Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
ANÁLISE ECONÔMICA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL OPORTUNISTA VERSUS O INADIMPLEMENTO EFICIENTE (EFFICIENT BREACH) Alexandre Bueno Cateb1 Sílvia Mechelany Veloso
Resumo:
Abstract:
O contrato como celebração de acordo de vontades, tal como apregoado pela civil law, recebe tratamento completamente diverso em países de common law, cujo conceito deste pacto é essencialmente econômico; e a indenização como método de reparar a inadimplência prevalece sobre a execução específica, positivado como um direito do contratante no Brasil. São dois sistemas jurídicos diversos e que desenvolveram metodologias diversas para sanar questões de oportunismo e quebra contratual, mas que muitas vezes se complementam, através da incorporação de teorias e normas que se compravam eficientes em sua origem. Entretanto, justamente por se tratar de sistemas diversos, essa adoção de teorias do direito comparado deve ser aplicada com ressalvas, visto que pode trazer
The contract as a agreement deal in a civil law regime, receives a different interpretation in a common law view, that prefer a economic interpretation of contract, and the material an moral damages in more used the specific performance. This working paper analysised the breach of the marketing contract for the campaign of one of the most famous beer company in Brasil, Schincariol, that had the popular singer Zeca Pagodinho as the company's celebrity endorser. The one million contract was broken when the rival Brahma beer company offered a best proposal to do a new marketing campaign with the same singer, in a clear advertasement battle. The celebrity wrote a song that contains the message that the Skincariol was a “summer love”, but Brahma was his real love that he
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Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (1995) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Professor da Universidade Fumec e do Ibmec/MG. É fundador, ex-presidente e atual vice-presidente da Associação Mineira de Direito e Economia - AMDE. Fundador, ex-presidente e atual diretor tesoureiro da Associação Brasileira de Direito e Economia ABDE. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado, desenvolvendo pesquisas nos seguintes temas: Direito Comercial e Empresarial, Análise Econômica do Direito.
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resultados não desejados quando da sua utilização. O trabalho analisa a quebra contratual do contrato celebrado para realização da campanha publicitária de uma das mais famosas marcas de cervejaria brasileira, a Schincariol, que selecionou o cantor Zeca Pagodinho como garoto – propaganda. O contrato, no valor de um milhão de reais, foi quebrado quando a concorrente Brahma uma proposta mais valiosa ao cantor para realização de uma nova campanha publicitária, em uma batalha entre as marcas. Nesta nova campanha o cantor declarava preferir a marca rival, ignorando a cláusula de exclusividade existente no contrato antigo. A aplicação da teoria do efficient breach protege o poder de barganha do contratado, porém, principalmente devido à peculiaridades do sistema legal brasileiro deve ser visto com cautela. Insegurança jurídica, aumento nos custos de transação, desincentivo a compartilhar informações, perda de eficiência no mercado subjacente e mecanismos informais como reputação e confiança, acrescentados ao estudo dos contratos pela análise econômica do direito devem ser considerados ao tratarmos desta questão.
never could forget, ignoring the exclusivity clause in the first contract. The possibility of breach enfforces the power of negociation, but it's apllication need caution. Considering the brasilian legislation an peculiarities, the insecurity created by the possibility of breach could increase in significant levels the transation costs and makes the reveal of information even harder, representing a lost in effeciency in market and contracts, and in informal sanctions like reputation and confidence.
Keywords: efficient breach – morality – specific performance – compensation for damages – economic analysis of law
Palavras-Chave: inadimplemento eficiente –– moralidade – execução específica - indenização – análise econômica do direito
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I. O Hold Up Contratual e o Risco da Renegociação Judicial
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m sentido literal, a tradução para o termo hold up é a equivalente a expressão “tomar como refém”, o que designa com fidelidade o contexto do que ocorre com uma das partes do contrato em face do inadimplemento
injustificado do outro contratante. Apenas com o fim de exemplificar como a prática de hold up ocorre corriqueiramente nas mais diversas ramificações do mercado, extraímos do trabalho de Shavell2 um exemplo peculiar envolvendo o canal de TV paga HBO. James Gandolfini, famoso ator da popular séria The Sopranos, ameaçou interromper as gravações e abandonar seu papel na série caso seu contrato, que previa o pagamento de quatrocentos dólares por episódio não fosse revisto pelo canal contratante. Sem possibilidade de negociação, e sob o risco iminente de ver um de seus principais programas fracassar, a HBO aumentou o valor em questão para oitocentos dólares por episódio. Este exemplo expressa a coerência do termo tomar como refén, pois é evidente que o hold up ocorre jutamente quando o contratante não possui outra alternativa que não seja ceder, sob pena de desfazimento completo do negócio jurídico e as perdas e danos, sobretudo de investimentos e expectativas frustradas dele decorrentes.
