábeis para o juiz valorar as conseqüências advindas de um contrato, na medida em que o artigo 113 do Código Civil contém regra de interpretação dos contratos direcionando ao princípio da boa-fé expresso no artigo 421, que conjugado com os ditames do artigo 422, ambos do diploma civil, criam uma nova mobilidade no sistema de direito privado, transferindo ao juiz a tarefa de valorar os casos concretos, especialmente, a extensão e a proporção do inadimplemento gerado nos contratos, a fim de verificar a constatação ou não do adimplemento substancial. Assim, com a valorização da teoria do negócio jurídico incorporada à autonomia privada dos contratantes430, o mecanismo da cláusula geral posto agora nas mãos do juiz, facultará-lhe, segundo seu livre convencimento, como admite o artigo 131 do Código de Processo Civil, desvendar o exato efeito da inadimplência gerada nos contratos, verificando se configurou, 426

Fundamentos do direito privado, tradução de Vera Maria Jacob de Fradera, p. 287. Idem, Ibidem, p. 287. 428 Cláusulas gerais no novo Código Civil, p. 21. 429 Op. cit., p. 22. 430 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 42. 427

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em cada caso, o adimplemento substancial que não gera a resolução do contrato, mas tão somente perdas e danos. Tal faculdade não significa liberdade absoluta para interpretar o negócio jurídico bilateral ou plurilateral, sem nenhum comprometimento do magistrado. Pelo contrário, nessa nova fase iniciada pela promulgação do Código Civil de 2002, o juiz, ao usar uma cláusula geral, está preso, indiretamente, aos dogmas e princípios de todo o sistema jurídico, a fim de investigar a boa-fé das partes do contrato e as regras dos usos e costumes do local da celebração do contrato. Dessa forma, com a abertura do sistema do diploma civil, passou-se ao controle do juiz a valoração dos problemas apresentados ao Poder Judiciário, sendo que agora “... o juiz deverá descobrir um novo caminho, dentro da arte da sua função de criação do direito oriunda do sistema aberto, estrada em que também existam placas direcionadas a elmentos externos do sistema positivo puro, como a ética jurídica, a sociabilidade do direito, a boa-fé objetiva, pois sem essas indicações o destino dessa estrada não atingirá a justiça, inspiradora do direito e o seu maior fim431”. O novo papel formatado ao juiz pelo novo sistema, coloca-o em posição de maior destaque, segundo José Renato Nalini, “pois a fixação de objetivos, vinculados a princípios bem definidos, importa em planejamento e elaboração de programas de ação, propostas projetadas para o futuro, atribuindo ao juiz constitucional um ‘dever novo, árduo e de grande empenho: o dever de julgar a ação do Poder público não mais somente à luz do seu possível contraste com direitos e obrigações claramente definidos, mas também com programas vinculados de ação futura’432”. Essa nova exigência no tocante ao princípio da boa-fé, cuja essencialidade é forte em razão de ser o sustentáculo da Teoria do adimplemento substancial, confere ao juiz a tarefa de mensurar a proporcionalidade da inadimplência gerada, a fim de recuperar o equilíbrio contratual criado pela liberdade contratual, mas limitado pela autonomia privadada. Tal fenômeno, “é, em nosso ver, o perfeito delineamento entre a autonomia privada e a liberdade 431

SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. Os limites éticos da atividade legislativa e da função nomotética do juiz. Função do Direito Privado no atual momento histórico, p. 520. 432 O juiz e o acesso à justiça. p. 28-29.

