Já dizia Rousseau que a única virtude natural humana, reguladora do instinto de sobrevivência, é a piedade, caracterizada como “uma repugnância inata diante do sofrimento do semelhante”. Identificamo-nos, por nossa humanidade, com o sofrimento alheio. Ainda que o objeto de nossa pena seja uma criatura monstruosa, julgada como desumana, sem alma. É o sentimento que temos ao ler Frankenstein, romance gótico que nasceu do desafio de Lord Byron à jovem aristocrata Mary Shelley, de 19 anos.
O monstro, que inspira nossa piedade, criado pelo cientista Victor Frankenstein, é fruto da ânsia por conhecimento dos mistérios de produção da vida, tal qual Fausto, cuja ambição pela sabedoria e imortalidade o fez vender a alma e perder o verdadeiro amor de sua vida. O roubo do fogo sagrado por Prometeu, a cobiça do fruto proibido e a queda de Adão e Eva, que lhes custou a perda do paraíso, mostra seus laços com a obra romântica fantástica. O que parecia o progresso do espírito humano, o ápice do empreendimento para o qual o doutor dedicara toda sua energia, deu início à avalanche de desgraças que selou para sempre seu destino.
Muitos anos antes de Shelley sequer sonhar em escrever sua obra prima, Montaigne, em pensamentos, já prenunciava seu protagonista quando disse “somos todos feitos de retalhos, entretecidos tão disformemente que cada elemento e cada momento age por conta própria”. Essa máxima se cumpriu em Frankenstein. A horrenda criatura, feita com pedaços de cadáveres em putrefação, pelos misteriosos conhecimentos da filosofia natural e da química, sequer recebeu nome. Mas o leitor se encarregou da tarefa e roubou o nome do criador, atribuindo-o à criatura.
A três vozes
Em sua obra epistolar, são três as vozes que Mary Shelley utiliza para nos contar sua história. A primeira voz da odisseia de horror é a de Robert Walton, destemido líder de uma expedição aos mares gelados do Polo Norte, que enviava cartas a sua irmã relatando suas aventuras e desventuras. Semelhantemente a Victor, Walton também era movido por uma paixão, cuja ambição o cegava frente aos perigos que pudesse correr e envolver os seus tripulantes: descobrir o mistério supostamente existente no Norte que faz com que a agulha da bússola sempre aponte para aquela direção. O destemido comandante encontrara Victor vagando em um pedaço de gelo que se quebrara quando o médico estava perseguindo o monstro pelas montanhas e mares gelados do Norte. Victor, depois de se recuperar parcialmente de sua convalescença, passou a contar-lhe os flashbacks de sua tragédia pessoal, fazendo-o prometer, caso tivesse oportunidade, de liquidar o hediondo ser que criara.
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Já dizia Rousseau que a única virtude natural humana, reguladora do instinto de sobrevivência, é a piedade, caracterizada como “uma repugnância inata diante do sofrimento do semelhante”. Identificamo-nos, por nossa humanidade, com o sofrimento alheio. Ainda que o objeto de nossa pena seja uma criatura monstruosa, julgada como desumana, sem alma. É o sentimento que temos ao ler Frankenstein, romance gótico que nasceu do desafio de Lord Byron à jovem aristocrata Mary Shelley, de 19 anos.
O monstro, que inspira nossa piedade, criado pelo cientista Victor Frankenstein, é fruto da ânsia por conhecimento dos mistérios de produção da vida, tal qual Fausto, cuja ambição pela sabedoria e imortalidade o fez vender a alma e perder o verdadeiro amor de sua vida. O roubo do fogo sagrado por Prometeu, a cobiça do fruto proibido e a queda de Adão e Eva, que lhes custou a perda do paraíso, mostra seus laços com a obra romântica fantástica. O que parecia o progresso do espírito humano, o ápice do empreendimento para o qual o doutor dedicara toda sua energia, deu início à avalanche de desgraças que selou para sempre seu destino.
Muitos anos antes de Shelley sequer sonhar em escrever sua obra prima, Montaigne, em pensamentos, já prenunciava seu protagonista quando disse “somos todos feitos de retalhos, entretecidos tão disformemente que cada elemento e cada momento age por conta própria”. Essa máxima se cumpriu em Frankenstein. A horrenda criatura, feita com pedaços de cadáveres em putrefação, pelos misteriosos conhecimentos da filosofia natural e da química, sequer recebeu nome. Mas o leitor se encarregou da tarefa e roubou o nome do criador, atribuindo-o à criatura.
A três vozes
Em sua obra epistolar, são três as vozes que Mary Shelley utiliza para nos contar sua história. A primeira voz da odisseia de horror é a de Robert Walton, destemido líder de uma expedição aos mares gelados do Polo Norte, que enviava cartas a sua irmã relatando suas aventuras e desventuras. Semelhantemente a Victor, Walton também era movido por uma paixão, cuja ambição o cegava frente aos perigos que pudesse correr e envolver os seus tripulantes: descobrir o mistério supostamente existente no Norte que faz com que a agulha da bússola sempre aponte para aquela direção. O destemido comandante encontrara Victor vagando em um pedaço de gelo que se quebrara quando o médico estava perseguindo o monstro pelas montanhas e mares gelados do Norte. Victor, depois de se recuperar parcialmente de sua convalescença, passou a contar-lhe os flashbacks de sua tragédia pessoal, fazendo-o prometer, caso tivesse oportunidade, de liquidar o hediondo ser que criara.