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Shavell, Steven Contractual Hold Up and Legal Intervation papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=716901 Acesso em 10/02/2012
Disponível
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Um outro fator que torna a prática de hold up merecedora de um estudo destacado de outras práticas contratuais oportunistas é que a perspectiva de ressarcimento parece sempre ser muito inferior ao dano que um dos contratantes ameaça causar ao outro. No exemplo já citado, é pouco provável que o ator possuísse bens o suficiente para indenizar a HBO pelos danos decorrentes do encerramento intempestivo da série. Mas apenas para enfatizar essa característica, cita-se um outro exemplo elaborado por Shavell. Uma empresa de construção utiliza um método muito mais oneroso e exclusivo do que o contratado para construir uma fábrica, sendo que quando a construção está em andamento , a empresa ameaça inadimplir o contrato salvo se houver um substancial aumento do preço acordado para o serviço. Os contratantes, sem poder de negociação, visto que a tecnologia de construção não é compartilhada por outros construtores do ramo, “são rendidos” pelo hold up e cedem, aumentando o preço. Por essas e outras razões apontadas nos exemplos citados, o hold up contratual constitui uma prática socialmente indesejada, visto que diminui a confiança entre os 3
agentes e aumenta os custos de transação além do necessário para efetivadade do
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O conceito de custos de transação, inicialmente desenvolvido por Ronald Coase em seu artigo The Problem of Social Cost – Journal of Law and Economics, 1960, é um dos fundamentos centrais da Nova Economia Institucional, que tem por maiores expoentes Douglas North e Oliver Williansom. No Brasil, autores consagrados como Raquel Stajn e Decio Zylberstajn desenvolveram a vertente Direito, Economia e Organizações, em alusão à influência das instituições da diminuição dos custos de transação no mercado. Stajn, Raquel. Zylberstajn. Direito & Economia: Análise Econômica e das Organizações. Editora Campus. Rio de Janeiro: 2005. É de Raquel Stajn um dos conceitos masi completos sobre custos de transação: “Consideram-se custos de transação aqueles incorridos nas transações ainda quando não representados por dispêndios financeiros (isto é, movimentação de caixa), derivados ou impostos pelo conjunto de medidas tomadas para realizar uma determinada operação ou transação. Incluem-se no conceito de custo de transação o esforço com a procura de bens ou serviços em mercados; a análise comparativa de preço e qualidade entre os bens ofertados; a segurança quanto ao adimplemento da
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negócio jurídico, e transforma a contratação e a indesejada renegociação em um jogo não cooperativo. Esse é um dos principais efeitos negativos do hold up, qual seja a tendência a induzir as vítimas em potencial a aumentar os gastos com mecanismos de defesa diante de uma futura tentativa de oportunismo contratual, o que, em última análise, também representa alocação ineficiente de recursos e é uma prática incoerente com o objetivo primordial dos contratos, além de dificultar investimentos e tornar determinados contratos inviáveis ante à perspectiva de alto risco e os custos elevados para conter esses riscos. Alicerçado em argumentos de teoria econômica dos contratos, o professor Fernando Araújo4 aduz que um dos contratantes ao antever a possibilidade de uma tentativa de oportunismo, como as descritas no início deste item, pode adotar o comportamento estratégico de cumprir com parcimônia os termos pactuados, interrompendo o aporte de novos investimentos e diminuindo assim sua vulnerabilidade e também a extensão do prejuízo caso o outro jogador insista na estratégia oportunista. O ideal é que esse comportamento conduza ao almejado equilíbrio de Nash, reconduzindo o contrato ao ideal de eficiência para o qual foi criado.