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contratual, que devem ajustar-se a certos valores inarredáveis, tipificados como princípios basilares que regem as relações negociais. Nesse aspecto adentra o juiz para equilibrar a situação quando surgir o descompasso com esses princípios, dentre os quais podemos inserir a boa-fé, a probidade e a função social do contrato433”. A concretização do princípio da boa-fé objetiva na função do juiz é realizada por meio da cláusula geral que por ser um mecanismo em aberto que contém o respectivo princípio enunciado pelo legislador, exige que o magistrado perquira pelos elementos da “ética jurídica que se exprime na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos434”. Os princípios da boa-fé, probidade e função social do contrato representam o norte do juiz, que ao exercer sua função, depara-se com a exigência do atual ordenamento jurídico que o convida a analisar o comportamento das partes contratantes – tanto do contratante adimplente como do contratante inadimplente – com o fim precípuo de mensurar os reflexos da quebra contratual gerada pelo inadimplemento absoluto ou relativo (aqui, insere-se o adimplemento substancial) das prestações correspectivas e interdependentes, cujo desequilíbrio deveria ter sido evitado, pelas partes, desde o sinalagma genético até o funcional. Nessa missão, o atual dever do juiz consiste na exata investigação, com fundamento no fim principal do contrato, ou seja, do adimplemento vinculado ao objeto contratual, na medida em que sua função jurisdicional mediante a movimentação da máquina judiciária por uma das partes contratantes representará a substituição da vontade das partes, como forma de solucionar os conflitos. Assim, com o escopo de solucionar o conflito oriundo do inadimplemento absoluto ou relativo, o juiz, para atingir uma interpretação mais equânime do negócio jurídico bilateral ou pluritaleral que não atingiu integralmente o adimplemento, deve, na sua avaliação em cada caso concreto; (i) perseguir a vontade da parte inadiplemente ao não adimplir o contrato; (ii) o interesse da parte adimplemente em receber ou recusar-se a receber 433 434

NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit.,, p. 84. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Op. cit., p. 100.

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o adimplemento, verificando se ambas são justas em relação ao fim do contrato. Em relação ao inadimplemente, deve atentar-se para a mensuração do eventual prejuízo causado ao credor que deve pautar todos os esforços do devedor para evitar o inadimplemento, se não houve esses esforços, se tal falha é devida ao inadimplemente que não adotou as medidas necessárias para evitar-se a frustração do fim do contrato. O adimplemento substancial deve ser analisado pelo julgador de acordo com o caso concreto, verificando o cumprimento realizado e a medida atingida para a satisfação do credor, e assim “pressupõe uma mudança no próprio método de aplicação do direito, ou seja, a superação do raciocínio lógico – subsuntivo pelo da concreção435.” Pelo método da concreção, os julgadores serão obrigados a se preparem para analisar casos que ventilem a questão do adimplemento substancial com o espírito dos julgadores ingleses, na medida em que com os julgamentos serão criados parâmetros – precedentes – com base na abertura atualmente existente no sistema, que servirão de fundamento para o aprimoramento desta Teoria a nível nacional. Em suma, o juiz deverá verificar: (i) os elementos objetivamente fixados e eventualmente descumpridos; (ii) o cumprimento dos deveres de conduta secundários, como a boa-fé objetiva; (iii) precisar e ponderar a substancialidade do adimplemento, que satisfaz o credor e impede a resolução, em relação à gravidade do incumprimento, com violação da obrigação fundamental do contrato, que leva à sua extinção; (iv) avaliar, na perspectiva do interesse do credor, quando a prestação se tornou inútil para ele, incapaz de satisfazer substancialmente à sua legítima expectativa, deixando de alcançar o escopo objetivamente previsto no contrato; (v) medir o interesse econômico expresso no negócio e pensá-lo também como um fator metajurídico relevante, subordinado ao interesse comum; e (vi) finalmente, decidir de acordo com a eqüidade, os princípios da justiça comutativa e da boa-fé, que a todos impõem deveres éticos inafastáveis nesta matéria.

435

BECKER, Anelise. Op. cit., p. 63.

264

Por sua vez, “o trabalho do juiz não se resume a examinar a ocorrência do incumprimento e a deferir o pedido resolutório, mas vai além, passando pelo delicado trabalho de dar consistência à falta de sistematização legal e à indeterminação dos conceitos436”. De tal monta que a função dos juízes no Código Civil vigente “... revela-se de forma muito mais contundente no direito das obrigações, porque este envolve as relações negociais, os negócios jurídicos, que podem trazer no seu bojo desproporções excessivas a uma das partes, que não coadunem com a simetria da balança da justiça, que deve ser pesada em todas as relações437”. Não se olvide, ademais, que o antigo Código Civil (art. 924), bem como o atualmente em vigor (art. 413), já conferia ao juiz a faculdade de reduzir proporcionalmente a pena estipulada pela mora ou inadimplemento, no caso de cumprimento parcial da obrigação; ou ainda, permite-lhe verificar se o montante da penalidade pretendida pela outra parte, mesmo sendo inferior ao da obrigação principal, é excessivo considerando a natureza e o fim do negócio jurídico. Com efeito, esses dispositivos legais amparam o princípio da boa-fé e, mais especificamente, o do adimplemento substancial, porque atentatório à lealdade entre as partes o apenamento daquele que se encontra parcialmente inadimplente como se integralmente o estivesse. Diante dessa estrutura, “... exige-se um juiz que, ao aplicar as normas, tenha firmeza para equilibrar os exatos termos da lei, ponderando-os com os valores sociais e éticos, a fim de alcançar a função social do direito..438.”

