Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa
Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa Luiz Pinguelli Rosa * e Carlos Augusto Amaral Hoffman **
I. Introdução A política do atual Governo aponta para a privatização, sob forma de venda de ativos do Estado e para a participação privada na expansão do setor, o que pode se dar pela venda de ações das empresas públicas, parcerias para conclusão de obras, estímulo à cogeração por indústrias para venda de excedente à rede. A Lei de Concessões de Serviços Públicos, a Lei 8987 aprovada em 13 de fevereiro de 1995 segue esta linha. Essa Lei permite a prorrogação das concessões atuais, tanto às de distribuição, cuja maior parte está com as concessionárias estaduais (cujos acionistas majoritários são os Governos Estaduais), como às de geração e transmissão, com preponderância das empresas do Grupo ELETROBRÁS (cujo acionista majoritário é a União). Eram exceções as empresas distribuidoras federais a LIGHT no Rio e a ESCELSA, no Espírito Santo. A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. ESCELSA foi privatizada, quatro dias após a aprovação da Lei 9074(que regulamenta a Lei das Concessões e cria a figura do Produtor Independente), em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e que foi questionado judicialmente, pois existem dúvidas no meio jurídico sobre a constitucionalidade da Lei das Concessões (Ver item 4). Além dessas dúvidas, fica evidente que o preço mínimo das ações, obtido na avaliação dos consultores, contratados pelo BNDES ficou aquém do que poderia ser alcançado pela venda de um serviço, ainda, monopolizado. O trabalho apresenta, crucialmente, informações relevantes sobre a ESCELSA (Sec. II); sobre sua estrutura de custos e tarifas (Sec. III); as questões legais (Sec. IV) e, finalmente, os cenários de evolução das tarifas (Sec. V e VI). II. Estrutura da Escelsa e do Mercado A empresa era, até 1994, uma sociedade anônima de capital fechado, controlada pela ELETROBRÁS, com 72,337%o das ações e com participação do Governo Estadual (23,176%), as Prefeituras (2,298%) e outros acionistas com os restantes 2,189%. No final de 1994 o Governo Estadual vendeu sua participação que foi, na época, contestada judicialmente pelo movimento sindical. Ao Estado do Espírito Santo era garantida por dispositivo estatutário a indicação de um dos diretores e, caso sua participação atingisse 30%, de dois diretores. Assim, mesmo minoritário, o Governo Estadual podia influir na estratégia da empresa. A ESCELSA era estruturada em4 Diretorias e a Presidência, com um quadro funcional de 2674 empregados distribuídos da seguinte forma [Rodrigues et alli., 1995]:
*
Distribuição
53,9%
Operação
22,4%
Suprimento
16,8%
Finanças
4,1%
Presidência
2,2%
Cedidos
0,5%
Diretor da COPPE/UFRJ e Presidente da ALAPE. Doutorando da PPE/COPPE
**
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa A empresa atende a 63 municípios pertencentes à sua área de concessão cerca de 90% do território estadual. O restante é atendido pela empresa privada Empresa de Luz e Força Santa Maria S.A. ELFSM que atende seis municípios. A concessão da ESCELSA foi estabelecida por decretos e portarias vencendo uma parte entre 1997 e 2005, ou prazo indeterminado, outra parte. A empresa, como toda concessionária, está sob fiscalização do DNAEE, com os objetivos de:
acompanhar a prestação dos serviços;
zelar pela qualidade dos serviços;
supervisionar a exploração dos recursos hídricos;
autorizar os níveis tarifários propostos pela empresa.