operação pelas partes; a certeza de que o adimplemento será perfeito e a tempo; eventuais garantias que sejam requeridas na hipótese de eventual inadimplemento ou adimplemento imperfeito; a redação de instrumentos contratuais que reflitam todas as tratativas e eventos possíveis que possam afetar as prestações respectivas, que desenhem com clareza os direitos, deveres e obrigações das partes. Compreende, portanto, todos os esforços, cuidados e o tempo gasto entre o início da busca pelo bem, a decisão de efetuar a operação e o cumprimento satisfatório de todas as obrigações assumidas pelos contrantes. Também devem ser incluídos movimentos que se sigam à operação que uma das partes deva fazer para a completa satisfação de seu crédito.” Stajn. Raquel. A Incompletude do Contrato de Sociedade. Revista de Direito Mercantil, n. 131.página 8
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Com o intuito de reforçar o argumento de que os contratantes coagidos não 5
deixarão de responder o autor cita também o chamado “Jogo do Ultimato” , uma alusão à reciprocidade ou espelhamento de estratégias que podem ser cooperativas ou absolutamente egoístas, sendo que estas últimas conduzem ao jogo de soma zero que caracterizada o hold up, ou a retomada do equilíbrio contratual. Já revisão judicial comporta algumas considerações. A primeira é que nem sempre existem condições de renegociação, pois fatores como alto custo de transação, de oportunidade e mesmo o tempo demandado pela revisão contratual podem inviabilizar completamente a utilização eficiente deste remédio jurídico sem a perda total do investimento. Em tempo, é sabido que esta prática oportunista é ensejada sobretudo pela incompletude contratual, característica generalziada dos contratos de execução diferida, por isso, é possível concluir que ao aproximar o contrato de uma completude ótima, tem-se um respaldo contra eventuais estratégias oportunistas que possam ocorrer no decorrer de sua vigência. Além disso, as cortes americanas, valendo-se da relevância dos fundamentos
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Fernando Araújo. Teoria Económica dos Contratos. Editora Almeidina. Coimbra: 2007. Página 639 “Trata-se de um jogo de soma zero em que duas pessoas procuram dividir entre elas uma quantia fixa de dinheiro: uma das partes, o proponente, faz uma proposta de divisão; se a outra, o destinatário, aceita, é essa divisão que prevalece; se o destinatário não aceita, nenhuma das partes recebe qualquer quantia. Em equilíbrio, dois jogadores racionais e egoístas deveriam chegar a uma repartição extremamente inigualitária: o proponente faria uma proposta mínima, de modo a maximizar o seu ganho à a custa do destinatário; e este, confrontado com esta situação de pegar ou largar (daí a designação de ultimato), preferirá aceitar essa proposta mínima à alternativa de ficar sem nada. E no entanto, a reiterada experimentação com este jogo te levado à constatação de que o jogo tende para uma repartição equilibrada do bolo, visto que os destinatários, fiés a uma lógica não tuísta, rejeitam consistentemente as propostas que deixariam o proponente com bastante mais do que 50% - preferindo assim a probabilidade de perder tudo, castigando um proponente ganancioso, à certeza de uma gratificação, reduzida embora, da sua própria ganância.” Araújo, Fernando. Teoria Económica do Contrato. Editora Almedina, Coimbra 2007. página 323. 5
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jurisprudenciais para criar institutos jurídicos na common law, desenvolveu o Unconscionability, aplicado quando uma das partes possui o poder de barganha muito superior a outra, fundamentando a intervenção judicial em uma estratégia que tornou uma das partes oprimida ou em extrema desvantagem em relação a outra.
II - O Efficient Breach: o caso Zeca Pagodinho
A
teoria desenvolvida em 1970 por Birminghan, ainda que o termo efficient breach somente tenha sido acolhido anos mais tarde por Scot e Goetz6, já designava a ruptura do pacto caracterizada pelo benefício de uma das
partes que ficaria em melhor situação do que estava quando do cumprimento do contrato original. A teoria é defendida por um dos maiores autores em análise econômica do direito, Richard Posner, mas, apesar da robusta adesão aos fundamentos da quebra eficiente, os argumentos contrários merecem ser considerados neste estudo, visto que trazem ponderações que não podem ser descartadas de nenhuma análise interdisciplinar que se propõe a avaliar a incidência do critério eficiência aliado aos demais valores acolhidos e resguardos pelo direito, cuja inobservância também produz externalidades no mercado, tanto quanto aquela. A questão surge então da seguinte indagação extraída do trabalho de Joseph M. Perillo sobre a obra de Oliver Wendell Homes, jurista americano que influenciou o
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Perillo, Joseph M., Misreading Oliver Wendell Holmes on Efficient Breach on Tortius Interference. Diponível em papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=241263 Acesso em 09/03/2012
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pensamento da Suprema Corte nos anos 30, em suas conclusões sobre o estudo dos contratos firmou o entendimento de que a única obrigação do jogador que descumpre o pactuado é de indenizar a outra parte. Não obstante, se somos todos livres para quebrar os contratos que celebramos, por que então a terceira parte que nos induz a essa quebra deveria pagar indenização apenas por propor algo que somos livres para fazer?7 A questão não é tão simples quanto parece. Conforme Perillo se propõe a esclarecer, o trabalho de Holme's recebeu interpretação equivovada de seus pares, pois, conforme extraído do seguinte trecho do próprio Oliver Holmes em carta à Sir Frederick Pollock, o entendimento que jurista pretendeu apregoar era o de que a quebra contratual deveria ser tratada pelo direito com o mesmo rigor dos casos de cometimento dano e responsabilidade civil, devido à seriedade dos efeitos negativos por elas gerados: “I stick to my paradox as to what a contract was at common law: not a promise to pay damages or, etc., but an act imposing a liability to damages nisi. You commit a tort & are liable. You commit a contract and are liable unless the event agreed upon, over which you may have no, and never have absolute, control, comes to pass.”8
Já para Richard Posner, o impasse deve receber outra interpretação, conforme extraído do seguinte trecho da obra Handbook of Intellectual Property Claims and
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Remington. Clark A.Intentional Interference with Contract and the Doctrine of Efficient Breach: Fine Tuning the Notion of the Contract Breacher as Wrongdoer Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=148553 Acesso em 12/03/2012 8 Perillo, Joseph M., Misreading Oliver Wendell Holmes on Efficient Breach on Tortius Interference.