436

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 142. NANNI, Giovanni Ettore. Op. cit., p. 82. 438 SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. Op. cit. p. 519. 437

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Conclusão Para buscarmos a valorização da pessoa, como sujeito de direito, dentro das suas relações sociais, com fundamento na autonomia privada, prestigiando a compreensão da real extensão do adimplemento e do inadimplemento das obrigações no norte da exigência da conjugação dos interesses de ambos contratantes, detectamos o adimplemento substancial para legitimar o equilíbrio do contrato na hipótese de descumprimento ínfimo de parte da obrigação. O reconhecimento e a aplicação do adimplemento substancial no direito obrigacional advém da necessidade de neutralizar a autonomia da vontade que expressava o interesse egoístico das partes contratantes que sem limites do Estado (judiciais e legislativos) colocavam em risco a própria estrutura do programa contratual. O bloqueio do abuso do direito eventualmente a ser cometido perante o adimplemento substancial com a resolução do contrato nas hipóteses de descumprimento mínimo de escassa importância garante o equilíbrio existente nas obrigações comutativas e correspectivas, na medida em que ao prestigiar pela manutenção do auto-regulamento acaba por sustentar o sinalagma de forma positiva, garantido a satisfação do interesse de ambas as partes contratantes sem pecar pela desnaturação de todo o programa contratual executado. O prestígio conferido à preservação do contrato, relativizando o princípio da integralidade do cumprimento, advém da necessidade de valorar com maior rigor a extensão do inadimplemento configurado, a fim de observar se qualquer inexecução, independente da sua proporção, é causa legítima de gerar a resolução contratual. E, nesse momento, com base no princípio da boa-fé objetiva, constatamos que a resolução injustificada por uma violação fundamental não traz benefícios às partes contratantes (função social interna) tampouco à coletividade como um todo (função social externa), ensejando abertura de frestas, por meio das cláusulas gerais e dos conceitos legais indeterminados, no sistema jurídico para a concretização da segurança jurídica no tráfico comercial pelo reconhecimento do adimplemento substancial no ordenamento jurídico pátrio.

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Essa transmutação da concepção da extensão do inadimplemento e do adimplemento, e da limitação dos efeitos da resolução originou-se na revolução do Direito obrigacional que por estar voltado à autonomia privada, preocupando-se com a eqüidade no desenvolvimento das obrigações comutativas e correspectivas, incorporou a estrutura da obrigação como processo, compreendendo todo o feixe de relações jurídicas formadas pelo sinalagma genético e funcional. Nesse novo ponto de vista do negócio jurídico, a análise da gravidade do descumprimento ganhou aspecto de maior relevância, em razão da maior exigência na valoração deste elemento em relação ao auto-regulamento como um todo. A gravidade da inexecução valorada passou a conduzir a efeitos distintos dependendo da proporção descumprida da obrigação, bem como da importância dessa ausência. Assim, houve a exclusão da aplicação da resolução, se o inadimplemento não representar uma violação concreta na obrigação prometida, sendo, nesta hipótese, apenas permitido à parte adimplente o requerimento de indenização pelos danos decorrentes da ausência de prestação da parte mínima da obrigação. O conceito de gravidade da inexecução não foi concebido acabado, tendo passado por várias fases de amadurecimento, sendo que nos primórdios dos tempos até mesmo não existia no sistema da common law, na Inglaterra, sendo desenhado com fundamento na probidade e da boa-fé contratual e pela distinção de cláusulas warranty e condition. Assim, primeiramente com esta distinção, visava minimizar o impacto da sanção oriunda do inadimplemento, tendo como objetivo principal a preservação do contrato no limite justo e máximo permitido dentro do equilíbrio das obrigações sinalagmáticas, e se não houve violação a uma condition. A distinção entre essas cláusulas consistia no fato de que as obrigações dependentes (condition) eram consideradas como essenciais em relação às obrigações independentes (warranty), de importância secundária ao programa contratual estabelecido. Se houvesse a inexecução daquelas, haveria a configuração do inadimplemento passível da resolução contratual. No entanto, se o descumprimento atingisse as obrigações laterais, o adimplemento substancial caracterizava-se, vedando o direito resolutório. Nessa hipótese, com fundamento no princípio da boa-fé, era cabível apenas o pedido de indenização por perdas e danos pelo contratante adimplente.