A ESCELSA faz parte do Sistema Interligado do SulSudeste. coordenado pela ELETROBRÁS, holding das empresas elétricas federais, com a interveniência de órgãos colegiados onde estão representadas todas as empresas: Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos. Criado pela Portaria MME n° 1617 de 23/11/82; Grupo Coordenador para Operação Interligada, criado pela Lei 5899 de 05/07/73 (conhecida como Lei de Itaipú) e regulamentadapeloDecreton°73102de07/11/73; Em 1994 foi aprovada a Lei 1009 que instituiu o SINTREL, pacto operativo com as linhas de transmissão das empresas federais, incluindo a ESCELSA, e aberto à adesão das estaduais e cuja coordenação era da ELETROBRÁS. O objetivo era permitir, entre outras mudanças, o acesso à rede por produtores independentes, ou de cogeradores, bem como a compra de energia fora da empresa concessionária da área, com pagamento de "wheeling" para o uso da rede. Como não houve adesão de nenhuma concessionária, aproveitouse a regulamentação da Lei das Concessões, para viabilizar o acesso à rede, condicionando a prorrogação das concessões à liberação de alguns consumidores (atendidos em tensão superior à 69 kV e demanda contratada acima de 10 MW). A capacidade instalada da ESCELSA é de cerca de 160 MW, correspondendo a 24% das necessidades do mercado. O restante é fornecido por FURNAS e ITAIPUBINACIONAL. As usinas da ESCELSA são hidráulicas, destacandose Mascarenhas no Rio Doce com 123 MW e Suíça no Rio Santa Maria com 30 MW. Estas duas usinas totalizam 96% da capacidade instalada total. Pela Lei de Itaipú, de 1973, a aquisição da energia daquela Usina, correspondente às quotas partes, é compulsória para as principais concessionárias do sistema interligado SulSudeste. Esta aquisição atinge cerca de 30% da energia distribuída pela ESCELSA. O restante advêm da geração própria de FURNAS, e comporão o custo médio de suprimento da ESCELSA(Ver Sec. III). A rede da ESCELSA compõese de 29,2 mil Km de linhas nas tensões de 230, 138, 69 e 34,5 kV. O sistema se interliga ao SulSudeste através de uma linha de 345 kV com o tronco de FURNAS e de outra linha de 230 kV com a CEMIG. O consumo de energia elétrica na área de concessão da ESCELSA foi de 4,362 TWh em 1993, cerca de 2% do consumo nacional. O mercado da ESCELSA constituise de 614 mil clientes nas diversas classes de consumo. A densidade de consumidores é de 15 por kmz . Para a comparação, a densidade da LIGHT é de 236 por km 2 . A estrutura do consumo, importante para a elaboração de cenários prospectivos é [Rodrigues et alli, 1995]:
Setor industrial 53,8%
Setor residencial 19,9%
Setor comercial 11,3%
Setor rural 4,2%
Setor público. 2,5%
Outros 8,2%
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa III. Tarifas e Custos
III.1 Estrutura Tarifária As tarifas foram desatualizadas pela chamada Lei Hélices Rezende(Lei 8631 ) aprovada no início do Governo Itamar Franco, permitindo cada empresa definir sua estrutura e nível tarifário, embora sujeita à aprovação do DNAEE. Com a política econômica de contenção da inflação, incluindo as tarifas públicas, na prática esta lei foi revogada desde o Plano Real. Com a privatização da Escelsa ela poderá ser evocada para mudanças de tarifa, já que essa é relativamente baixa no Brasil em geral. A prestação do serviço de energia elétrica tem custos bastante diferenciados em função da sazonalidade (hidroelicidade relacionada ao regime pluviométrico), da tipicidade do consumidor (carga) e do horário (ponta e fora de ponta) e da garantia do fornecimento (interruptível ou firme). Uma empresa de eletricidade procura ter uma estrutura tarifária que leve em conta custos do atendimento e tarifas cobradas ao consumidor final, permitindo subsídios cruzados para indústrias eletro intensivas, consumidores de baixa renda e áreas rurais. Em teoria, a privatização tende a reduzir tais subsídios, pois o acionista majoritário buscará a maximização do seu lucro e evitará ao máximo que atividades nãolucrativas tenham predominância com seu negócio. A tarifa média fornecimento da ESCELSA, em abril de 94, era de US$ 54/MWh, o que lhe permitia operar os subsídios cruzados sem incorrer com prejuízo. Destacamse no faturamento da empresa os seguintes subgrupos tarifários: o subgrupo B1, para os consumidores residenciais; o subgrupo A2, composto de grandes consumidores industriais atendidos em alta tensão; o subgrupo A4, para consumidores do setor público e de algumas empresas; o subgrupo B3, para o setor comercial e público; outros, incluindo o suprimento à EFLSM. As tarifas industriais (A2) são as mais baixas, com exceção do suprimento para a Empresa Santa Maria, como mostra a Figura 1 a seguir. A Lei Eliseu Rezende de 1993 (n°.8631) estabeleceu obrigatoriedade de contratos de fornecimento entre a geradora (FURNAS) e a ESCELSA, que fixa sua demanda de potência e de energia a curto, médio e longo prazos. FURNAS calcula suas tarifas com base nestas previsões e no consumo efetivo passado. As tarifas de suprimento de FURNAS à ESCELSA no período 19942003 foram estabelecidas por um contrato decenal em US$ 24.35/ MWh. A tarifa de Itaipú foi de US$ 38.43/MWh em 1993. Com isto, e supondo que a energia própria gerada pela ESCELSA, corresponda à US$ 5/MWh, então o custo médio da energia era de US$ 28.19/MWh. A tarifa de venda para a EFLSM era, naquela época, inferior ao custo médio do suprimento.
