I.S.C.T.E. Relatório Científico-Pedagógico da disciplina de

I.S.C.T.E. INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

Relatório Científico-Pedagógico da disciplina de

ANTROPOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Ricard

Author Ana Pinheiro Alencar

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I.S.C.T.E. INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

Relatório Científico-Pedagógico da disciplina de

ANTROPOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Ricardo Manuel das Neves Vieira

Provas de Agregação (Grupo XV de Disciplinas de Antropologia)

Outubro de 2004

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Relatório apresentado nos termos do art.º 9.º, n.º 1, alínea a) do Decreto n.º 301/72 de 14 de Agosto e de acordo com o n.º 6, alínea a), do regulamento das provas de agregação da Summa Scientífica do ISCTE, publicado em DR. II (183) de 7-8-1999 para provas para a obtenção do título de Agregado do Grupo XV de Disciplinas de Antropologia, ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa Lisboa O relatório que aqui se apresenta é relativo à disciplina de Antropologia da Educação.

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ÍNDICE

Introdução

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PARTE I Antropologia da Educação: conceito e contexto

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1.Conceito e contexto da Antropologia da Educação 2.A Antropologia da Educação em Portugal 3.Investigação e Ensino da Antropologia da Educação no ISCTE.

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PARTE II Organização da Disciplina de Antropologia da Educação

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1.Introdução 2.Legitimação da cadeira nas licenciaturas de Antropologia, Sociologia e Psicologia Social 3.Objectivos da disciplina de Antropologia da Educação 4.Programa da cadeira 4.1. Apresentação sucinta 4.2. Apresentação detalhada 1.Antropologia, Educação e Teoria Social Contemporânea 2.Cultura e Identidade 3.Processo educativo e contextos culturais 4.Da multiculturalidade da sociedade portuguesa 5.Educação e Diversidade Cultural 6.Linguagem, Comunicação e Educação 7.Entre a Escola e o Lar: a aprendizagem no lar 8.Entre a Escola e o Lar: o ensino e a aprendizagem na escola 9.A mundialização da cultura 10. Teoria e metodologia da Antropologia da Educação 11. Como me tornei naquilo que sou 12. Educação, Identidade e metamorfoses culturais

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III Opções Pedagógicas e critérios de avaliação 1. Funcionamento da cadeira 2. Programação e bibliografia 3. Sistema, critérios e parâmetros de Avaliação 4. Bibliografia Geral

193 193 193 194 195

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IV Anexos Programas de 1994/95 a 2004/2005

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INTRODUÇÃO Sou Professor Coordenador da ESEL – Escola Superior de Educação de Leiria – que integra o Instituto Politécnico de Leiria. O Estatuto da Carreira Docente do Ensino Politécnico prevê a Agregação para os Professores Coordenadores mas este não têm meio de a fazer a não ser por recurso a uma Universidade. Embora Licenciado (1985) e Mestre (1991) pela Universidade Nova de Lisboa, é no ISCTE onde mais me familiarizei e colaborei com a Antropologia da Educação, quer na participação e animação de Seminários, em júris de Mestrado e Doutoramento, quer na orientação de teses em curso no presente momento. Enquanto terminava a parte curricular do mestrado (1989), já fazia trabalho de campo numa escola do distrito de Leiria, orientado pelo Professor Doutor Raul Iturra, que veio a ser meu orientador na tese desse mestrado e no doutoramento que conclui no ISCTE em 1997. Desde o início da década de 90 que a minha ligação ao ISCTE se veio a aprofundar, seja com a inscrição no doutoramento seja com a minha inserção em projectos de investigação financiados pela FCT e coordenados pelo Professor Raul Iturra, um dos quais me havia de levar até Paris, à Ecole Des Hautes Etudes en Sciences Sociales e ao Collège de France onde trabalhei com a equipa de Pierre Bourdieu, em particular com Monique de Saint Martin e com François Bonvin, que viria mais tarde a animar alguns seminários no ISCTE e na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, organizados por Raul Iturra. François Bonvin acompanhou-me em Leiria em vários momentos da minha etnografia escolar e mais tarde integrou o meu júri de doutoramento. Tenho também leccionado no ISCTE, em aulas de Antropologia da Educação, da licenciatura em Antropologia, de etnopsicologia, das licenciaturas em antropologia, psicologia e sociologia, e no mestrado em Antropologia da Educação, recentemente iniciado (2003-2005). Em Leiria, para além das licenciatruras do âmbito das Ciências Sociais, e fora do domínio mais restrito das Ciências da Educação, onde tenho investido muito (Relações Humanas e Comunicação no Trabalho, Turismo, Comunicação Social e Educação Multimédia, Serviço Social, Educação Social e Desenvolvimento Comunitário), tenho leccionado,

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desde 1987, Antropologia Social e Cultural (cadeira obrigatória), Antropologia da Educação (cadeira optativa, criada em 1992)) e Educação Intercultural (cadeira obrigatória) aos cursos de formação de professores (1.º e 2.º ciclos), sempre com uma forte componente pedagógica e educativa. Independentemente

do

nome

das

disciplinas

em

que

tenho

trabalhado,

é

fundamentalmente em torno da Antropologia da Educação que tenho desenvolvido as minhas aulas, não só na ESEL, mas também no ISCTE, FPCE-UP, FPCE-UL (cf. curriculum vitae que acompanha o processo destas provas), domínio também onde tenho feito a maior parte da minha pesquisa e publicação de artigos e livros.

Este Relatório está dividido em quatro partes:

1. Na primeira, “Antropologia da Educação: conceito e contexto”, traço um breve historial da Antropologia da Educação em Geral e em Portugal e no ISCTE em particular.

2. Na segunda, “Aulas e Seminários”, apresenta-se o programa proposto, com os seus objectivos, conteúdos e avaliação, em versão sintética e detalhada e apresentam-se de forma mais pormenorizada as 12 aulas e seminários previstos, de acordo com a seguinte estrutura: textos de base, objectivos, palavras-chave, desenvolvimento, referências bibliográficas e bibliografia complementar.

3. Na terceira parte surgem as opções pedagógicas, incluindo a bibliografia geral – que exclui as referências bibliográficas e bibliografia complementar apresentadas no final de cada aula – e os critérios e parâmetros de avaliação.

4. Finalmente, a quarta parte corresponde aos anexos e integra os programas de Antropologia da Educação leccionados no ISCTE entre 1994/95 e 2004/05.

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PARTE I Antropologia da Educação: conceito e contexto

1. Conceito e contexto da Antropologia da Educação “Talvez aos leitores não tenha ocorrido ainda que a criança sabe. Quer dizer criança é um ser humano capaz de definir o real tal como esse real surge aos seus olhos e ouvidos. […] A maior parte das sociedades, ocidentais ou em processo de transição para o desenvolvimento, ou ainda naquelas onde subsistem usos e costumes ditos primitivos, tem o cuidado de entender que os pequenos deverão ser adultos semelhantes a eles. Toda a sociedade espalhada pelo mundo cuida, considera, toma conta dos mais novos como seres que virão a reproduzir o agir social; pelo que nenhuma transgressão é aceite socialmente. Eis a ideia que domina todo o pensamento científico como o pragmático, na nossa sociedade: bom e mau comportamento, prémio e castigo, louvor ou punição, inteligência ou desentendimento, obediência ou agressividade. A criança passa a ser um objecto de preocupações: deve ser corrigida, ou socializada em instituições especificamente definidas pelo grupo social, como a iniciação, os ritos públicos, a escola, o irmão mais velho, a tia que nunca casou, os avós. A pequenada é cuidada porque é definida como o futuro do grupo” (Iturra, 1996: 9-10). Eis, para começar, uma boa apresentação dos interesses da Antropologia da Educação: educar para assegurar a reprodução social. A continuidade histórica de toda e qualquer sociedade está dependente do processo educativo. O processo educativo não decorre apenas da aprendizagem escolar, mas, sobretudo, da interacção das gerações heterogéneas de épocas diferentes que coexistem (real ou historicamente), durante um tempo determinado, num mesmo espaço e num mesmo tempo (cf. Anexos, Parte IV, Programa de 1995-96)

A Antropologia da Educação que aqui se preconiza assenta num paradigma essencialmente interpretativo, semiológico e hermenêutico, onde a etnografia, a entrevista etnográfica e etnobiográfica, as (auto)biografias, a auto reflexão, os diários e as histórias de vida são vias fundamentais para compreender os processos educativos, de enculturação, aculturação e transmissão cultural bem como a (re)construção identitária. Não se trata, pois, de procurar a causa das coisas educativas, ou de fazer previsão ao modo do positivismo reducionista.A influência teórica de Clifford Geertz é notória ao longo de grande parte deste relatório. Por isso elejo, de seguida, o seu olhar sobre o que é

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a Antropologia, o modo de fazer etnografia e a dificuldade em perceber quem as pessoas pensam que são: “1. A Antropologia, pelo menos a que eu professo e pratico impõe uma vida seriamente dividida. As habilidades necessárias na sala de aula e as exigidas em campo são bem diferentes. O sucesso num ambiente não garante sucesso no outro e vice-versa. 2. O estudo das culturas de outros povos (e também da nossa, mas isso levanta outras questões) implica descrever quem eles pensam que são, o que pensam que estão fazendo, e com que finalidade pensam que o estão fazendo – algo bem menos directo do que sugerem os cânones usuais da etnografia feita de notas e indagações ou, a rigor, o impressionismo exuberante dos “estudos culturais” da “pop art”. 3. Para descobrir quem as pessoas pensam que são, o que pensam que estão fazendo e com que finalidade pensam que o estão fazendo, é necessário adquirir uma familiaridade operacional com os conjuntos de significado no meio dos quais elas levam as suas vidas. Isso não requer sentir como os outros ou pensar como eles, o que é simplesmente impossível. Nem virar nativo, o que é uma ideia impraticável e inevitavelmente falsa. Requer aprender como viver com eles, sendo de outro lugar e tendo um mundo próprio diferente” (Geertz, 2001: 26). Aprender e Ensinar são elementos fundamentais nos processos de produção e reprodução social. Os processos educativos envolvem construção, aquisição e transformação de conhecimento. Nos EUA, a Antropologia da Educação - "Anthropology and Education" - nasce formalmente ligada à publicação do Council on Anthropology and Education (desde 1968)- Anthropology and Education Quarterly. As temáticas abordadas são: a cultura da sala de aula; a relação escola/família; a educação bilingue; modos educativos; métodos para o estudo da Educação; e ensino da Antropologia: Mais recentemente surgiu o tema do (in)sucesso escolar das diferentes populações. O campo nasce oficialmente em 1968 (embora Meyer Fortes em 1938, e Margaret Mead em 1929 e 30 já tenham abordado o tema), ainda que G. Spindler tenha iniciado o debate em 1954 (Education and Anthropology) e depois, em 1974 (Education and Cultural Process: Toward an Anthropology of Education). É em volta do tema da socialização que muito se pesquisa e escreve1, dando corpo à Antropologia da Educação nascente. A influência da psicanálise freudiana na escola da cultura e personalidade - sobretudo na aquisição de normas, valores e crenças culturais e menos de capacidades particulares - colocou o ênfase na infância, na aprendizagem da 1

Veja-se, por exemplo, a tese de doutoramento de Wilcox (1978).

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criança e no recrutamento cultural. Veja-se o caso exemplar de B.Whiting, 1963 The Six Cultures: Studies of child rearing; ou 1975 Six Cultures: A psycho-cultural Analysis. Depois, também os trabalhos de G.Spindler nos anos 60 e 70; de Bateson e Mead em Bali sobre processos de socialização; de J.L.Briggs 1970 sobre os esquimós Utku do ártico canadiano. Outros trabalhos confrontam a introdução dos modelos de escolarização ocidentais em contextos não ocidentais e os seus impactos na socialização; estudos de socialização através da linguagem surgem, também, relacionando a aquisição da língua com a da cultura. Emergem os modelos mais activos (a criança é um agente da aprendizagem e não apenas um receptor). (cf. Pelissier, 1991).

A Antropologia, como diz Marc Augé, dedica-se cada vez mais a fazer etnologia do próximo. Não se trata de cansaço do chamado exotismo mas do facto de a própria sociedade, em consequência das transformações aceleradas, apelar “ao olhar antropológico, ou seja a uma reflexão renovada e metódica sobre a categoria da alteridade” (Augé, 1994: 31). “A investigação antropológica tem por objecto interpretar a interpretação que outros constroem da categoria do outro, aos diferentes níveis que lhe situam o lugar e lhe impõem a necessidade: a etnia, a tribo, a aldeia, a linhagem ou qualquer outro modo de agrupamento até ao átomo elementar do parentesco, que sabemos fazer depender a identidade da filiação da necessidade da aliança; o indivíduo, por fim, que todos os sistemas rituais definem como sendo compósito e feito de alteridade, figura literalmente impensável, tal como o são, em modalidades opostas, a do rei e a do feiticeiro” (Augé, 1994:31). É assim que se tem vindo a proceder à reconfiguração do objecto da Antropologia desde os primórdios do exotismo e do evolucionismo até à Antropologia contemporânea2 em que o investigador constrói objectos à porta de casa. Mas, James Clifford3, a propósito de pensar o que distingue a Antropologia de outras ciências sociais, e, em particular, dos estudos culturais, usa a especificidade do trabalho de campo que parece considerar como 2

Veja-se, a este propósito, por exemplo, os trabalhos mais recentes de Marc Augé, em particular, “Os Não Lugares: Para uma Antropologia da Sobremodernidade” e “Um Etnólogo no Metro” (1986). 3 CLIFFORD, James (2002). A Experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX, Rio de Janeiro: UFRL.

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devendo ser feito fisicamente distanciado: “[…] Mas o que é «trabalho de campo» ? Por quanto tempo? Com quem? Como se definiria um «campo»? E no caso de uma pessoa que queira estudar a sua própria comunidade? […] Afinal «fieldwork» não pode ser «homework». Ele deve ser realizado de modo distanciado espacialmente. Mas como essa distância é negociada e definida? Como essa distância é entendida? Se o trabalho de campo implica sempre um sentido de distância, de deslocar-se no espaço e de permanecer por certo tempo num determinado lugar, como ficam esses aspectos quando o campo é logo ali, perto de casa? Quando esse campo é, por exemplo, o metro?” (Clifford, 2002: 266). Contudo, como diz de Marc Auge, que é também o meu ponto de vista, o distanciamento que caracteriza a distância entre o sujeito e o objecto no trabalho antropológico não é físico mas intelectual. É assim que a Antropologia, contrariamente aos profetas da desgraça que anteviam a morte desta ciência com a modernização das sociedades4, tem visto aumentar os estudos, os temas e as áreas de pesquisa na própria sociedade donde é proveniente o investigador. De resto, as culturas tradicionais transformam-se, não desaparecem. Para Marc Augé, a investigação antropológica trata, da questão do “outro” no presente, outro que, de acordo com este autor, constitui o objecto da antropologia dentro do qual se definem vários domínios da investigação. A Antropologia distingue-se, assim, da História porque trata o outro no presente. “E fá-lo em vários sentidos, o que a distingue das outros ciências sociais. Trata de todos os outros: do outro exótico que se define em relação a um “nós” supostamente idêntico (nós franceses, europeus, ocidentais); o outro dos outros, o outro étnico ou cultural, que se define relativamente a um conjunto de outros supostamente idênticos, um “eles” na maioria das vezes reduzido a um nome de etnia; o outro social: o outro do interior, face ao qual se institui um sistema de diferenças que começa pela divisão dos sexos mas que define também, em termos familiares, políticos e económicos, os lugares respectivos de uns e de outros, de modo que não é possível falar de uma posição no sistema (primogénito, benjamim, filho segundo, patrão, cliente, cativo…) sem fazer referência a 4

O próprio Malinowski, no prefácio dos Argonautas do Pacífico Ocidental, levanta a questão: “A etnografia está numa situação penosamente ridícula, para não dizer trágica: no momento exacto em que começa a pôr ordem no seu trabalho, a forjar os seus próprios instrumentos e a empreender a tarefa que lhe é cometida, o material do seu estudo dissolve-se com uma rapidez desesperante”. Tratava-se da busca do objecto ideal da Antropologia Funcionalista: o objecto que verdadeiramente nunca existiu porque as sociedades humanas são bem mais heterogéneas do que aquilo que às vezes se pensa. Mas insistia-se na delimitação do objecto em torno da pequena sociedade fechada às outras da qual o antropólogo se tornava especialista, tradutor e intérprete.

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um certo número de outros; o outro íntimo, por fim, que não se confunde com o anterior, que está presente no centro de todos os sistemas de pensamento, e cuja representação, universal, mostra que a individualidade absoluta é impensável” (Augé, 1994: 26).. Ao nível mais específico da Antropologia da Educação, há também um deslocamento da etnografia em geral e da etnografia dos processos de transmissão cultural (cf. Spindler, 1993) até à etnografia escolar, desde Tylor e Malinowski, como mostram George W. Stocking, Jr (1993), até Herskovits 1954, Cohen 1970, R. Wax 1971, Spindler 1971, Geertz 1973, Pelto y Pelto 1977, Hymes 1974, Spradley 1979, 1980; e mais especificamente sobre etnografia da educação, Burnett 1968, Erickson 1973, Rist 1975, Wolcott 1975, Burns 1976, Sanday 1976, Herriot 1977, Wilson 1977, Salome 1979, Ogbu 1981, Knapp 1981, Spindler 1982, como muito bem evidenciam Kathleen Wilcox (1993) e John U. Ogbu (1993). Ogbu encara a etnografia escolar como a abordagem da compreensão do processo educativo5 que, por sua vez, contribui para a teoria da Antropologia

da

Educação.

Para

este

autor,

“os

estudos

microcósmicos

(microetnografias) das aulas, por exemplo, podem enriquecer o nosso conhecimento da interacção professor-aluno ou da política da vida quotidiana nas práticas da aula como causa imediata da dificuldade em aprender a ler tida por uma criança pertencente a uma minoria. A abordagem ecológica sugere que estes acontecimentos da aula são construídos por forças que se originam noutros contextos. Se desejarmos compreender por que um grande número de crianças de minorias étnicas fracassa na escola, e se estamos dispostos a planificar uma política eficaz para o trabalho das escolas com as minorias, é necessário estudar como influenciam no ensino e na aprendizagem essas forças originadas noutros contextos” (Ogbu, 1993: 170). O texto de Wolcott (1975), sobre etnografia e investigação em educação, é fundamental para desenvolvimento de estudos sobre esta matéria. Também Zanten, Henriot-Van, A. e Anderson-Levitt, têm trabalhado quer sobre a sistematização da Antropologia da Educação nos Estados Unidos da América. (cf. 1992a), quer sobre a etnologia da educação em geral (Zanten, 1975, 1987, 1992b).

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Que, obviamente, contém a dimensão escolar e extra-escolar com é retratada em detalhe em aulas autónomas ao longo do relatório.

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Mas regressemos um pouco às origens para vermos como, de certo modo, a Antropologia da Educação já estava presente, ainda que subsumida, em muitos antropólogos que se interessaram pelo processo educativo ou pela questão da unidade e diversidade cultural e sua transmissão em sociedades ditas primitivas. Burnett Tylor (1832-1917) é o antropólogo britânico a quem se deve a primeira definição do conceito etnológico de cultura. Primitive Culture, datada de 1871, interroga-se sobre as origens da cultura e sobre os mecanismos da sua evolução. Herdeiro das luzes e das concepções filosóficas do universalismo do século XVIII, Tylor entendia que em condições idênticas, o espírito humano operava por toda a parte de maneira análoga. A ele se deve o célebre método comparativo introduzido na Antropologia. Defendia assim que o estudo das culturas singulares não podia fazer-se sem se estabelecerem comparações entre si uma vez que estavam ligadas segundo um mesmo movimento de evolução cultural. Franz Boas (1858-1942), vítima do anti-semitismo, viria a ficar sensibilizado para a questão do racismo e a passar da Física à Matemática e depois da Geografia à Antropologia. Será porventura o primeiro antropólogo a realizar inquéritos in loco através de uma observação directa e prolongada das culturas primitivas. Por isso se lhe atribui a invenção da etnografia com a qual quis mostrar que a diferença fundamental entre os seres humanos é de ordem cultural e não racial. Enfatizou a importância do background cultural de cada indivíduo para a aprendizagem. A Émile Durkheim (1858-1917), curiosamente nascido no mesmo ano de Franz Boas, deve-se a abordagem unitária dos factos de cultura e a fundação da Antropologia francesa. Filósofo que lutou pela constituição da Sociologia e sua distinção da Psicologia, não deixou de desenvolver uma Sociologia de orientação antropológica. “ Não devemos procurar em Durkheim uma teoria sistemática da cultura. A sua reflexão sobre a cultura não forma um conjunto unificado. A preocupação central da sua obra foi antes a de determinar a natureza do laço social. No entanto, a sua concepção da sociedade como totalidade orgânica determinava a sua concepção da cultura ou da civilização: para ele, as civilizações constituem «sistemas complexos e solidários». […] Em As Formas Elementares da Vida Religiosa, sobretudo, mas já desde O Suicídio (1897), desenvolvia uma teoria da «consciência colectiva» que é uma forma de teoria cultural. […] Se o

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conceito de cultura se encontra praticamente ausente da Antropologia de Durkheim, isso não o impediu de propor interpretações dos fenómenos muitas vezes designados como «culturais» pelas Ciências Sociais.” (Cuche, 1999: 51). Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) é também um dos fundadores da etnologia em França, embora sem a mesma influência que a de Durkheim. Com a sua obra “As Funções Mentais Nas Sociedades Inferiores”, Lévy-Bruhl elege a questão da diferença cultural para a sua reflexão muito embora preferisse usar o conceito de mentalidade. Discorda das abordagens que consideram os indivíduos das sociedades primitivas «crianças grandes» que fariam as mesmas interrogações que «os civilizados» e que seriam os únicos verdadeiros adultos. “Levy-Bruhl pensava de resto que «mentalidade pré-lógica» e «mentalidade lógica» não são incompatíveis e coexistem em qualquer sociedade; mas o predomínio de uma ou de outra pode variar segundo os casos, o que explica a diversidade das culturas. Ao recorrer ao conceito de «mentalidade», não pretendia, pois, que os sistemas de representações e os modos de raciocínio no interior de uma mesma cultura formassem um conjunto perfeitamente estável e homogéneo. Mas entendia indicar assim a orientação geral de uma cultura dada”. (Cuche, 1999: 54). Malinowki (1884-1942), apesar da sua controversa teoria biologista das necessidades em que se baseia a sua obra póstuma de 1944 – Uma teoria Cientifica da Cultura – onde os elementos constitutivos de uma cultura teriam a função de satisfazer as necessidades essenciais do homem, teve o grande mérito de mostrar que não se pode estudar uma cultura a partir do exterior e à distância. Insatisfeito com a «observação directa» no trabalho etnográfico, criou a «observação participante» (expressão da sua autoria) com a qual pretende compreender o ponto de vista do autóctone. Edward Sapir (1884-1939) diz que a cultura não existe como uma realidade em si e defende que se deve compreender o modo como os seres humanos incorporam e vivem a sua cultura. Ruth Benedict (1887-1948), aluna e assistente de Franz Boas veio a ficar célebre pelo conceito de “pattern of culture” que bebeu de Boas e de Sapir. Para ela, cada cultura oferece aos indivíduos um esquema inconsciente para as actividades da sua vida. Reconheceu três dimensões fundamentais no processo educativo transmissivo, transicional e transformativo.

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Margaret Mead (1901-1978) analisa diferentes modelos de educação para compreender o fenómeno de incorporação da cultura no indivíduo e explicar os aspectos dominantes da personalidade. Para Mead há pois uma ligação estreita entre modelo cultural, método de educação e tipo de personalidade dominante. Mead elaborou, no início da década de 70, uma tipologia que mostra a evolução dos modelos culturais da relação educativa: cultura pós-figurativa, na qual os filhos aprendem primeiramente com os seus pais; co-figurativa, em que tanto as crianças como os adultos aprendem com os seus iguais; e pré-figurativa, em que os adultos aprendem com os seus filhos, reflexo do período de vida em que vivemos. (cf. Mead, 1970). Ralph Linton (1893-1953) designa de “personalidade de base” o que na psicologia do indivíduo é comum a todos os membros do mesmo grupo. Continua as pesquisas de Ruth Benedict e de Margaret Mead e procura mostrar que cada cultura privilegia um tipo de personalidade que vem a ser o tipo normal. “A aquisição por meio da educação da personalidade base será objecto de investigações específicas por parte de Abraham Kardiner (1891-1981), psicanalista de formação, que trabalha em estreita colaboração com Linton. Kardiner estudará o modo como se forma a personalidade base no indivíduo, através daquilo a que chamará “as instituições primárias” próprias de cada sociedade (antes de mais, a família e os sistema educativo); e o modo como, em contrapartida a personalidade base reage sobre a cultura do grupo produzindo, por uma espécie de mecanismo de protecção, “instituições secundárias” (sistemas de valores e de crenças, em particular) que compensam as frustrações suscitadas pelas instituições primárias e que levam a que insensivelmente a cultura vá evoluindo” (Cuche, 1999: 66). Os culturalistas foram muitas vezes acusados de essencialismo ou substancialismo6. Contudo, a crítica faz essencialmente sentido no tocante ao trabalho de Kroeber (1917) que considerava a cultura como um domínio do “superorgânico” e que a concebia como tendo uma existência própria, obedecendo a leis próprias independentemente da acção individual. Mas, “devemos à escola «cultura e personalidade» o ter posto em evidência a importância da educação nos processos de diferenciação cultural. A educação é necessária e determinante no Homem porque o ser humano não tem praticamente 6

Concepção que vê a cultura como uma realidade em si.

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programa genético que guie o seu comportamento. Os próprios biólogos dizem que o único programa (genético) do Homem é o de imitar e aprender. As diferenças culturais entre os grupos humanos são, portanto, explicáveis em grande parte por sistemas de educação diferentes que incluem os métodos de cuidar das crianças de tenra idade (aleitamento, cuidados do corpo, modos de deitar, desmame, etc.), tão variáveis de um grupo para o outro”. (Cuche, 1999:60) Seria enfadonho transformar esta primeira parte do relatório (conceito e contexto em Antropologia da Educação) num desenrolar de todos os antropólogos que contribuíram para a emergência da Antropologia da Educação. Dos clássicos, convoco apenas mais cinco (dois franceses, um americano e dos ingleses) pelo facto de me apropriar de alguns conceitos dos mesmos no desenvolvimento das aulas: Lévi-Strauss, Herskovits e Roger Bastide, Meyer Fortes e Jack Goody. Lévi-Strauss deixou-nos o conceito de “bricolage” por oposição à invenção técnica baseada no conhecimento científico. Utiliza-o na análise dos mitos ameríndeos onde fala dos arranjos possíveis a partir de um fundo limitado de materiais com as mais diversas origens que dão lugar a um todo estruturado original. Nas aulas 11 e 12 aproprio-me desse conceito para falar da construção da identidade pessoal. Herskovits é considerado um dos inventores do conceito de aculturação e vem a concentrar a sua atenção nos fenómenos de sincretismo cultural quando desloca a sua pesquisa antropológica do estudo dos índios para o estudo dos afro-americanos. Também estes conceitos de aculturação e sincretismo cultural são bastas vezes manipulados em muitas aulas e seminários deste programa de Antropologia da Educação. Herskovits sublinhou também a importância do processo de aculturação que entende como uma acção consciente ou inconsciente; formal ou informal de um condicionamento cultural sancionado pelos costumes (cf. 1943). Roger Bastide (1898-1974), sociólogo e antropólogo, criticou o culturalismo americano por terem analisado os processos de aculturação sem relacionarem a esfera do cultural com a do social. De Bastide importo a sua preocupação com o ponto de vista do sujeito, com o processo que ocorre na identidade pessoal aquando dos processos de aculturação e o conceito de princípio de corte (1955) que constitui um mecanismo de defesa da identidade cultural.