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O amadurecimento dessa Teoria perdurou durante alguns anos e foi fruto da desvinculação da diferenciação entre obrigações dependentes e independentes, descartando esse parâmetro, para a absorção da concepção da gravidade da violação de uma obrigação causada pelo descumprimento. Na hipótese do inadimplemento fundamental (fundamental breach) da obrigação, cujo critério é responsável pela verificação da violação contratual passível de resolução do contrato, por ocasionar um prejuízo substancial imprevisível à outra parte adimplente, caberá a aplicação do direito resolutório. Ao contrário, se a inexecução não caracterizar a quebra essencial da obrigação – principal ou acessória – prometida e prestada em sua maior proporção, o adimplemento substancial estará concretizado. Com a caracterização do adimplemento substancial no direito inglês, a noção de que para a realização do pagamento, o cumprimento integral é condição para a realização daquele foi descartada em virtude da contemplação de que a contraprestação da obrigação é devida proporcionalmente ao efetivamente prestado, isto é, não é legítimo a resolução do contrato ou a recusa da parte adimplente em realizar sua parte devida pelo contrato, se o inadimplente executou substancial e essencialmente sua obrigação. Essa Teoria também teve repercussão em outros países como os Estados Unidos da América, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Argentina e Costa Rica. No sistema jurídico americano, também baseado na commow law, houve a incorporação do adimplemento substancial, mas visto a partir da gravidade da inexecução da obrigação em função do conjunto de obrigações de cada uma das partes. Nas demais legislações alienígenas provenientes do sistema da civil law, essa Teoria também foi reconhecida, sendo que em algumas ordenações de maneira tácita, enquanto em outras de maneira expressa. Na Alemanha e na Itália, de maneira expressa, houve a regulação do adimplemento substancial na legislação, sob a premissa de que o fim do contrato deve ser preservado, diante do descumprimento de pouca importância, com fundamento na boa-fé objetiva que indica o padrão de conduta exigido pelas partes, sendo do lado do credor exigido evitar impor obstáculos à aceitação da prestação, e do lado do devedor o dever de empenhar todos os seus esforços para realizar de maneira regular a prestação disposta no contrato. Nesses dois

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ordenamentos jurídicos, é admitida a resolução extrajudicial na hipótese de desinteresse justificado na reciprocidade da obrigação comutativa causado pela inexecução. No sistema jurídico português, constatamos a adoção expressa do adimplemento substancial por meio da inspiração advinda da legislação italiana, na medida em que o código civil contempla o instituto nos exatos termos em que a resolução só é admitida se o inadimplemento não for de escassa importância – parâmetro do direito italiano –, sendo de pouca relevância, o vínculo contratual será mantido. Por sua vez, no ordenamento jurídico francês, a Teoria em referência não é contemplada expressamente na codificação, mas é extraída por meio da conjugação de artigos, e especialmente do princípio da boa-fé objetiva, gerando como conseqüência o reconhecimento do adimplemento quase integral da prestação o qual impede a resolução, fundamentando o pedido de perdas e danos a favor da parte adimplente. Da mesma forma, no sistema jurídico espanhol, também não há previsão legal do instituto, entretanto, a jurisprudência espanhola só admite a resolução nos casos em que a inexecução for substancial, sendo esse valorado objetivamente a partir da importância econômica do contrato. O sistema jurídico da Costa Rica foi o mais avesso à aceitação desta Teoria, na medida em que sempre propugnava pela aplicação da resolução como regra geral de salvaguardar o equilíbrio entre as partes. Contudo, com a necessidade de atender as exigências da eqüidade nas fases contratuais, o objetivo passou a ser a busca do equilíbrio contratual, por meio do reconhecimento da Teoria do adimplemento substancial, porquanto que sua função essencial nada mais representa senão o reencontro do equilíbrio do programa contratual diante do restabelecimento do contrato quando uma parcela ínfima do inadimplemento não desnaturou a obrigação fundamental consoante o interesse do credor. Outrossim, verificamos sua aplicabilidade no âmbito do direito internacional nas Convenções de Viena e nos princípios do Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts. De acordo com os ditames da Convenção de Viena, a noção de adimplemento substancial é obtida a contrario sensu do inadimplemento de obrigação fundamental (fundamental breach)