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa Figura 1 Tarifas Praticadas
Fonte: [DIEESE, 1995] A participação no faturamento dos subgrupos era (abril de 1994) é mostrado na Tabela 1. Tabela 1 Participação no Faturamento e no Consumo SUBGRUPO
FATURAMENTO
CONSUMO
B1 A2 A4 B3 A3 B2 B4 Fonte: [DIEESE, 1995]
30,6% 27,6% 18,3% 13,1% 4,0% 4,0% 2,4%
20,8% 44,5% 16,6% 7,5% 3,8% 4,2% 2,6%
Como se pode verificar há um nítido cruzamento entre os grupos B1(residencial) e A2(industrial) quanto às participações no faturamento e no consumo que, em parte, pode ser justificado pela diferença entre os custos marginais do atendimento a cada um deles.
III.2 Desempenho Econômico Financeiro e Técnico A empresa não escapou da crise do setor elétrico com tarifas historicamente comprimidas, evidenciado pela rentabilidade do patrimônio líquido, medida pela relação entre o lucro líquido e o patrimônio líquido que reduziuse entre 1989 e 1992, tornandose negativo a partir de 1991.0utro indicador que demonstra a crise é o da taxa de remuneração do investimento, definida segundo o critério de "custo de serviço" e que não atingiu nestes anos o mínimo legal de 10% ,sendo até, em alguns anos, negativa. A partir de 1993 a recuperação tarifária e o cancelamento das dívidas intrasetoriais (CRC) diminuíram o grau de endividamento, que passou de 53% em 1989 para 29% nesse ano, repercutindo positivamente na liquidez da empresa, que melhorou.
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa Alguns aspectos dos indicadores de despesas mostram a melhoria do desempenho da empresa. O item compra de energia apresentou redução, com. os contratos com FURNAS, passando de 54,79% da receita operacional em 1993 contra 61,08% em 1992. Isto devese, fundamentalmente, a que o aumento de tarifa de fornecimento foi superior ao de tarifa de suprimento (contatos com FURNAS). As despesas com pessoal permaneceu na média histórica dos últimos 5 anos, em torno de 27 %. A tarifa média após atingir um patamar irrisório de US$ 26/MWh recuperouse em 1990 para US$ 50/MWh, caindo em 1991 para US$ 42/Mwh e subindo em 1993 para cerca de US$54/MWh, ficando neste patamar ao longo do Plano Real. Para esse quadro contribuiu o aumento da tarifa residencial que no período 19861993 variou, em termos reais, de 130%. Quanto ao desempenho técnico, que reflete necessidades de investimento na distribuição, destacamse as perdas (tanto as técnicas quanto as comerciais) que subiram a uma taxa média anual de 9,8% entre 1988 e 1993, atingindo neste ano 11,4% da energia requerida, ou seja, cerca de 500 GWh ou US$ 27 milhões. Estas perdas não se explicam apenas por problemas técnicos, mas também por desvios, ligações clandestinas e adulterações ou mesmo inexistência de medidores. A deterioração do desempenho operativo da ESCELSA pode ser observado pela queda nos índices de continuidade dos serviços de energia elétrica, acompanhados pelo DNAEE e que medem a qualidade do serviço prestado pelas concessionárias e que são: DEC duração equivalente por consumidor FEC freqüência equivalente por consumidor O DEC mede o número médio de horas sem energia por consumidor e foi 24,31 horas em 1991, acimado limite permitido de 22horas e muito acima da média da região Sudeste, de 20 horas.0 FEC mede o número médio de interrupções por consumidor e foi de 17,08 em 1991,.acima do limite aceitável de 12,6 e da média da região Sudeste que foi de 12 interrupções por consumidor[Rodrigues et alli, 1995]: IV A Privatização da Escelsa