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Remedies : “Even if the breach is deliberate, it is not necessarily blameworthy. The promisor may simply have discovered that his performance is worth more to someone else. If so, efficiency is promoted by allowing him to break his promise, provided he makes good the promisee's actual losses. If he is forced to pay more than that, an efficient breach may be deterred, and the law doesn't want to bring about such a result.”
Um dos mais conhecidos casos de rompimento contratual eficiente no Brasil é o chamado caso Zeca Pagodinho, no qual o cantor firmou um contrato com uma famosa cervejaria, a Schincariol, pelo valor de um milhão de reais para que sua imagem fosse associada à marca de cerveja em questão, através de campanha publicitária. Ocorre que, pouco tempo depois, após ampla divulgação da campanha publicitária via mídia televisiva entre outras, o cantor passou a figurar como “garoto propaganda” da cervejaria concorrente, a marca Brahma, desmentindo sua preferência pela primeira marca e por consequência descumprindo o contrato firmado anteriormente. Para a campanha da Brahma, o cantor compôs uma letra na qual se refere à marca Schincariol como um “amor de verão”, afirmando para o público em geral que na verdade preferia a marca concorrente, conforme assim aduzido na música “Amor de Verão” de Zeca Pagodinho: “Quem já não viveu/Um amor de verão?/Até tentou e descobriu/Que
Diponível em papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=241263 Acesso em 09/03/2012 9 Flinn. Patrick J. Handbook of Intellectual Property Claims and Remedies. Aspen Publishers. 1999
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era ilusão/Coisa de momento/Que balança o coração/Mas meu amor/Não tem comparação.../Fui provar outro sabor/Eu sei!/Mas não largo o meu amor/Voltei!...(2x)/Sem ela não tem papo/O pagode não dá liga/Sem ela não há festa/Ela refresca a minha vida/Cair em tentação/Pode ocorrer com qualquer um/Mas grande amor/Só existe um.../Fui provar outro sabor/Eu sei!/Mas não largo o meu amor/Voltei!...(3x)/-"Brahma, a cerveja/Que o Brasil ama/Aprecie com Moderação"10
Antes de prosseguir, uma primeira característica evidente do efficient breach é que o poder de barganha do contratado é significativamente protegido e mantido ao longo do contrato justamente devido a possibilidade do efficient breach, mais ou menos como ocorre em uma relação de emprego, onde o contratado estará sempre em condições de renegociar as condições do contrato se estiver em condições de disputar altenativas melhores no mercado. Outro argumento que costuma acompanhar o debate sobre esse polêmico instituto é um dos temas centrais em direito e economia, a eficiência. Se, com a quebra contratual, umas das partes fica em situação mais vantajosa do que estava anteriormente, superando a perda da parte prejudicada, e há possibilidade de compensação para o perdedor, então o inadimplemento é Kaldor-Hichs eficiente, atendendo ao pressuposto de que o Direito Contratual deve proteger a eficiência e deveria, subsquentemente, proteger a quebra eficiente. Porém, a doutrina do efficient breach deve ser analisada com ressalvas. O
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Disponível em http://letras.terra.com.br/zeca-pagodinho/49408/ Acesso em 15/03/2012
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descumprimento contratual implica em sanções legais no ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo em contratos onde quantias vultuosas como o caso zeca pagadinho, em que o pagamento pelo descumprimento supera em muito o valor de uma eventual multa contratual que possa ter sido prevista, há sempre sanções informais decorrentes das já mencionadas normas sociais, bem como a possível aplicação da eficiente soft law. Outro fator relevante é a assimetria de informação entre os contrantes e o tribunal acionado para quantificar o dano. As partes conhecem o mercado em que atuam e tiveram a possibilidade de negociar e compartilhar informações que culminara em determinada alocação de recursos. Por isso, uma intervenção judicial somente seria eficiente se o tribunal conhecesse o mercado em questão, o nível de cooperação e expectativas dos agentes e as cláusulas acordadas, bem como o compartilhamento de riscos, para que a intervenção judicial não resulte em um jogo de soma – zero ou transforme o mercado em questão em um ambiente propício ao oportunismo. O contrato entre a cervejaria Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes SA e o cantor Zeca Pagodinho incluía a cláusula de exclusividade, ou seja, ao celebrar o contrato nos termos propostos, o cantor estaria se obrigando a disponibilizar sua imagem apenas para a empresa contrantes, o que implicava não permitir que seu nome ou imagem fosse associados à outra marca do mesmo produto. O que ocorreu, no entanto, foi que a concorrente Companhia de Bebidas das Américas – Ambev, contratou a agência de publicidade JGS Produções Artísticas para elaborar uma campanha que combatesse o enorme sucesso que a concorrente havia feito com 28
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a presença de Jessé Gomes da Silva Filho, ou Zeca Pagodinho. A estratégia da agência de publicidade foi justamente “cooptar” a estrela da campanha concorrente. II. 1 – Análise Econômica da Decisão Judicial do Caso Zeca Pagodinho A 36 vara cível de São Paulo-capital, processo nº 109.435-2/04 e nº 27.913-8/04, condenou o cantor Zeca Pagadinho e a JCS produções a pagar uma indenização no valor de 2 milhões para a Schincarial, restituindo o valor da contratação, 930 mil, e também o mesmo valor a título de dano moral, devido ao descumprimento do instrumento particular de contrato de prestação de serviço, concessão de direitos de uso e imagem e som de voz por tempo determinado para utilização em campanha publicitária , principalmente em decorrência da inobservância da clásula de exclusividade. O tribunal de justiça de São Paulo, ao conhecer da apelação n. 7.155.293-9, assim reformou parcialmente a decisão de primeiro grau, nos seguintes termos: “INDENIZAÇÃO - Danos morais e materiais - Contrato de utilização da imagem e voz de cantor em campanha publicitária de cerveja -Quebra do contrato, com o debande do artista para empresa concorrente Violação do contrato, com efetivação de danos materiais e morais ~ Provimento parcial a ambos os recursos - Danos materiais a serem apurados
em
liquidação
de
sentença
por
arbitramento,
proporcionalmente ao efetivo cumprimento do contrato de prestação de serviços - Dano moral, considerando a condição das partes e o valor do contrato, na quantia de R$ 420.000,00.”