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exigido na seara internacional, pois apenas na configuração deste a resolução é cabível, visto que o essencial da obrigação não foi cumprido e assim não houve a satisfação do credor. A resolução é baseada na violação de parte fundamental do contrato que origina um dano substancial a ponto de privar a parte adimplente da expectativa gerada na prestação prometida. Se a relação obrigacional concreta não foi atingida pela inexecução, possibilitando o alcance essencial dos objetivos do contrato, o contrato é salvaguardado; mesmo se o descumprimento atingir uma obrigação fundamental, mas que causasse apenas um pequeno ou um insignificante prejuízo. O adimplemento substancial não será admitido, dentro da estrutura acima, a menos que a parte inadimplente não pudesse prever tal resultado negativo, na mesma proporção de uma pessoa razoável, da mesma espécie e nas mesmas circunstâncias. O conceito de inadimplemento de obrigação fundamental exposto na Convenção de Viena também é adotado pelo Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts, ao proclamar a obrigatoriedade da resolução em caso de inexecução de obrigação essencial em razão da força imperativa oriunda do contrato. Contudo, por outro lado, existe a temperança da manutenção do contrato se a obrigação descumprida representa parte mínima da prestação. Os dispositivos referentes a esta matéria no Unidroit conjugam para precisar o adimplemento substancial como norma de salvaguarda do direito do credor e do dever do devedor, bem como da satisfação de ambos os interesses, sendo vedada a resolução do contrato quando a obrigação executada estiver revestida de qualidade suficiente para possibilitar ao credor a obtenção de benefício útil daquela. Se esta for executada de forma a atender a qualidade nos critérios mencionados no contrato, configurando-se como a parte mais importante da prestação, em detrimento da parte mínima descumprida, o adimplemento substancial imperará, ganhando tutela jurídica no sistema internacional submetido a estes princípios. No sistema jurídico pátrio, a concepção da gravidade da inexecução não era muito ventilada, sendo que a preocupação com esta questão iniciou-se a partir da revolução do direito obrigacional, sendo possível vislumbrarmos uma manifestação tímida do adimplemento substancial, mesmo antes da codificação do princípio da boa-fé, o qual possibilita cada vez mais o cumprimento regular das obrigações e, caso não seja possível o cumprimento absoluto do sinalagma com a execução de parte essencial, o direito obrigacional moderno calcado nos

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princípios contratuais e gerais de direito formatados de forma mais ética e social em razão de uma nova conscientização oriunda do Código Civil de 2002 garante a preservação do vínculo contratual. O precursor da recepção dessa Teoria para o nosso ordenamento foi Clóvis do Couto e Silva que ao realizar um trabalho de hermenêutica sob esse princípio, objetivamente considerado, possibilitou a extração da possibilidade de admitir a preservação do contrato diante de um descumprimento ínfimo da obrigação que não frustrava os interesses do credor com fundamento no referido princípio. A visão do referido jurista partiu da valorização do adimplemento que é o fim de todo o programa contratual, atraindo as obrigações recíprocas de um contrato. Ao detectar a importância de mensurar o inadimplemento de parte mínima do contrato como elemento operativo na hermenêutica jurídica dos negócios jurídicos, descobriu, com base no princípio da boa-fé objetiva, que a resolução é vedada se a inexecução expressar descumprimento mínimo da obrigação em relação ao todo do programa contratual. A influência desse princípio nos contratos, agora positivado (CC, art. 422) visa direcionar para a importância econômica do negócio jurídico, especialmente a sua função social, especialmente pelos anseios de uma sociedade contemporânea, que clama pela aplicação equilibrada e justa das sanções aplicáveis ao inadimplemento de escassa importância e salvaguardam pela máxima manutenção possível do programa contratual, uma vez que todo contrato é celebrado para ser cumprido. A hermenêutica do artigo 475 do Código Civil deve ser realizada com o escopo de valorar os exatos limites do inadimplemento gerador da resolução, na medida em que o adimplemento substancial é construído com fundamento no princípio da boa-fé e, a contrario sensu, dos artigos 394, 395, parágrafo único do mesmo diploma civil, porquanto que o descumprimento mínimo de parte da obrigação é configurado quando a ausência da prestação não violar a substância do contrato e não tornar inútil a prestação à parte adimplente, subsistindo o interesse desta em receber a obrigação executada no tempo, lugar e forma dispostos pela lei ou pelo contrato, ainda que reduzida ou prejudicada, minimamente, alguma parte destes