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Do lado anglo-saxónico, em termos de preocupação com o estudo do processo educativo, e como contributo fundamental para muitos temas que viriam a integrar a Antropologia da Educação, devemos registar dois nomes que sucedem genealogicamente a Malinowki: Meyer Fortes (1938) com o seu estudo sobre os aspectos sociais e psicológicos da educação na Tailândia e Jack Goody com as suas pesquisas em volta da oralidade e da escrita e da literacia nas sociedades tradicionais (1961, 1968, 1977, 1980, 1985, 1988). A propósito da aquisição do conhecimento diz Jack Goody em 1980 a partir dos seus estudos numa etnia do Gana – os Lodagaa: “Há, grosso modo, três vias de aquisição do conhecimento nas sociedades de cultura oral: a experiência transmitida a cada um, de maneira informal, no comércio com os outros indivíduos do grupo; a experiência comunicada a cada um, segundo um cerimonial previsto para este fim, pelos outros indivíduos do grupo; enfim uma experiência recebida dos agentes não humanos” (Goody (1980: 189). Mais recentemente, é de sublinhar Georges Lapassade, professor de Ciências da Educação na Universidade de Paris-VIII, filósofo, sociólogo e etnólogo, que reivindica umas etnossociologia que assenta no estudo directo, in situ, das vivências sociais. Constata que nos anos 50 e 60, a sociologia inglesa da educação apenas estudava as correlações entre os inputs e outputs do sistema. A vida da própria escola, a “caixa negra” do sistema era negligenciada (cf. Lapassade, 1991). Peter Woods, professor de etnologia da educação na Open University, a partir do inter accionismo simbólico, propõe uma análise qualitativa das realidades escolares e torna-se uma das principais autoridades actuais da chamada etnografia da escola (Woods, 1987, 1990, 1991). Procura descrever, analisar, em inter acção com os autores sociais, a forma como eles constroem e compreendem as suas próprias práticas. Hugh Mehan, professor da universidade da Califórnia, faz parte da segunda geração da etnometodologia. Reclama uma etnografia constitutiva e aplicada à escola. Propõe descrever as actividades sociais estruturantes que criam os factos sociais objectivos e constrangedores no mundo da educação (cf. Mehane e Wood, 1975). Na França, Pierre Erny (1972, 1981a, 1981b), propõe-nos como objectivo da Etnologia da Educação, “estudar os factos tal como eles se apresentam, procurando descrevê-los,

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compreendê-los, compará-los e a explicá-los sem usar juízos normativos e sem pensar necessariamente na aplicação” (Erny, 1981c: 9). Mas é, como disse, nos Estados Unidos, em 1954, com uma conferência organizada por George Spindler7, em Stanford, que nasce efectivamente o domínio da Antropologia da Educação8. Esta “tem-se centrado em problemas específicos no seio do sistema de ensino formal. Questões como a estratificação racial e as desigualdades na educação, a escolarização de minorias linguísticas e a variação do rendimento escolar em diferentes grupos, a heterogeneidade da sala de aula e os conflitos culturais e as identidades étnico-culturais das crianças migrantes têm constituído temas centrais dessas investigações” (Souta, 1997a: 352) Para Spindler, “todos os principais sistemas culturais humanos incluem práticas mágicas, religião, valores morais, práticas de recreio de regulação do casamento, educação, etc.. Portanto o conteúdo destas diversas categorias como os modos em que o conteúdos e as categorias se associam diferem enormemente. Estas diferenças reflectemse nas formas como os povos criam os seus filhos. E deve ser assim necessariamente, pois o objecto da transmissão cultural é ensiná-los a pensar, a actuar e a sentir adequadamente. Para compreender este processo devemos adquirir uma sensibilidade que seja capaz de captar esta realidade”. (Spindler, 1993: 206).

Claro que são sempre de considerar, a propósito das proto-origens da Antropologia da Educação, as monografias que, mesmo em busca do exótico e do estudo dos povos primitivos, no século XIX e XX, abarcam estudos da educação e entendimento do pensamento humano. E essas são muitas e vão desde as tentativas analíticas da evolução do pensamento de James Frazer, até às mais explícitas análises de Mayer Fortes, Jack Goody, Richard Hoggart, Françoise Zonabend, Nicole Belmont, Pierre Bourdieu, entre outros passando pelas análises fornecidas nos rituais e iniciação das monografias de Raymond Firth, Audrey Richards, Radcliffe-Brown, Henry Junot, Edmund Leach, entre outros. 7

http://varenne.tc.columbia.edu/bib/auth/spndlgerg.html

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No ano 2000 foi publicado um livro, por Margaret Isenhart, a propósito dos 50 anos da Antropologia da Educação (1950-2000). Este livro incorpora 17 artigos publicados por George spindler e Louise Spindler entre 1955 e 1988: http://www.aaanet.org/cae/aec/br/spindler2.htm

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Fiquemos, por agora, com algumas definições da Antropologia que a colocam perto do trabalho de alguns psicólogos. “A Antropologia cultural estuda as manifestações colectivas das capacidades mentais humanas que são as culturas. Assim, em princípio, a Antropologia e a Psicologia deveriam estabelecer relações estreitas e fecundas pois tratam de manifestações diferentes dum mesmo objecto geral: o espírito humano. Esta era, sem dúvida, a concepção de um Wilhelm Wundt, fundador da Psicologia Experimental e, ao mesmo tempo, autor de um tratado de Antropologia em dez volumes, ou de um Edward Tylor frequentemente considerado como o fundador da moderna Antropologia Cultural, mas culpado aos olhos dos seus sucessores de “psicologismo”. Com efeito, as duas disciplinas afastaram-se uma da outra. Isto, por duas razões, uma teórica, outra metodológica. […] Após Tylor e até Lévi-Strauss, os antropólogos desinteressaram-se completamente da psicologia do intelecto. Alguns deles, Malinowski ou Ruth Benedict, por exemplo, prestam ainda atenção à psicologia das emoções, que permaneceu intocada pelo debate entre racionalismo e empirismo e foi muitíssimo enriquecida pela Psicanálise. A maior parte dos antropólogos contemporâneos coloca-se mais ao lado de Durkheim, Max Weber ou Marx, do que de William James, Wundt ou de Freud, e mais perto de Hobbs ou Montesquieu, do que de Hume ou Kant. O problema só se resolve na prática: em matéria de filiação intelectual é o testemunho dos discípulos que se deve ter em conta. Mas, simultaneamente, não é impossível que os antropólogos de amanhã se reclamem menos da Sociologia que da Psicologia, menos da Filosofia do Direito que da Filosofia do Espírito. Uma tal inversão de tendências parece estar a produzir-se. As distâncias tomadas pelos psicólogos e antropólogos, uns em face dos outros, são o efeito, não apenas de uma orientação teórica, mas também – e talvez acima de tudo – duma prioridade dada aos problemas de método sobre os problemas de teoria. A maior parte dos psicólogos experimentais tornou-se prisioneira do seu método, ao ponto de apenas reconhecerem como psicológicos os dados e as hipóteses que emanam de experiências de laboratório. A maior parte dos antropólogos preocupou-se, exclusivamente, com os problemas que levantam a recolha, apresentação e classificação dos dados culturais, ao ponto de, para eles, “Antropologia” não ser mais do que o sinónimo vantajoso de “Etnografia”. (Sperber, 1992: 12-13) O facto da Antropologia da Educação se entrecruzar com preocupações de algumas psicologias em particular com a psicologia cultural e intercultural não significa que a abordagem seja necessariamente psicologizante ou ponha de lado a ideia do social como objecto de estudo. A este propósito João Pina Cabral fala, numa análise ao conceito de identidade, do individual e do colectivo como duas faces da mesma moeda e não necessariamente em oposição. “Assim, divergimos aqui consideravelmente de grande parte dos psicólogos sociais que discutem a questão da «identidade social» como oposta

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à «identidade individual», sendo que estes autores tomam como pressuposto teórico a existência de «grupos» e de «indivíduos». […] Para nós as identidades pessoais também são identidades sociais” (Pina Cabral 2003: 8). Marc Augé, criticando de certa forma Marcel Mauss que identifica o indivíduo com a sociedade da qual não é mais do que uma expressão, a propósito do seu facto social total que mutila a individualidade, põe bem em ênfase no modo como hoje se coloca a questão: “O interesse da Antropologia pela representação do indivíduo não reside apenas no facto de se tratar de uma construção social, mas também porque toda e qualquer representação do indivíduo é, necessariamente, uma representação da relação social que lhe é consubstancial. Ao mesmo tempo, é à antropologia das sociedades longínquas e, mais ainda, àqueles que ela estudou, que devemos esta descoberta: o social começa com o indivíduo; o indivíduo releva do olhar etnológico. O concreto da Antropologia está nos antípodas do concreto definido por certas escolas sociológicas como apreensível segundo ordens de grandeza das quais foram eliminadas as variáveis individuais” (Augé, 1994: 27). Também Lahire (2002), que se situa numa sociologia antropológica que não quer perder a dimensão do sujeito e do indivíduo, reflecte sobre esta questão e fala mesmo do campo de uma sociologia psicológica que distingue da psicologia social, de que toda a gente se tem distanciado pelas palavras, mas que, pouco a pouco, tem vindo a emergir: “estudar o indivíduo que atravessa cenas, contextos, campos de força e de lutas, etc., diferentes é estudar a realidade social sob a sua força individualizada, internalizada, incorporada, interiorizada. Como a diversidade exterior se fez corpo? Como pode habitar o mesmo corpo? […] Desde que se privilegia o indivíduo (não como átomo e base de toda a análise sociológica, mas como produto complexo de múltiplos processos de socialização), não é mais possível satisfazer-se com os modelos cognitivos utilizados até então”. (Lahire, 2002: 192). Bernard Lahire, na sua convicção de que é possível construir um psiquismo sociológico, bate-se contra aqueles que ignoram a dimensão individual na construção do social e ficam agarrados à ideia generalista de colectivo, grupos sociais, comportamentos médios, etc. resultantes da herança de Durkheim por vezes mal apreendida. Por isso cita bastas vezes a divisão de consciência colectiva e consciência individual proposta por Durkheim: ” «Pode-se dizer que em cada um de nós existem dois seres que, por serem inseparáveis apenas por abstracção, não deixam de ser distintos.

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Um é feito de todos os estados mentais que se referem apenas a nós mesmos e aos acontecimentos de nossa vida pessoal. É o que se poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de ideias, de sentimentos e de hábitos que exprimem em nós não a nossa personalidade mas o grupo ou os grupos diferentes dos quais fazemos parte; é o caso das crenças religiosas, das convicções e praticas morais, das tradições nacionais ou profissionais, das opiniões colectivas de todo o tipo» (Durkheim, 1989: 51). Esta divisão em dois “seres” ou dos “grupos de estados de consciência” foi, sem dúvida, feita no começo com a intenção estratégica de demarcar a sociologia da psicologia e de prevenir toda a tentativa de redução do social ao psicológico, ao individual (explicar o social pelo social). […] Ou ainda que «toda a sociologia é uma psicologia, mas uma psicologia sui generis. […] No fundo, a sociologia «acaba chegando a uma psicologia», mas uma psicologia que Durkheim julga «mais concreta e complexa do que aquela que fazem os psicólogos puros» (Durkheim, 1975: 185) de seu tempo”(Lahire, 2002: 192). Jean-Claude Kaufmann (2003) escreveu mesmo um livro intitulado Ego, para uma sociologia do indivíduo onde frisa bem que “o senso comum representa o indivíduo como um bloco, homogéneo, separado da sociedade, dirigido por um centro clarividente, até mesmo racional nas concepções (as crenças) mais extremas. A realidade do sistema de produção concreta está no exacto oposto desta representação. O indivíduo é um processo, mutável, apanhado numa confusão de forças contraditórias” (Kaufmann, 2003: 243).

A Antropologia da Educação que aqui se professa não fica também pela etnografia dos contextos educativos na escola, fora da escola, na família, nos tempos livres, etc., mas pretende compreender também as metamorfoses culturais que ocorrem na vida dos indivíduos em consequência das convergências e divergências dos trajectos de vida face à cultura de partida. Assume, pois, a ideia já não tanto de uma antropologia das culturas mas, antes, de uma antropologia das pessoas, elas próprias processos culturais em auto e heteroconstrução/reconstrução de si mesmas e da imagem que dão para os outros9. Por isso, há uma grande ênfase no estudo de alunos e professores através das suas biografias

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Veja-se, a este propósito, as propostas e discussões teóricas para as aulas e seminários números 10, 11 e 12.

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educativas para compreender como se tornaram naquilo que são (cf. Vieira, 1996b, 1998a, 1999a). Desenvolve-se ainda, uma formação reflexiva para a diversidade cultural a partir de metodologias analisadas em particular na aula e no seminário número 11 (Zeichner, 1993, Vieira, 1999a). Durante a sua história de vida e seu processo de socialização, que pode ser mais ou menos heterogéneo conforme as esferas culturais, o indivíduo não desempenha um papel que lhe é absolutamente exterior. Nas sociedades modernas é cada vez menor o peso da sociedade na determinação das identidades. A sociedade oferece apoios que facilitam o trabalho individual de encerramento em si. A auto e a heteroformação vão a par mas, finalmente, é o Homem que se constrói a si próprio não sendo o produto do papel químico do pattern of culture da escola de cultura e personalidade (cf. Vieira, 1999b). Daí a importância da captação das subjectividades dos sujeitos estudados desse ponto de vista émico que já Malinowski propunha. O indivíduo “interioriza, realmente, esquemas de pensamento e de acção. Este fragmento de sociedade interiorizada está, neste instante, no centro da sua definição mais pessoal. Os esquemas interiorizados reconfiguram o património de hábitos e as arbitragens entre redes cognitivas, tecem laços com segmentos de reflexividade social, introduzem elementos novos no trabalho ficcional do pequeno cinema. […] O indivíduo é um processo aberto, perpetuamente evolutivo. Não cessa de interiorizar novas imagens, novos pensamentos, novos esquemas implícitos. Todos os dias, aos milhões”. (Kaufmann, 2003: 243-244).

Ainda relativamente à deslocação de enfoques e de objectos na Antropologia em geral e na Antropologia da Educação em particular, convém também frisar que a educação não remete apenas para a escola, como veremos detalhadamente ao longo deste relatório. Se o sentido corrente da palavra Educação e as próprias Ciências da Educação, tantas vezes, remetem o ensino e a aprendizagem para o domínio das aulas e das escolas, a verdade é que a Antropologia há muito que faz notar que a escolarização dá às crianças e jovens apenas um pequeno contributo para a inculturação e construção identitária10. “ Aprender,

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Note-se a colecção de livros de antropologia da educação, publicada em Portugal pela Escher e pela Fim de Século, e coordenada por Raul Iturra, que dá pelo nome de “Aprendizagem para além da escola”. Sobre esta problemática, a apresentação da colecção é notável: “o objectivo desta colecção é dar a conhecer o

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recordar, falar, imaginar, tudo isto é possibilitado através da construção numa cultura” (Bruner, 2000: 11). E a criança não cai de pára-quedas na escola. A criança que chega à escola já tem todo um percurso de construção cultural que lhe dá um entendimento para a vida e uma epistemologia com a qual se senta como aluno nas cadeiras da escola (cf. Iturra, 1990a e b). “[…] Quando falo de aprendizagem, falo da incorporação no grupo social dos novos membros que nele nascem. Esta incorporação faz-se segundo a memória que existe já no conjunto das pessoas, e por diversas vias. É na escola que se pensa, quando se fala em aprendizagem. Todavia, a criança, o sujeito que é incorporado, já aprendeu um conjunto de princípios, distinções e técnicas, por meio das quais a memória do grupo passa a ser parte do seu conhecimento e da sua própria lembrança” (Iturra, 1990a: 51)

Eu próprio dou conta, para o contexto português, das continuidades e descontinuidades culturais entre a escola e o lar tão diversas para os diferentes alunos que frequentam a escolaridade obrigatória: “Uma propriedade essencial da aprendizagem é que as hipóteses de sucesso são determinadas pelo saber já adquirido e disponível. Ora, se o aluno cujos conhecimentos e aptidões adquiridas no meio de que é proveniente diferem profundamente dos dinamizados na escola, terá escassa probabilidade de poder efectuar a ligação entre estes e o seu próprio saber, condição indispensável da aprendizagem. […] Para além da diferença entre culturas orais e letradas há outras que passam por taxonomias várias: rural/urbano, identidades e peculiaridades dentro do próprio rural e urbano, diversidades étnicas, etc.. […]” (Vieira, 1992: 134).

Ainda a propósito de que estudar os processos educativos não é sinónimo de estudar o ensino e a aprendizagem na escola, Jerome Bruner, que tem viajado da psicologia cognitiva para a psicologia cultural e que tem assim feito uma grande aproximação à Antropologia11, numa obra dedicada à cultura da educação, diz que “ os tempos de saber que as pessoas retiram da sua experiência social, para suplementar o que a escola não ensina: a didáctica cultural da transmissão oral das ideias que o saber letrado não incorpora no ensino”. 11 É o próprio Bruner que numa outra obra, “Actos de Significado” refere que “para conhecer o Homem, é necessário vê-lo sobre o pano de fundo do reino animal a partir do qual ele evoluiu, no contexto da cultura e da linguagem, que fornecem o mundo simbólico em que vive, e à luz dos processos de desenvolvimento que fazem convergir estas duas poderosas forças. Na altura estávamos convencidos de que a Psicologia não

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mutação que são os nossos vêm marcados por fundas conjecturas sobre o que devem fazer as escolas em favor de quem se inscreva ou seja forçado a inscrever-se nelas – ou, na mesma ordem de ideias, sobre o que podem as escolas fazer, dada a força de outras circunstâncias. […] Se alguma coisa tem ficado cada vez mais claro nestes debates é que a educação não tem que ver propriamente com assuntos escolares convencionais, tais como currículo, níveis ou sistemas de prova. O que resolvemos fazer na escola só tem sentido quando considerado no contexto mais amplo daquilo que a sociedade pretende atingir por meio do investimento educativo dos jovens. […] a sua tese central (do livro Educação e Cultura) é que a cultura molda a mente, que ela nos apetrecha com os instrumentos de que nos servimos para construir não só os nossos mundos, mas também as nossas reais concepções sobre nós próprios e sobre as nossas faculdades […] A vida mental é vivida com os outros, forma-se para se comunicar e desenvolve-se com a ajuda de códigos culturais, tradições e por aí adiante. Mas isto ultrapassa o domínio da escola. A educação não ocorre apenas nas aulas, mas à volta da mesa de jantar quando os membros da família fazem o confronto de sentido de tudo o que aconteceu ao longo do dia […] (Bruner, 2000: 9-11). Também a “revista europeia de etnografia da educação”, um periódico da SEE – Sociedade Europeia de Etnografia da Educação – que foi fundada em 1999, no colóquio de Lecce (Itália)12 fala da passagem da formulação “etnografia escolar” para “etnografia da educação” para dizer que não se limitam às investigações na instituição escolar mas a todo o campo educativo entendido com fenómeno social global. poderia fazer tudo sozinha. […] E, no meio de tudo isto, fundou-se o “Centro de Estudos Cognitivos” […]. Menciono-o aqui apenas para expressar uma dívida para com outra comunidade que me convenceu de que as fronteiras que separam campos como a psicologia, a antropologia, a linguística ou a filosofia eram mais questões de conveniência administrativa do que de substância intelectual” (Bruner, 1997: 15-16). Mais à frente, refere que “hoje encontram-se centros florescentes de psicologia cultural, antropologia cognitiva e interpretativa, de linguística cognitiva e, acima de tudo, um próspero empreendimento mundial que se ocupa, como nunca antes acontecera desde Kant, com a filosofia da mente e da linguagem. É, provavelmente, um sinal dos tempos que os dois indigitados para as conferências Jerusaslem-Harvard no ano académico de 1989/90 representem, cada um à sua maneira, esta tradição – O Prof. Geertz na antropologia e eu na psicologia (Bruner, 1997: 16). 12 A SEEE (European society of Ethnography and Education, Sociedad Europea de Etnografia De la Educación, Socidade Europea de Etnografia da Educação, Societá Europea di Etnografia dell’ Educazione, Societé Européenne de Ethnographie de l’ Education) tem como presidente honorífico Georges Lapassade ( Universidade de Paris- 8, França), presidente executivo Patrick Boumard (Universidade de HauteBretagne, Rennes-2, França), responsável científico Fernando Sierra (Universidade de Zaragoza, Espanha), responsável das relações internacionais Jesus Maria Sousa (universidade da Madeira, Portugal). Sítio: http://www.unizar.es/etnoedu.

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Por isso falo da educação entre a escola e o lar. Por isso digo que o sucesso e o insucesso escolar são construídos socialmente (cf. Vieira, 1992). Por isso “a escola tem primeiro que investigar muito a sério as categorias culturais do povo local antes de ensinar o conhecimento da burguesia que não diz respeito ao entendimento de uma mente que crê”. (Iturra, 1990b: 97). Por isso defendo a ideia da construção de professores capazes de agir interculturalmente e de construir pedagogias interculturais (Vieira, 1995, 1996a, 1999a).

2. A Antropologia da Educação em Portugal No início dos anos 80, a Licenciatura em Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa tinha uma cadeira optativa de Antropologia da Educação13 leccionada pelo professor Viegas Tavares, que acumulava a docência com a de quadro superior no Ministério da Educação14. Num artigo de 1985, Manuel José Alves Viegas Tavares resumia assim a Antropologia da Educação:”A Antropologia da Educação analisa as relações escola/comunidade e as suas implicações no processo de enculturação dos jovens. Aplicando os métodos de pesquisa e análise de ciências afins, mas centrando-se sempre no método etnográfico de observação participante na análise dos processos educacionais, visa contribuir para a solução de problemas da prática e da política educativa” (Tavares, 1985: 53). Viegas Tavares veio a fazer o seu doutoramento sobre o insucesso escolar e as minorias étnicas em Portugal15.

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No ano lectivo de 1983/84 eu próprio fui seu aluno e desenvolvi para avaliação final um pequeno trabalho de pesquisa etnográfica numa escola de Lisboa com o financiamento do Ministério da Educação (cf. currículo vitae que integra estas provas de agregação). 14 Claro que haverá sempre muitos trabalhos que podem ser considerados precursores do interesse pelo cruzamento da antropologia com a educação. Mas isso daria uma grande história que não cabe neste relatório. É, no entanto, de salientar o interesse de Adolfo Coelho (1847-1919) pelas questões da pedagogia e da antropologia: “A Cultura Mental do Analfabetismo”, Boletim da Assistência Nacional aos Tuberculosos, V: 1-19, 1910; Cultura e Analfabetismo, Porto: Renascença Portuguesa, 1916; Cultura Popular e Educação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993, com organização e prefácio de João Leal. 15 TAVARES, Manuel Viegas (1998). O insucesso escolar e as minorias étnicas em Portugal: uma abordagem antropológica da educação, Lisboa: Piaget.

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Paralelamente, Jorge Crespo desenvolvia também uma cadeira optativa de Antropologia do Jogo. De resto, como ele próprio diz, “Nas sociedades tradicionais, os jogos integravam-se no complexo de cerimónias cíclicas através das quais as crianças e os jovens se apropriavam da cultura das suas comunidades. Em particular, nos ciclos do Inverno e da Primavera, destacam-se os jogos que constituíam experiências fundamentais da morte e da vida, no processo cíclico de reestruturação do mundo. Nestes casos, o jogo é um dos elementos mais importante na formação das personalidades, no domínio das relações com os outros, espaço e tempo da liberdade favorável à inovação e transformação da realidade” (Crespo, 1999: 7). Terminada a minha licenciatura, e depois de 2 anos a ensinar Geografia e Antropologia no Ensino Secundário16, vim a ingressar na Escola Superior de Educação de Leiria17 que tinha iniciado a sua função docente há apenas um ano. Todos os cursos de então18 incluíam nos seus curricula a disciplina de Introdução às Ciências Sociais, no 1º semestre, sendo que os cursos de Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico tinham, depois, no 1º semestre do 2º ano, Antropologia Cultural. Fui convidado a construir o programa de Antropologia Cultural e fi-lo, em 1987, com uma 2ª parte que, depois das noções operatórias básicas da Antropologia Geral e das Ciências Sociais, apontava para o estudo do processo educativo embora, na altura, não tivesse formação suficiente para ir além do Culturismo Americano e da escola de cultura e personalidade. Os livros obrigatórios de então, lembro-me, era o célebre “Padrões de Cultura” de Ruth Benedict e “os conflitos e Gerações” de Margaret Mead. No ano de 1988, integrei a comissão organizadora das I Jornadas de Antropologia e Etnologia Regional, no ano de 1988, a 10, 11 e 12 de Novembro. A minha preocupação 16

Na área de Estudos Humanísticos, ramo de Jornalismo e Turismo, o Ensino Secundário os alunos tinham, obrigatoriamente, de cursar Antropologia. O programa e o manual mais divulgado era, na altura, da autoria de Augusto Mesquitela Lima, Benito Martinez e João Lopes Filho. Os professores de Antropologia Cultural, do 10º ano, não tinham habilitação própria nem formação específica em Antropologia, “tendo sido na sua generalidade, os professores de Geografia, encarregues de a leccionar – o que nem sempre fazem com gosto, mas apenas por necessidade de complemento de horário, pois o número de aulas de Antropologia não chega para formar um horário lectivo normal de 22 horas” (Souta, 1982: 52). “Entretanto, a disciplina de Antropologia Cultural desapareceu com a nova reforma curricular, tendo deixado de ser leccionada em 1993/94”(Santos e Seixas, 1997: 116). 17 No ano lectivo de 1987/88 18 Poucos na altura: Formação de Professores para o 1º Ciclo, Educadores de Infância, Professores do 2º Ciclo do Ensino Básico, variante de Português/Francês.

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com o cruzamento da Antropologia com a educação era de tal forma já considerável na altura que consegui que a manhã do primeiro dia fosse inteiramente dedicada ao tema da Antropologia e Educação. Os conferencistas convidados para esta sessão foram os professores Raul Iturra do ISCTE que apresentou a conferência “A passagem da oralidade à escrita na formação do saber: o mito do insucesso escolar” e Augusto Mesquitela Lima da FCSH – Universidade Nova de Lisboa, que apresentou a conferência “A Antropologia e o Sistema Educativo19”. É preciso recordar que as Escolas Superiores de Educação (ESEs) nasceram a partir dos Magistérios Primários que, há já alguns anos, tinham também nos currículos da formação de professores e de educadores de infância, a disciplina de Antropologia Cultural muito desenvolvida em torno da obra de Herskovits, Man and his Works, traduzida em edição brasileira por Introdução à Antropologia Cultural em 3 tomos que basicamente constituíam o manual da disciplina, um pouco por todos os Magistérios do País, numa tentativa de relativizar a mente dos futuros professores e educadores. O corpo docente das emergentes Escolas Superiores de Educação foi alimentado, basicamente por todo o país, por professores que haviam feito os seus mestrados em Ciências da Educação, financiados por um projecto do Banco de Portugal, ora no Estados Unidos da América, na Universidade de Boston, ora em França, na Universidade de Bordéus. Os que fizeram as suas especializações em Análise Social da Educação ou em Metodologia dos Estudos Sociais são, provavelmente, os docentes que estão na origem das disciplinas de Análise Social da Educação, Sociologia da Educação e Antropologia da Educação dos currículos de formação das ESEs. Nalgumas escolas surgiu mesmo a disciplina de Sócio-Antropologia, como é o caso de Castelo Branco, leccionada por Luís Costa. Na ESE de Setúbal foi criada a disciplina de Antropologia da Educação, que funcionou pela primeira vez no ano lectivo de 1988/89, e cuja coordenação tem sido assegurada por Luís Souta, também ele Mestre em Ciências da Educação20 pela Universidade de Bóston. Na ESE de Leiria surgiu a Antropologia da Educação como

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Estes textos, e os demais foram publicados nas Actas das I Jornadas de Antropologia e Etnologia Regional, dias 10, 11 e 12 de Novembro de 1988, Leiria: Escola Superior de Educação. 20 Luís Souta, Professor Coordenador da ESE de Setúbal, é, no entanto, licenciado em Antropologia e, actualmente, está a concluir o seu doutoramento em Antropologia da Educação no ISCTE.