A questão da confiança no mercado, que reduz custos de transação e aumenta o 29
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nível da eficiência na execução dos pactos privados, ainda que não haja alusão expressa à análise econômica do direito, o magistrado, mesmo que intuitivamente, aplicou conceitos basilares do estudo interdisciplinar em sua decisão, visto que a associação entre direito e economia é inegável, mesmo para aqueles que ainda não despertaram para esse movimento. Nesse sentido é o seguinte trecho do voto extraído do referido julgamento da Apelação Cível n.o 7155293-9. : “O contrato estava em plena vigência, com cláusula expressa de exclusividade, patente a violação do contrato, diante da cooptação do cantor "Zeca Pagodinho", que coligou-se à empresa concorrente, ato pessoal que se tornou público e notório. Com a obra "Amor de Verão", não só expôs a falta de solidez da palavra empenhada, mas praticou explícita "infidelidade", passando ao motejo e à mofa, em relação aos produtos da autora, para fazer sobressair os da cervejaria concorrente, em absoluto desprezo ao princípio da probidade e da boa-fé contratual, conceito ético, mas também econômico, "ligado à funcionalidade econômica do contrato e a serviço da finalidade econômico-social que o contrato persegue ". Persegue-se e ambos contratantes têm esse dever, 'a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais sobre a ordem econômica através do comportamento fundido na lealdade e confiança" (Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, RT 819/382). O princípio da probidade e boa-fé está presente no artigo 422 do Código Civil de 2002: "Os contratantes estão obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé". O insigne Washington de Barros Monteiro preleciona que "O princípio da probidade versa sobre um conjunto de deveres, exigidos nas relações jurídicas, em especial, os de veracidade, integridade,
honradez
e
lealdade."
Desse
princípio
decorre
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logicamente o da boa-fé, que reflete não apenas uma regra de conduta, mas consubstancia a eticidade orientadora 33 da construção jurídica do Código Civil de 2002.”
Elementos informais como a reputação e a credibilidade ensejam transações em níveis ótimos de confiança, onde contratos incompletos são celebrados e cumpridos ainda que sem o respaldo de clásulas de garantias e de execussão forçada onerasamente incluídas no contrato, reduzindo-se o tempo de negociação e a fiscalização que, em razão da desconfiança, seria constante e encareceria consideravelmente o contrato. Por isso a confiança é também um valor, e que por afetar diretamente a atuação dos agentes econômicos no mercado, sobretudo quando trata-se da negociação e celebração de contratos e sua função social que é a circulação eficiente de riquezas e alocação eficiente de recursos, é necessário considerar a confiança como um valor a ser protegido, não somente pelos meios formais, mas também por ferramentas acrescentadas pela soft law e normas sociais. O Superior Tribunal de Justiça11, ao analisar a questão exarou entendimento no seguinte sentido: “Código Civil de 2002:"Os contratantes estão obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé". (...) citação doutrinária. A conduta do réu
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Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1203153, Relator Publicação 21/09/2011
Ministro Sidenei Beneti, Data da
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"Zeca Pagodinho" evidencia absoluta máfé e não pode ser aceita como padrão de comportamento normal. O interesse egoístico, a quebra da lealdade e confiança, com infringência do princípio da obrigatoriedade contratual, importaram em rompimento deliberado do contrato e prejuízos à outra parte. Embora os réus devam ressarcir a autora pela quebra do contrato, o valor não pode ser no alto montante de R$ 1.860.000,00. E que o artista participou de comerciais. A própria autora admite que "aprimeira inserção da campanha da autora ocorreu em Io de setembro de 2003 ", de maneira que a exclusividade teria que ser observada até a data de 31 de agosto de 2004, em virtude do prescrito na cláusula sexta do contrato. Os autos noticiam que, embora desprezada pelos réus, receberam eles a vultosa quantia de R$ 600.000,00, assumindo, na hipótese de quebra contratual, a obrigação de restituir tal importância, respondendo, ainda, por multa, em caso de descumprimento do contrato, desde que agissem com culpa (cláusula 16a - fls. 73).Nada obstante tenha havido quebra do contrato, afigura-se excessivo o montante indenizatório de R$ 1.860.000,00, conforme fixado em Io grau.”