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critérios. Na análise desse dispositivo legal, depreendemos a necessidade de sugerir uma novação nesse artigo, no sentido de incluir um parágrafo único que contenha uma regra simples dos diferentes contornos assumidos pelo inadimplemento e pelo adimplemento, observando que apenas quando aquele se revestir de gravidade ou de suma importância, resultará na resolução do contrato. Caso contrário, se existe a falta de cumprimento de uma obrigação, sendo esta de reduzida intensidade, ou de pouca ou mínima importância, não alterando a essência da relação obrigacional nem os resultados pretendidos pelos contratantes, inexiste a concretização da vontade do inadimplente em inadimplir substancialmente o contrato, e conseqüentemente, a resolução deve ser vedada. No entanto, mesmo atualmente não existindo esse parágrafo único no dispositivo legal mencionado, não encontramos óbice para admitir a Teoria do adimplemento substancial no ordenamento jurídico pátrio a partir do seu substrato, qual seja, o princípio da boa-fé objetiva, aplicado ativamente, limitando o princípio rígido de que o cumprimento deva ser completo ou integral. Nessa limitação processada conforme o princípio da eqüidade, o cumprimento integral não é precedente da contraprestação do credor ajustada no contrato, ou seja, mesmo quando se está diante de um descumprimento de parte mínima, sem importância, o exercício do direito de resolução torna-se impossível, sendo necessário o cumprimento da obrigação por parte do adimplente. Outrossim, com fundamento ainda sob o princípio da boa-fé objetiva, também é impossível a prerrogativa do credor de recusar a aceitar a parte da prestação adimplida substancialmente, sendo a solução mais equânime a postulação pelo ressarcimento das perdas e danos gerados pela insubsistência mínima da prestação realizada. Nessa estruturação da Teoria do adimplemento substancial, nos casos em que o inadimplemento contratual não tenha a força suficiente para ensejar a resolução, opera-se uma irretratabilidade plena da relação contratual, garantindo apenas à parte adimplente a execução específica da indenização causada pelos prejuízos oriundos do inadimplemento contratual incompleto, contra o devedor da prestação insatisfeita, de forma a preservar o contrato em seus fins e em prestígio ao trato econômico-social que ele representa.

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Identificamos os seguintes elementos: (i) ausência de parte ínfima da prestação completa; (ii) cumprimento insubsistente da prestação ou da preparação para executar o contrato; (iii) benefício possível de ser extraído da obrigação na ausência de parte de escassa importância; (iv) esforço da parte inadimplente a cumprir com sua obrigação, visando o adimplemento regular do negócio jurídico; (v) prejuízo substancial – a parte fique privada substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar; (vii) imprevisibilidade. O adimplemento substancial é aplicável em contratos sinalagmáticos nos quais a reciprocidade das obrigações é evidente e funciona como mecanismo de ligação entre a prestação e a contraprestação a serem adimplidas. Por outro lado, esse instituto não se aplica nas hipóteses da obrigação de não fazer, a violação desta pela comissão do agente da conduta proibida, gera automaticamente o inadimplemento absoluto, uma vez que a realização da omissão imposta leva à inexecução, sendo impossível o retorno ao status anterior, ensejando, assim, ao ressarcimento pelos prejuízos causados. O inadimplemento absoluto também é inevitável na obrigação em que o tempo é requisito fundamental, não se admitindo cumprimento tardio. O atraso, nesta situação, torna inútil a prestação ao credor, ensejando resolução do contrato com indenização por perdas e danos. E obrigações infungíveis também não é possível a preservação do contrato com fundamento no adimplemento substancial. A qualidade no cumprimento da prestação exigida na prestação fixada, sendo esta encarada dentro dos limites razoáveis, conduz a parte contratante a executar a obrigação com qualidade razoável e não inferior do padrão médio advindo das circunstâncias de determinado programa contratual. A pequena ausência caracterizadora do adimplemento substancial deve ser constada de acordo com o princípio da razoabilidade na valoração da existência ou não do dano substancial que será responsável por identificar se houve descumprimento de uma obrigação fundamental, mas isso não resultou em prejuízo para a parte adimplente. Se, contudo, esta tivesse perdido uma outra oportunidade melhor com benefícios elevados em razão de ter celebrado o contrato, então, sim, teria ocorrido o denominado prejuízo substancial.