IV.1 O Processo de Venda No Leilão de Privatização da ESCELSA, empresa elétrica federal do Espírito Santo, foram arrecadados em dinheiro R$ 220 milhões. De fato, o valor da empresa, avaliado pelos consórcios, contratados pelo BNDES, por meio do fluxo de caixa descontado, era cerca de R$ 600 milhões. Para a transferência do controle acionário bastava a venda de mais de 50% das ações que foram compradas no leilão por R$ 338 milhões, sendo R$ I 18 milhões pagos em papéis (moeda podre) [Rosa, 1995]. Mas a empresa tinha em caixa R$70 milhões e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vai "securitizar" para ela R$ 198 milhões nas contas de resultados a compensar(CRC). FURNAS tem um saldo de R$ 600 milhões de crédito em CRC e não pode usála, ao contrário da ESCELSA privada. Além disso, foi feita compra antecipada de energia de FURNAS para a ESCELSA, de R$ 36 milhões. Os novos controladores da ESCELSA passaram a dispor de cerca de R$ 300 milhões. A empresa vem aumentando sua receita acentuadamente e tem havido aumento da tarifa média, colocando em dúvida a projeção do fluxo de caixa feita pelos dois consórcios, um deles liderado por Deloitte Touche Tohmatsu Consultores S.C. e outro liderado pela TREVISAN. Ademais, do edital do leilão proibia os serviços conexos à energia elétrica, mas um segundo edital incluiu telecomunicações, sem ser reavaliado o fluxo de caixa. Dessa forma, a receita crescerá com o simples aluguel das torres ou do uso da rede instalada para passagem de cabos de telecomunicações, inclusive de fibras óticas.
IV.2 A Questão da Legalidade da Forma de Privatização O Artigo 175 da Constituição determina que a transferência de concessão deve ser feita pela União por meio de licitação. A Lei 8666 estabelece as modalidades de licitação. O leilão é restrito à venda de bens inservíveis ao Estado. Uma concessão é uma responsabilidade que a União delega. Não é o caso de uma siderúrgica ou outra fábrica. Pode faltar o produto ou a fábrica ser fechada após ser privatizada, como fez uma empresa no Nordeste. Mas, se faltar luz, as cidades ficam às escuras, os hospitais param, indústrias não produzem. Por isso, a licitação de serviço público tem de ser feita por concorrência pública. A Lei de Concessões, estabelece as exigências que o edital de concorrência deve fazer para qualificados concorrentes. Nada foi feito sob alegação de que se leiloou o controle da empresa apenas. Em seguida, o Governo outorgou a concessão à empresa privatizada sem nenhuma licitação. A nova Lei de
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa Concessões, que saiu às pressas quase simultaneamente ao leilão da Escelsa admite a modalidade de leilão, mas é conflitante com o Artigo 175 da Constituição. Sindicatos do setor, ligados à Central Única dos Trabalhadores pediram liminar contra isso, negada por um juiz federal declarando haver grandes interesses comerciais em jogo. Outra liminar pedida através do exPresidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Herman Baeta [1995], foi negada. A sentença rebate a citação do Artigo 21 da Constituição. Só que esse não foi citado na ação, e sim o Artigo 175.
