A noção de sujeito social universal, ainda que de diferentes formas, sempre esteve presente nas Ciências Sociais. Trata-se da própria preocupação com a ação política na sociedade e com a definição do objeto de estudo da pesquisa.
No pensamento liberal, influenciado pelos ideais iluministas, há a noção do sujeito social como universal, livre, autônomo e racional. Conceber a existência do sujeito universal é atribuir-lhe homogeneidade, ou, em outras palavras, unidade. A crítica marxista, partindo de categorias como classe social, mais-valia e alienação, atacou o pensamento liberal, revelando-o como preso ao interesse particular de uma classe social específica a burguesia. Pensadoras feministas marxistas agregaram mais uma crítica, apontando que o sujeito do liberalismo, além de burguês, é também masculino, portanto, sua pretensa universalidade esconde, na verdade, sua especificidade.
No interior do pensamento marxista o sujeito é concebido tendo a classe social como seu fundamento. Esse pensamento oferece como contribuição a construção teórico-metodológica do sujeito histórico e material. Entretanto, aproveitando-se das contribuições do marxismo e indo além dessas, pensadoras feministas apontaram que a classe social, como categoria de análise, baseia-se em um essencialismo do sujeito, universalizando-o no interior de cada classe. Essa universalidade é também masculina. Além do mais, o sujeito, de acordo com essa crítica, é constituído por múltiplas posições, plurais, contraditórias e contingentes, retirando desse modo a centralidade da classe social e 'descentrando' o sujeito.
Temos aqui um problema de duas naturezas com a noção de sujeito: primeiro a crítica ao sujeito masculino como universal, revelando as operações hierárquicas das diferenças sexuais; depois a crítica à essencialização do sujeito (sexo ou classe social), postulando um descentramento da constituição dos sujeitos e das identidades. Nos dois casos, a rejeição à oposição binária masculino/feminino faz-se presente.
Simone de Beauvoir, em seu livro O segundo sexo, foi uma das precursoras na crítica ao sujeito, desafiando sua presumida universalidade, neutralidade e unidade, argumentado que no mundo social existem aqueles que ocupam a posição não específica, sem marcações (sexual, racial, religiosa), 'universal', e aqueles que são definidos, reduzidos e marcados por sua 'diferença', sempre aprisionados em suas especificidades, designando o outro. Isto define a posição de homens e mulheres: "O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro".1 Dito de outro modo, "o masculino está investido dos significados de representação da totalidade, ao mesmo tempo em que possui a qualidade de um gênero frente ao outro".2
Denunciar a referência masculina do sujeito implica sua 'desconstrução' e seu descentramento. Muitos autores e autoras, de variadas perspectivas teóricas e temas de interesse, têm apontado a limitação de categorias como 'classe social' para explicar a posição dos sujeitos e a constituição das identidades ou consciência. Octavio Ianni, por exemplo, costumava assinalar em suas aulas que as classes sociais, embora fundamentais para a explicação sociológica, não são suficientes para a análise das relações de gênero e das relações raciais, por exemplo.3
Entretanto, para enfrentar os problemas teórico-metodológicos suscitados por essas críticas, não foi suficiente incluir as mulheres nas análises, dizendo que a cidadania, bem como a classe social, são compostas por homens e mulheres, ainda que essa 'denúncia' tenha tido grande importância. Tal procedimento não resolvia de todo o problema com o universalismo, o essencialismo e o binarismo, que constroem hierarquias e subordinações.
Conforme Joan Scott, "o que parecia necessário era uma análise da discriminação que incluísse as próprias categorias, categorias como classe, trabalhador, cidadão e até homem e mulher".4 Essa percepção aponta a necessidade de examinar essas categorias de um novo ângulo, o que tem resultado nas teorias de gênero. Autoras como Judith Butler, Joan Scott, Chantal Mouffe e Teresa de Lauretis, entre outras, têm tratado dessas questões. Para Guacira Lopes Louro,
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O sujeito social como problema
A noção de sujeito social universal, ainda que de diferentes formas, sempre esteve presente nas Ciências Sociais. Trata-se da própria preocupação com a ação política na sociedade e com a definição do objeto de estudo da pesquisa.