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Isso porque o inadimplemento deve privar, substancialmente, a parte inocente daquilo que ela estava disposta a receber da execução do contrato, a menos que a parte inadimplente não pudesse prever tal resultado (imprevisibilidade). Em outras palavras, a resolução do contrato só caberá se o prejuízo do inadimplemento gerado for de tal monta que inviabilizar sensivelmente o objeto do contrato, sendo este prejuízo imprevisível. É fato também que estes não são elementos precisos, necessitando de alguma valoração sob os pilares do princípio da boa-fé objetiva. Todavia, é incontroverso também que eles ajudam na valoração do conceito de adimplemento substancial do contrato. Dentro dessa Teoria, surge exaltação para a tutela jurídica do devedor, ao ser constatado que a extinção do contrato, se configurado o adimplemento substancial, poderá ocasionar sérios prejuízos para o inadimplente que não será reembolsado pelas despesas de preparação e execução da obrigação. A necessidade de proteger o devedor no sentido de mitigar os efeitos negativos do inadimplemento é aspecto fundamental dessa teoria, sob pena de sufocar o sinalagma e comprometer o equilíbrio contratual. Por sua vez, também a questão da satisfação do interesse do credor está em jogo no momento da verificação do adimplemento substancial, na medida em que se houver inutilidade da prestação ou ausência de benefício útil à parte adimplente, o contrato não poderá ser preservado. Entretanto, se concretamente observarmos utilidade na prestação executada, a resolução será coibida pela configuração do adimplemento substancial, ao passo que não é legítima a recusa do credor, nessas circunstâncias, sob pena de dar preferência à autonomia da vontade no tocante a proteção de interesses individuais e egoísticos do contratante desnaturando todo o negócio jurídico. Não obstante, na análise da contemplação do interesse do credor, também será necessário averiguar se a inexecução inviabiliza a confiança por parte da parte adimplente em receber eventual adimplemento posterior de parte importante da obrigação. Se isso ocorrer, não haverá adimplemento substancial, mas sim inadimplemento.

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Por conseguinte, é imperioso conjugar essas duas tutelas – uma ao inadimplente e outra à parte inocente – pois destemperança em qualquer um deles também não é frutífera na seara dos negócios jurídicos. Vale ressaltarmos que não há regra absoluta e matemática para medir o adimplemento substancial, sendo necessário analisar caso a caso de acordo com o programa contratual convencionado, sob o princípio da boa-fé objetiva que definirá a exata extensão entre a parte executada e a proporção mínima da obrigação descumprida, cuja valoração caracterizará o inadimplemento ou a inexecução de escassa importância. A aplicabilidade da resolução, seja por meio de cláusula resolutiva expressa ou tácita, diante do adimplemento substancial, a resolução neste caso instrumento acéfalo de utilidade, pois além de afrontar a tutela jurídica do inadimplente, não estaria resolvendo também a satisfação do adimplente em relação a parte mínima da obrigação que não se cumpriu. O regime jurídico do adimplemento substancial pode gerar as seguintes conseqüências do adimplemento substancial: pagamento total do preço pelo credor, quando se trata de prestação do devedor, mais pedido de indenização; redução proporcional do pagamento do preço em relação à inexecução mínima, se ainda não pagou; execução do saldo remanescente que não foi pago mais pedido de indenização por perdas e danos; em quaisquer das ações acima contempladas, é justo ao credor solicitar o ressarcimento dos prejuízos ou eventuais despesas decorrentes do adimplemento substancial; pedido de adimplemento por meio de medida judicial própria. Diante do discorrido no presente trabalho, asseveramos que o reconhecimento da Teoria do adimplemento substancial no sistema jurídico brasileiro representa uma reforma dos valores dos contratos com fundamento na reconstrução valorativa das relações jurídicas advindas deste negócio jurídico, sendo que o Direito das Obrigações exigiu e exige a transmutação de conceitos rígidos e tendências doutrinárias ultrapassadas, indo em busca da construção de paradigmas novos que pretigiem a harmonização dos interesses das partes contrapostos mas voltados para o mesmo fim: o adimplemento.

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