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disciplina optativa dos cursos de Formação de Professores para o 1º Ciclo e de Educadores de Infância, em 1992, sob proposta de Ricardo Vieira21. Outras Escolas Superiores de Educação e Universidades públicas e privadas, embora não tendo especificamente Antropologia da Educação nos seus currículos, acabam por ter algumas disciplinas viradas para a questão da educação e diversidade cultural que, inevitavelmente, não podem/devem perder a experiência da Antropologia nessas matérias22. Entre 1993 e 1997, a secção de Antropologia da Educação da A.P.A. – Associação Portuguesa de Antropologia, presidida pelo professor Raul Iturra e da qual eu próprio fazia parte, reuniu várias vezes com o Ministério da Educação a propósito da habilitação própria para leccionar no Ensino Secundário e de outras saídas profissionais dos Antropólogos no ensino: Área-Escola, criada pelo Decreto-Lei 286/89, definida como uma área curricular não disciplinar e os TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Comunitária) criados pelo Despacho 147-B/ME/96.

Mas é, inegavelmente, a Raul Iturra que se deve o boom do desenvolvimento da Antropologia da Educação em Portugal. Em 1987, Raul Iturra dava o grande pontapé de saída com o trabalho de campo com observação participante, iniciado em VilaRuiva, com Filipe Reis, Pulo Raposo, Nuno Porto e Berta Nunes. Aproveitavam o tempo livre que a escola concedia às crianças para fazerem actividades com elas a fim de compreender as suas representações sociais e conhecimento local. Assim, brincavam à família, ao hospital, à doença, etc.. Compravam cadernos, papel e lápis e faziam com as crianças os trabalhos de casa. Iturra, através da metodologia das genealogias, levava os alunos a

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Ricardo Vieira, sem qualquer grau em Ciências da Educação, desde muito cedo que orientou a Antropologia (licenciatura) para a questão da educação e da diversidade cultural e para a legitimação da Antropologia da Educação (tese de mestrado e de doutoramento) sob a orientação do Doutor Raul Iturra, Professor Catedrático do ISCTE. 22 Ver a este propósito a obra “Nos Bastidores da Formação: Contributo para o Conhecimento da Situação Actual da Formação de Adultos para a Diversidade em Portugal”, de Carlinda Leite, Rosa Madeira, Rosa Nunes e Rui Trindade, coordenada por Luíza Cortesão (Cortesão, 2000). O trabalho de Carlos Cardoso, professor da Escola Superior de Educação de Lisboa, é notável sobre a questão da escola e das propostas inter/multiculturais.

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pensar a sua história, o património dos pais, terras, os animais etc.23. (cf. Iturra e Reis, 1990 e Iturra, 2000). Dessa investigação foram publicados, na colecção A Aprendizagem Para Além da Escola, os seguintes livros: Fugirás à Escola Para Trabalhar a Terra: Ensaios de Antropologia Social Sobre o Insucesso Escolar de Raul Iturra (1990a); A Construção Social do Insucesso Escolar: Memória e Aprendizagem em Vila Ruiva de Raul Iturra (1990b); O Corpo, a Razão, o Coração: A Construção Social da Sexualidade em Vila Ruiva de Nuno Porto (Porto; 1991); Corpos, Arados e Romarias: Entre a Fé e a Razão em Vila Ruiva de Paulo Raposo (Raposo, 1991); Educação, Ensino e Crescimento: O Jogo Infantil e a Aprendizagem do Cálculo Económico em Vila Ruiva de Filipe Reis (Reis, 1991); O Saber Médico do Povo de Berta Nunes (Nunes, 1997). Vieram a juntar-se a estas publicações a Escola e Aprendizagem para o Trabalho num País da (Semi)periferia Europeia de Stephen Stoer e Helena Araújo (Stoer e Araújo, 1992); e Entre a Escola e o Lar: O Curriculum e os Saberes da Infância de Ricardo Vieira (Vieira, 1992). Exploro melhor o papel de Raul Iturra no desenvolvimento da Antropologia da Educação em Portugal no ponto seguinte: Investigação e Ensino da Antropologia da Educação no ISCTE.

É de assinalar aqui, ainda em termos do desenvolvimento da Antropologia da Educação em Portugal, ainda que de uma forma mais interdisciplinar, em particular com a Sociologia da Educação, o aparecimento da revista Educação, Sociedade e Culturas, em 1994, propriedade da Associação de Sociologia e Antropologia da Educação, dirigida pelo professor Stephen Stoer e que, em termos de secretariado de redacção e conselho de redacção, integra vários sociólogos, cientistas da educação e antropólogos (Raul Iturra desde o primeiro número24, Ricardo Vieira, desde o segundo e, mais tarde, Filipe Reis, Paulo Raposo, Luís Souta e Amélia Frazão-Moreira). Esta revista, que tem tido um forte pendor etnográfico, saiu, no seu primeiro número, com seis artigos que abordam temas variados: “O primeiro artigo [da autoria de Stephen Stoer] aborda a construção, 23

Ver entrevista dada por Raul Iturra em 1999 a Ana Levy Aires, Ana Felisbela Lavado e Paula Godinho para a revista Arquivos da Memória do Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa da Universidade Nova de Lisboa, n.º 6/7. 24 Contudo, Ricardo Vieira colaborou na organizou da secção Diálogos sobre o Vivido, sobre a temática “sistemas de avaliação doa alunos do Ensino Básico”, conjuntamente com Telmo Caria e Ana Benavente.

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possivelmente “contra-hegemónia”, do conceito do professor inter/multicultural através do campo da recontextualização pedagógica. A seguir, apresentamos dois artigos que estudam o processo de aprendizagem nas crianças como forma de produção e construção de novos saberes e poderes: enquanto o artigo de Raul Iturra ensaia ideias sobre a natureza do processo educativo, o artigo de Georges Augustin lança um olhar antropológico sobre o jogo de berlindes. O artigo de Luiza Cortesão e colaboradores apresenta uma análise das histórias contadas por crianças luso-brancas e luso-ciganas, que vivem no que é denominada «uma situação de ghetto sócio-cultural», como tentativa de aceder a uma compreensão dos seus quotidianos. Na base de um conhecimento da evolução de instituições de ensino técnico, encontramos, no artigo de Sérgio Grácio, uma proposta para um modelo explicativo dos graus de autonomia ou de heteronomia nas relações das instituições de ensino com as instituições económicas o mercado de emprego. Finalmente, Augusto Santos Silva, recusando uma visão linear e sucessiva de mudança, apresenta-nos uma reflexão crítica sobre o conceito e as teorias da mudança social”. (Stoer, editorial do primeiro número da revista, p.5).

3. Investigação e Ensino da Antropologia da Educação no ISCTE. “Este objectivo de entender a racionalidade reprodutiva tem-me levado da Antropologia Económica à Antropologia da Educação, passando, pelo meio, por criar, em conjunto com uma equipa que angariei enquanto colaborava na fundação do departamento do ISCTE, uma Antropologia Urbana, uma Antropologia do Turismo, Antropologia da Sexualidade, Antropologia do Género. […] Eu queria entender a racionalidade daquelas estratégias reprodutivas. Isso levoume, por insistência de Paulo Raposo, que fez comigo trabalho de campo, ou o Filipe Reis, ou o Nuno Porto, a meter-me por uma ideia feliz daquela equipa: como é a epistemologia do lar, a epistemologia dos seres humanos, através do que é que pensam e como pensam as crianças acerca do que acontece na sua casa. Então, inventámos os ATL, os tempos livres, e, a partir das brincadeiras e jogos passámos a analisar, começámos a brincar com as crianças. As crianças vêem o mundo através dos olhos dos adultos, porque a criança não tem ainda conceitos, trata mal os conceitos. […] As crianças entendem o mundo da forma que os pais o entendem, tanto assim que os inimigos dos pais, as crianças não entendem porquê mas são também seus inimigos”25. 25

Extracto de entrevista dada por Raul Iturra em 1999 a Ana Levy Aires, Ana Felisbela Lavado e Paula Godinho para a revista Arquivos da Memória do Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa da Universidade Nova de Lisboa, n.º 6/7, p. 129.

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“A criança não é o domínio de ninguém, é do domínio dela própria. A cultura está dividida em duas partes: a dos adultos e a da infância, só que ninguém dá por isso”26

A Antropologia da Educação, em termos de investigação, emergiu no ISCTE, como disse, pela mão de Raul Iturra que assim foi progredindo da Antropologia Económica para o estudo da aprendizagem e transmissão cultural para além da escola e para o estudo da mente cultural e da epistemologia da criança (Iturra, passim). A leccionação em cadeira autónoma viria a acontecer no ISCTE, pela primeira vez, no ano lectivo de 1994/95, mas foi precedida de muita investigação financiada pelo INIC e pela FCT e de muito debate no país e no estrangeiro. A propósito da primeira obra da colecção A Aprendizagem Para Além da Escola, Pedro Silva, numa recensão bibliográfica da obra atrás citada de Stoer e Araújo (Stoer e Araújo, 1992), incluída na mesma, diz que “o primeiro livro (Iturra, 1990a), um conjunto de ensaios, corresponde ao espraiar do pensamento teórico do autor na perspectiva da afirmação de uma Antropologia da Educação. Trata-se de um pensamento radical, elaborado numa linguagem não hermética, que se debruça sobre a complexa relação entre o «saber letrado» (da escola) e a «mente cultural» (rural)” (Silva, 1994: 186). Já antes, no trabalho de campo em VilaTuxe, em 1970 e em 1974, Raul Iturra reconhece27 que, ao estudar o grupo doméstico, se começou a interessar como se aprendia a calcular na rua, no jogo, na economia doméstica etc.. As suas filhas começaram a ir à escola em VilaTuxe onde falavam galego. Em casa as línguas eram o Castelhano e o Inglês. E toda esta diversidade levava Iturra a pensar nas descontinuidades entre a casa e a escola. Embora a pesquisa aí realizada fosse centrada na vida económica, a ideia da aprendizagem para além da escola foi emergindo e viria a despertar o seu interesse pela Antropologia da Educação. Percebeu que as crianças eram educadas pela interacção dentro do grupo onde vivem (cf. Iturra, 1997 e 2001). A partir dos finais da década de 80, início de 90, Raul Iturra e a sua equipa de investigação iniciaram um conjunto de seminários fechados sobre Antropologia da Educação, à volta de temas como o insucesso escolar, a transgressão e a aprendizagem, a 26

Entrevista dada por Raul Iturra aos cadernos de Educação de Infância, n.º 62, Abril/Maio/Junho de 2002, p. 4. 27 Dados apurados em entrevista com Raul Iturra, em 23 de Julho de 2004.

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etnopsicanálise, o jogo e a aprendizagem, a oralidade e a escrita na aprendizagem, etc., em Portugal (Lisboa, Porto, Albergaria dos Doze, Alfândega da Fé, etc.) e em França (Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales e no Collège de France) com a participação de Maurice Godelier, Marie Elizabeth Handman, Françoise Zonabend, Pierre Bourdieu, Monique de Saint Martin, François Bonvin e Bernard Lahire.

Na recensão da obra O Saber das Crianças (Iturra, 1996), Luís Souta, professor de Antropologia da Educação na Escola Superior de Educação de Setúbal28, considera os cinco autores dos textos que compõem este livro (Raul Iturra, Amélia Frazão Moreira, Filipe Reis, Paulo Raposo, Ricardo Vieira) como uma equipa pioneira que lançou em Portugal a Antropologia da Educação. Comparando-a com os trabalhos de Antropologia da Educação americana que se tem preocupado com o sistema formal, diz que O Saber das Crianças «trilha outros caminhos, não em torno de “problemas” mas na procura das virtualidades e potencialidades das crianças para aprenderem e entenderem o real. A sua pesquisa faz-se por isso a montante do sistema educativo, procurando compreender os mecanismos da aprendizagem informal, num processo que conduz naturalmente ao reconhecimento e valorização desses saberes.” (Souta, 1997a: 353).

Os trabalhos de Filipe Reis e de Paulo Raposo têm sido fudamentais para o desenvolvimento da Antropologia da Educação em Portugal. Ambos têm sido docentes desta cadeira optativa, no ISCTE, ao longo dos últimos 10 anos. A pesquisa de Reis mais reflectida nos programas desta disciplina remete essencialmente para a problemática da oralidade/escrita/literacia centrada nas obras de Goody e Iturra, bem como nas críticas contidas nos new literacy studies de finais dos anos 80 e anos 90 (cf. Reis, 1995, 1996, 1997). A perspectiva educacional de Paulo Raposo sublinha mais o estudo da aprendizagrem ritual (cf. Raposo, 1991, 1996, 1999).

As pesquisas de Telmo Caria sobre culturas de escola e culturas profissionais, bem como sobre o método etnográfico (Caria, 1994, 2000, 2003), e a de Amélia Frazão Moreira

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Luís Souta tem dado um contributo notável ao desenvolvimento da educação multicultural e da antropologia da educação em Portugal (1991, 1992, 1993, 1997a e 1997b).

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sobre as classificações das crianças apreendidas do mundo adulto (Frazão-Moreira, 1994 e sobre etnobotânica (Frazão-Moreira, 2003), ambas orientadas por Raul Iturra e conducentes aos seus doutoramentos já terminados, engrossam a latitude da Antropologia da Educação que este tem feito desenvolver em Portugal. Assumindo essa consciência e essa responsabilidade, Raul Iturra diz na Introdução ao livro O Saber das Crianças: “Uma parte do grupo que comigo trabalha decidiu escrever sobre o saber das crianças. Sob a minha orientação, ao longo do tempo; e hoje sob a minha coordenação, queríamos definir processos e actividades que permitam ao leitor entender o dito saber. Começo por abordar uma forma particular de interacção entre ascendente e descendente: aquela através da qual um grupo social contextualiza ou quer contextualizar, a emotividade do mais novo para assegurar a reprodução, isto é, a continuidade histórica das pessoas sobre a terra […]. Amélia Frazão-Moreira […] analisa o processo de interacção que no interior de um grupo doméstico, (de uma aldeia de Trás-os-Montes), transmite saberes e contra saberes através das tarefas que constituem o trabalho doméstico (nutrição, arranjo doméstico, nas conversas sobre os amores e a afectividade, etc.). […] Filipe Reis […] analisa a forma como a escola introduz as crianças na cultura escrita, a partir de uma experiência de terreno, numa aldeia da serra da Estrela. […] Paulo Raposo […] regressou comigo à Beira Alta e observou os comportamentos rituais dos pequenos, colectando dados a partir dos quais foi capaz de concluir que o real é representado e manipulado pela pequenada que estamos a estudar aí. Ricardo Vieira […] procura explicar como o adulto de hoje é resultado do jovem e da criança que antigamente foi; esta análise é feita por meio de entrevistas e análises de histórias de vida de professores do ensino Básico” (Iturra, 1996:10 e 11). A disciplina de Antropologia da Educação tem-se mantido como optativa para as licenciaturas de Antropologia Social, Sociologia e Psicologia Social (cf. anexos, parte IV), e tem sido coordenada por Raul Iturra e leccionada por este, por Filipe Reis e por Paulo Raposo, ora em colaboração conjunta, ora separadamente em termos de docência. De ano para ano, há algumas alterações pontuais em termos da ordem e da natureza das temáticas abordadas mas, grosso modo, todos os programas abrangem o processo educativo na escola e fora da escola. No ano lectivo de 1995/96, a disciplina envolveu convidados exteriores ao ISCTE na leccionação das aulas nº 7, 8, 9,10, 11 e 12, com os seguintes docentes e respectivos temas: Teimo Caria – problemas metodológicos e de investigação em contexto escolar; Ricardo Vieira – histórias de vida e biografias; Luís Souta – multiculturalismo e

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educação; Luís Silva Pereira – etnicidade e identidade nacional; Amélia Frazão – saberes secretos; José Veiga – A análise do jogo – tradicional/moderno.

No programa que proponho neste relatório, mantenho a preocupação de pensar o aluno em carne viva entre duas esferas culturais e epistemológicas, a da casa e a da escola, e acrescento uma dimensão resultante duma preocupação mais pessoal, que se prende com a reflexão biográfica e a hermenêutica de si mesmo, como forma de (auto)formação, presente, de forma mais evidente, nas últimas 3 aulas. Considerando o aumento da heterogeneidade da sociedade portuguesa e da consequente multiculturalidade da escola, as temáticas da educação e diversidade cultural e da reconstrução da identidade cultural são tratadas de forma mais explícita que nesses programas que atravessam já uma década no ISCTE (1994-2004). De igual forma, considerando o peso que os media têm na vida das crianças e dos jovens contemporâneos, a problemática da tradição e modernidade, local/global, mundialização da cultura, inscrevem uma mais evidente atenção ao tema da educação e os media e à emergência do que designo de Homo Videns29

Para além da disciplina que integra como optativa os currículos das licenciaturas do ISCTE já mencionadas, é de assinalar, como corolário de uma basta investigação e prática de ensino no ISCTE, a criação do primeiro mestrado em Portugal de Antropologia da Educação (2003-2005), coordenado por Raul Iturra, e com a colaboração de docentes internos (Filipe Reis, Paulo Raposo e Miguel Vale de Almeida do Departamento de Antropologia Social do ISCTE) e externos (Amélia Frazão-Moreira da Universidade Nova de Lisboa, Darlinda Moreira da Universidade Aberta, Luís Souta da ESE de Setúbal, Telmo Caria da UTAD, Ricardo Vieira da ESE de Leiria e José Catarino da ESE de Setúbal).

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Título tomado de empréstimo da obra de Sartori (2000)

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HENRIOT-VAN, A.; ANDERSON-LEVITT, K. (1992b). "Etudes éthnographiques de la scolarisation des enfants d' immigrés" in Revue Française de Pédagogie, 101.

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PARTE II Organização da Disciplina de Antropologia da Educação Introdução No ano lectivo de1994/95 foi leccionada pela primeira vez a cadeira optativa semestral de Antropologia da Educação, coordenada pelo professor doutor Raul Iturra, leccionada por este e pelos então assistentes Dr. Filipe Reis e Dr. Paulo Raposo. O argumento e objectivo fundamentais da cadeira passavam pela ideia de que “a sociedade está confrontada com a passagem do tempo. Se bem que durante uma etapa do seu ciclo de vida, homens e mulheres construam uma memória de relações sociais expressa em normas, regras, mitos, música, rituais e histórias, esta passagem do tempo tem um problema estrutural que dinamiza todos esses processos de guardar a memória: seres humanos morrem, seres humanos nascem, há individualidades a substituir e individualidades a incorporar. Estes dois extremos do processo convertem uma parte do grupo social em ancestros e outra em neófitos. Entre os extremos desenvolve-se um ciclo social onde as individualidades são subordinadas ao futuro que lhe corresponda, seja para entender, gerir, aceitar a passividade que o social impõe ao seu corpo e, através da hierarquia, à sua mente. É o processo educativo que toda a sociedade elabora, quer para o ensino, quer para a aprendizagem. Analisar a sua diversidade, de sociedade para sociedade e em diferentes conjunturas históricas dentro de uma mesma sociedade, bem como ao longo do ciclo de vida, é o objectivo da cadeira” (cf. Anexos, parte 4). Numa licenciatura que originalmente se designava de “Antropologia Social” e muito alimentada pelos estudos tradicionais do simbólico, economia, política, parentesco, sociedades tradicionais e sociedades complexas, a área da Antropologia da Educação, ainda que muito preliminar em Portugal na altura, veio trazer uma nova dimensão não só em termos teóricos mas em termos de Antropologia Aplicada. É boa parte dessa Antropologia Aplicada à compreensão dos processos educativos, escolares e não escolares, e à própria compreensão do (in)sucesso escolar como construção social que alimenta os objectivos e conteúdos do programa que a seguir propomos.

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O programa está preparado para ser leccionada em 12 aulas teóricas e 12 aulas práticas em regime de seminário, dada a intenção de fazer confrontar os alunos, logo desde o início, com a leitura, sistematização, apresentação e debate dos textos básicos ilustrativos de todos os tópicos programáticos, apresentados com o programa na primeira sessão. Ainda que os constrangimentos económicos e políticos tenham vindo a impedir a prática de trabalho com turmas pequenas que permitam o referido regime de seminário, o programa que se apresenta, que acaba por ser um modelo de ensaio para a leccionação da mesma disciplina30, aposta nessa estrutura iniciada, de resto, com o primeiro programa da cadeira. As doze temáticas que se apresentam correspondem a doze sessões teóricas e a doze seminários. As primeiras têm um carácter quase expositivo, onde se introduzem as problemáticas e textos que servirão de base aos segundos. Cada uma das doze temáticas apresentadas, tanto no tocante às aulas teóricas como aos seminários, está estruturada em quatro tópicos: textos de base, onde se apresentam alguns artigos e/ou obras a trabalhar nos seminários ou como apoio ao trabalho de casa; palavras-chave; argumento e desenvolvimento; bibliografia referida e/ou complementar

A escrita que apresento, referente ao argumento e desenvolvimento, por vezes bem mais desenvolvida numas sessões que noutras, não corresponde, contudo, absolutamente a uma aula escrita. O desenvolvimento das aulas apresentadas, em sumário alargado e/ou em ideias sumárias dos textos de referência, funciona sim como uma razoável síntese dos conteúdos de cada aula ou seminário. A última aula poderá parecer mais sintética para quem leu as 11 anteriores. Contudo, não se trata de atribuir menor importância à mesma. Pelo contrário, é nessas problemáticas onde mais tenho investido cientificamente. Todavia, considerando que a “lição de síntese”, embora situada na intersecção das 3 últimas aulas, será trabalhada muito em

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Mais a mais, este relatório é apresentado por um professor que não é docente do ISCTE, muito embora tenha sido algumas vezes professor convidado da mesma instituição. Razão porque se pode falar de duplo modelo intencional em termos de programa apresentado. De salientar também que esta proposta metodológica e de desenvolvimento curricular assenta, obviamente, na experiência deste que se apresenta a provas de agregação, na investigação e leccionação de cadeiras similares em vários cursos de educadores de infância e da formação de professores.

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volta do argumento central da aula n.º 12., reservo o essencial do seu desenvolvimento para essa parte da prova.

O desenvolvimento e textos apresentados em cada sessão têm também o intuito de despertar para algumas das muitas problemáticas que se podem desenvolver em cada uma das aulas e servir como suporte mínimo de estudo31.

Antes da descrição das doze temáticas apresento ainda: •

A legitimação da cadeira de Antropologia da Educação nas licenciaturas quer de Antropologia, quer de Sociologia e Psicologia Social.



Os objectivos da Cadeira de Antropologia da Educação

2. Legitimação da Cadeira nas Licenciaturas de Antropologia, Sociologia e Psicologia Social.

Como disse atrás, a cadeira de Antropologia da Educação vem preencher uma lacuna existente até 1994 no currículo da licenciatura em Antropologia Social do ISCTE. As problemáticas da metodologia etnográfica, do particularismo e do universalismo cultural, da cultura e identidade e até da globalização e/ou da mundialização cultural se bem que possam, de forma transversal, atravessar programas de outras cadeiras da licenciatura, a verdade é que não o podem fazer de forma relacionada com a educação.

Os fluxos migratórios, o regresso dos cidadãos do império português que designámos de retornados, o recente crescente aumento da imigração portuguesa e das minorias étnicas na nossa sociedade, o aumento da escolarização obrigatória, etc. são algumas das muitas razões que tornam fundamental a implementação de uma Antropologia da Educação não só nas licenciaturas em Antropologia bem como nos cursos de todas as Ciências Sociais e também das Ciências da Educação, para sensibilizar para as problemáticas inerentes às 31

Futuramente, pretende-se desenvolver mais em profundidade os temas/aulas aqui apresentados no intuito de publicar um manual de Antropologia da Educação para os estudantes do ensino superior que se interessem pelo estudo do processo educativo, seja pela via da antropologia e das ciências sociais em geral, seja por via das Ciências da Educação.

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práticas educativas perante a diversidade cultural, e para a construção de práticas e políticas não segregadoras, não discriminadoras, não racistas, etc. que permitam, a difícil convivência da diversidade na unidade. A abordagem antropológica dos processos e sistemas educativos32 permitirá preparar os estudantes para a etnografia dos quotidianos educativos seja do jogo, dos tempos livres, das salas de aulas, dos recreios, e, especialmente, da epistemologia da infância, das formas de pensar e sentir dois mais novos, e aguçar o gosto e a sensibilidade pela observação, descrição, problematização de problemáticas da educação e diversidade cultural.

Os novos trabalhos de Antropologia têm, desde há algum tempo, vindo a deslocar e a desconstruir

as

ideias

primordialistas

e

essencialistas

da

identidade

para

conceptualizações mais relacionais e processuais. Tal viragem e aplicação é hoje vital para compreender a subjectividade e o mundo interior das crianças e jovens que acedem à escola, portadores de culturas de origem bem distante desta e que são submetidos a processos de aculturação, assimilação, integração, inclusão, exclusão e reconstrução identitária. E é nesta vertente que a Antropologia da Educação pode ser útil na construção de representações e práticas sociais para agir com a diversidade cultural.

Assim, se me parece já legitimada a cadeira na licenciatura em Antropologia do ISCTE, para formar antropólogos que possam ter um papel activo na animação sócio cultural, no desenvolvimento comunitário, na educação de adultos e no ensino e educação em geral, a verdade é que ela não é menos precisa nas licenciaturas de Sociologia e de Psicologia Social. Efectivamente, nestas ciências, salvo raras excepções, a análise da educação tem ficado, grosso modo, presa à sociologia da escola e à Psicologia Behaviorista, à quantificação e busca das regularidades, e muito pouco ligada à etnografia e suas singularidades, seja do lar, seja da rua, seja da própria escola, seja desse go between entre 32

A cadeira de Antropologia da Educação era oferecida, como optativa, até ao ano lectivo de 2000/01, aos alunos do 3,º e 4.º anos. Desde então tem sido também oferecida aos alunos do 2.º ano, o que levanta por vezes alguns problemas dada a ainda escassa preparação em antropologia social e cultural por parte desses estudantes para se entrar pelas problemáticas da educação.

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esses mundos culturais que dá a matriz que enforma o self quer dos estudantes, quer dos professores quer dos próprios pais.

3. Objectivos da disciplina de Antropologia da Educação Do processo educativo depende a continuidade histórica das sociedades. O processo educativo não decorre apenas da aprendizagem escolar, mas, sobretudo, da interacção das gerações heterogéneas de épocas diferentes que coexistem – real ou historicamente – durante uma determinada conjuntura temporal, num mesmo espaço. A interacção quotidiana e pragmática é uma via fundamental do processo educativo, assim como os rituais, mitos e símbolos que os grupos sociais conservam para transferir a memória social aos vindouros. Contudo, esta memória não é estática, permanente e invariável, mas, pelo contrário, mutável, transformável e decorrente das diversas conjunturas históricas que os grupos sociais experimentam. Finalmente, a troca de saberes é a base principal do processo educativo – ensino e aprendizagem – e está distribuída diferenciadamente por idade, género, hierarquia e estratificação social, capacidades e especialidades, grupos sociais e culturas.

A interacção social é normalmente definida como o encontro de seres humanos dentro de um mesmo espaço histórico e de identidade. Habitualmente, são denominadas sociedades organizadas pelo Direito ou a Lei, como definem Ferdinand Tönnies em 1887, e o seu discípulo Émile Durkheim. Os discípulos de Durkheim, Marcel Mauss e Bronislaw Malinowski, e os deste, Raymond Firth, Meyer Fortes e Jack Goody na Grã-bretanha, e Claude Lévi-Strauss e Pierre Bourdieu na França, levantaram a questão de saber como é que o grupo etário mais novo entra nesta interacção social e qual o seu papel e comportamento para entender grupo de adultos que o envolve. Responder a esta questão é um dos grandes objectivos deste programa. A linguagem da criança faz parte do que Raul Iturra tem designado mente cultural, e difere da mente erudita, resultado da aprendizagem nas instituições escolares. Desde o nascimento até à puberdade, a criança percorre um caminho de pesquisa, ladeado de problemáticas, especialmente na sua interacção com os adultos mais chegados, como a

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família, parentes, amigos, vizinhos, e todo um conjunto de conceitos a definir ao longo do programa. Basicamente, a cadeira procura fornecer um quadro amplo de debate em torno da definição dos processos educativos em diversos contextos culturais. O enfoque principal será dado na desmontagem de processos de ensino/aprendizagem em diversos contextos culturais e na análise da relação entre os mecanismos de construção de saberes e práticas culturais, assim como da construção da identidade pessoal e social. Será ainda dado destaque particular ao modo como se articulam processos modernos e tradicionais de ensino/aprendizagem contemporâneos - escolares, domésticos, mediáticos, trabalho, interpares, etc. Finalmente, a partir de metodologias etnobiográficas, o programa pretende pôr os alunos a pensar sobre as suas próprias trajectórias biográficas, e sobre as de outrem, no intuito de compreenderem a articulação entre factos, modelos, acontecimentos críticos e a construção/reconstrução e metamorfoses da identidade.