É justamente devido a litigâncias12 como esta que a doutrina do efficient breach no Brasil deve ser vista com extrema cautela. A função social do contrato, conforme preceitua o Movimento Law and Economics, é justamente contribuir para uma alocação eficiente de recursos e facilitar a negociação e trocas entre agentes econômicos no mercado. Por isso seria uma prática aceitável a quebra contratual caso a melhor proposta possibilitasse ao agente descumpridor efetivar uma compensação
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Williansom. Oliver. Why Law and Economics and papers.ssrn.com/paper.tafabstractid=255624 Acesso em 05/01/2012
Organization?
Disponível
em
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kaldor-hichs eficiente ao contratante original. Porém, a execução específica é um dos direitos do contratante, sendo que
um dos objetivos do Direito Contratual é
justamente evitar demandas judiciais, visto que somente contribuem para um alto nível de desconfiança, assimetria de informação e ineficiência,
gerando
externalidades negativas no mercado subjacente.13 De uma interpretação com fundamento na versão explicativa14 do Direito e Economia Positivos, segundo a qual o fenômeno jurídico pode ser explicado de acordo com a maximização através de escolhas racionais, carece de outros conceitos primordiais para a análise completa, conceitos não restritos à ciência econômica ou jurídica, mas essenciais à interpretação interdisciplinar do caso concreto, visto que relacionados à ordem social, ao bom funcionamento do mercado e à segurança jurídica. Basicamente, a quebra contratual estudada foi provocada pela Ambev, que além de responder por qualquer indenização imputada ao cantor, ainda ofereceu a quantia de nove milhões de reais para convencê-lo. E um primeiro momento é possível verificar a eficiência aqui, pois a situação de uma das partes melhorou muito,
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Coase. Ronald. The Problem of Social Cost. Disponível em www.sfu.ca/~allen/CoaseJLE1960.pdf Acesso em 10/01/2011 14 O Direito e Economia Positivos guarda três versões distintas. A versão reducionista, segundo a qual as categorias fundamentais do direito devem sucumbir à categorias exclusivamente econômicas, por exemplo, a responsabilidade civil, a justiça, obrigações e direitos, deveriam ser substituído por categorias econômicas. Não é precido dizer que essa vertente não possui adeptos. Se a eficiência substituísse o valor justiça, o direito correria o risco nefasto de assumir condutas criminosas, como o trabalho escravo, o que não deve ser admitido, pois ainda antes de proteger o critério eficiência, o direito deve ser justo. A segunda vertente é a explicativa, pois a teoria econômica explicaria a estrutura das normas jurídicas, pois essas seriam o resultado das escolhas humanas fundadas na máxima de que os indivíduos são maximizadores racionais de suas preferências em um ambiente de escassez de recursos. Porém, esta teoria comporta uma falácia, que é o de estirpar de seu conceito valores de ordem social, cultural e históricos. Por fim, a terceira versão, chamada preditiva, tem o viés de possibilitar ao legislador e ao aplicador do direito conhecer de antemão as prováveis induções de comportamento geradas pelo sistema legal. Salama.
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não se pode desconsiderar que o contrato com a Schincarial foi fixado em R$ 930.000,00, já o acordo com a Bhrama no valor de nove milhões, além de a Ambev haver se responsabilizado por qualquer indenização devida à sua concorrente. Porém, caso a doutrina do efficient breach oferecesse fundamento à decisões judiciais em casos análogos, como seriam então verificados outros valores igualmente respaldados pelo direito, além da eficiência? Nesse sentido destaca-se o trabalho de Joseph M. Perillo15: “What is wrong with the efficient breach theory and why do I charge that the theory is pernicious when applied as a normative tool for legal decisions? The theory has two aspects. First, it claims to explain the existing rules of contract damages. Second, it claims to be a basis for the decisions of cases not clearly falling into the damages rules that routinely are applied. There is little basis for the idea of efficient breach theory as a basis for existing rules of contract damages. In addition, the proposition that the theory should be applied to encourage a contracting party to breach is dubious indeed. The cause of encouraging efficient breaches would sacrifice too many other values that the law holds dear.”