IV.3 Os Efeitos Imediatos e a Questão da Concessão Se o objetivo é arrecadar recursos para abater a dívida do Governo para controle da inflação, o BNDES foi incompetente, pois foram arrecadados R$ 220 milhões na venda e deixados R$ 300 milhões em favor da empresa, como foi visto na Seção IV.l. Se o objetivo é baixar tarifas, não é real: a Companhia Elétrica de Mato Grosso compra energia da Usina de Juba, do grupo privado Itamarati, por mais de US$ 40/MWh, enquanto Furnas, estatal, a fornece por cerca de US$ 25/MWh. Se o objetivo é expandir a oferta, a participação privada deveria ser em obras, cogeração, produção independente e conservação de energia. Se o objetivo é puramente passar empresas elétricas para a gestão privada, então que o BNDES aja com competência para que a venda obedeça os princípios éticos e legais do serviço público. Os novos controladores têm com o Poder Concedente, a União representada pelo DNAEE um Contrato de Concessão, definindo todos os deveres e direitos da Concessionária e os deveres e direitos de seus consumidores. Esse contrato está previsto na Lei das Concessões. O Contrato de Concessão 001/95,reproduz "ipsis literis" a Lei das Concessões, ficando vago e impreciso o que se entende por "qualidade, regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, modicidade das tarifas e cortesia na prestação dos serviços aos usuários" (Ver Cláusula Quarta Das Condiçoes Gerais de Fornecimento). Um dos pontos obscuros do Contrato é o que estanciece a duração do mesmo. Pela Lei o prazo máximo de uma concessão é de trinta mais uma prorrogação de vinte anos. No contrato tem os já citados 30 anos, mas na Cláusula Segunda prevê prorrogação, sem definir o novo prazo. Outro ponto é o referente ao acesso à rede de transmissão. Como já citado, o SINTREL é um pacto operativo entre as empresas do Grupo ELETROBRAS que, na época de sua criação, incluía a ESCELSA. O Contrato de Concessão, em sua cláusula Quinta Obrigações da Concessionária estabelece na letra m que essa deve "aderir ao Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica SINTREL". V Cenários da Evolução das Tarifas com a Privatização
V.1 Comparação Internacional Em primeiro lugar, deve ser observado que a tendência predominante, nos países em que ocorreu a privatização do setor elétrico, tem sido 0 aumento generalizado das tarifas. Segundo dados da OLADE [1991], no início de 1991 os níveis tarifários na Argentina e Chile, após privatizarem o setor elétrico, comparativamente ao Brasil eram os mostrados na Tabela 2. Tabela 2 Tarifas Elétricas US$ / MWh1991 Residencial
Comercial
Industrial
Argentina
94,3
106,2
63,1
Chile
111,1
102,3
63,2
Brasil 51,3 Fonte: OLADE [1991]
57,1
29,2
Outros dados, apresentados no CIER em 1994 [Edison R. Matthey, 1994] para o Chile, que é o caso melhor, são mostrados na Tabela 3.
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Tabela 3 Tarifas no Chile US$ / MWh US$/MWh
Residencial
Pequenas Indústrias
Grandes Indústrias
96,3
86,2
54,5
Abril93 81,5 Fonte: MATHOY [1994]
81,5
51,6
Abril91
Apesar de pequena queda observada, as tarifas ainda são muito mais elevadas do que no Brasil. O Regulatory Polycy Institute de Oxford concluiu que na Inglaterra a energia elétrica era em 1991 25% mais cara para o setor residencial e 18% mais cara para o industrial do que seria sem a privatização [Gordon MacKerron, 1994]. Estes sistemas privatizados têm forte componente de geração termelétrica, o que é diferente do caso brasileiro onde hoje mais de 90% da geração ë hidrelétrica. Entretanto, há tendência à termeletrificação da expansão, apesar de haver cerca de 12 GW de obras, a maioria de hidrelétricas, a serem completadas. As termelétricas poderão ter um papel relevante localmente em alguns estados, como o Espírito Santo.
V.2 A Construção dos Cenários Segundo relatório do Banco Mundial [ 1990] o custo marginal no Brasil, pelo qual ele recomenda atribuir o preço da energia, era: Industrial
Residencial
AI
Bl
44,75 US$/MWh A2
48,40
A3
50,90
A4
63,99
98,95