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4. Programa da cadeira de Antropologia da Educação

4.1. Programa sucinto Aulas e seminários 1. Antropologia, Educação e Teoria Social Contemporânea 1.1. Educação e Antropologia da educação: hipóteses preliminares 1.2. Questões de método e de objecto 1.3. Teoria Social e Educação 1.4. O método etnográfico em contextos educativos 2. Cultura e Identidade 2.1. Abordagem conceptual 2.2. A transmissão de saberes e de identidades 3. Processo educativo e contextos culturais 3.1. Processo educativo: ensino e aprendizagem 3.2. Infância e culturas 4. Da multiculturalidade da sociedade portuguesa 4.1. Da sociedade e Escola de Salazar 4.2. Do Portugal étnico 5. Educação e Diversidade Cultural 5.1. O Particular e o Universal 5.2. Modelos de política social e educativa para lidar com a diversidade. 6. A oralidade e a escrita na aprendizagem 6.1. A comunicação silenciosa 6.2. A oralidade e a escrita na aprendizagem 7. Entre a Escola e o Lar: o que a brincadeira ensina 7.1. Os saberes da infância 7.2. Jogo, brinquedo e aprendizagem 8. Entre a Escola e o Lar: O ensino e a aprendizagem na escola 8.1. A hegemonia das práticas escolares 8.2. A avaliação escolar e a reprodução social 8.3. A descontinuidade e as estratégias de sobrevivência 9. Tradição e Modernidade; local / global. A Mundialização da cultura 9.1. Tradição e Modernidade 9.2. Dialéctica do local e do global

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9.3. 9.4. 9.5. 9.6. 9.7.

A educação e os media Do homo communicans Do Homo Sapiens ao Homo Videns Do Homo Videns ao Homo Zappiens Os novos desafios da educação

10. Teoria e metodologia da Antropologia da Educação 11. Como me tornei naquilo que sou 11.1. Quem eu era e quem eu sou 11.2. Histórias de vida e formação 12. Educação, Identidade e metamorfoses culturais 12.1. O self reflexivo 12.2. Encruzilhadas da construção identitária 12.3. Mestiçagem

Opções Pedagógicas e critérios de avaliação 1. Funcionamento da cadeira 2. Programação e bibliografia 3. Sistema, critérios e parâmetros de Avaliação 4. Bibliografia Geral

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Apresentação Detalhada

1. Antropologia, Educação e Teoria Social Contemporânea 1 aula teórica e 1 seminário Textos de Base CARIA, Telmo (2003). “A Construção Etnográfica do Conhecimento em Ciências Sociais: Reflexividade e Fronteiras” in CARIA, Telmo (2003) (Org.) Metodologias Etnográficas em Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, (pp. 9-20). CORREIA, José Alberto (1998). “Para uma redefinição socioantropológica da cientificidade em educação” in CORREIA, José Alberto (1998). Para uma teoria Critica em Educação, Porto: Porto Editora, (pp.181-189). ITURRA, Raul (1997) “A oralidade e a escrita na construção social” in Revista Educação, Sociedade & Culturas, nº8, Afrontamento, Porto, (pp.7-20). OGBU, J. (1993) “Etnografia Escolar: una Aproximación a nível múltiple” in MAILLO, Honorio M. Velasco; CASTAÑO, F. Javier García; RADA, Angel Díaz de Rada (1993). Lecturas de Antropologia para Educadores, Madrid: Ed. Trotta, (pp. 145-174). VIEIRA, Ricardo (1995). "Mentalidades, Escola e Pedagogia Intercultural" Revista de Educação, Sociedade e Culturas, 4., Porto: Afrontamento, (pp. 127147). Palavras-chave: educação, antropologia da educação, ciências da educação, etnografia escolar, etnografia de contextos educativos, objectividade, subjectividade,

1.1. Educação e Antropologia da Educação: hipóteses preliminares Nesta aula começa-se por alertar para o facto de que qualquer sociedade ou grupo social necessita de transmitir conhecimento e memória para garantir a sua reprodução social, mas necessita, também, de criar, de construir conhecimento; e, para tal, desenvolve processos para o fazer: são os processos educativos. Questiona-se o domínio da Antropologia da Educação – área temática ou disciplina? – A Antropologia da Educação pretende estudar esses processos. A questão seguinte e problema central é saber: Estudar a educação ou processos educativos? Há múltiplas abordagens, e a problemática não é nova: 49



Abordagens dos “proto-pedagogos” gregos (filósofos), mas também chineses, hindus,

árabes, etc. – reflectindo sobre “modos de ser”, “comportamentos espirituais”, técnicas formativas” •

Abordagens dos “pré-pedagogos” religiosos (escolas da Igreja) e dos tutores e

perceptores (da nobreza) – manuais de comportamento espiritual e social (nobre) •

O iluminismo civilizacional europeu – preocupações com a educação e com a

infância e juventude, com as habilitações dos educadores; valorização do papel da mulher como reprodutora e educadora; surgem os Tratados da Educação (física) dos Meninos e das meninas; os colégios de rapazes e a educação doméstica das raparigas; a quarentena escolar substitui a aprendizagem com os adultos; passagem da família antiga (centrada na autoridade paterna e na gestão dos domínios) para a família moderna (organizada em função da criança e do futuro) (cf. Ariés, 1981). •

As abordagens das modernas ciências sociais (incluindo as ciências da educação e a

vulgarização dos best-sellers de puericultura):

a) A Sociologia da Educação: Fase de arranque: o positivismo e Durkeim – projectos moralizadores da escolarização; progresso industrial gera escolas de massas 1ªfase: partiu das teorias da reprodução a fim de explicar de que forma a escola das massas mantém e reforça as desigualdades sociais (autores centrais: Bernstein e Bourdieu); 2ªfase: com a nova sociologia parte-se para a análise da micro-sociologia da sala de aula; 3ªfase: porque as abordagens anteriores colocavam os agentes educativos (alunos, professores, pais) como estruturados pela instituição (Escola) e não estruturantes da acção educativa, surgem agora diferentes enfoques sobre as resistências educativas, i. e., o modo como alguns grupos produzem uma sub cultura contra-escolar. 4ªfase: a sociologia contemporânea faz a ponte analítica entre estruturas e práticas sociais [mas as visões são ainda instituições – família, escola, trabalho…]:

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b) A Psicologia da Educação Tem procurado também definir a educação e os processos educativos em termos de tensão (e resolução da tensão) entre processos cognitivos (razão, mente, Q.I…) e [a domesticação das] pulsões e das emoções [inato/adquirido]; ou então, procurar a articulação entre motivações psicológicas/sociais e culturais (fenómenos de risco, doença e desvio mental, perturbações e patologia, desestruturação e acompanhamento, etc.).

c) A Antropologia da Educação As experiências iniciáticas de Mead e Bateson (Samoa, Nova Guiné, Bali, Yatmul, EUA) sobre diferentes modos de “growing up" (crescer/educar/aprender) e sobre os impactos que estes tinham na construção e socialização dos jovens/adultos. Nos anos 50, com Spindler e os seus parceiros americanos, introduziu-se claramente o problema da diversidade dos processos educativos (culturalmente produzidos); mais tarde surgem os trabalhos que acentuam o modo como o Ocidente tenta universalizar hegemonicamente as suas práticas, concepções e modos de comunicação e educação (oral/escrito: literacia; escolarização). Surgem depois os trabalhos em contextos nãoocidentais que valorizam justamente o conflito entre as “epistemologias” locais e os modelos ocidentais; multiplicam-se os estudos sobre o modo como as “resistências culturais” locais respondem a esses modelos “globais”. Paralelamente, têm-se desenvolvido também trabalhos cujo interesse por questões de conflito em pleno contexto escolar ocidental levou a temas como: abandono e insucesso escolar, multiculturalidade, interculturalidade, papel dos media, violência nas escolas, (auto)biografias e construção identitária, etc.

1.2. Questões de Método e de Objecto As Ciências Sociais e Humanas enfrentam problemas epistemológicos no tocante à natureza do seu objecto de estudo e, por consequência, relativamente à metodologia a usar. Ora se tem optado pela via do estudo da cultura e da sociedade como sistemas naturais, como algo fora das consciências individuais, e passível de reduzir a fórmulas matemáticas, ora se tem investido em tais esferas como sistemas simbólicos.

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A primeira das vias apontadas tem desembocado no positivismo. Ontem e hoje. A segunda das abordagens, por outro lado, tem-se inscrito fundamentalmente no casuísmo, na fenomenologia, na etnometodologia, no interpretativismo ou na hermenêutica, entre outras vias grosso modo consideradas de investigação qualitativa. É sabido que a ciência moderna nasceu de uma ruptura brutal em relação à antiga visão do mundo. Buscou-se a objectividade para a edificação do pensamento científico. Mas, quer o desenvolvimento das ciências experimentais, particularmente a física quântica, quer a teoria do caos, quer a reflexão epistemológica sobre a complexidade do Homem, abriram brechas na ideia da regularidade dos fenómenos, sejam eles naturais ou sociais. Mas, também é verdade que as formas de pensar não mudam da noite para o dia, quer seja do pensamento mágico para o pensamento científico, quer seja da visão mecanicista dos fenómenos para uma visão mais organicista. Portanto, a mente humana permanece ainda muito obcecada pela ideia de leis e de ordem que dê sentido ao Universo, quando pergunta a razão das coisas que observa. Efectivamente, a título de exemplo, apesar de ser hoje ponto assente que as entidades quânticas continuam a interagir qualquer que seja o seu afastamento, a ideia da física clássica, assente na ideia de continuidade e causalidade local, continua ainda a marcar o “espírito científico” mesmo entre os profetas do social. De facto, o axioma do terceiro excluído (não existe um terceiro termo T (T de “terceiro excluído”) que seja ao mesmo tempo A e não A continua a dominar o pensamento de hoje quer sobre o natural quer sobre o social. (cf. Nicolescu, 2000). Num paradigma mais recente, as próprias ciências da natureza reformulam esta exclusão e surge a lógica do “terceiro incluído”: existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não A. Só aparentemente parece ilógico. Trata-se, antes, de uma lógica da complexidade, presente na física quântica, e que melhor parece também servir os interesses das ciências sociais e humanas. “O florescimento de lógicas de valores múltiplos, incorporando operacionalmente a incerteza, os avanços em áreas como a genética, a biologia molecular, a física subatómica, a astrofísica, as ciências do comportamento, as matemáticas e mesmo as próprias artes, apontam para a crescente irrupção no mundo do pensamento da percepção da complexidade. A Natureza é complexa, a natureza humana é complexa; as atitudes herdadas do Cartesianismo, separando as abordagens disciplinarmente, estão

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em perda, por todo o lado. Tem sido sugerido mesmo que «as ciências do século XXI serão as ciências da complexidade” (Ambrósio, 2004: 9). Acreditava-se que o conhecimento científico assentava “sobre dois fundamentos seguros: a objectividade dos enunciados científicos, objectividade estabelecida pelas verificações empíricas, e a coerência lógica das teorias que se fundavam nestes dados objectivos. [...] Ora, esta aventura heróica do pensamento, para adquirir e fundamentar a certeza científica, resultou num fracasso total. Pode dizer-se que a epistemologia anglo-saxónica dos anos 50-60 descobriu (redescobriu) que nenhuma teoria científica pode pretender-se absolutamente certa. Popper, artesão capital desta evolução, transformou o próprio conceito de ciência, que deixou de ser sinónimo de certeza para se tornar sinónimo de incerteza, ou melhor, de fiabilismo” (Morin, 1996: 14-15). Não obstante, o que passa a estar em causa não é a objectividade científica mas uma das suas formas: a objectividade clássica, baseada na crença de ausência de qualquer conexão não local. A existência de correlações não locais expande o campo da verdade, da realidade. Desmorona-se também um outro pilar do pensamento clássico: o determinismo que, contudo, continua a viver activamente na maior parte dos nossos modos de pensar.

E é a partir desta revolução científica, uma vez mais ocorrida no seio das ditas ciências exactas, que emerge, de novo, também uma nova revolução nas ciências sociais. Com efeito, a partir da segunda metade do séc. XX, surge uma crítica ao positivismo na sociologia, na antropologia, na psicologia cultural, nas ciências da educação, e uma reflexão cada vez mais profunda sobre a natureza dos seus objectos e, em consequência, das metodologias a adoptar. O espaço para a etnografia como metodologia científica está assim, para já, aberto. Mais aberto que nunca. Aberto no método e na aplicação a vários domínios específicos: etnossociologia,

etnociência,

etnobotânica,

etnomatemática,

etnopedagogia,

etnolinguística, etnomusicologia, etnografia escolar, etnografia da educação, etc., etc.

O objecto da Antropologia, e da diferença cultural em particular, como vimos, não é hoje centrada em mundos mais ou menos exóticos e distantes fisicamente do investigador. Ao

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contrário do preconizado pela Antropologia e Etnologia clássicas, o distanciamento, como vimos, de certa forma desejável e quase obrigatório entre sujeito e objecto, é, na Antropologia contemporânea e em particular na Antropologia da Educação, considerado como distanciamento cognitivo e não sóciogeográfico. Cada um de nós observa e reflecte sobre os comportamentos e atitudes dos outros, bem como de si próprio. Esta capacidade reflexiva permite podermos ser objecto de nós próprios e observadores dos comportamentos de outrem. Nesta esteira, passamos do distanciamento físico sujeito/objecto, proposto pela Antropologia clássica, ao distanciamento intelectual que permite fazer etnografia do vizinho do lado, ou da relação escola família da instituição onde estudam os nossos filhos. De resto, grande parte da Antropologia contemporânea tem vindo a procurar os seus objectos de pesquisa não no exterior das sociedades ocidentais, mas dentro delas mesmas, não só porque a multiculturalidade aumentou acentuadamente nas últimas décadas em consequência da abertura de algumas fronteiras e dos grandes fluxos migratórios mas, também porque houve alguma reconceptualização do meu e do outro, da identidade e da alteridade. Descobrem-se novos terrenos, estudam-se as práticas da vida citadina, a cultura das organizações, a ciência e a vida de laboratório com Bruno Latour (1988), os lugares e os não lugares da vida quotidiana com Marc Augé (1994), as instituições políticas europeias como tem feito Marc Abélès (2000), o saber médico do Povo (Nunes, 1997), as cidades e a vida urbana (Cordeiro, 2003), as histórias de vida de professores e de alunos, a etnografia da sala de aulas, dos recreios, dos jogos, etc. como eu próprio tenho feito em Portugal a par de outros colegas33 (Vieira, 1992; Vieira, 1999a; Vieira, 1999b; Vieira, 2003).

Os antropólogos contemporâneos auto identificam-se como etnógrafos. Contudo, antes de Boas e Malinowski o etnógrafo não tinha que ser forçosamente antropólogo.

33

Veja-se, para o caso português, veja-se, entre outros, os trabalhos de António Nóvoa, Raul Iturra, Filipe Reis, Nuno Porto, Paulo Raposo, Amélia Frazão, Telmo Caria, Pedro Silva, Darlinda Moreira, António Pinto da Costa, José Trindade (2003), entre outros.

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Segundo Geertz (cf. 1989), em Antropologia Social o que os praticantes fazem é Etnografia. E esta é uma prática interpretativa. Busca a “descrição densa” voltada para a busca de “estruturas de significação”.

“A observação participante serve como fórmula para o contínuo vaivém entre o «interior» e o «exterior» dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido de ocorrências e gestos específicos, através da empatia; de outro, dá um passo atrás, para situar esses significados em contextos mais amplos. Acontecimentos singulares, assim, adquirem uma significação mais profunda ou mais geral, regras estruturais, e assim por diante. Entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula paradoxal e enganosa, mas pode ser considerada seriamente se reformulada em termos hermenêuticos, como uma dialéctica entre experiência e interpretação. Assim é como os mais recentes e persuasivos defensores do método o reelaboraram, na tradição que vem de Dilthey, passa por Max Weber e chega até aos antropólogos dos «símbolos e dos significados»” (Clifford, 2002: 33-34). De forma similar, Telmo Caria (2003) posiciona a etnografia como um «lugar de fronteira»: “o estar dentro e estar fora dos contextos em análise e, simultaneamente, convocar os autóctones para se posicionarem do mesmo modo. O «dentro e fora» é fonte de conhecimento acrescido porque provoca uma tensão e uma ambiguidade na relação social de investigação que convoca o investigador a reflectir sobre o inesperado34. O investigador é um actor social que é reconhecido como competente nos «saberes-pensar de fora», mas, ao mesmo tempo, mostra ser incompetente nos «saberes-fazer de dentro». É nesta fronteira que designaria de intercultural (entre a ciência e o saber comum), que se pode construir a reflexividade da cidadania e a reflexividade que desenvolve uma ciência da ciência” (Caria, 2003:13).

O etnógrafo seja do outro distante fisicamente, do outro próximo geograficamente, ainda que distante cognitivamente, seja da sala de aulas de determinada escola ou da transmissão cultural ocorrida nos jogos populares ou nas brincadeiras das crianças, nunca consegue ser neutro nem invisível. “De facto, o etnógrafo nas ciências sociais não se limita a observar, a agir e a ouvir, faz, além disso, perguntas adequadas e pertinentes ao 34

“Quando Evans-Pritchard escreveu os Nuer ele sabia exactamente quem era a sua audiência, pessoas que seriam admitidas no mundo universitário […] ela não tinha de se preocupar com intelectuais Nuer controlando o seu trabalho. Actualmente todo o antropólogo tem de se preocupar com esse problema e isso faz uma diferença” (Clifford, 2002: 272).

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contexto, ainda que estas não sejam as que os autóctones verbalizam no quotidiano sobre o seu «nós»” (Caria, 2003: 14). Efectivamente, o observador acaba por apelar à racionalização das práticas por parte dos observados e, quando se trata de entrevista, ainda que etnográfica ou etnobiográfica, “entrevistado e entrevistador alcançam dimensões do pensamento que não são passíveis de equacionar numa simples aritmética tipo 1+1=2. O resultado é possivelmente melhor traduzido por um 3, símbolo da criação, pois contem uma descoberta e racionalização que resulta da existência da interacção entre pelo menos dois sujeitos” (Vieira, 2003: 86). O social deixa de ser, assim, absolutamente uma coisa à la Durkheim, para ser considerado mais como actividade social estruturante. “O objecto e o objectivo da análise das Ciências Sociais será, pois, identificar, compreender e «explicar» o sentido que os indivíduos atribuem às suas acções e descobrir os motivos pelos quais as executam em determinado momento histórico” (Casal, 1996: 30).

1.3. Teoria Social e Educação Nesta terceira parte da aula, procura mostrar-se, mais particularmente, a influência dos paradigmas científicos dominantes no olhar sobre a educação, seja do ponto de vista investigativo, seja do ponto de vista pedagógico. Efectivamente, também os modelos científicos em vigor acabam por se reflectir sempre nas práticas escolares, nas pedagogias dominantes, na educação35 “A história do pensamento sobre educação caracteriza-se por se ter desenvolvido no contexto de um diálogo com a teoria social do seu tempo. A teoria social envolve a metateoria, isto por um lado, e pelo outro engloba todo um leque de questões substantivas necessariamente implicadas na construção das teorias da sociedade […]” (Morrow e Torres, 1997: 21). Desta forma, o olhar sobre a educação e sobre a cultura tem sido visto ora de forma mais objectivista, ora de forma mais subjectivista; ora de forma mais estruturalista e determinista, ora de forma mais processualista e construtivista. De alguma forma, o olhar sobre a educação é paralelo aos paradigmas da abordagem social vigente. Seria impensável abordar aqui as várias correntes sociológicas e a forma como 35

Ver a este propósito o artigo “Modelos científicos e práticas educativas: breve incursão no século XX” de Ricardo Vieira (1999) in Ser Igual Ser Diferente: Encruzilhadas da Identidade, Porto: Profedições.

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elas se debruçaram sobre a educação. Contudo, a propósito da oscilação das ciências sociais entre os paradigmas mais quantitativos ou qualitativos, convém dizer da nossa posição: Os fenómenos humanos, visíveis ou lactentes, não são por essência quantificáveis. Crenças, representações sociais, formas de relacionamento com o “outro”, estratagemas usados em face de situações problemáticas são factos humanos e, para serem entendidos, implicam a presença humana e a capacidade de empatia. É evidente que o valor de tais resultados obtidos não pode então ser avaliado por referência aos canons da investigação “científica” clássica. A este propósito, Bourdieu reivindica até um politeísmo metodológico. Critica não só a sofisticação técnica dos usos metodológicos, mas também o seu uso irreflectido, destinado a camuflar o vazio criado pela ausência duma visão teórica (cf. Bourdieu, 1992): “Com efeito, as escolhas técnicas as mais “empíricas” são inseparáveis das escolhas de construção do objecto, as mais “teóricas”. É em função duma certa construção de objecto que tal método de aferição, tal técnica de recolha ou de análise de dados, etc., se impõe”. (p.197) “A construção do objecto - pelo menos na minha experiência de investigador - não é qualquer coisa que se faz de uma vez por uma espécie de acto inaugural, e o programa de observações ou de análises através dos quais ela se efectua não é um plano que se desenha a priori, como o faz um engenheiro”. (p. 199). “Construir o objecto pressupõe também que se tem perante os factos uma postura activa e sistemática: para romper com a passividade empirista, que mais não faz se não ratificar as pré-construções do senso comum; não se trata de propor grandes construções teóricas vazias, mas de abordar um caso empírico com a intenção de construir um modelo - que não tem de revestir uma forma matemática ou formalizada para ser rigoroso - (...) . Trata-se de interrogar sistematicamente o caso particular, constituído em “ caso particular do possível”, como diz Bachelard. (p. 204) Bourdieu (1992) quer reabilitar o lado prático da teoria que reconhece como actividade produtora de saber. Wacquant (1992) refere na introdução à sua obra Réponses - Pour une antropologie reflexive - que “os seus escritos testemunham amplamente que de facto ele não é o oposto ao trabalho teórico” e que Bourdieu “mantém que todo o acto de pesquisa é simultaneamente empírico e teórico” (pp. 32 e 33). Também Bourdieu entende que o objecto próprio da Ciências Sociais, e em particular da Antropologia, não é nem o

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indivíduo nem os grupos sociais enquanto conjuntos concretos de indivíduos, mas antes a relação entre os dois no processo histórico. Com os conceitos de habitus e de campo, Bourdieu ultrapassa os falsos problemas da espontaneidade pessoal e dos constrangimentos sociais da liberdade e da necessidade. Livra-se assim também das alternativas vulgares do indivíduo e da estrutura da micro e da macro-análise: “Se é bom recordar que os dominados contribuem sempre para a sua própria dominação, é necessário recordar no mesmo movimento que as disposições que os inclinam para esta cumplicidade são também um efeito incorporado da dominação. Assim, a submissão dos trabalhadores, das mulheres e das minorias raciais, não é na maioria dos casos, uma concessão deliberada e consciente [...] dos homens”. (Bourdieu, 1992: 28 e 29). Para Bourdieu há uma relação entre os habitus, sistemas duráveis de percepção, de apreciação e de acção que resultam da instituição do social no individual e os campos, sistemas de relações objectivas que são produto da instituição do social nas coisas: “O campo estrutura o habitus que é o produto da incorporação da necessidade imanente deste campo ou do conjunto de campos mais ou menos concordantes. (...) A realidade social existe por assim dizer duas vezes, nas coisas e nos cérebros, nos campos e nos habitus, no exterior e no interior dos agentes. E, quando o habitus entra em relação com o mundo social de que ele é produto, ele é como peixe na água e o mundo aparece-lhe como saindo de si”. (Bourdieu, 1992: 102 e 103) Portanto, voltando a frisar, os factos sociais não podem interpretar-se fora dos seus contextos simbólicos e sócio-culturais bem como fora dum contexto teórico.

Fiquemo-nos, agora com a conceptualização do conceito de cultura, sempre caro a todas as correntes antropológicas mas nem sempre concebido da mesma maneira. Entende-se neste relatório a cultura e a abordagem antropológica mais ou menos ao modo de Clifford Geertz que, influenciado por Weber, defende um conceito de cultura essencialmente semiológico cujo objectivo é ajudar o investigador a ter acesso ao mundo conceptual no qual vivem os seus sujeitos, com intuito de proporcionar o diálogo como os mesmos. Nas suas próprias palavras, “acreditando que o Homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, a sua cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado” (Geertz, 1989: 15).

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São esses significados, e os modos como crianças, alunos, professores, pais e mães se relacionam, que se procura descobrir com a Antropologia da Educação: Procura-se mais o sentido que propriamente explicações (Benavente, 1990a). Como Durkheim (1980: 7), entendo que "O objecto de qualquer ciência é descobrir, e qualquer descobrimento desconcerta mais ou menos as opiniões correntes". Mas, mais do que o pensamento colectivo, que ele sugeria que fosse estudado em si mesmo e por si mesmo, eu preocupo-me aqui, particularmente, com o "pensamento dos particulares" como resultado duma construção social. Todavia quando falo de construção social, não estou a referir-me em particular à origem social. O problema não é tanto de grupo social de origem mas mais de trajectória social onde o pessoal se constrói numa interacção monocultural, de pluralismo cultural, intercultural etc. Numa palavra, interessa-me compreender essa cultura pessoal construída ao longo da história de vida, com a qual se age e se entende. Aqui volto a estar de acordo com Durkheim quando diz que " pelo facto de as crenças e as práticas sociais nos chegarem do exterior, não quer dizer que as recebamos passivamente e sem as submetermos a modificações. [...] Não há conformismo social que não comporte toda uma gama de matizes individuais " (Durkheim, 1980: 24). Essas matizes individuais são para mim a cultura pessoal e portanto também o que de colectivo há no individual. Mas, contrariamente ao nomotetismo de Durkheim, e em geral de todo o paradigma positivista, a mim interessa-me aqui particularmente o mundo subjectivo, o da consciência, da intuição e dos valores. Mais do que o comportamento dos actores, na Antropologia da educação busca-se os significados que lhe atribuem os sujeitos e aqueles que interagem com ele (Erickson, 1989). Aproximo-me assim de Max Weber que se recusa a falar de leis generalizáveis à complexidade das diversas singularidades sociais.

Trata-se, pois, ao nível da Antropologia da Educação, da compreensão Weberiana, de apreender o sentido da acção social mas, fundamentalmente, dos fenómenos educativos e de transmissão cultural. Agarra-se, muitas vezes, em assuntos e temas queridos das ciências da educação mas dá-se-lhes uma dimensão global, comparativa e cultural no sentido antropológico e de cariz etnográfico.