Não obstante, é preciso analisar separadamente duas relações distintas, a primeira, entre o cantor e a Schincariol, e a segunda, entre o cantor e a Bhrama, que para a teoria do efficient breach não precisaria pagar nada a ele. Porém, com fundamento na
Bruno Meyerhof. O que é Direito e Economia? Direito e Economia. Organizador Luciano Benetti Timm. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre: 2008 15 Perillo, Joseph M., Misreading Oliver Wendell Holmes on Efficient Breach on Tortius Interference. Diponível em papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=241263 Acesso em 09/03/2012
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função social dos contratos conforme o movimento law and economics, o que importa é facilitar a circulação de riquezas, reduzindo custos de transação e fomentando negociações transparentes no mercado. Assim como ocorre em um casamento, que guardadas as devidas divergências, pode oferecer bons exemplos de contratos relacionais, um dos aspectos que marcam o fim da negociação pré-contratual e a celebração do contrato é justamente o fato de que, ao optar por celebrar o contrato com determinado agente econômico, significa invarialmente rejeitar todas as outras opções no mercado. Para que essa escolha seja eficiente e justa há a fase de negociação que deve ser protegida pelo direito, com fomento à revelação de informaões, definição dos direitos de propriedade, redução dos custos de transação e das externalidades. Para melhor explicar essa comparação cita-se os ensimentos do nunca assaz citado Fernando Araújo que sobre o casamento e o paradigma contratual assim aduz: “Se recordamos que nenhuma das características do fenômeno relacional é o isolamento das partes face à alternativa do mercado, também é intuitivo associarmos essa característica aos deveres de fidelidade que acompanham o cumprimento do contrato matrimonial.”16 A quebra contratual decorrente da atuação da Bhrama em coopetar o garoto propaganda da sua rival gerou externalidades nno contrato original, e a adoção irrestrita desta prática, com a ausência de qualquer responsabilidade civil a ser
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Araújo. Fernando. Teoria Económica do Contrato. Editora Almedina. Coimbra: 2007. Página 1012.
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imputada ao cantor e a Bhrama torna imprescindíveis a adoção de garantias e clásulas de excecução dos contratos que certamente atingem o mercado sob a forma de aumento de desconfiança, custos de transação representados inclusive pela inspeção constante do cumprimento do pacto durante a execução do contrato, além do desincentivo exponencial à revelação de informações. II .2 - O Inadimplemento e a Questão da Moralidade Steven Shavell, aduz que apesar de o indadimplemento contratual ser considerado imoral, o sistema legal da common law constuma permitir quebras contratuais quando há a indenização correspondente, porém, o autor expressamente aduz que a quebra moral ocorre quando da superveniência de situações não previstas no contrato celebrado. Porém, considerando a teoria dos contratos incompletos, Steven Shavell, aduz que apesar de o indadimplemento contratual ser considerado imoral, o sistema legal da common law constuma permitir quebras contratuais quando há a indenização correspondente, porém, o autor expressamente aduz que a quebra moral ocorre quando da superveniência de situações não previstas no contrato celebrado. “Given the importance of incompleteness of contracts, we know that questions about the morality of breach will often concern situations in which the contingency that occurred was not specifically mentioned in the caontract. If a snow clearing company breaches its contract to clear my driveway when its equipment was stolen but the contract did not explicitly address that contingency, we cannot assess the morality of the breach by pretending that the contract did address the
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contingency (in which case the breach would be immoral by hipothesis). We must engage in further inquiry. To determine “whether performance would … have been required had the contingency been expressly addressed” in the contract, that is, we need to understand the chareacter of hypothetical complete contracts.”
