Eu não quero passar adiante sem contar sumariamente um galante episódio de 1814, tinha nove anos.
Napoleão, quando eu nasci, estava já em todo o esplendor da glória e do poder; era imperador e granjeara inteiramente a admiração dos homens. Meu pai, que à força de persuadir os outros da nossa nobreza acabara persuadindo-se a si próprio, nutria contra ele um ódio puramente mental. Era isso motivo de renhidas controvérsias em nossa casa, porque meu tio João [militar], não sei se por espírito de classe e simpatia de ofício, perdoava no déspota o que admirava no general, meu tio padre era inflexível contra o corso; os outros parentes dividiam-se: daí as controvérsias e as rusgas.
Chegando ao Rio de Janeiro a notícia da primeira queda de Napoleão, houve naturalmente um grande abalo em nossa casa, mas nenhum chasco ou remoque. (...) Figurei nesses dias com um espadim novo, que meu padrinho me dera no dia de Santo Antônio; e, francamente, interessava-me mais o espadim do que a queda de Bonaparte. Nunca me esqueci esse fenômeno. Nunca mais deixei de pensar comigo que o nosso espadim é sempre maior que a espada de Napoleão. E notem que eu ouvi muito discurso, quando era vivo, li muita página rumorosa de grandes ideias e maiores palavras, mas não sei por que, no fundo dos aplausos que me arrancavam da boca, lá ecoava alguma vez este conceito de experimentado:
-Vai-te embora, tu só cuidas do espadim.

Uma característica recorrente na obra de Machado de Assis, presente nesse trecho, é:


A) o emprego de uma linguagem grandiloquente, com a descrição exagerada do cenário, como se observa em: “contar sumariamente um galante episódio” (1° parágrafo)


B) a situação da narrativa em um cenário fantástico, que não encontra paralelo com a realidade factual, como se observa em: “Napoleão, quando eu nasci, estava já em todo o esplendor da glória” (2° parágrafo)


C) a conversa com os leitores como parte da construção da narrativa, como se observa em: “notem que eu ouvi muito discurso” (3° parágrafo)


D) a preferência por representar personagens do povo, pertencentes à classe social menos privilegiada, como se observa em: “meu tio padre era inflexível” (2° parágrafo)


E) o uso de um narrador em terceira pessoa, que não se mostra no texto, como se observa em: “Eu não quero passar adiante” (1° parágrafo)
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