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“ A Antropologia e a Psicologia escolheram entre si dois dos objectos mais improváveis em torno dos quais tentar construir uma ciência positiva: Cultura e Mente Kultur und Geist, Culture et Esprit. Ambos são heranças de filosofias extintas, ambos têm histórias variegadas de inflação ideológica e abuso retórico, e ambos têm usos quotidianos amplos e múltiplos que interferem em qualquer esforço de estabilizar seu sentido ou transformá-los em espécie naturais. Foram repetidamente condenados como místicos ou metafísicos, repetidamente banidos dos recintos disciplinados da investigação séria, e repetidamente se recusaram a ir embora […]. À medida que se desenvolveram as ciências cognitivas, houve uma tendência a fugir desses termos, mais ou menos completamente e, em vez deles, a falarem em circuitos neurais e processamento computacional, sistemas programáveis artificialmente instruídos – táctica que torna intocadas e intocáveis as questões da habitação social do pensamento e das bases pessoais de significação. No que concerne à Antropologia, essas duplas questões, mal formuladas ou evitadas – a natureza mental da cultura, a natureza cultural da mente -, têm-na atormentado desde os seus primórdios. Das ruminações de Tylor sobre as insuficiências cognitivas da religião primitiva, na década de 1870, passando pelas de Lévy-Bruhl sobre as participações simpáticas e o pensamento pré-lógico, na década de 1920, até às de Lévi-Strauss sobre o bricolage, os mitemas e La pensée sauvage, na década de 1960, a questão da «mentalidade primitiva» - o grau em os chamados nativos pensam de maneira diferente dos (também chamados) civilizados, avançados, racionais e científicos – tem dividido e confundido a teoria etnográfica. Boas, em A mente do homem primitivo, Malinowski, em Magia, Ciência e Religião, e Douglas, em Pureza e Perigo, todos entraram em luta com o mesmo anjo: colocar numa relação inteligível, como dizem variadamente eles e seus seguidores, o interno e o externo, o privado e o público, o pessoal e o social, o psicológico e o histórico, o vivencial e o comportamental.” (Geertz, 2001: 179-180). Também Jerome Bruner, que pensa os processos educativos a partir da psicologia cultural que tem vindo a desenvolver, diz, a propósito da crítica aos modos de pensar construídos pela física do passado, que “quando lidamos com o significado e com a cultura, enveredamos inevitavelmente por outro ideal. Reduzir o significado ou a cultura a uma base material, dizer que eles “dependem”, por exemplo, do hemisfério esquerdo, é cair na banalidade ao serviço de uma concreção deslocada. Insistir na explicação em termos de “causas” impede-nos, logo à partida, de tentar compreender como é que os seres humanos interpretam os seus mundos e como nós interpretamos os sus actos de interpretação” (Bruner, 1997: 12).

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1.4. O Método Etnográfico em Contextos Educativos O uso do método etnográfico em contextos educativos leva a uma nova orientação epistemológica que ultrapassa as visões e pesquisas temáticas sobre o insucesso ou sucesso escolar, mas também a uma nova atitude metodológica de quem investiga “factos educativos”, quer seja por parte do antropólogo quer seja por parte do professor investigador.

A “Etnografia da Educação”, que junta duas coisas fundamentais: a metodologia, por um lado, e o domínio de estudo, por outro, que é neste caso a educação, inscreve-se claramente na perspectiva interpretativa e fenomenológica dos estudos antropológicos. Trata-se duma opção metodológica que só aparentemente pode ser considerada invenção recente. Efectivamente, a etnografia trata-se duma metodologia que, embora clássica nos estudos antropológicos, encontra hoje um contexto talvez mais propício à adopção pela comunidade científica e à adequação no estudo de processos sociais, educativos, escolares ou não. É assim que entre a Antropologia a Sociologia se dão, de novo, fluxos e refluxos de comunicação e identificação. A Sociologia (pelo menos a não positivista) reencontra a etnografia e a Antropologia, no seu “regresso a casa”, estende a etnografia às sociedades ditas complexas, ao processo educativo e à própria escola. Ser etnógrafo da escola, fazer etnografia de reuniões escolares, de reuniões com encarregados de educação, de processos de transmissão cultural, etc. não soa hoje a estranho nem nos manuais de investigação nem entre os próprios investigadores. E a Etnografia da Educação em contextos educativos, realizada por antropólogos36, pode ser feita na escola, na sala de aulas, no recreio, nos tempos livres, no jogo infantil, na família, nos escuteiros, na catequese, etc. e segue, por vezes, um, dois ou três sujeitos sem aquela preocupação sociologista de estudar a educação como um simples meio de reprodução social sem estudar os modos particulares de socialização de cada individuo: 36

Porque há autores que começam a falar de etnografia sociológica que distinguem da antropológica (cf. Silva, 2003).

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“a sociologia da educação e da cultura – pelo menos aquela que não está fechada nos limites da instituição escolar ou das instituições das obras ditas «culturais» - […] deveria poder contribuir para esclarecer esses processos de construção social das estruturas do comportamento e do pensamento. […] São raras as descrições das próprias práticas socializadoras, das modalidades efectivas das formas variadas de socialização. […] Assim o habitus é uma teoria do sujeito especializado à qual falta uma teoria capaz de especificar a sua própria construção” (Lahire, 2002: 172-173). No fundo, falta a teoria feita a partir da descrição pormenorizada das formas, espaços e tempos de incorporação do habitus. Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 1 ABÉLÈS, Marc (2000). Un Ethnologue à l´Assemblée, Paris: Odile Jacob. AMBRÓSIO, Teresa (2004). “A complexidade da adaptação dos processos de formação e de desenvolvimento humano” in AMBRÓSIO Teresa et all. (2004). Formação e Desenvolvimento Humano: Inteligibilidade das suas Relações Complexas, Lisboa: Actas do atelier nº 34 – MCX da rede “Modélisation de la Complexité, conferência de Lille. ARIÈS, Philippe, (1981). [1960]. História Social da Criança e da Família, Rio de Janeiro: Zahar Editores. AUGÉ, Marc (1994). [1992]. Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, Venda-Nova: Bertrand Editora. BENAVENTE, Ana (1990a). Escolas, Professores e Processos de Mudança, Lisboa: Livros Horizonte. BOURDIEU, P. (1992). Réponses - Pour une Antropologie Réflexive, Paris: Editions du Seuil. BRUNER, J. (1997). [1990]. Actos de Significado, Lisboa: Ed. 70. BRUNER, J. (2000). Cultura e Educação, Lisboa: Ed. 70. CARIA, Telmo (2003). “A Construção Etnográfica do Conhecimento em Ciências Sociais: Reflexividade e Fronteiras” in CARIA, Telmo (2003) (Org.) Metodologias Etnográficas em Ciências Sociais, Porto: Afrontamento. CASAL, ADOLFO Yánez (1996). Para uma Epistemologia do discurso e da Prática Antropológica, Lisboa: Cosmos. CLIFFORD, James (2002). [1994]. A Experiência etnográfica: Antropologia e Literatura no Século XX, Rio de Janeiro: UFRL. CORDEIRO, Graça (2003). “A Antropologia Urbana entre a Tradição e a Prática” in CORDEIRO, Graça, BAPTISTA, Luís, COSTA, António (2003) (Org.). Etnografias Urbanas, Oeiras: Celta, pp. 3-32. DURKHEIM, E. (1980) [1895]. As Regras do Método Sociológico, Lisboa: Ed. Presença 62

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2. Cultura e Identidade 1 aula teórica e 1 seminário Textos de Base

BASTOS, José G.P. e Bastos, Susana P. (1999). “Definição de conceitos” in BASTOS, José G.P.e Bastos, Susana P.(1999). Portugal Multicultural, Lisboa: Fim de Século, (pp. 11-19). CAMILLERI, Carmel (1989). “La culture et l’identité culturelle: champ notionnel et devenir” in CAMILLERI, Carmel et COHEN-EMERQUE (1989). (Dir.) Chocs de cultures: concepts et enjeux pratiques de l’interculturel, Paris: L’Harmattan, (pp. 21-73). CUCHE, Denys (1999). [1996]. “Cultura e identidade”, in CUCHE, Denys (1999). [1996]. A noção de cultura nas ciências sociais, Lisboa: Fim de Século, (pp. 123-139). MAGALHÃES, António (2001). “O Síndroma de Cassandra: reflexividade, a construção de identidades pessoais e a escola”, in STOER, S., CORTESÃO, e CORREIA, J. (2001). Transnacionalização da educação: da crise da educação à “educação” da crise, Porto: Afrontamento, (pp. 301-337). TRINDADE, José (2004). “Práticas multiculturais, relativismo cultural e getização” in VIEIRA, Ricardo (2004) (Org.). E agora professor? A transformação na voz dos professores, Porto: Profedições, (pp. 57-59). VIEIRA, Ricardo (1999). “A Dinâmica da Identidade” in VIEIRA, Ricardo (1999). Ser Igual Ser Diferente: encruzilhadas da identidade, Porto: Profedições, (pp. 34-67).

Palavras-chave: cultura, identidade pessoal, self, identidade cultural e identidade social, identificação objectivante e identificação subjectiva, etnicização.

2.1. Abordagem Conceptual O Homem percorre o mundo inteiro em busca daquilo de que precisa e volta a casa para encontrá-lo. George Moore

Na primeira parte desta aula, começar-se-á por apresentar algumas definições breves de cultura e de identidade, segundo várias perspectivas disciplinares e de acordo com diferentes autores.

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A propósito de cultura: Nem no domínio antropológico, como sabemos, há hoje uma definição unânime do que é cultura. A cultura tem sido tantas vezes considerada uma “totalidade objectiva a ser representada por um vocabulário supostamente «neutro», «transparente» (versão positivista da representação etnográfica de cultura, em busca de objectividade)” ou mesmo “uma totalidade subjectiva a ser expressa com «autenticidade» seja pelos nativos, seja pelo etnógrafo (concepção romântica em busca de autenticidade)”. Em qualquer destas concepções “a cultura vai aparecer como uma totalidade dada e definida por uma coerência intrínseca situada no tempo e no espaço, ora como portadora de significados unívocos a serem resgatados por uma «interpretação»; ora como portadora de atributos a serem «representados» com neutralidade. Por isso será importante passar em revisão alguns conceitos antropológicos de cultura, para pensarmos nos mais adequados ao estudo dos processos educativos. “Todo o mundo sabia que os Kwakiutl eram megalomaníacos, Os Dobu, paranóicos, os Zuni, equilibrados, os alemães, autoritários, os russos, violentos, os americanos, práticos e optimistas, os samoanos, descansados, os Navajo prudentes, os Tepotzlano inabalavelmente unidos ou irremediavelmente divididos (havia dois antropólogos que os estudavam, um sendo aluno do outro) e os japoneses, envergonhados – e todo o mundo sabia que eram assim por causa de sua cultura (todos tinham uma cultura e nenhum tinha mais de uma). Parecia que estávamos condenados a trabalhar com uma lógica e uma linguagem nas quais conceito, causa, forma e resultado tinham todos o mesmo nome”. […] As vicissitudes da «cultura» (a palavra, não a coisa, pois não há coisa) as discussões sobre o seu significado, seu uso e seu valor explicativo, estavam de facto apenas começando”. (Geertz, 2001: 23). Far-se-á depois alguma revisão de conceitos chave, porventura já desenvolvidos noutras disciplinas mas, agora, com um enfoque educacional: • • • •

Enculturação Aculturação Assimilação Relativismo cultural

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A propósito de identidade: Perspectiva Psicanalítica - Freud Os trabalhos de Sigmund Freud reportam-se a perturbações de identificação (complexo de Édipo, do Luto, da Identificação ao agressor, entre outros). Segundo este autor, a construção do sentimento de identificação processa-se no decorrer da infância, mediante mecanismos de imitação dos adultos. Freud considera que “a libido e o interesse do eu vivem unidos e inseparáveis no eu e bastam-se a si mesmos» (Freud, 1916, citado por Camilleri et all, 1991: 8), ou seja, a criança procura o prazer em si numa posição narcísica. (Relembre-se, a este propósito o mito de Narciso, vidé anexo 1). Assim sendo, o narcisismo era a forma mais primitiva de identificação. Freud concebera, então, a identidade “como um elemento de um «mim» (moi) encarado como uma estrutura isolada dos determinantes históricos e sociais” (Camilleri et all, 1991: 9). Este autor definiu a identificação como sendo um processo e a identidade encarou-a como um produto. Assim sendo, a identidade aparece como a simples resultante das diferentes identificações do sujeito.

Perspectiva Psicossocial - Erikson Segundo Person (1984, citado por Camilleri et all, 1991), o antropólogo (psicanalista de origem) Erik Erikson foi pioneiro no que respeita a propor o conceito «crise de identidade», para explicar as perturbações sentidas pelos veteranos da II Grande Guerra Mundial. Com efeito, este autor não fala da identidade, mas das suas crises, isto é, não descreve uma estrutura, mas sim uma ruptura; e para analisar essa ruptura reporta-se aos trabalhos freudianos. Contrapondo a ideia do autor anterior, Erikson afirma que a identidade “surge da rejeição selectiva e da assimilação mútua das identificações de infância assim como da sua absorção num nova configuração que, por seu lado, depende do processo graças ao qual uma sociedade (muitas vezes por intermédio de sub-sociedades), identifica o jovem indivíduo. E reconhecendo-o como alguém que tinha de se tornar no que é, o considera como aceita»” (Erikson, 1972: 167, citado por Camilleri et all, 1991: 11).

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Perspectiva Etnopsiquiátrica - Devereux Devereux defende um ponto de vista diferente, como discípulo do psicanalista, Húngaro tal como ele, Géza Róheim, e do Etnólogo francês Marcel Mauss. Este autor tem em consideração a cultura na modelagem global do sentimento de identidade. Já antes do nascimento, o ser humano é concebido de acordo com uma cultura, na qual estão enquadradas as expectativas dos seus progenitores e da “«entourage social»” (Camilleri et all, 1991: 12). Assim sendo, para se conceber identidades é inevitável uma modelagem cultural. Concretizando, o ser humano é socializado segundo um modelo sexual, o qual determina uma forma particular de existir. Devereux, ao afirmar que “[...] a identidade é sempre a resultante da identificação que nos vemos ser imposta pelos outros e da que nós próprios afirmamos” (Cuche, 1999: 136), inclui, assim, o indivíduo na interpretação do mundo em que é imerso.

Perspectiva Interaccionista - Goffman Goffman trouxe um contributo à conceptualização da noção de representação de si (self) e da identidade, a partir da Teoria do papel. Esta consiste nas modalidades que permitem a uma pessoa assumir um determinado papel = «face» perante os outros, o actor tenta corresponder às expectativas. “O mundo é um teatro e a vida social é como uma grande cena onde os «actores» são conduzidos a respeitar os rituais, linhas de conduta instituídas para preservar as suas faces” (Camilleri et all, 1991:15). É através da identidade estigmatizada que procura mostrar como as diferentes identidades de que dispõe o actor não são só fachadas (mais ou menos assumidas ou rejeitadas), papéis, no sentido teatral do termo.

Perspectiva Gestaltista - Sherif Sherif coloca a questão da identidade no âmago das relações intergrupos, porque: “[...] sempre que membros individuais de um grupo interagem colectiva ou individualmente com outro grupo ou membros dele em termos da sua identificação grupal, temos uma instância de relações intergrupos” (Vala, 1997: 290).

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De seguida, apresentar-se-ão: •

algumas das concepções objectivistas e subjectivistas da identidade cultural;



a concepção relacional e situacional da identidade;



a identidade e as questões de Estado;



a identidade multidimensional (nenhum grupo, nenhum indivíduo está encerrado numa identidade unidimensional, monolítica);



as estratégias identitárias (a margem de manobra que os actores têm nas várias interacções sociais em termos de imagem para si e para os outros): “a identidade constrói-se segundo as situações. Está em movimento incessante; cada transformação social leva-a a reformular-se de maneira diferente” (Cuche, 1999:137).

Alguma Contextualização É nos Estados Unidos que o conceito de cultura tem melhor acolhimento e é no âmbito da Antropologia norte-americana que irá conhecer o aprofundamento teórico mais notável. O contexto nacional americano é muito específico, pois os Estados Unidos representamse a si próprios desde sempre como um país de imigrantes de diferentes origens culturais. Nos Estados Unidos, a imigração funda e precede, portanto, a nação que se reconhece como nação pluriétnica. Este contexto favoreceu uma interrogação sistemática sobre as diferenças culturais e sobre os contactos entre as culturas. O mito nacional americano, segundo o qual a legitimidade da cidadania quase se vincula à imigração está na base de um modelo de integração nacional original que admite a formação de comunidades étnicas particulares, de que resulta aquilo a que alguns chamam «federalismo cultural» que permite uma certa continuidade, não sem transformações, devidas ao novo ambiente cultural, das culturas de origem dos imigrantes. A Antropologia Americana será muitas vezes qualificada de «culturalista». Tomado no singular é um qualificativo redutor, com efeito, não existe um culturalismo americano, mas culturalismos, que é possível agrupar em três grandes correntes: a primeira herdeira do magistério de Boas, a segunda que tenta elucidar as relações entre cultura (colectiva) e personalidade (individual) e a terceira que considera a cultura como um sistema de comunicação entre os indivíduos.

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Hoje há uma tendência para relacionar identidade e cultura, sendo as crises culturais muitas vezes denunciadas como crises de identidade. No entanto, não podemos confundir cultura com identidade já que a cultura não implica a existência de uma consciência identitária, revelando em grande parte processos inconscientes, enquanto que a identidade ao remeter para um sentido de pertença assente em oposições simbólicas, é obrigatoriamente consciente. Nos anos 50, nos Estados Unidos, dá-se a conceptualização da identidade cultural, como sendo o comportamento dos indivíduos mais ou menos imutável. Esta abordagem será superada por concepções mais dinâmicas que já relacionam identidade com o contexto relacional. Para a Psicologia Social a identidade resulta das interacções do indivíduo com o seu meio social, caracterizando-se pelo conjunto das suas pertenças no sistema social (classe social, sexual, etária). A identidade permite ao indivíduo localizar-se no sistema social e ser ele próprio localizado socialmente. Não é somente aos indivíduos que se aplica a identidade social, mas também aos grupos. Esta identifica o grupo ou distingue-o dos outros (inclusão ou exclusão). A identidade assenta deste modo na diferença cultural. Devemos a Fredrick Barth a concepção da identidade como uma manifestação relacional, já que esta é uma construção que se realiza a partir das relações que opõem um grupo aos outros grupos com os quais está em contacto. Assim, a diferença identitária não seria a consequência directa da diferença cultural (muitas identidades coexistem numa mesma cultura), pois a identidade constrói-se e reconstrói-se por meio das trocas sociais (concepção dinâmica da identidade). Isto é, identidade e alteridade articulam-se uma na outra e mantêm uma relação dialéctica. “As diferenças culturais de significação fundamental para a etnicidade são aquelas que as pessoas utilizam para marcar a distinção, a fronteira, e não as ideias do analista sobre o que é mais aborígene ou característico na cultura destas” (Barth, 2004: 20). Identificação e diferenciação são duas faces da mesma moeda. A identidade resulta da negociação entre a auto-identidade (definida por si próprio) e hetero-identidade (definida pelos outros), convém ainda referir que a auto-identidade poderá ou não ter maior ou menor legitimidade que a hetero-identidade. A hetero-identidade pode conduzir à

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estigmatização de grupos minoritários gerando identidades negativas. A identidade é, portanto, uma parada de lutas sociais que se pode revelar problemática. Ao resultar de uma construção social, a identidade participa da complexidade do social. O que torna difícil a sua definição é o seu carácter flutuante, susceptível de várias interpretações e manipulações. Considerar a identidade como monolítica impede a compreensão dos fenómenos de identidade mista. O indivíduo participa em várias culturas e cria a sua própria identidade única e pessoal (identidade sincrética) ou cria uma dupla identidade em que os dois pólos de referência se situariam ao mesmo nível. A identidade não é absoluta, mas sim relativa. O conceito de estratégia identitária indica que o indivíduo possui uma certa margem de manobra (ex.: mudar de nome). É através destas estratégias que a identidade se constrói, no entanto, elas nem sempre são utilizadas de forma consciente, como afirma Pierre Bourdieu. A identidade constrói-se, desconstrói-se e reconstrói-se segundo as situações, cada transformação social leva-a a reformular-se de maneira diferente. O que cria as fronteiras entre dois grupos etnoculturais é a vontade de diferenciação (identidade específica), essas fronteiras não são inalteráveis. Segundo Barth, podem-se deslocar devido a modificações na situação social, económica ou política. Estes deslocamentos explicam as variações da identidade.

A ideia de Nação e Cultura unas (perturbadas pelos vírus culturais dos outros) deve ser posta em causa. No seio de qualquer sociedade, existem diferenças culturais profundas, consoante os níveis de educação, as origens de classe, as regiões, o género, etc. a Cultura, na realidade não é mais do que os sentidos partilhados por pessoas com interesses e vivências comuns. A ideia de Nação e Cultura unas, é de tal maneira vaga, abrangente e irreal, que acaba por servir de máscara para a diversidade e desigualdade interna a uma sociedade. Daí a obsessão oficial com a língua unificadora; daí a promoção de patriotismos, daí a invenção de uma narrativa histórica mítica. “Este novo tipo de tensões vem associar-se a outros processos de libertação identitária e política e de globalização económica e mediática que solapam as fundações tradicionais da «identidade nacional», baseadas nas ideias de «povo» e de «nação» e em concepções reificantes de «cultura» (tendencialmente essencialistas, transcendentais e homogeneizantes) e a sua emergência

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tem sido concomitante quer de uma relativa secundarização das tensões interclassistas que dominaram os séculos anteriores e se exponenciaram na primeira metade do século XX, quer mais recentemente, com a queda do Muro de Berlim, de uma secundarização das tensões internacionais”. (Bastos e Bastos, 1999: 11).

2.2 A Transmissão de Saberes e de Identidades Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu, ... Alberto Caeiro

Nesta segunda parte da aula, procurar-se-á mostrar, com recurso a diferentes exemplos e contextos, que na educação, seja familiar, doméstica ou escolar, não há só uma transmissão de conhecimentos mas também de maneiras de estar e fazer: uma identidade.

Nos processos educativos intervêm aspectos comunicacionais, psicanalíticos, interactivos e identitários: a) Modelo sociologista (moral) A educação é transmissão de valores, conceitos e ideias partilhadas socialmente por um dado grupo (paradigma durkheimiano, projecto moral, ético e pedagógico - casos também em Portugal com os projectos educativos republicanos (criticados por Adolfo Coelho, em A Cultura mental do analfabetismo - “Supôs-se que o ler e escrever e decorar em compêndios o que lá se lia era tudo: a educação que vem do passado está-se aniquilando e a educação própria do presente e do futuro ainda não surgiu. É um assunto para estudo especial") - reificação do conceito de sociedade ou grupo social (indivíduo colonizado como falava a escola de A. Cohen ou N. Raport) e de educação enquanto processo cognitivo e ético. b) Modelo culturalista Transmitem-se valores, conceitos e ideias, mas também identidades "fabricadas, construídas, domesticadas" e decorrentes de um dado contexto socio-cultural - reificação

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do conceito de cultura (relativismo cultural) e dos saberes-viver, saber-ser; Bureau e a tese da educação como charneira entre os pólos da civilização (aspectos produtivos e de gestão) e cultural (aspectos e produtivos e representacionais - cada sociedade é caracterizada pelo seu modo cultural próprio, com as suas modalidades de aprendizagem relativas - o seu texto é sobre culturas contrastantes) c) Modelos conceptualistas e metodológicos Analisam e tipificam os processos: - aprendizagem tradicional (globalizante visão do mundo dos mitos e com código de representações particular dos símbolos culturais); - aprendizagem escolar (perspectiva cognitiva, descontextualizadora do saber, promocional e aferidora de capacidades (diploma), agentes e saberes podem ser de contextos diferentes, centralizada e com sistema de equivalências).

Claro que a transmissão de uma identidade não é feita a papel químico do contexto para o autor. Há indivíduos que partilham de forma heterogénea com os outros, diferentes crenças, representações simbólicas, códigos, etc. Mas não estamos a sublinhar o mecanicismo de Durkheim. Aliás, cada um se cria, recria, autoforma de maneira diferente do seu “semelhante” e não é nunca o papel químico duma cultura X, a parte representativa do todo (à la Ruth Benedict). Esse todo, esse padrão cultural veiculado pelo turismo e pelo folclore é, na melhor das hipóteses, a construção estatística da explicitação dos modos de ser. Mas é mesmo um estereótipo que acaba por ser assumido, por vezes, pelos próprios classificados e adjectivados como tal.

O conceito de identidade que utilizo releva da ideia de consciente, de se sentir parte de, membro de, distinto de, identificar com A e não com B (e tudo isto é dinâmico, processual...). Claro que pelo meio a coisa é bem mais complicada porque há sempre dimensões mais objectivas da identidade (BI: altura, canhoto, destro, natural de, residente em, cabelo louro, filho de, emigrante..., naturalizado português, e dimensões mais subjectivas (donde venho, para onde posso ir, para onde quero ir, com quem me quero identificar – projecto: triangulação entre passado, presente e futuro.

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A cultura tem uma parte mais explícita, mais visível: o património, a cultura material... Mas, o importante é pensar quão importante é estudar essa “mão invisível” que em tal parte orienta as pessoas para jejuarem, para materializarem as ideias, para fazerem máscaras assim, ou de outro modo, ao que os letrados ocidentais vieram recentemente a chamar arte (invenção recente dos ocidentais), etc. Essa dimensão subjectiva da cultura é a que me interessa particularmente. A minha identidade tem a ver com o arranjo compósito, consciente, deliberado, que faço das culturas que vivo ou vivi (“visíveis”, tornadas conscientes sempre na interacção).

Sabemos que Berger e Luckmann também defendem que a origem dos significados não está num inconsciente colectivo pré-existente mas sim nos pensamentos e acções dos indivíduos. Mas tais pensamentos não vêm do nada! Claro que os significados culturais são intersubjectivamente negociados mas, como diz Durkheim (apesar das críticas ao facto social como coisa pré-existente ao indivíduo), a verdade é que todas as sociedades humanas conhecidas têm um passado, vêm da transformação de sociedades anteriores, e será difícil de conceber um momento em que as pessoas se juntaram pela primeira vez, por livre e espontânea vontade, para construírem uma sociedade livre da herança dos costumes anteriores.

Também os sons que utilizamos para transmitir ideias apenas “significam” algo porque a nossa tradição cultural assim o estipulou. Para Whorf, os nossos próprios conceitos de tempo e de espaço são impostos ao mundo através da linguagem. No limite, para os pósmodernos mais duros, tipo Derrida, a tradução exacta entre línguas é tarefa impossível porque não há “significados transcendentais” e porque só conhecemos o mundo em termos do que ele significa para nós. Da mesma forma que acontece com muitas palavras em muitas línguas, o significado circunstancial apenas pode ser intuído pelo contexto em que o vocábulo é usado. E esse contexto é a cultura que tem que ser aprendida para ver o que significa determinada palavra naquele contexto. Só assim podermos “rir-nos com eles e não deles”. Também Bourdieu defende que quando se interage, o significado depende muito daquilo que aconteceu previamente a cada um dos intervenientes.

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“A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (Hall, 1997: 7). A identidade de cada pessoa é constituída por uma panóplia de índices objectivos, mas também por outros elementos que não se limitam ao que figura nos registos oficiais. Temos pertenças a uma tradição cultural, religiosa; a uma nacionalidade ou a duas; a um grupo étnico, linguístico; a uma família; a uma profissão; a uma instituição; a determinado meio e grupo social; a um clube de amigos; a um clube desportivo; a uma comunidade que tem as mesmas preferências sexuais, etc., etc. Embora muitos destes elementos possam ser comuns a duas ou mais pessoas, nunca se encontra a mesma combinação em duas pessoas diferentes. As pessoas escolhem os pesos ou são obrigados, incitados a privilegiarem uma parte e não outra. Mas as identidades acabam por ser todas complexas. A ideia no monocultural é mesmo só um modelo. Há estratégias que levam a esconder as outras dimensões. Apenas a modernidade, o estereótipo, o preconceito levam a reduzir a identidade a uma única pertença. Quanto à identidade social, ela também não é absolutamente criação do grupo; inscrevese num processo intergrupal, relacional em que os grupos de comparação desempenham um papel fundamental.