Não obstante, conforme antes ressaltado, no caso Zeca Pagodinho havia sim uma cláusula de exclusividade no contrato para cessão de uso de imagem e voz para campanha publicitária da marca Schincariol. Assim, diferentemente do exemplo aduzido por Shavell, o inadimplemento não foi decorrente de lacuna contratual, mas sim de oportunismo contratual. Isto enseja altos custos de transação no mercado, além de perda de credibilidade para o contratado inadimplente, que possivelmente não será contrato para nenhuma outra campanha publicitária. Por isso, Luciano Timm enfatiza em seu trabalho “Ainda sobre a Função Social dos Contratos” a necessidade de se fortalecer a eficiência de cláusulas de liquidação de danos e cláusulas penais como ferramentas que fomentam o adimplemento e reduzem a litigância judicial, o que representaria redução nos custos de transação e maior segurança e confiança no mercado. Isto porque a intervenção judicial, ao contrário do que muitos acreditam, não gera eficiência, mas sim produz externalidades negativas visto que o julgador possui evidente desvantagem informativa em relação ao contrato e ao mercado, e ainda porque, à semelhança do que ocorre no chamado hold up contratual, a indenização tende a ser insuficiente em
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face dos prejuízos suportados, em face da perdas não somente materiais como principalmente em face de perdas morais. II.3 - A Execução Específica da Civil Law e a Indenização da Common Law As cortes americanas privilegiam a indenização e não a execução específica justamente para evitar que os tribunais se envolvam em uma administração custosa do contrato, e ainda porque o efficient breach deve ser preservado no sentido de que pode produzir uma alocação de recursos mais eficiente do que a do contrato originalmente celebrado. A eficiência do ponto de vista do direito norte americano é pautada na visão positiva do Law and Economics, o que afeta em muito a definição do termo eficiência, porque aqui a análise descreve o ser, e não exatamente o dever ser, ou seja, descrevem uma realidade, ao contrário da vertente normativa, que propõe o dever ser. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde o conceito de contrato é basicamente de acordo de vontades, no Direito norte-americano, o contrato é um ato econômico, sujeito à teoria da barganha e ao consideration. Por isso a prevalência da indenização sobre a execução específica, conforme o artigo 475: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”
Porém, a execução específica representa alto custo de agência, devido à assimetria de informação entre os agentes econômicos contratantes e o Estado-juiz, além de praticamente inviabilizar a realocação eficiente. Além disso, muitas vezes o próprio 38
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descumprimento torna a execução específica impossível, como no caso Zeca Pagodinho. Como, após a veiculação da campanha da marca de cervejaria Brahma, o cantor poderia voltar atrás e ser novamente o garoto propaganda da Schincariol, a primeira contratante? Impossível. Além disso, nessa situação não ocorreu uma dano considerável a imagem da primeira contratante, visto que apesar da batalha publicitária, a primeira campanha, da Brahma, foi um sucesso, como a própria empresa declarou nos autos da ação ordinária de indenização. Ou seja, o que seria realmente uma resposta eficiente do Direito Contratual seria o fomento ao adimplemento, através de mecanismos que fortalecem a segurança nas trocas econômicas, como a soft law, as normas sociais e a interpretação interdisciplinar das clásulas abertas no Código Civil brasileiro, como os artigos 478, 187, 421, 317 e 475. O controverso tema encontra tratamento jurídico absolutamente diverso em países de civil law e common law, considerando questões normalmente conflitantes como eficiência e moralidade, indenização e execução específica, dentre outras questões inerentes ao estudo da análise econômica do direito. Apesar de manter o poder de barganha e negociação durante a execução do contrato e representar uma possível realocação eficiente de recursos, o efficient breach no Brasil deve ser aplicado com cautela, visto que todo contrato é incompleto e seus ultrapassam aqueles internalizados pelas partes. Em um sistema legal no qual a execução específica é direito do contratante, salvo se este optar por receber a indenização, o mercado e o próprio sistema legal podem 39
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se tornar reféns de um altíssimo custo de transação e também do desincentivo à realocações eficientes em contratos relacionais.
III – Conclusão sobre a Aplicabilidade do Efficient Breach no Brasil
F
oi objetivo deste trabalho questionar a viabilidade da incidência da doutrina do efficient breach no sistema legal brasileiro, inclusivo como fundamento jurisprudencial, visto que trata-se de questão controversa por representar
uma versão explicativa da teoria econômica, com primazia do fundamento da maximização racional de interesses que explicaria os fundamentos jurídicos, estirpando fatores culturais e sociais desta análise. Não obstante a análise econômica do direito sobreveio justamente para agregar institutos, critérios e modelos econômicos antes desconhecidos ao direito, porém não veio propor uma substituição ou subsunsão de uma ciência a outra. Há sim uma inegável sofisticação na análise interdisciplinar, pois, consoante o pragmatismo de Posner, que apesar de defender a doutrina do efficient breach, propõe a conciliação de critério de eficiência e justiça, afastando o viés reducionista desta análise. É justamente para atingir objetivos protegidos pelo direito contratual é que a doutrina do inadimplemento eficiente deve ser vista com ressalvas. Um judicário subsidiado pelo Estado, lento e com alto índice de litigantes objetivando execução específica e revisão contratual, não expressa um cenário que beneficiaria o mercado e as relações contratuais, muito menos ante à livre possibilidade de fundamentar o descumprimento em uma eficiência kaldor-hichs. 40
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Além disso, conforme preceitua o professor Joseph M. Perillo, corre-se o risco de determinar uma aplicação explicativa da teoria econômica, ignorando o fato de que o direito contratual deseja sim evitar quebras, eficientes ou não. Isto porque quebras contratuais, eficiente ou não, tendem a frustrar expectativas, atingir reputações e prejudicar o jogo cooperativo, além de precipitar disputas judiciais que nem sempre tendem à decisões eficientes e justas na mesma medida, conforme aduz o professor: “The legal system knows, what economic science does not know–damages and other legal remedies are substitutes for private warfare.”17 Por isso a dotrina do efficient breach deve ser vista de forma comedida, subsidiando apenas parcialmente decisões normativas sobre a questão, sendo prudente afastar a análise explicativa, incluindo categorias interdisciplinares, conforme propõe o movimento law and economics.
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