RESUMO do capítulo
APÓS AS AULAS
Sonhou com Milena. Havia tempo que não tinha um sonho desses, sonhou inclusive com a bicicleta. Aml manchada de ferrugem. Quase não se lia a marca, uma letra, "o", teimava em ficar redonda no cano de metal, tal- vez ela fosse a única, ou talvez o próprio Vladmir apagasse as demais letras da memória.
Uma vez, os pneus em péssimo estado causaram uma derrapagem no final de uma descida incrível. Vladmir chegou a tirar as mão atingir velocidade alta, altís- sima para uma rua en leclive. Que importava? Tinha quatorze anos e nada e perigoso, absolutamente. Joe- lho ralado? Cotovelo? Quen ligava para isso? Em frente à igreja, aconteciam algumas reformas de ampliação. Pedreiros construíam uma edificação num
terreno ao lado e, em seguida, abririam a parede antiga juntando uma parte à outra
Naquele dia, Vladmir viu as armações de ferro, as tábuas que se erguiam em andaime, observou o adiantado da obra, já que não passava por ali havia semanas. Viu tam- bém, de uma distancia considerável, a montanha de areia e pedras à beira da sarjeta. Estava de braços cruzados, per- nas descansando sobre o pedal, e era o corpo leve e ágil que
estava no comando. Vladmir sentia-se voando, a incrível sensação do vento que bate no rosto, acalma, alegra.
Desviou para não cair naquela massa de construção e,
meza o guidão da bicicleta. Resolveu naquela hora fazer o
prudente, baixou os braços para as mãos segurarem com fir- que não deveria ter feito, pelo menos não ali, a centímetros de onde os pedreiros preparavam a mistura: diminuiu a velocidade apertando o freio. Foi infeliz. A freada encontrou pedriscos no meio do asfalto, que atingiram em cheio o aro da roda da frente. Ela travou, ele voou de verdade. Aquilo nem se comparava à sen- sação de voo que imaginara ter tido minutos antes. Deu de cara no asfalto quente, rolou e arrastou joelhos, pernas e cotovelos. Lembrava-se do sangue vermelho escorrendo pelo pescoço, a pele suja e encardida de preto e marrom, do sol forte imensamente amarelo no céu limpissimo azul.
Um pedreiro o socorreu perguntando se batera a cabeça, de onde vinha tanto sangue, que perigo, mais isso e aquilo. Entretanto, Vladmir preocupava-se em saber se a bicicleta ainda estava usável, a mãe ficaria brava, como na verdade ficou, juntando tudo à braveza do pai.
Mas qual o problema? Estava vivo!
Vladmir passou a mão no queixo onde quase não se notava a cicatriz depois de tantos anos. Não havia nada profundo no lugar e, nessa hora, mais do que em outras, desejou sentir todos os pontos que eram costurados enquanto ele não chorava para não dar o braço a
torcer,
como se bradasse ao pai, à mãe e à enfermeira que ele era forte o bastante. Deveria ter gritado e berrado.
Pegou o celular e ligou para Lúcia.
-Oi, Vladmir! Tudo bem?
- Tudo. Está em casa?
- Sim. Ajudando a minha mãe a dar uma aramada aqui Resolvemos aproveitar o sábado pra e uma bagunça que você nem faz ideia. Sabe o que eu fir hoje?
De almoço, quero dizer.
- Fala.
-Uma comida que você adora
-Então não fala, já que não me convidou pra almoçar.
- Estrogonofe
-Eu disse para não falar
Amanhã eu vou af e a gente cozinha juntos, tá born assim?
-Vai querer comer a mesma comida?
-Coloco uns ingredientes diferentes, que tal?
- Vai me dizer que conhece outra pessoa e tá me
ando um fora pelo telefone?
-Ai, mas quanta bobagem
-Você nem ficou animado com o meu estrogonofe -E porque não estou pensando em comida agora, só isso.
-Bem...
-Não gostou da ideia?
-Lúcia, eu estive pensanda
- Ahn.
-Fala, Vladmir!
-Sabe o Sebastião?
-Que é que tem o Sebastião?
-A gente está sempre conversando.
- Isso eu sei.
- Boa gente, ele. Tem hora que dou risada, ele fala cada uma... Então, Lúcia. O Sebastião e eu... Bom.....
-Mas que enrolação!
-Eu sugeri um pacto pro Sebastião.
- Pacto?
- Coisa antiga esse negócio. Como é, selaram o pacto
- É.
com sangue também?
- Tá bom, desculpa. Qual é o pacto?
- Se ele entrar numa escola pra aprender a ler, eu também entro no curso de braile do Instituto.
- É sério, Lúcia
- Tá bom, desculpa. Qual é o pacto?
-Se ele entrar na escola para aprender a ler, eu também entro no curso de braile do Instituto.​
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