Parafraseando Nóvoa (1992), acerca do processo de construção da identidade: “ a identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão” (p.16). Neste sentido, associada à problemática da identidade situa-se a questão da identidade profissional. Como refere Moita (1992) no seu discurso em Percursos de Formação e de Trans-Formação, a identidade profissional “é uma construção que tem uma dimensão espácio-temporal”, pois abarca toda a vida profissional: desde a fase da opção da profissão, passando pelo tempo de formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola e culmina com a reforma. A identidade do “eu” coloca, pois, mais particularmente a questão de uma coerência no tempo para que o indivíduo se sinta o mesmo durante a sua história. AlvesPinto (2001) reforça que as sucessivas mudanças (culturais e sociais) que vão tendo lugar

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nas organizações, “[...]obrigarão os profissionais a viver, ao longo da sua vida profissional, processos sucessivos de socialização em que, por vezes, há redefinições das suas identidades profissionais” (p.32). Segundo Dubar são os processos biográficos relacionados com os percursos do emprego, da formação, mas também com características de etnias, de sexo, de classe e de parentesco, que dão sentido a esta dinâmica fundamental da identidade. Trata-se, assim, de uma “transacção subjectiva entre a visão do passado e a trajectória do futuro, entre a herança e os objectivos futuros; o que permitirá apreciar a coerência da sua própria história, o sentimento existencial da sua permanência” (p. 202). A identidade resulta, então, de transacções entre o eu e os outros em contextos sociais diversos, de relações concretas de trocas ou de poder. O meio do trabalho é gerador de uma diversificada experiência identitária.

Definição do SELF (vs. noção de pessoa de Mauss para as sociedades primitivas essencialistas, de sujeição social e tradicional): A Auto-observação, auto-conhecimento (tão centrais na terapia enquanto diálogo com o tempo passado/futuro no presente) implicam uma aprendizagem e um processo de crescimento; são sobretudo os novos atributos do "self' que caracterizam a modernidade: 1. Projecto Reflexivo: não somos, somos o que fazemos de nós; 2. A trajectória do self do passado para o futuro antecipado, programado, coerente advém da consciência cognitiva das fases da vida; 3. A Reflexividade é contínua – permanente auto-avaliação, interrogação (e não cíclica) 4. Pressupõe uma narrativa do self: autobiografias; 5. Auto-realização implica controlo de tempo; ênfase no tempo .

pessoal;

no

dialogar com o tempo para a satisfação pessoal; 6. A Reflexividade do self prolonga-se para o corpo (sistemas de acção e não mero objecto passivo) onde se intervêm; consciência do corpo (exercícios, dietas, cuidados, cerimónias, ou não); 7. Auto-Realização é um equilíbrio entre oportunidade e risco (o mundo é um

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potencial espaço de meio de ser e agir); 8. A moral da auto-realização é a autenticidade (honesto consigo mesmo); o crescimento depende da superação de bloqueios, tensões emocionais; 9. O curso da vida é uma série de “passagens” que implicam perdas e ganhos, de negociações de transições (sair de casa, separar-se, casar-se, etc....)

Na Modernidade há uma primazia da «escolha» dos Estilos de Vida (há pluralidade de opções, há mais adopção que transmissão, mas o indivíduo também está sujeito a pressões sociais e por circunstâncias socioeconómicas), e de Planos de vida (subsistem os tempos tradicionais e a força dos laços pessoais). “O projecto reflexivo que o self parece assumir neste contexto aponta para identidades híbridas, dilemáticas, divididas entre si e si mesmas, no sentido em que fazem conviver como factores identitários elementos muito distintos entre si. Os selves contemporâneos dilaceram-se entre processos de descontextualização e processos de identificaçãolocalização extremos. Assim, se a modernidade proporcionava paisagens identitárias onde a ancoragem do eu em relação a si era simplesmente facilitada e encorajada (definição do self pela profissão, pela nacionalidade, pelo sexo, etc.) a pós-modernidade, enquanto radicalização das potencialidades da modernidade, ao desarticular e/ou reconfigurar esses lugares familiares, fez despoletar, não uma crise das identidades – dado que não é o caos que ameaça abater-se sobre eus indefesos -, mas uma redefinição do próprio processo identitário. Nos seus extremos, surgem-nos, assim, a possibilidade esquizóide de subjectividades fragmentadas e a possibilidade auto-referencial essencialista. (Magalhães, 2001: 313). Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 2 ALVES-PINTO, Conceição (1995). Sociologia da Escola. Amadora: McGraw-Hill. BARTH, F. (2004). [1994]. “Temáticas permanentes e emergentes na análise da etnicidade”, in VERMEULEN, H. e GOVERS, C. (2004). [1994]. Antropologia da Etnicidade: para além de “Ethnic Groups and Boundaries, Lisboa: Fim de Século, pp. 19-44. BASTOS, José G.P. e Bastos, Susana P. (1999). “Definição de conceitos” in BASTOS, José G.P. e Bastos, Susana P. (1999). Portugal Multicultural, Lisboa: Fim de Século, (pp. 11-19). CAMILLERI, Carmel, KASTERSZTEIN, Joseph, LIPIANSKY, Edmond Marc, et all. (1991). Stratégies Identitaires. Paris: Psychologie d’aujourd’hui .

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CUCHE, Denys (1999). [1996]. “Cultura e identidade”, in CUCHE, Denys (1999). [1996]. A noção de cultura nas ciências sociais, Lisboa: Fim de Século, (pp. 123-139). GEERTZ, Clifford (2001). [2000]. Nova Luz Sobre a Antropologia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. HALL, Stuart (1997). [1992]. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Rio de Janeiro: DP&A Editora. MAGALHÃES, António (2001). “O Síndroma de Cassandra: reflexividade, a construção de identidades pessoais e a escola”, in STOER, S., CORTESÃO, e CORREIA, J. (2001). Transnacionalização da Educação: Da Crise da Educação à “Educação” da Crise, Porto: Afrontamento, (pp. 301337). MOITA, Maria da Conceição (1992). "Percursos de formação e de transformação" in NÓVOA, António (org.) Vidas de professores, Porto: Porto editora. NÓVOA, António (Org.). (1992). Vidas de Professor. Porto: Porto Editora. PIOTET, Françoise et SAINSAULIEU, Renaud. (sd). “À la recherche des Identités collectives” in Méthodes pour une Sociologie de l’Enterprise. Paris: Fondation nationale des sciences politiques. pp. 201 à 232. VALA, J., MONTEIRO, M.B. (1997). Psicologia Social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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3.

Processo Educativo e Contextos Culturais 1 aula teórica e 1 seminário

Textos de Base BUREAU, René (1986). “Apprentissage et culturs" in BUREAU, R. et SAIVRE, D. (1986). Apprentissage et cultures : les manières d’apprendre, Colloque de Cerisy, Paris : Karthala, (pp. 17-34). FRAZÃO-MOREIRA, Amélia (1994). “Entre favas e ovelhas: categorias do mundo do adulto apreendidas pelas crianças numa aldeia do Alto Douro”, in Educação, Sociedade e Culturas, n.º 2, Porto: Afrontamento, (pp.39-57). ITURRA, Raul (1994) “O processo educativo: ensino e aprendizagem?” in Revista Educação, Sociedade & Culturas, nº1, Afrontamento, Porto, (pp.29-50). LAVE, Jean (1991). "Acquisition des savoirs et pratiques de groupe" in Sociologie et Sociétés, Vol. XXIII, nº 1, printemps 1991, (pp.145-162). SIGAUT, François (1991). “L’apprentissage vu par les ethnologues; un stéréotype?”, in CHEVALIER, Denis (1991) (Dir.) Savoir Faire et Pouvoir Transmettre, Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’ Homme, (pp. 33-42). VIEIRA, Ricardo (1999c). “Da Multiculturalidade à Educação Intercultural: A Antropologia da Educação na Formação e Professores” in Educação Sociedade e Culturas, n.º 12, Porto: Afrontamento (pp. 123-162). VIEIRA, Ricardo (2001). “Ser Professor, Ensino ou Aprendizagem da profissão?” in Educação & Comunicação N.º 5, Leiria: E.S.E.L, (pp. 9-27).

Palavras-chave: Educação, processo educativo, cultura, ensino, aprendizagem, memória cultural. Nesta aula, basicamente, começa-se por discutir algumas definições de educação e de educar para terminar, na segunda parte, com a análise do processo educativo em contextos culturais heterogéneos. 3.1. Educação: Ensino e Aprendizagem De maneira geral, os dicionários não distinguem claramente os conceitos de educação, ensino e aprendizagem. Para o dicionário de Língua Portuguesa37, por exemplo, educar, ensinar e aprender têm um denominador comum - a ideia de instruir. Assim, em educar 37

Dicionário da Porto Editora, 5ª edição, um dos que de momento tenho à mão.

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temos: ministrar a educação, instruir; em ensinar temos: educar, ministrar conhecimentos, instruir sobre; e em aprender temos: adquirir conhecimento, instruir-se. Há efectivamente algumas diferenças, pelo menos na ênfase colocada diferentemente no sujeito e no objecto mas os conceitos não ficam precisos. Também o ensino pode ser processado segundo várias metodologias: orientação indirecta, no caso de se recomendar ao aluno que leia determinado artigo, ou quando se diz: "leia tudo o que encontrar sobre multiculturalidade"; orientação estruturada e dirigida quando o professor acompanha passo a passo as actividades dos alunos sem lhes dar espaço de manobra (cf. Kuethe, 1978). Mas, [...] toda a criança quer aprender. Até porque ganha com isso a aprovação dos adultos que a rodeiam. Mas, mais importante que isso, porque ao aprender entende o que se passa em torno de si. O processo educativo é, em consequência, mais amplo do que é o ensino em instituições especializadas (Iturra, 1994: 40). Contudo, embora a aprendizagem esteja presente em todas as culturas, já a relação ensino-aprendizagem, tal qual é vista na sociedade moderna, em que há uma divisão especializada entre quem ensina e quem aprende, não é efectivamente universal. A própria escola, enquanto instituição laica e recomendada para todos, é coisa nova. Claro que desde a idade média que em Portugal e de resto, na Europa, se podia buscar a aprendizagem das letras e do pensamento reflexivo nos conventos e ordens religiosas. E aí, essa relação entre o adulto que orienta e ensina, e o petiz que ouve, segue o mestre e com ele aprende, vendo e fazendo, é já mais antiga. Contudo, os saberes mais valiosos não passavam sempre pela escrita. A aprendizagem fazia-se nos contextos da vida, onde o aprendiz vivia, convivia e aprendia com o mestre, sem que este se preocupasse em sistematicamente passar o conhecimento pelas palavras e pela abstracção (cf. Rousseau, 1990 [1772]). Vivia-se enquanto se aprendia e aprendia-se enquanto se vivia (Freire et alii, 1983). "É claro que todo o grupo social, como condição da sua continuidade, precisa de transmitir à geração seguinte a experiência acumulada no tempo" (Iturra, 1994: 29). Mas essa reprodução sócio cultural, parece ser mais baseada na aprendizagem do que no ensino, para usar ainda essa dicotomia que se quer dialéctica, tão bem pensada e explicitada por Raul Iturra (1994). Como o autor refere a propósito da transmissão cultural e do processo educativo entre os primitivos, " a ausência da escrita na vida quotidiana coloca um forte peso no desenvolvimento de estruturas mentais porque não têm depois um texto onde ir lembrar o que fazer quando a memória se esgota ou a

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conjuntura muda e fornece outros contextos" (Idem: 33). Este exemplo serve para lembrar como há efectivamente diferentes estilos cognitivos. Regressando um pouco atrás, dizia, se a aprendizagem está de facto presente em todas as sociedades, os estilos de aprendizagem diferem efectivamente. No grupo doméstico, como dizem os antropólogos, ou na família em geral, como preferem os cientistas da educação, o ensino e a aprendizagem ocorrem dentro do contexto. Nas nossas escolas portuguesas, o modo predominantemente usado está fora do contexto. Quando por exemplo a matemática se dedica ao estudo de algoritmos, acontece uma aprendizagem descontextualizada (no caso em que há efectivamente aprendizagem, porque pode também não chegar a haver) com a resolução de cada exercício isolado dos problemas reais. O que é educar? •

Paulo Freire (1920-1998) referia-se em Pedagogia da Autonomia à questão da “inconclusão humana”, da sua inserção num permanente movimento de procura que definiu como “curiosidade epistemológica”. E, de facto, analisar e entender os modos como os grupos e indivíduos aprendem e ensinam é a problemática central desta cadeira.



Michel de Montaigne (1533-1592) comparava o que acontecia na agricultura com o processo educativo; semear é fácil, mas a variedade de modos de tratar o que já brotou é a grande dificuldade. Do mesmo modo, com os homens, a tarefa árdua e trabalhosa é a de os educar e instruir. Este autor defendia, porém, que é muito difícil mudar as propensões ou tendências naturais; e critica ainda a postura do professor-perceptor que não entende o aluno, sugerindo a tese de um professor que abra passagens e que deixe o aluno também abri-las.



Kant afirmava que “ a finalidade da educação consiste em desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele é susceptível. “ (cf. Durkeim, 1984: 8)



Stuart Mill reclamava que a educação teria como objectivo “transformar o indivíduo num instrumento de felicidade” e afirmava que em sentido alto a educação “compreende inclusivamente os efeitos indirectos produzidos no carácter e nas faculdades humanas por coisas cujo fim é completamente diferente:

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pelas leis, formas de governo, profissões e até mesmo factos físicos (…) como sejam o clima, o solo e a situação local” (cf. Durkeim, 1984:7). •

Durkeim sugere, porém, que segundo as nossas aptidões temos diferentes funções a cumprir e que “existem homens de sensibilidade e homens de acção”, mas a crítica aos postulados que afirmavam existir uma educação ideal, perfeita, universal e única é um dos combates deste autor. “A educação sofreu variações infinitas, consoante os tempos e os países. (…) Cada sociedade possui um sistema educativo que se impõe aos indivíduos com uma força irresistível” ( Cf. Durkeim, 1984: 10 – 11). Esta concepção sociológica da educação assume-a como facto social, moral e colectivo.



Montaigne nos seus Ensaios sobre educação colocava a questão da importância do saber melhor (civilizacional, comportamental, são) em alternativa ao saber mais (livresco, erudito): “trabalhamos para encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência” (Montaigne, 1993:13). Em boa medida, Montaigne elucida a dicotomia de Iturra (ensino/aprendizagem): “ Quem é que jamais perguntou ao seu discípulo que opinião tem da Retórica e da Gramática, de tal ou tal sentença de Cícero? Metem-nas na memória, em bruto, como oráculos em que as letras e as sílabas são da substância do assunto. Saber de cor não é saber: é conservar o que se deu a guardar à memória.” (idem: 46). [Trata-se da crítica ao saber livresco e culto em oposição à apologética do ensino pragmático através do exercício da inteligência e do entendimento pessoal]. É extraordinária a sua reflexão anticipatória sobre a relatividade do pensamento humano e a vantagem do contacto cultural (em termos educativos): “...o comércio dos homens é de maravilhosa utilidade, assim como a visita aos países estrangeiros (...) para trazer o que o espírito e os costumes dessas nações e para limar e polir o nosso cérebro no contacto com o dos outros.” (idem: 47-48).



O processo educativo: envolve duas componentes – a aprendizagem e o ensino (cf. definições de Raul Iturra, 1994).

“Talvez seja necessário lembrar dois pontos que tenho encontrado no trabalho de campo, a este respeito: 1- Que o elemento básico da incorporação de um indivíduo no grupo é a teoria da rede de relações na qual se encontra inserido e que dá os direitos e 81

deveres entre as pessoas. 2 – Que a teoria de como se pode vencer a matéria da qual se depende para subsistir, define o uso do corpo e transmite à jovem camada os usos dos artefactos que existem junto de si. Quando chega à escola, o entendimento do mundo já está feito e preenchido. A criança sabe claramente a função social das pessoas e dos objectos. Assim, quem passa a uma segunda etapa de incorporação, tem já a sua memória cultural estabelecida onde o saber se desenvolve por categorias particulares”. (Iturra, 1990: 52). Durkheim reclama a necessidade de estudar comparativamente os sistemas educativos e confrontá-los para isolar aspectos comuns: transmissão geracional (adultos/jovens); o sistema educativo simultaneamente múltiplo (conforme os diferentes meios ou grupos sociais, profissões) e uno (existem sentimentos morais comuns: cultura religiosa, espírito nacional, ideal do homem). Os processos educativos são complexos para os investigadores e exigem o contributo de várias ciências. Sabe-se que os processos educativos são universais, mas variam de cultura para cultura, profissão para profissão, de grupo para grupo, etc., tanto nos conteúdos como nos contextos formais.

Aprender e educar são processos que envolvem a transmissão, a fixação e a produção de saberes, memórias, sentidos e significados, práticas e performances. Paulo Freire, na sua Pedagogia da Autonomia afirma que: “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas.” (Freire, 1997: 15) e depois mais adiante: “...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” Relação entre Ensino e Aprendizagem “Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comerem-na. Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. Outra caiu no meio dos espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado”. (São Lucas 8, 5-8). É relativamente fácil pensar que pode haver ensino sem aprendizagem e aprendizagem sem ensino direccionado por objectivos. O professor é de facto uma pessoa e já o era antes da certificação profissional. A sua prática docente é mista de racionalidade e afecto,

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de bricolage e planificação. É a prática dum modo de ser tantas vezes desempenhado como um inconsciente prático (cf. Bourdieu, 1997). De facto, nem sempre estamos a racionalizar o que estamos a fazer na prática lectiva (cf. Nóvoa, 1992). Também os pintores não se limitam a copiar o que observam mas, “seleccionam cuidadosamente, sendo dotados de significado os elementos que seleccionam, e com tanto mais impacto por serem, por vezes, irracionais [...]. Eles próprios têm dificuldade em explicar por que traduzem as suas experiências para formas e cores, e não para palavras.” (Highet, cit. in Woods, 1999: 35). Este posicionamento parece estar nos antípodas da certeza científica. Há ensino sem aprendizagem, há aprendizagem sem ensino direccionado para tal, há técnicas falhadas de ensinar a ser um profissional e há formas de ser e de agir, ainda não sistematicamente racionalizadas, que levam à aprendizagem. É como se parte do ensino consistisse em “não saber” (cf. Woods (ibidem). Em contraste com a ênfase na racionalidade, o ensino parece ter um lado artístico, uma dimensão irracional, emocional, uma inteligência do coração (cf. Filliozat, 1997).

Ensinar, será uma arte ou uma ciência? Ensinar, se não é uma arte, então o que é? Poderíamos contrapor que será antes uma ciência. Ou um conjunto de ciências, como é vulgar perceber-se nas referências feitas às ciências da educação. Arte, ciência, uma ou outra, ou, antes, as duas juntas, e com outras ainda, afinal o que é ensinar? Por que será que, em determinadas matérias, há alunos que conseguem ensinar outros alunos, seus colegas, melhor que os seus próprios professores? Por que será que há alunos que aprendem bem com alguns professores e não tanto com outros? Por que será que professores da mesma idade, do mesmo género, eventualmente formados na mesma escola, com as mesmas habilitações profissionais, etc. ensinam de forma diferente sendo que uns levam a que quase todos aprendam (os alunos, claro) e outros apenas levam a aprender uma parte reduzida da população escolar que, eventualmente, já sabia até antes do encontro pedagógico? Como se aprende a ser artista? Como se aprende a ser educador? Muitas perguntas para responder em tão curto espaço!

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Com a modernidade rompe-se com o pensamento mágico-religioso, com a intuição, com o improviso, e envereda-se por uma epistemologia “cientificamente comprovada”. O método experimental é sacralizado e elevado à condição máxima da cientificidade. A instrução, o treino, o ensino e a educação relevam então também duma forte racionalidade instrumental regida pelos critérios da objectividade, da quantificação, da regularidade, da reprodutividade e da generalização. O professor e o educador abstraemse não só da sua subjectividade como, também, das suas emoções e afectos no acto de ensinar. É o tal normativo da neutralidade que se impõe também ao profissional da educação que, salvo raras excepções, poucas vezes viveu a profissão como quem vive e pratica uma arte: de forma sensitiva, criativa, imprevisível, flexível, contextual e emotiva. Por outro lado, com a pós-modernidade (ou modernidade reconstruída para evitar a posição anti-moderna, como preferem Alain Touraine (1994), Giddens (1994) entre outros) introduz-se uma ruptura na racionalidade instrumental, que coloca o Homem sob o domínio da ciência e da técnica, o que leva ao reconhecimento do carácter mutável, instável e até não previsível de todo o conhecimento. Na pedagogia emerge o trabalho de projecto contra a certeza do ensino por objectivos. Na educação renasce o sujeito, autónomo, autoreflexivo, criativo, estratega, dotado de consciência, iniciativa e criatividade. O educador já não é um mero actor ou agente do ensino; torna-se ele próprio projecto e autor de projectos: projectos de vida e projectos educativos que se vão construindo, reconstruindo, com saber, arte e engenho, ao longo dos caminhos cujas trajectórias se vão criando também no acto e não mais na certeza antecipada pelo racionalismo científico (cf. Boutinet, 1992). Daí, talvez, todo o empenho colocado hoje na formação de professores pela via da reflexividade, pela via da autoanálise, pela via da formação em contexto, pela via da autoformação e pela via da formação constante ao longo da vida. E, tudo isto, contra o dogmatismo da formação aditiva por pacotes temáticos ou disciplinares frequentados e empinados para “melhor dominar a arte de ensinar”. Essa arte de ensinar, ou já se tem, mesmo antes da profissionalização, ou, podendo-se melhorar, dificilmente se pode dar. Antes, há que encontrar vias de a adquirir. Ensina-se a pintar mas não se ensina a ser pintor. Não é possível racionalizar todo o processo para depois se transmitir. Formar copiadores não é, de facto, formar pintores.

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Ensinar é, assim, uma arte, vivida, exprimida, idiossincraticamente, híbrida dos conhecimentos científicos detidos, de técnicas pedagógicas e de reflexividade permanente (cf. Woods, 1999 e Vieira, 2001). “A pedagogia, arte e técnica de fazer aprender, perde as suas fronteiras em favor de uma antropologia da aprendizagem na qual os pedagogos deixam as suas marcas” (Jacky Biellerot in Pourtois, 1999). 3.2. Infância e culturas Há diferentes tipos de: Modos de educar: técnicas – dramatização, instrução verbal directa, recompensa, apoio e responsabilização, imitação / jogo, advertência verbal, ameaça, narração cultural; conteúdos e expectativas - diversidade cultural e socialmente heterogéneos; Funções educativas: Recrutamento - função de recrutar o sujeito como membro de um sistema cultural particular e como participante com um estatuto ou papel nesse sistema (classe, género, etc.,); Manutenção - processo pelo qual se mantém o sistema e os papéis em funcionamento. Os processos de transmissão cultural analisados na Antropologia referem-se, muitas vezes, a sociedades aparentemente pouco modeladas pela penetração exterior (ocidental). Todavia, actualmente é difícil encontrar uma sociedade não afectada pela modernização e, nomeadamente, pela universalização da escola. A transmissão cultural na modernidade introduziu um novo modelo da escolaridade universal. A escolarização nestes contextos introduz a função de mudança (cultural) uma vez que não reforça, nem recruta jovens para os sistemas tradicionais; o recrutamento escolar visa um sistema futuro e, por isso, pode produzir tensões geracionais e sociais, ou novos padrões de comportamento. As expectativas e os conteúdos curriculares são exteriores aos modelos culturais dos estudantes. Os grupos escolarizados no 3º mundo, segundo Spindler, Lave ou Bureau, parecem ter como futuro a emigração desqualificada, a migração para centros urbanos, ou permanecerem pobres funcionários públicos locais.

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Segundo Jean Lave (cf. Lave, 1991), A aquisição de saberes não é inteiramente subjectiva nem inteiramente tributária das interacções sociais e, sobretudo, não se constitui isoladamente do mundo social. Logo, é necessário examinar a) a localização e b) a significação da aquisição de saberes. Os estudos antropológicos oferecem outros pontos de vista culturais sobre os processos sociais de aquisição de saberes e sugerem um modo de conceptualização dos mesmos, contrário à intuição (por exemplo a aprendizagem do artesanato em África ou do parto entre as mulheres-sábios maias do Yucatan demonstram a ausência de estruturas didácticas e à inseparabilidade da aquisição de uma competência e da criação de uma identidade). Também Amélia Frazão Moreira (2001) reformula a questão do modelo dicotómico formal / informal que é quase sempre etnocêntrico. Entre os Nalu em contexto de descentração local / global, analisa processos educativos informais, escolares (corânica e oficial), narrativas orais, e sugere o efeito da educação inter-pares ("o que as crianças sabem e classificam que os adultos desconhecem (...) provam que a vida infantil não é uma versão miniatura da vida adulta"). Sarmento, Silva e Costa (1999), a partir de uma pesquisa realizada no Vale do Cávado, observaram a participação das crianças na vida doméstica e concluem que o envolvimento das crianças nas tarefas industriais é feito a partir das culturas da infância “o que leva a que, mudando os tempos, permaneçam os modos de incluir as práticas de trabalho na aceitação solidária do ofício de criança”. A propósito do contexto social e cultural de aprendizagem, Réné Bureau (1986) diz que nas sociedades agrárias (vs. sociedades urbanas escolarizadas) o conhecimento é transmitido pela oralidade, pela experiência vivida e de forma informal38. A única formalização que encontramos consiste em certos estados iniciáticos onde se transmitem sobretudo “saber-viver” e “saber-ser”, saberes míticos, genealógicos ou rituais (mais do que saberes ou “saber-fazer” ou “saber-produzir”). Nestas sociedades, existe uma preocupação geral de fornecer uma aprendizagem colectiva sobre todas as actividades técnicas (podendo existir poucos ou raras especialidades anexas do tipo ferreiros, oleiros, 38

Ver também, a este propósito, a tese de doutoramento em Antropologia Social, de Ângela Nunes, ISCTE, 2004: Brincando de Ser Criança, contribuições da etnologia indígena brasileira à antropologia da infância

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etc...). São sociedades não investem prioritariamente no que podemos chamar de progresso técnico; a sua visão do mundo leva a pensar que a natureza não é propriedade do homem; por contrário, o domínio do homem é por excelência o seu grupo social onde investe continuamente afim de tecer o reservatório comunitário que garante a todos e a cada um a segurança da sobrevivência, o reconhecimento e o afecto mútuo, a organização hierárquica e a necessidade de expressão simbólica e ritual. Assim, o investimento sociológico (expressão de Georges Balandier tem como corolário o primado da aprendizagem das condutas sociais ligadas aos conhecimentos simbólicos sobre a transmissão de saber-fazer técnicos) A título de exemplo, os povos "ultra-primitivos" estudados por Marshall Sahlins39, caçadores colectores, utilizam os gestos técnicos que convêm a uma produção perfeitamente suficiente com um equipamento de rendimento óptimo no quadro das suas necessidades (a inovação técnica pode ser mesmo perigosa "os nossos antepassados sobreviveram sem agir assim") Em jeito de conclusão: a aprendizagem varia nas suas modalidades, nas suas finalidades, nos seus campos de aplicação, mas o processo mental e corporal de aquisição dos actos produtivos repousa sobre dados universais (seja o pensamento "selvagem" ou não).

Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 3 BOURDIEU, Pierre (1997). [1994]. Razões Práticas : Sobre a Teoria da Acção, Oeiras: Celta. BOUTINET, Jean - Pierre (1992). Anthropologie du Projet, Paris: PUF. BUREAU, René (1986). “Apprentissage et cultures" in BUREAU, R. et SAIVRE, D. (1986). Apprentissage et cultures : les manières d’apprendre, Colloque de Cerisy, Paris : Karthala, pp. 17-34. CARRAHER, Terezinha N. (1991). Na vida Dez, Na Escola Zero, São Paulo: Cortez Editora. DURKHEIM, Emile (1984) [1922]. “Educação e Sociedade” in Sociologia, Educação e Moral, Porto: ed. Rés. (pp.7-35). FERREIRA, Paulo da Trindade (1994). Reinventar a Criatividade, Lisboa: Presença. FILLIOZAT, Isabelle (1997). [1997]. A Inteligência do Coração, Lisboa: Editora Pergaminho. 39

Age de Pierre, âge d'abondance, I'économie des sociétés primitives, 1976.