No pensamento liberal, influenciado pelos ideais iluministas, há a noção do sujeito social como universal, livre, autônomo e racional. Conceber a existência do sujeito universal é atribuir-lhe homogeneidade, ou, em outras palavras, unidade. A crítica marxista, partindo de categorias como classe social, mais-valia e alienação, atacou o pensamento liberal, revelando-o como preso ao interesse particular de uma classe social específica a burguesia. Pensadoras feministas marxistas agregaram mais uma crítica, apontando que o sujeito do liberalismo, além de burguês, é também masculino, portanto, sua pretensa universalidade esconde, na verdade, sua especificidade.
No interior do pensamento marxista o sujeito é concebido tendo a classe social como seu fundamento. Esse pensamento oferece como contribuição a construção teórico-metodológica do sujeito histórico e material. Entretanto, aproveitando-se das contribuições do marxismo e indo além dessas, pensadoras feministas apontaram que a classe social, como categoria de análise, baseia-se em um essencialismo do sujeito, universalizando-o no interior de cada classe. Essa universalidade é também masculina. Além do mais, o sujeito, de acordo com essa crítica, é constituído por múltiplas posições, plurais, contraditórias e contingentes, retirando desse modo a centralidade da classe social e 'descentrando' o sujeito.
Temos aqui um problema de duas naturezas com a noção de sujeito: primeiro a crítica ao sujeito masculino como universal, revelando as operações hierárquicas das diferenças sexuais; depois a crítica à essencialização do sujeito (sexo ou classe social), postulando um descentramento da constituição dos sujeitos e das identidades. Nos dois casos, a rejeição à oposição binária masculino/feminino faz-se presente.
Simone de Beauvoir, em seu livro O segundo sexo, foi uma das precursoras na crítica ao sujeito, desafiando sua presumida universalidade, neutralidade e unidade, argumentado que no mundo social existem aqueles que ocupam a posição não específica, sem marcações (sexual, racial, religiosa), 'universal', e aqueles que são definidos, reduzidos e marcados por sua 'diferença', sempre aprisionados em suas especificidades, designando o outro. Isto define a posição de homens e mulheres: "O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro".1 Dito de outro modo, "o masculino está investido dos significados de representação da totalidade, ao mesmo tempo em que possui a qualidade de um gênero frente ao outro".2
Denunciar a referência masculina do sujeito implica sua 'desconstrução' e seu descentramento. Muitos autores e autoras, de variadas perspectivas teóricas e temas de interesse, têm apontado a limitação de categorias como 'classe social' para explicar a posição dos sujeitos e a constituição das identidades ou consciência. Octavio Ianni, por exemplo, costumava assinalar em suas aulas que as classes sociais, embora fundamentais para a explicação sociológica, não são suficientes para a análise das relações de gênero e das relações raciais, por exemplo.3
Entretanto, para enfrentar os problemas teórico-metodológicos suscitados por essas críticas, não foi suficiente incluir as mulheres nas análises, dizendo que a cidadania, bem como a classe social, são compostas por homens e mulheres, ainda que essa 'denúncia' tenha tido grande importância. Tal procedimento não resolvia de todo o problema com o universalismo, o essencialismo e o binarismo, que constroem hierarquias e subordinações.
Conforme Joan Scott, "o que parecia necessário era uma análise da discriminação que incluísse as próprias categorias, categorias como classe, trabalhador, cidadão e até homem e mulher".4 Essa percepção aponta a necessidade de examinar essas categorias de um novo ângulo, o que tem resultado nas teorias de gênero. Autoras como Judith Butler, Joan Scott, Chantal Mouffe e Teresa de Lauretis, entre outras, têm tratado dessas questões. Para Guacira Lopes Louro,