Tomando como base este valor, hipoteticamente, a tarifa A2 praticada pela ESCELSA subiria de cerca de 33.3 US$/MWh para 48.40 US$/MWh, o que implicaria um aumento de 45,3%. O valor atual é cerca de 64% do chileno em grandes indústrias (alta voltagem) em abril de 1993 (51.6US$/MWh). Na direção do aumento da tarifa com a privatização contribuem: a) aumento da remuneração do capital do investidor; b) necessidade de investimento na distribuição que está se deteriorando; c) possível aumento da tarifa de geração e transmissão, que afeta a energia comprada pela ESCELSA, e tendência de tarifas próximas no Mercosul.; d) possíveis alternativas de geração termelétrica no Espírito Santo, usando carvão trazido no retorno dos navios da Vale do Rio Doce. Em direção oposta podem atuar: a') redução dos custos operacionais pelo aumento da eficiência técnica e redução de perdas; b') aumento da produtividade e redução do pessoal; c') contratos assinados com FURNAS até 2003; d') précompra de energia de Itaipú acertada pela ESCELSA, antes da privatização. O item a dependerá do valor de venda da empresa na privatização, ainda indefinido. Mas a remuneração do capital privado deverá estar entre 15% e 20% ao ano, enquanto o do setor público é legalmente 10% e na prática tem sido negativa ou muito baixa. O irem d depende muito da eficiência da termelétrica, que pode ser de cerca de 50% se usar ciclo combinado a gás, mas é de 30 a 40% com turbinas a vapor e carvão sem a gaseificação deste. O
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa preço do carvão é geralmente sensível ao preço internacional do petróleo que tende a aumentar no longo prazo. Relatório do Conselho Mundial de Energia aponta24 US$/ barril a médio prazo, mas este valor pode aumentar com as taxações de emissãodeC02emdiscussãonaConvençãodoClimanaONUeporfatores políticos imponderáveis. Com base nestes dados são conjecturados os seguintes cenários de tarifas: Alta predomínio dos pontos (a), (b), (c), (d) Baixa predomínio dos pontos(a'),(b'),(c'),(d') Média compensação entre (a), (b), (c), (d) e (a'), (b'), (c' ), (d' ) ou entre alguns deles. Tarifa Média Geral (US$ / MWh) PRAZO
MÉDIO
Alto
70
Médio
65
Baixo
60
Tarifa Industrial(A2) (US$ / MWh) PRAZO
MÉDIO
Alto
48
Médio
43
Baixo
38
Arbitrouse aqui como médio prazo o de 2 a 5 anos, o que poderia ser considerado curto face aos prazos típicos do setor elétrico. VI. Análise dos Resultados e Conclusões Os cenários apontam um sensível aumento de tarifas. Estes valores são conjecturas para o médio prazo para discussão e aprofundamento com a obtenção demais dados. A curto prazo, por razões políticas, não se espera que o DNAEE autorize aumentos de tarifas substanciais. O trabalho do Banco Mundial usado como referência para cálculo preliminar é anterior à Lei de Concessões. Esta Lei alterou significativamente a concepção de mercado de energia elétrica com a criação do mercado concorrencial, constituído por aqueles consumidores atendidos em tensão superior à 69 KV e com demanda contratada superior a 10 MW. Estes poderão comprar sua energia de outras concessionárias, via o sistema de wheeling do SINTREL, ou de produtores independentes. Podese considerar que esta parcela seja responsável pela quase totalidade dos consumidores atendidos em A2 pela Escelsa. Para simplificar o exercício, supõese que o mercado concorrencial alcance40% do mercado da ESCELSA. Ora, o contrato de concessão estabelece que o concessionário poderá majorar (ou diminuir) suas tarifas caso ocorra uma variação de mercado que altere a condição inicial de equilíbrio econômicofinanceiro do Contrato de Concessão (Ver SubCláusula Primeira da Cláusula Nona Tarifas de Energia Elétrica). Este será o caso da introdução do mercado concorrencial, pois haverá uma perda potencial de receita da ordem de 25%. Essa diferença hipotética terá de ser cobrada dos denominados consumidores cativos. Dessa forma, devese esperar reajustes maiores nas tarifas para consumidores residenciais, comerciais e pequenas indústrias, que não estão no mercado concorrencial. Os impactos do mercado concorrencial somente se dará emprazo maior, embora o cenário de elevação das tarifas para os consumidores cativos poderá ocorrer antes, na medida em que o
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa desempenho da categoria industrial na ESCELSA está intimamente ligado aos preços internacionais das commodities produzida pela indústria, como os pellets de minério de ferro. Se houver uma repetição do ocorrido em 1993, quando caiu o preço desses produtos, acarretando queda do mercado da ES CELSA, haverá o processo perverso de aumento da tarifa residencial e das pequenas empresas.
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Revista Brasileira de Energia Vol. 4 | N o 2 Cenários sobre o Impacto da Privatização do Setor Elétrico nas Tarifas: O Caso da Escelsa Referências ·
BAETA, Herman; Ação em nome do Presidente do Clube de Engenharia, Raymundo de Oliveira e de L.P. Rosa, 1995.
·
BANCO MUNDIAL, Relatório ao Governo Brasileiro sobre Energia; 1990.
·
MACKERRON, Gordon; Sussex University Paper, 1994. MATHEY, Edison; CIER, 1994.
·
OLADE, Relatório, 1991.
·
Processo de Privatização do Setor Elétrico Brasileiro. O Caso da Escelsa Estudos Setoriais DIEESE,n°4, 1995.
·
ROSA, L.P.; Folha de São Paulo, maio de 1995.
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