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FREIRE, Paulo (1997) [1996]. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à Prática Educativa, S. Paulo: Paz e Terra. FREIRE, Paulo et alii (1983). Vivendo e Aprendendo, Experiências do IDAC em Educação Popular, São Paulo: Ed. Brasiliense. GIDDENS, Anthony (1994). [1991]. Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras: Celta. ITURRA, Raul (1990) Fugirás à Escola para Trabalhar a Terra: Ensaios de Antropologia Social sobre o Insucesso Escolar, Lisboa: Escher. ITURRA, Raul (1994) “O processo educativo: ensino e aprendizagem?” in Revista Educação, Sociedade & Culturas, nº1, Afrontamento, Porto, (pp.29-50). KUETHE, James L. (1978). O Processo Ensino-Aprendizagem, Porto Alegre: Ed. Globo. LAVE, Jean (1991). "Acquisition des savoirs et pratiques de groupe" in Sociologie et Sociétés, Vol. XXIII, nº 1, printemps 1991, (pp.145-162). MONTAIGNE, Michel de (1993) [1580-88]. Três ensaios. Do professorado. Da Educação das Crianças. Da Arte de Discutir. (trad. Agostinho da Silva), ed. Veja, Lisboa. NICOLESCU, Basarab (2000). [1996]. O Manifesto da Transdisciplinaridade, Lisboa: Hugin. NÓVOA, António (Org.). (1992). Vidas de Professores, Porto: Porto Editora. POURTOIS, Jean-Pierre e DESMET Huguette (1999). [1997]. A Educação PósModerna, Lisboa: Piaget. ROUSSEAU, Jean Jacques, (1990). [1772]. O Emílio, Lisboa: Pub. Europa-América. SARMENTO, M.; SILVA, R. COSTA, S. (1999). “As penas do galo de Barcelos: infância, trabalho e lazer no vale do Cavado”, in Arquivos da Memória, n.º 6/7, pp. 47-64. TOURAINE, A. (1994). [1992]. Crítica da Modernidade, Lisboa: Instituto Piaget. VIEIRA, Ricardo (2001). “Ser Professor: Ensino ou Aprendizagem da Profissão” in Educação e Comunicação n.º 5. WOODS, Peter (1999). [1996]. Investigar a Arte de Ensinar, Porto: Porto Editora.

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4. Da Multiculturalidade Da Sociedade Portuguesa 1 aula e 1 seminário

Textos de base ALMEIDA, Miguel, Vale de (1991). "Leitura de um livro de leitura: a sociedade lembrada às crianças e contada ao povo" in PAIS DE BRITO e O'NEIL, B.(Org.) Lugares de Aqui, Lisboa: D. Quixote, (pp. 245 -261). BASTOS, José G.P. e BASTOS, Susana P. (1999). “As minorias étnicas em Portugal” in BASTOS, José G.P. e Bastos, Susana P. (1999). Portugal Multicultural, Lisboa: Fim de Século, (pp. 33-166). BRANCO, Jorge Freitas (2003). “Uma cartilha portuguesa. Entre militância cultural e doutrinação politica” in CASTELO-BRANCO, Salwa El-Shawan, BRANCO, Jorge Freitas (org.) (2003). Vozes do Povo. A Folclorização em Portugal, Oeiras: Celta Editora, pp. 233-242. CUCHE, Denys (1999). [1996]. “A «Cultura dos imigrados»” in CUCHE, Denys (1999). [1996]. A Noção de Cultura nas Ciências Sociais, Lisboa: Fim de Século. GUSMÃO, Neusa Mª Mendes de (2004). “A Sociedade Multicultural: entre iguais e diferentes” in GUSMÃO, Neusa Mª Mendes de (2004). Os filhos da África em Portugal, Antropologia, multiculturalidade e educação, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. MARTINS, Moisés de Lemos (1986). “Uma solidão Necessária à Ordem Salazarista: a Família como Terapêutica Nacional” in Cadernos de Ciências Sociais, nº 4, pp. 77-83. SOUTA, Luís (1997). “A crescente diversidade étnica em Portugal” in SOUTA, Luís (1997). Multiculturalidade e Educação, Porto: Profedições, (pp.35-40). VERDERY, Katherine (2004). [1994]. “Etnicidade, nacionalismo e a formação do Estado. Etnic groups and boundaries: passado e futuro” in VERMEULEN, H. e GOVERS, C. (2004). [1994]. Antropologia da Etnicidade: para além de “Ethnic Groups and Boundaries, Lisboa: Fim de Século, pp. 45-74.

Palavras-chave: Estado, Nação, monoculturalismo, diversidade cultural, diversidade étnica, cultura dos imigrados

Esta aula tem basicamente dois andamentos: no primeiro discute-se a concepção política e educativa do Estado Novo perante a diversidade cultural de Portugal; no segundo, analisa-se a inversão dos movimentos migratórios em Portugal, essencialmente a partir da década de 80 e o consequente aumento da diversidade étnica na sociedade portuguesa

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que, evidentemente, passa a ter grande visibilidade nas escolas onde levanta novas questões pouco discutidas até então em Portugal.

4.1. Da Sociedade e Escola de Salazar

A política do estado Novo, ao mesmo tempo que pretendia a unidade do cidadão português, do Estado-Nação, ou, antes, do império, usando o sistema educativo para uniformizar os sentimentos de identificação – e por isso pretendia construir um Estado monocultural – simultaneamente, usava o folclore e a etnografia para construir mosaicos culturais dentro do próprio Portugal Continental, procurando fazer coincidir cada um deles a uma província. A História, a Geografia, a Economia, a memória cultural deveriam, nesta concepção, ser apenas uma: “A ideia do manual escolar único, do ritmo único, do currículo único para o continente, ilhas e colónias, sem olhar à história, geografia e saberes locais mostra bem essa ideologia e essa tentativa de construção dum Portugal monocultural. “O professor é temido como convém. O ensino é, obviamente, repetitivo. Estudam-se de “cor” os rios e as cidades do continente e do Império Colonial Português. Sabem-se de memória as linhas de caminho de ferro com as estações principais. Ensinam-se às crianças cantigas que veiculam “boa formação”, o “amor à Pátria” e ao “poder instituído” (Cortesão, 1982: 92). Por outro lado, havia uma clara concepção multiculturalista, no sentido mais separatista, quer para o género quer para as classes sociais. A escola apelava claramente a uma reprodução do sistema social diferenciado, desigual e sem potencial de igualização através da mobilidade social. Porque se pretendia, justamente, uma ordem social intocável e estável, pretendia-se inculcar no currículo da escola primária, como modelo, os conceitos da doutrina cristã: o temor a Deus e ao amo. Sobretudo as palavras de São Paulo na Epístola aos Colossenses, III 18-22: “Mulheres, sede submissas a vossos maridos […] Maridos, amai as vossas mulheres […] Filhos obedecei em tudo a vossos pais […] Servos obedecei em tudo a vossos senhores […]” (cf. Mónica, 1978: 131).

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Como nos recorda Miguel Vale de Almeida, O Livro de Leitura constitui um manual de regras da vida social e um esquema totalizante de uma determinada visão do mundo. Ao contrário dos Livros de Leitura do período da Republica e dos do período pós 25 de Abril (quando deixou de existir o Livro único) o ensino religioso aparece como parte integrante do ensino da leitura e da escrita. O Livro de Leitura propõe um modelo de sociedade, de comportamentos, uma visão do mundo. Ele reflecte o Esquema Ideal da Sociedade em cujo sistema educativo está ancorado. Funcionando através da retórica das homologias, o Indivíduo, a Família, a Aldeia e a Pátria apresentam-se como estratos interdependentes de um todo orgânico que agem segundo critérios de comportamento que, em última instância, se encontram legitimados no Divino, essa metáfora por excelência do social (cf. Almeida, 1991).

Por outro lado, versus essa uniformização, o Estado contribuiu para construir a ideia de diversidades folclóricas justapostas que dariam sentido ao todo português: “A linha ideológica do Mensário [O Mensário das Casas do Povo (MCP] foi um periódico editado entre Julho de 1946 e Dezembro de 1971] é definida desde o início nas palavras de A.J. de Castro Fernandes: a etnografia deve servir para o aportuguesamento, como meio do combate às tendências “cosmopolitas e desnacionalizadoras (Fernandes, 1947: 212-213). No processo de Folclorização em que se encontra Portugal desde os anos 1930 é neste espírito nacionalista que o regime intervém no movimento folclórico” (Branco, 2003: 241).

4.2. Do Portugal Étnico

Ao Portugal orgulhosamente só, de Salazar, sucedeu o Portugal orgulhosamente inserido na fortaleza Europa. Ao Portugal do colonialismo e das guerras coloniais, sucedeu o Portugal “invadido” por imigrantes das ex-colónias e da Europa (a de Leste) que está do lado de fora da fortaleza. Ao Portugal das emigrações miseráveis para o Brasil e para a Europa do Norte, sucedeu o Portugal que precisa de quem trabalha nas obras, nas limpezas e na restauração. Efectivamente, Portugal tem sido, desde o século XVI, essencialmente um país de emigrantes. Até 1970, grande parte dos emigrantes tinha como destino as colónias,

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situação que se alterou com a guerra colonial. Nesta altura os países de acolhimento a emigrantes portugueses passaram a ser países mais desenvolvidos da América e da Europa, tal como a França e a Suíça. De algumas décadas para cá Portugal tem vindo a transformar-se num país de imigração, fenómeno este que teve a sua origem com a descolonização e com a entrada de Portugal na União Europeia. Portugal transformou-se num país de imigração. Temos hoje mais de 200 mil imigrantes legais, for a o número de ilegais que ultrapassa já as 80 mil pessoas. Com a entrada de milhares de estrangeiros em Portugal, uma imigração económica acentuada com a entrada de populações da Europa de Leste, “reforça-se a matriz multicultural marcada desde há séculos por minorias tradicionais como a comunidade cigana, a judaica e a própria comunidade de surdos (que se exprime numa língua própria, a língua gestual portuguesa)” (Souta, 1997: 36). A estrutura ocupacional da população imigrante em Portugal pode dividir-se em três grandes categorias: profissionais altamente qualificados onde se destaca a presença de um número significativo de profissionais brasileiros; trabalhadores especializados, pequenos empresários e trabalhadores não qualificados onde dominam os refugiados e imigrantes ilegais. De fornecedor de mão-de-obra, Portugal passou a país de acolhimento para grandes contingentes imigrantes. A interacção social deu origem a uma renovação das atitudes e das formas de expressão cultural. Este carácter multicultural da sociedade portuguesa é uma realidade seguramente irreversível, particular nos meios urbanos mais industrializados onde há mais oportunidade de trabalho. Todavia, as comunidades de imigrantes defrontam-se com várias adversidades e enfrentam sérios obstáculos à completa integração social, sobretudo junto dos mais jovens. Situando-se cultural e socialmente entre duas comunidades distintas, a dos familiares e a local, uma grande maioria dos filhos de imigrantes já nasceu em Portugal e cresceu entre dois padrões culturais e sociais distintos. Esta experiência é potencialmente geradora de conflitos no processo de construção duma identidade social positiva.

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A par destas dificuldades, estas famílias lidam com outros constrangimentos que condicionam a sua capacidade de afirmação cultural. A ausência de estruturas representativas onde possam manifestar as suas singularidades e a imposição dos padrões culturais portugueses põem em risco a sua identidade e herança cultural, o seu direito à diferença. Progressivamente, e à medida que vão sofrendo o processo de assimilação pela comunidade receptora, são silenciadas através de comportamentos discriminatórios. Esta situação é agravada pela carência dos bairros onde vivem. Na sociedade portuguesa parece existe um défice de conhecimentos da diversidade cultural existente e de diálogo intercultural. E, curiosamente, Portugal não é, como nunca foi, no passado, um país de cultura homogénea. Foi sempre um país em que, durante séculos, se cruzaram e fundiram povos com culturas diferenciadas, que imprimiram marcas características, não só ao que se poderão designar por regiões, mas, às vezes, às diferentes localidades.

A presença crescente de minorias étnicas em Portugal criou pressões que levaram à origem de medidas políticas, ainda que pouco definidas. Estas políticas estão sujeitas a diversas análises ideológicas. Para as perspectivas liberais, consiste numa etapa necessária para encontrar maneiras mais adequadas de promover igualdade de oportunidades. Para alguns críticos de esquerdas essas medidas servem apenas para manter a subordinação das minorias no contexto da sociedade portuguesa. À parte as interpretações ideológicas, as respostas políticas às pressões exercidas pelas minorias, encontram-se situadas num movimento iniciado há décadas em países ocidentais tradicionalmente receptores de imigrantes, como os Estados Unidos. Aí, a história do multiculturalismo faz-se em três grandes etapas, que correspondem a três grandes modelos ideológicos de políticas e práticas em relação às minorias étnicas e imigrantes, o assimilacionismo, o integracionismo e o pluralismo. A análise das políticas e práticas de educação multicultural numa sociedade deve ter em conta diversos aspectos inter-relacionados entre si. Um deles é a hibridez das respostas políticas dadas à questão da diversidade étnica numa sociedade, isto é, as respostas políticas não correspondem em rigor a um dos três modelos referidos, caracterizam-se

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por diferentes modalidades através das quais as condições multiculturais são expressas, realizadas e renovadas.

Por fim, esta multiculturalidade migrante e étnica acede à escola obrigatória que repensa hoje os modelos educacionais e pedagógicos para lidar com a diversidade, como veremos, em particular, na aula n.º 5 dedicada à Educação e Diversidade Cultural: “a população estudantil, numa escolaridade obrigatória de 9 anos, é cada vez menos homogénea e mais plural, não só sob o ponto de vista sexual e de origem social, mas também sob o ponto de vista étnico, linguístico e de nacionalidade” (Souta, 1997: 37).

Para uma política de integração social dos imigrantes é necessário incluir os excluídos, respeitando as suas diferenças, e, para isso, é preciso assegurar o estatuto legal dos imigrantes, com direitos políticos como a votação nas eleições, combater o racismo e a xenofobia; evitando a exploração por parte de patrões sem escrúpulos; alojar com dignidade as famílias, garantir uma flexibilidade nos métodos de ensino para as crianças imigrantes de forma a garantir-lhes o sucesso educativo.

E são estas questões, apoiadas em dados estatísticos actuais, que tornarão a aula e o seminário respectivo não só numa radiografia sócio-cultural do Portugal contemporâneo e multicultural, mas que despoletarão, também, intervenções e reflexões sobre o que fazer com a diversidade a propósito da tão propagada integração social dos imigrantes. Convém aqui reflectir sobre a transformação e as metamorfoses identitárias que ocorrem com os imigrantes, a partir das suas trajectórias sociais e experiências de vida, que os tornam num “outro” bem diferente dos seus semelhantes que ficaram no país de origem, assunto que em particular será alvo de discussão na aula nº 12. Para já, convém registar, para romper com algum senso comum, que o imigrado não é representante da cultura do seu país nem da sua comunidade original. Como diz Denys Cuche, “ tal é, de resto, o que constitui um dos problemas maiores do regresso dos imigrados aos seus países: já não os reconhecem, de tão mudados que os encontram, e muitas vezes mais cultural que materialmente. A chamada «cultura dos imigrados» é, portanto, na realidade, uma cultura definida pelos outros, em função dos interesses dos outros, a partir de critérios

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etnocentristas. A «cultura dos imigrados» é tudo aquilo que os faz parecer diferentes, e isso apenas. É uma cultura construída por antítese frente ao sistema cultural francês40. […] Quanto mais é percebido como diferente, mais um indivíduo é considerado como «imigrado». Dos sistemas culturais próprios dos imigrados, reter-se-á apenas o que conforta a representação dominante dessas culturas, a saber, os aspectos mais visíveis e mais surpreendentes. Adiantar-se-ão as «tradições», os «costumes», os «traços culturais» mais «exóticos» […] que permitem definir o imigrado enquanto imigrado, recordar-lhes as suas origens e, segundo as expressão de Sayad, «chamá-lo às suas origens», o que é uma maneira de o «pôr no seu lugar»”. (Cuche, 1999:156-157). O discurso e atitudes contra os imigrantes são possivelmente um resultado perverso dos discursos e atitudes que vêem a Nação como uma unidade natural e orgânica, e as culturas como unidades imutáveis e estanques. São, também, no nosso caso, o resultado da experiência colonial. “Raça”, cultura e língua são, assim, construídas como evidências que separariam o Nós dos Outros. Ora, a base da vida democrática não pode ser o Nós da Nação, mas sim os múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República, mesmo quando as pessoas se associam para a defesa dos seus interesses e a superação da desigualdade de oportunidades resultante de diferentes origens de classe, género, estatuto, etc. “Não podemos, portanto, traçar um quadro único das culturas dos imigrados, uma vez que elas só existem no plural, na diversidade das situações e dos modos de relações inter étnicas. Estas culturas são sistemas complexos e evolutivos, na medida em que são reinterpretados permanentemente por indivíduos cujos interesses categoriais podem ser divergentes, segundo o sexo, a geração, o lugar ocupado na estrutura social, etc.”. (Cuche, 1999: 60).

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O mesmo acontecerá relativamente a outros conceitos, designadamente o português. Fala-se aqui de França porque se trata de uma citação de um antropólogo francês que fala do seu contexto de trabalho.

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Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 4 ALMEIDA, Miguel, Vale de (1991). "Leitura de um livro de leitura: a sociedade lembrada às crianças e contada ao povo" in PAIS DE BRITO e O'NEIL, B.(Org.) Lugares de Aqui, Lisboa: D. Quixote, (pp. 245 -261). BRANCO, Jorge Freitas (2003). “Uma cartilha portuguesa. Entre militância cultural e doutrinação politica” in CASTELO-BRANCO, Salwa El-Shawan, BRANCO, Jorge Freitas (org.) (2003). Vozes do Povo. A Folclorização em Portugal, Oeiras: Celta Editora, pp. 233-242. CORTESÃO, Luíza (1982). Escola, Sociedade que Relação? Porto: Afrontamento. CUCHE, Denys (1999). [1996]. A Noção de Cultura nas Ciências Sociais, Lisboa: Fim de Século. CUNHA, Luís (2001). A Nação nas Malhas da sua Identidade. O Estado Novo e a Construção de Identidade Nacional, Porto: Afrontamento. MÓNICA, Maria Filomena (1978). Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa: Editorial Presença / Gabinete de Investigações Sociais. SOUTA, Luís (1997). “A crescente diversidade étnica em Portugal” in SOUTA, Luís (1997). Multiculturalidade e Educação, Porto: Profedições, (pp.35-40). TAVARES, Manuel Viegas (1998). O insucesso escolar e as minorias étnicas em Portugal: uma abordagem antropológica da educação, Lisboa: Piaget. TEODORO, António (2001). A Construção Política da Educação. Estado, Mudança Social e Políticas Educativas no Portugal Contemporâneo, Porto: Edições Afrontamento.

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5. Educação e Diversidade Cultural 1 aula e 1 seminário Textos de Base APPIAH, K. Anthony [1998). [1994]. “Identidade, autenticidade, sobrevivência. Sociedades multiculturais e reprodução social” in TAYLOR, Charles e outros [1998). [1994]. Multiculturalismo, Lisboa: Instituto Piaget, (pp. 165-179). CARDOSO,

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CORTESÃO, Luíza e STOER , Stephen R. “ A Interculturalidade e a Educação Escolar: Dispositivos Pedagógicos e a Construção da Ponte entre Culturas” in Inovação, Lisboa: IE, vol 9, nº1 e 2, (pp.35-51). GUERRA, Isabel (1996). “Reflexões em Torno de um Projecto de Educação Multicultural” in Inovação, Lisboa: IE, vol 9, nº1 e 2, (pp.83-97). STOER , Stephen R (1994). “Construindo a escola democrática através do «campo da recontextualização pedagógica» in Educação Sociedade & Culturas, Porto: edições Afrontamento, nº 1, (pp. 7-27). TAYLOR, Charles (1998). [1994]. “A política de reconhecimento” in TAYLOR, Charles e outros [1998). [1994]. Multiculturalismo, Lisboa: Instituto Piaget, (pp.45-94). VIEIRA, Ricardo (1999) “Da multiculturalidade à educação intercultural: a Antropologia da Educação na formação de professores” in Educação Sociedade & Culturas, Porto: edições Afrontamento, nº 12, (pp. 123-162). WIEVIORKA, Michel (1999). [1997]. “Será que o multiculturalismo é a resposta?” in Educação Sociedade & Culturas, Porto: edições Afrontamento, nº 12, (pp.7-46).

Palavras-Chave: diversidade cultural, identidade, multiculturalismo, interculturalismo, educação multicultural, educação intercultural, pedagogia intercultural.

A instituição escolar está construída sobre a ideia da igualdade e duma base cultural comum a todos os cidadãos. Contudo, o principal desafio que se coloca hoje a todos os profissionais da educação é justamente articular igualdade e diferença. Como construir

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uma educação para todos onde o currículo e as pedagogias escolares não sejam absolutamente monolíticas a ponto de destruir em absoluto as cultura de origem e as identidades

pessoais

construídas

socialmente,

culturalmente

mas,

também,

idiossincraticamente?

Na primeira parte desta aula, ao invés de dissertar mais ou menos sobre a ideia do cidadão contemporâneo que se diz, por vezes, ter de ser local e global, opto por pensar o particular e o universal a partir duma questão social e educacional muito concreta: os direitos humanos. Assim, faço algumas considerações e interrogações em volta do Universal e do Particular, Educação, Direitos Humanos, Igualdade e Diversidade. São interrogações e reflexões que tenho construído no âmbito de algumas disciplinas leccionadas na formação inicial de professores, em particular em Antropologia da Educação e em Educação Intercultural, como vias curriculares para pensar a educação, a diversidade cultural, a cidadania e os direitos humanos. Na segunda parte da aula, introduzo conceitos e modelos sociais que têm sido pensados e operacionalizados pela educação e pelas políticas sócias.

O Particular e o Universal Não se trata de apresentar sugestões pragmáticas para a operacionalização de políticas sociais e educativas para um maior cumprimento dos direitos humanos. A verdade é que tal receita não é fácil nem é esse o objectivo desta estrutura de aula. Mais que respostas, procuro, antes, levantar algumas questões que me parecem fundamentais tanto para educadores e professores, como para politólogos ou técnicos de animação e intervenção social. O levantamento de algumas das dificuldades sentidas a propósito da diversidade cultural, sua legitimidade em se reproduzir, ou não, e manter no mundo contemporâneo, constitui o primeiro acto deste ponto da aula. Nos actos seguintes, reflecte-se sobre alguns dos dilemas da cidadania num mundo globalizado e sobre o papel da educação na construção da igualdade na diversidade humana bem como sobre os universalismos e particularismos a propósito da Declaração Universal do Direitos Humanos (DUDH). Em particular, como é possível criar direitos

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iguais para pessoas que se pensam e se querem diferentes? Será o direito universalizável? O último acto, o da mudança a operar, o tal que é possivelmente o mais desejado por muitos, é aqui, necessariamente, o mais incompleto. Claro que o domínio do fazer é fundamental. Mas também é verdade que fazer mal, fazer sem teoria, fazer sem dúvidas é correr o risco da perversidade e do acentuar das desigualdades em nome da igualdade. Nesse quarto acto, a tolerância não basta, a educação intercultural surge como uma via para pensar e operacionalizar a passagem do relativismo cultural à cidadania glocal, aquilo que entendemos ser a utopia (no sentido da não estar ainda concretizada) fundamental a perseguir.

1.º acto: as questões Como construir o cidadão sem exterminar, necessariamente, a diversidade cultural? Enfim, como criar direitos iguais para pessoas que se querem diferentes culturalmente? Como fazer educação cívica sem entrar na catequização, na domesticação cultural? Como respeitar o direito dos outros sem entrar pelas pedagogias homogeneizantes, monoculturais, integracionistas e assimilacionistas? Como respeitar a diferença sem reproduzir as desigualdades, sem criar guetos sócioculturais, sem separar o diferente e, consequentemente, diminuir a participação no colectivo? Boaventura Sousa Santos refere que “a política dos direitos humanos é, basicamente, uma política cultural. Tanto assim é que poderemos mesmo pensar os direitos humanos como sinal do regresso do cultural, e até mesmo do religioso, em finais de século. Ora, falar de cultura e religião é falar de diferença, de fronteiras, de particularismos. Como poderão os direitos humanos ser uma política simultaneamente cultural e global?” (Santos, 1997: 13) Como conciliar a multiculturalidade dos públicos que cada vez mais acedem à escola, que se quer para todos, com a ideia e prática da cidadania? Como criar os cidadãos que a Revolução Francesa professou: livres (liberdade), iguais (igualdade) e fraternos (fraternidade) sabendo que os alunos são, de facto, diferentes nos códigos culturais, sejam eles linguísticos, corporais ou outros, diferentes na religião, na

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visão do mundo, no consumo musical, artístico, etc., enfim, numa palavra, diferentes na cultura? Enfim, Iguais e Diferentes poderemos viver juntos? Pergunta Alain Touraine numa obra de 1997. Claro que podemos exigir que se respeite um código de boa conduta, mas não vamos com isso além de mais uma solução minimalista que “protege a coexistência, mas não assegura a comunicação” (Touraine, 1997: 21).

2.º acto – Dilemas Mas a verdade é que estamos perante um grande dilema: “estamos perante um dilema. Ou reconhecemos uma plena independência às minorias e às comunidades, limitandonos a fazer respeitar regras de jogo, procedimentos que asseguram a coexistência pacífica dos interesses, das opiniões e das crenças, e então renunciamos ao mesmo tempo à comunicação entre nós, dado que não nos reconhecemos mais nada em comum além de não proibir a liberdade dos outros e de participar com eles em actividades puramente

instrumentais,

ou

acreditamos

que

temos

valores

em

comum,

preferencialmente morais, pensam os americanos, preferencialmente políticos, pensam os franceses, e somos levados a rejeitar aqueles que não partilham estes valores, sobretudo se atribuímos a estes um valor universal. Ou vivemos juntos comunicando apenas de modo impessoal, por sinais técnicos, ou só comunicamos no interior das comunidades, que se fecham tanto mais sobre si próprias quanto mais se sentem ameaçadas por uma cultura de massa que lhes parece estranha.” (Touraine, 1998: 17). A ideia de conservar as culturas como espécies em via de extinção priva-as das suas dinâmicas, dos efeitos da história e da mudança social e aos particulares, às pessoas que se querem cidadãos, da sua liberdade para repensar, reestruturar ou mesmo rejeitar as identidades culturais herdadas (cf. Gutmann, 1998: 12). Por isso, educar para a cidadania é fazer com que os outros queiram ser. É contribuir para que os cidadãos esclareçam quais os elementos culturais que de facto querem perpetuar, quais as tradições que querem abandonar, etc. “As democracias constitucionais respeitam um vasto leque de identidades culturais, mas não asseguram a sobrevivência a nenhuma delas” (Gutmann, 1998: 12). Portanto, trata-se de investir num exercício de cidadania para revitalizar as democracias constitucionais e suscitar a aprendizagem do convívio com as resoluções

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democráticas devendo os cidadãos unirem-se através do respeito mútuo pelos direitos dos outros. Quanto ao risco do investimento no reconhecimento da diversidade cultural poder conduzir, em termos da dimensão individual, ao conformismo a um guião sociocultural, “tanto Appiah como Habermas apresentam algumas respostas complexas a esta questão apontando para a possibilidade de haver uma espécie de democracia constitucional que proporcione essa política baseada não na classe, na etnia, no sexo, ou na nacionalidade, mas sim numa cidadania democrática de liberdades, oportunidades e responsabilidades iguais para os indivíduos”. (Gutmann, 1998: 13).

3.º acto - Os Direitos Humanos Neste contexto do universal e do particular, Direitos Humanos é um tema bom para pensar, como se diz na gíria antropológica. Com o fim da guerra-fria, o mundo deixou de se limitar à coexistência de dois grandes blocos ideologicamente antagónicos. A ideia da multiculturalidade foi ganhando força e, com ela, as dúvidas sobre a universalidade dos Direitos do Homem. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) foi adoptada em 10 de Dezembro de 1948, em Paris. A ONU contava, à época, com 56 países (hoje são mais de 180) e 48 votaram a favor, sendo que se abstiveram 8, incluindo a URSS, a África do Sul e a Arábia Saudita. Parece ser a busca duma ética humanista comum que produz o aparecimento dum “direito dos direitos do homem”. E a DUDH foi considerada pelo Ocidente como uma verdade absoluta e de alcance universal. É verdade que a DUDH contém em si a marca do Século das Luzes em França. Os direitos humanos “trazem a marca dessa cultura, talhada pelo monoteísmo cristão, pelo peso da Igreja e pelo absolutismo monárquico. Eles são apresentados por uma burguesia que, desde o século XVII, se empenha em desmantelar as hierarquias existentes para facilitar a sua própria ascensão” (Combesque, 1998: 18). Mas é hoje comum dizer-se que o Ocidente não tem autoridade moral para dar exemplos em matéria de direitos humanos. O direito de asilo, por exemplo, uma garantia dada pelo art.º 14.º da DUDH, é muito limitado em muitos países. O mesmo para o direito à alimentação, a um rendimento decente, a uma habitação condigna, a cuidados básicos de

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saúde, à escolaridade básica, etc. Muitos destes direitos são sacrificados em “prol dos interesses dos mais poderosos” (Combesque, 1998: 15). Este autor põe bem a tónica na construção dos direitos humanos ao considerá-los como parte da história da humanidade que a pouco e pouco deixou de ver esses direitos como “naturais” para os desenvolver em função das representações que os seres humanos fazem de si próprios: “simples criaturas de Deus, depois modestas engrenagens de uma sociedade e por fim indivíduos livres e conscientes” (idem: 15). Contudo, a Declaração de 1948 não é um texto de direito positivo porque não tem valor coercitivo. Há competência de observação mas não há poder de sanção. E apenas alguns dos direitos se impõem aos Estados de forma absoluta. Todos os textos admitem a excepção ao direito à vida, quando falam da guerra e da legítima defesa. Portanto, estamos longe duma definição universal do direito à vida. Em síntese, por um lado, sabe-se quão etnocêntrica é a expressão “direitos humanos” com todas as pretensões hegemónicas inerentes a formações culturais específicas, ancoradas em instituições, estados e outros aparatos do poder; por outro lado, é preciso olhar aos ensinamentos da Antropologia que, muito embora também filha da tradição científica ocidental, tem-nos ensinado e estimulado a questionar os preconceitos e a ver os direitos dos outros. Nesta esteira, Rosinaldo de Sousa (2001), antropólogo da Universidade de Brasília, põe em confronto os valores modernos e o surgimento da noção de «direitos humanos universais», baseados na ideia de sujeito de direito individual. Para este autor, “esta Declaração Universal não faz parar a história movida por conflitos sociais. Na cena pública, surgem novos sujeitos políticos engendrados pela emergência da alteridade (cultural, racial, étnica e de género). Neste contexto são inevitáveis as tensões entre o campo jurídico ocidental (ancorado na ideia de direito individual) e os novos sujeitos de direito colectivo” (Novaes, 2001: 12) Mas não se pense que a postura antropológica é necessariamente sinónima de relativismo cultural, de particularismo versus universalismo. O olhar antropológico tem que ser descentrado dum único contexto ou, como prefere Sousa Santos, tem de ser hermenêutico mas diatopicamente (cf. Santos, 1997). Há mesmo posturas contraditórias de antropólogos face à DUDH. Como nos lembra Rosinaldo Silva e Sousa (Sousa, 2001:

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47), a DUDH às vezes parece “um cavalo de Tróia para a recolonização” por parte do Ocidente em relação aos povos que não comungam dos mesmos ideais universalistas. Por outro lado, há exemplos em que os “direitos humanos” foram apropriados pelos movimentos indígenas da América Latina e outros, que assim conseguiram mundializar a sua causa (ibidem). Parece, contudo, não haver dúvida quanto ao facto de o debate universal/particular estar armadilhado uma vez que o mesmo não pode ser feito fora da referência a valores. “O universalismo não é senão uma cultura específica que aspira ao universal; o particularismo é o oposto” (Dubet, 1999: 175). Ora, como diz Touraine (1998), como parece que é preciso viver em conjunto, e se não queremos matar o outro, parece que o único caminho é mesmo o da procura duma humanidade comum. O caso das mulheres apedrejadas até à morte como castigo imposto pela comunidade é aqui exemplo para pensar. Que fazer? Impor o direito à vida? E qual é a diferença relativamente à cadeira eléctrica ou à injecção letal? É aceitável porque é mais higiénico? As coisas complicam-se porque as definições de homicídio ou de roubo variam de cultura para cultura. Por outro lado, há também várias tradições jurídicas no mundo: a common law, a família romano-germânica, o direito muçulmano, o direito chinês...). Nos E.U.A, quer se trate do aborto, da eutanásia ou mesmo da pena de morte, não há ainda consensos absolutos, ainda que a pena de morte tenha sido excluída dos textos da ONU pelo crime contra a humanidade. Pensemos num caso mais mediático dos dias de hoje: a pedofilia. Recordemos algumas alterações que o código penal português nos trouxe no final do século XX. A violação sexual e a pedofilia eram considerados, à luz do anterior código penal anterior, crimes contra a moral pública, contra os costumes. Também o crime estava circunscrito mais em torno de haver penetração ou não, coito ou não. A pena, essa, era também mais leve que actualmente. Com a alteração do código penal, o crime passou a ser um atentado à liberdade do cidadãos. A relação pode ser homossexual ou heterossexual desde que os parceiros concordem. Trata-se do direito de os cidadãos poderem gerir a sua vida privada. Contudo, se não há acordo, se há violação, a pena torna-se mais pesada porque se trata agora de crime contra a liberdade do outro. Quanto à violação das crianças – a pedofilia – aí trata-se de crime contra a auto-determinação, uma vez que à criança não é ainda

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reconhecida a possibilidade de aceitar ou não o acto sexual. E o caso da cigana que a lei manda para a escola e que o pai manda para a feira e para o casamento? Que fazer? Acaba-se com a cultura cigana? Deve-se respeitar a cultura? A lei poderá / deverá garantir, através do tribunal, que a criança possa desfrutar do direito à educação? A dúvida é: direitos de quem? Das comunidades ou dos sujeitos? Parece-nos que o direito à diferença já não é redutível ao direito das “tribos”. O direito à diferença é, cada vez mais, também o direito dos indivíduos em serem eles próprios. Mas, a ser assim, trata-se de afirmar que cada indivíduo constitui em si mesmo a sua própria norma e isso pode gerar um projecto de quase ausência de comunidades. Por isso Ferry (1999: 195) apela a uma “espécie de reflexão intermediária entre a via francesa republicana e a via americana da affirmative action”. Não querendo, de forma alguma, embarcar na tese culturalista segundo a qual a cultura é vista como uma herança imutável, nem no “ocidentalocentrismo”, que quer à força garantir a supremacia dos seus valores e sistema político bem como a sua implementação no mundo, voltamos a encarar o continuamente referido dilema do equacionar do particular com o geral.

4.º acto - Por uma necessária mudança: a tolerância não basta. Nos tempos modernos o termo “tolerância” só adquiriu uma conotação positiva a partir do século XIX, com o livre pensamento, especialmente com os textos de John Locke de 1693 e de Voltaire de 1793. Até aí, a religião condenava a tolerância eclesiástica em relação aos não crentes. Hoje, a tolerância tornou-se, de repente, arma discursiva a favor da paz e da salvação do mundo. Mas, ser tolerante não basta. Possivelmente não é mesmo a via de podermos ser diferentes e vivermos juntos. Quando muito poderíamos viver justapostos mas segregados e não comunicantes. A via da tolerância como produto acabado não me parece ser a via da transformação diatópica, de que falámos. Recoloca-se, portanto, sempre a questão de saber o que implica a ideia de tolerância relativamente às condutas de intolerância. Se se tolera a intolerância, aceita-se a injustiça. A tolerância passiva conduz à intolerância activa ou deixa-lhe o caminho aberto (cf. Heritier, 1999). De novo dois problemas para resolver: o do intolerável em si mesmo e o de saber o que fazer com

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os intolerantes. Muniz Sodré diz mesmo que “a prática demonstra que toda a tolerância é intolerante para com a intolerância dos outros e, por isto, tem a mesma precariedade dos sentimentos piedosos com que os fortes contemplam os fracos”. (Sodré, 2001: 21). Por isso é mesmo necessário a mudança tanto na política global como nas políticas particulares. Todos somos incompletos, imperfeitos e tal consciência deve ser o motor da transformação para novas atitudes, práticas e políticas sociais. E a mudança se pode não ir contra a tradição cultural, transforma-a sempre. É mesmo preciso a criação de novas regras políticas, sociais e morais mas, agora, à escala mundial, “uma espécie de contrato, aceitável pelo conjunto da sociedade humana e no qual se reconheçam todas as suas componentes. Para ser credível, esse contrato deve ir buscar as suas fontes ao património cultural da humanidade no seu conjunto e não apenas a uma determinada civilização. O melhor meio de o conseguir é partir do princípio que nenhuma sociedade evolui apenas devido a pressões externas mas sim graças à sua dinâmica” (Combesque, 1998: 21). E isto implica romper com a ideologia perversa das políticas multiculturais, da participação por quotas e outras formas de buscar a representação social, que, em nome da igualdade de direitos, acentua a desigualdade no acesso ao poder e aumenta a insularidade das culturas particulares. Implica, também, a ruptura com a defesa romântica do relativismo cultural como base justificativa para tudo desde que conforme à norma local. A alternativa parece-me passar não só pela tal hermenêutica diatópica (Santos, 1997), pelas metamorfoses processuais das identidades culturais e pessoais (Vieira, 1999b), mas, também, por um modelo de interculturalidade para a comunicação, a educação e a sociedade no seu todo global, assente numa necessária transformação de todos os diferentes, que não a uniformização, com vista ao encontro de pontes feitas a partir de todas as margens. Quer dizer, a partir de todos os diferentes que, ao se consciencializarem como incompletos, pretendem comunicar com os outros, por livre vontade, para delas retirarem as influências desejadas. “O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objecto inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência da incompletude mútua através de um

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diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra. Nisto reside o seu carácter dia-tópico” (Santos, 1997: 23). No entanto, do meu ponto de vista, esta mudança multilateral não joga apenas com a questão da cultura perspectivada do ponto de vista estático e existindo fora das consciências individuais de cada sujeito. Pelo contrário, a cultura existe, justamente, na materialização do comportamento dos sujeitos pessoais. E, para terminar, nas palavras de Alain Touraine, nesta época de dominação global, “[...] só a ideia de Sujeito pode criar não só um campo de acção pessoal mas sobretudo um espaço de liberdade pública. Só conseguiremos viver juntos se reconhecermos que a nossa tarefa comum é combinar acção instrumental e identidade cultural, logo, se cada um de nós se constituir como Sujeito e se nos dermos leis, instituições e formas de organização social cujo objectivo principal é proteger a nossa exigência de viver como Sujeitos da nossa própria existência. Sem este princípio central e mediador, a combinação das duas faces da nossa existência é tão impossível de realizar como a quadratura do círculo” (Touraine, 1998: 214). E é assim que, a meu ver, ao invés de inculcação de valores, a educação deve apostar, antes de mais, em ser uma escola de Sujeitos e não a forja da identidade nacional. Esta discussão, bem como o debate sobre o modo como alguns investigadores e particularmente alguns psicólogos sociais separam a identidade social da identidade pessoal, (“sendo que estes autores tomam como pressuposto teórico a existência de «grupos» e de «indivíduos»” (Pina Cabral, 2002: 3)) terá de ficar para outro espaço.

5.2. Modelos de Política Social e Educativa para Lidar com a Diversidade O Modelo Assimilacionista Como nos lembra Carlos Cardoso (1996: 10), “apesar de monocultural, o assimilacionismo corresponde à primeira etapa da história do multiculturalismo”. O assimilacionismo consiste na total conformidade dos originários de grupos culturais e étnicos à cultura dominante. Exige-se às minorias que “esqueçam” as suas culturas de origem de modo a estarem em perfeita conformidade com a cultura dominante. Trata-se, em última instância, da produção social do oblato de que fala Ricardo Vieira (1999a e b). O assimilacionismo é um modelo orientador de políticas sociais para com minorias

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étnicas. Teve início nos anos 60 e anos 70 essencialmente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. “As principais referências e prioridades do modelo eram as culturas e histórias nacionais da classe média branca […] A feição assimilacionista das primeiras orientações políticas formais em relação às minorias étnicas é consequência imediata da visão etnocêntrica do mundo, historicamente

dominante

nas

sociedades

ocidentais.

[…]

As

características

monoculturais e etnocêntricas, dos objectivos e processos assimilacionistas acentuaram a visão problemática das minorias na sociedade e a ideia de inadequação das culturas e dos ambientes familiares das minorias para a sua participação plena na sociedade. […]” (Cardoso, 1996: 10).

O Modelo Integracionista Em finais dos anos 60 e início de 70, pressões dos movimentos de direitos humanos e de afirmação étnica, e do aumento das migrações, conduziram à adopção de políticas integracionistas. “Estas caracterizaram-se por maior tolerância pela diversidade cultural, expressa por maior liberdade de expressão e promoção das culturas das minorias étnicas. O modelo integracionista corresponde ao primeiro nível de reconhecimento político do pluralismo cultural. No entanto, o respeito pela diversidade cultural implícita ao modelo tinha limites e exigia contrapartidas. Era esperado que as minorias assimilassem os conhecimentos, as atitudes e os valores fundamentais para a sua participação na dinâmica da cultura dominante. Na realidade, o pluralismo integracionista só existia dentro de um espaço que não colidisse com a cultura dominante, exprimindo-se nas margens da sociedade em que as principais directivas e os principais valores continuavam a ser definidos monoculturalmente pelo centro” (Cardoso, 1996: 12). Assim, o termo integração continua a subentender a existência de uma cultura dominante e, nesse sentido, o integracionismo, representa o modelo que melhor se adequa aos interesses dos governos, ao mesmo tempo que suporta os argumentos que o apontam como o modelo mais adequado aos interesses dos próprios imigrantes.

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O Modelo Pluralista O multiculturalismo é inseparável do conceito de pluralismo. Nenhum discurso sobre multiculturalismo deixa de se basear e referir ao pluralismo. Ambos os termos estão carregado de ideologia e originam variadíssimas definições. “O pluralismo é uma referência central nas constituições dos estados, nos discursos e relatórios políticos, mas raramente é claro o seu significado e as suas implicações na prática. Só por si, o termo pluralismo cultural tanto pode apoiar políticas de segregacionistas baseadas nas diferenças, como pode significar integração com maior distribuição de poder, ou, no plano educativo, pode ser utilizado para justificar algumas mudanças no sistema educativo através de reformas ou mudanças pontuais.” (Cardoso, 1996: 13).

Educação multicultural Os vários entendimentos de multiculturalismo originam diferentes entendimentos de educação multicultural, assim como modos de a realizar. “A diversidade de conceitos e abordagens de educação multicultural depende das interpretações atribuídas a conceitos centrais na problemática do multiculturalismo como cultura, relativismo cultural e etnicidade. […] A maioria das perspectivas de educação multicultural mantém referências numa concepção de tradicional e estática de cultura, entendida como um conjunto de características mais ou menos imutáveis atribuídas a grupos de pessoas que as mantêm e transmitem de modo semelhante de geração em geração. O multiculturalismo baseado nesta perspectiva de cultura tende a concentrar-se nas diferenças culturais, sugeridas pelo relativismo, subvalorizando o que entre elas existe de comum […]. Na educação, o bloqueamento relativista das culturas dentro de si próprias pela subvalorização de dimensões comuns entre elas, constitui um obstáculo ao desenvolvimento de políticas e práticas consistentes de educação multicultural” (Cardoso, 1996: 16) “A epistemologia multicultural afirma que a realidade é convencional, que o indivíduo participa de sua construção e que o conhecimento nada tem de objectivo ou definitivo, pois ele depende do poder da História […]. Se a realidade e a verdade são sempre relativas a um contexto, a um grupo social ou sistema de poder, qualquer critério universal e indiscutível sobre o qual basear um conhecimento objectivo do mundo torna-

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se teoricamente impossível. […] Rigorosamente falando, isso tornaria impossível qualquer forma de troca e socialização. No campo da educação, por exemplo, seria impraticável hierarquizar a qualidade das obras literárias, ou de dar notas aos alunos conforme critérios objectivos”. (Semprini, 1999: 166-167). Habitualmente os multiculturalistas defendem práticas de educação multicultural baseadas em currículos orientados para o intercâmbio e para a valorização das culturas de todas as crianças, com o intuito da compreensão e tolerância mútuas através de programas pluralista de reforma curricular. “Os anti-racistas estão mais preocupados com as bases estruturais do racismo na escola e na sociedade e com a subtileza das suas manifestações. Entendem que a partilha de estilos de vida através do currículo não toca as bases estruturais da desigualdade e da discriminação racial. […] Na perspectiva dos anti-racistas, os multiculturalistas visariam reformas no quadro das estruturas existentes de modo a eternizar aquele modelo de relações sociais, enquanto os anti-racistas visariam transformar as estruturas que suportam todas as formas de racismo aberto e oculto”. (Cardoso, 1996: 17). Acima de tudo, os debates teóricos sobre os conceitos de educação multicultural e de educação anti-racista, e as suas práticas subjacentes, têm servido para aumentar o reconhecimento do papel da escola na redução de atitudes racistas.

A Educação Intercultural Ainda que por vezes as escolas Francesas falem mais de interculturalismo e as americanas de multiculturalismo como referindo-se a uma mesma coisa, é possível encontrar muito trabalho, inclusivamente de autores portugueses, que tem procurado distinguir as duas optando por uma delas ou situando-se num meio-termo: Inter/multicultural ou Multi/Intercultural41. O intercultural que preconizo não pode ser considerado apenas como um conceito específico do domínio pedagógico. O intercultural, ou a interculturalidade, acaba por ser uma opção sociológica global (cf. Abdallah-Pretceill, 1986: 177). Diria até que o intercultural é uma atitude e uma conduta humanista, uma forma esclarecida de ver e 41

Ver entre muitos outros, os trabalhos de Stephen Stoer, Luíza Cortezão, Luís Souta, Carlos Cardoso, Ricardo Vieira, entre outros (cf. referências bibliográficas desta aula e bibliografia geral no final do relatório).

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entender o mundo, uma forma de estar antropológica porque legitima as heterogeneidades dentro das identidades. "O termo implica a ideia de inter-relações e de trocas entre culturas diferentes" (Ladmiral, 1989: 10). A noção de intercultural implica o abandono da concepção estática e estrutural da cultura. Na concepção intercultural, a cultura não é um dado objectivo, autónomo e relativamente estável. Situa-se antes numa perspectiva sistémica e dinâmica onde as culturas aparecem como processos sociais não homogéneos, em contínua evolução e que se definem tanto pelas relações mútuas como pelas suas próprias características. Com efeito, os grupos sociais não existem nunca de maneira totalmente isolada: elas sustentam sempre contactos com grupos o que leva a determinadas tomadas de consciência da sua especificidade, mas também das trocas, dos empréstimos e duma constante mudança. (cf. Ladmiral, 1989). Se efectivamente a pedagogia intercultural se pode aplicar por exemplo à escolarização de crianças emigrantes, também se pode aplicar a qualquer outro tipo de crianças provenientes de que cultura ou subcultura for. A pedagogia intercultural ultrapassa assim os objectivos de uma maior inserção e a problemática do insucesso escolar das minorias étnicas. Ela atravessa também o problema das políticas educacionais para a escola democrática e para o sucesso de todos. Contra uma educação meramente multicultural, que respeita as diferentes culturas e mentalidades mas que as deixa navegar em artérias paralelas, ou avenidas de pouca liberdade, contra também as políticas de unificação, assimilação e adesão a uma única cultura hegemónica, a pedagogia intercultural situar-se-ia, ou situar-se-á (penso numa utopia pedagógica ao jeito de Adalberto Dias de Carvalho de saberes e pelo diálogo de culturas. Utopia porque efectivamente não se trata de um modelo fácil de implementar. Como diz Wolton (2004:12), “com a coabitação cultural, estamos no fio da navalha. Por um lado, se for possível estabelecer a ligação a um projecto político democrático, pode instalar-se um modelo de comunicação cultural relativamente pacífico. Por outro, se a ligação entre coabitação e projecto político não puder ser construída, é o triunfo de todos os irredentismos culturais… Num caso, a identidade está associada a um projecto democrático de coabitação; no outro, a identidade torna-se um principio de conflito político. Mas, em ambos os casos, não podemos fugir a um debate, simultaneamente,

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sobre a coabitação cultural e os seus problemas, e sobre as relações entre identidade, cultura e comunicação.”

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6. Linguagem, Comunicação e Educação 1 aula teórica e 1 seminário

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Palavras-chave: Linguagem, metalinguagem, comunicação, comunicação intercultural, proxémia, linguagem silenciosa, oralidade, mente cultural, lógica da escrita. Argumento Comunicar não significa apenas conhecer vocabulário e regras gramaticais: é também saber quando e como falar. Isto significa desenvolver capacidades extralinguísticas interrelacionadas que são sociais. Assim, a criança adquire consciência de uma 113

multiplicidade de papéis (em contextos situacionais e comunicativos distintos). As nossas práticas orais, intervenções, os nossos escritos, as nossas entrevistas, a palavra, para sintetizar, está, como sabemos, alimentada pela nossa subjectividade, pelo nosso ethos, pela nossa visão do mundo. A palavra transporta ideologia, crenças, representações. As palavras, neste sentido, são como picos de montanhas que emergem no mar. Só aparentemente são ilhas, conforme a definição. De facto são partes duma geografia geral, são simultaneamente de interesse local e global. Por isso a dicotomia local/global é falsa. As palavras, embora reflictam um tempo e um espaço, fazem parte dum mapa intelectual mais geral, um mapa cultural que é precise conhecer e estudar, por parte de quem quer descodificar, interpretar, investigar ou ensinar. O início das pesquisas sobre cultura e linguagem, do ponto de vista de uma antropologia não essencialista, podem encontrar-se em Edward Sapir que elaborou, a partir de 1925, uma teoria das relações entre cultura e linguagem. Contra todas as representações substancialistas da cultura, define esta como um conjunto de significações elaboradas e usadas nas interacções individuais. Sapir sublinha bem o carácter inconsciente de certos comportamentos culturais. Se entender a comunicação oral do ponto de vista do emissor não é fácil e exige sensibilidade e prática de comunicação intercultural, a passagem da cultura oral a uma lógica da escrita levanta outros problemas do ponto de vista não só da mudança nos comportamentos sociais bem como no mundo interior e subjectivo dos sujeitos que se submetem a um outro tipo de socialização. Esta aula está dividida em dois grandes tópicos: a comunicação silenciosa e a oralidade e a escrita na aprendizagem.

6.1. A Comunicação Silenciosa Nesta primeira parte da aula, começa-se por exemplificar a natureza diversificada das formas de comunicação e de como os códigos usados diferem entre culturas.

Far-se-á referência aos trabalhos de Edward Hall a propósito da dimensão oculta da comunicação onde ele define o conceito de proxémia e de proxémia comparada, e mostra como o espaço comunica (1986); da linguagem silenciosa (1994) onde fala das diferentes

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formas não verbais de comunicação, de forma comparativa entre várias culturas do mundo; e de como o tempo também comunica de forma diversa conforme os contextos (1996). Convocaremos ainda Julius Fast, para retirar exemplos e ilustrar com exemplos vários a linguagem do corpo na interacção social.

Os estudos recentes propõem que se estude além dos processos de aprendizagem dos sons, da sintaxe e do vocabulário (linguagem), também a aprendizagem das regras do uso da linguagem (pragmática). Isto é, que se analise o desenvolvimento da competência comunicativa através da interdependência da comunicação verbal e não-verbal. Pode-se reconhecer na criança, antes da competência linguística, uma competência comunicativa, fundada na sua possibilidade de comunicar por canais e modalidades nãoverbais (gestos, sons, expressões). É possível, aliás, verificar uma continuidade entre a comunicação não-verbal, pré-linguística e a linguagem - os sinais não-verbais são transferidos para a comunicação verbal. Bitti e Zani (1997) inserem-se na perspectiva da teoria cognitivista do desenvolvimento que considera o recém-nascido como um sistema aberto que se organiza, se estabiliza, se dirige e em parte se defende autonomamente, que progressivamente se modela e se insere na dimensão cultural estabelecida pelo seu ambiente natural e humano.

6.2. A Oralidade e a Escrita na Aprendizagem

“ A investigação deu nos últimos tempos um maior relevo à aprendizagem por parte do sujeito das tarefas que é chamado a desempenhar ao expressar-se por meio da língua escrita. Esta perspectiva fez incidir o estudo sobre a expressão escrita encarada como processo e não apenas sobre os seus produtos e a conformidade destes com regras ou modelos” (Barbeiro, 2001: 59). Na Antropologia, o debate sobre a dicotomia entre oralidade / escrita, iniciou-se nos finais dos anos 60 com a obra colectiva editada por Jack Goody (l968) e que no presente continua a suscitar desenvolvimentos, comentários e criticas vindas quer do interior da disciplina, quer do exterior, como é o caso da psicologia e sociologia (cf. Reis, 1996: 67). A este propósito, nesta segunda parte, convocar-se-ão, bastas vezes, Jack Goody (1968, 1977, 1980, 1985, 1987, 1988), Raul Iturra (1991, 1994, 1997) e Filipe Reis (1995,

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1996)42 a propósito da ligação com a aprendizagem da leitura e da escrita no contexto da escola primária em Portugal, em especial as que têm a ver com uma discussão muito tratada por vários autores43: a descontinuidade entre a aprendizagem no quotidiano, fora da escola, e a aprendizagem escolar. A este propósito, Filipe Reis conclui, num trabalho sobre a oralidade e a escrita na escola, que “a escrita, os múltiplos exercícios escolares mostram-no bem, não equivale à transcrição da fala. A própria oralidade praticada na escola é já um exercício cujo objectivo é instaurar essa atitude reflexiva, auto-censória, que permanentemente destaca a estrutura gramatical: em consequência, ver, ouvir e falar, enquanto actividades realizadas em ordem a aprender a ler e a escrever, são diferentes do «ver fazer; ouvir dizer», que caracterizam as aprendizagens no quotidiano. A escola, de forma específica a escola primária, constitui-se enquanto processo de transição das formas orais de aprender para a lógica da escrita. Trata-se de um importante salto epistemológico que as modernas teorias pedagógicas tentem superar através do discurso à experiência vivencial, cultural, histórica, dos sujeitos em situação de aprendizagem”(Reis, 1996: 103).

O trabalho de Filipe Reis é bastante influenciado pela obra de Jack Goody que chama a tenção para os factos cognitivos que a escrita possibilita: “Goody defende que a escrita altera significativamente o modo de comunicação entre os seres humanos, possibilitando aos seus utilizadores recriar na realidade a partir de critérios inerentes ao próprio sistema de signos utilizados – por exemplo, ordenar alfabeticamente, criar campos semânticos, construir cronologias, estabelecer ligações entre séries de factos previamente anotados, em suma, realizar um conjunto de operações intelectuais que constituem pré-condições para a emergência do pensamento científico e, de uma forma geral, para a criação de formas de pensamento mais lógicas, abstractas e descontextualizadas” (Reis, 1995: 44).

Também Telmo Caria (2000) tem basta reflexão sobre a oralidade e a escrita como dois modos mentais de organização social do pensamento e será referenciado nesta aula: 42

De alguma forma herdeiros das pesquisas e da teoria de Jack Goody Ver, por exemplo a equipa de antropologia da educação que tem trabalhado com Raul Iturra, apresentada na I parte deste relatório. 43

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“Como mostrámos e desenvolvemos num outro trabalho (Caria e Vale, 1997), a palavra falada, na escolaridade, deixa de ter valor pelo significado e uso do seu significante, relativo, por exemplo, à aprendizagem de que a língua é constituída por uma ordenação linear de sons audíveis (fonemas) que têm uma correspondência numa representação escrita dos mesmos (grafemas). Dentro desta perspectiva é assumido que a aprendizagem da escrita, no âmbito da escolaridade básica, tem efeitos cognitivos relevantes, pois o modo descontextualizado de ensinar, centrado nas formas de linguagem escrita, como meio de representação simbólica do pensamento, imposto pelo estado, leva o aluno explícita ou implicitamente a ter que abstrair as condições locais, singulares e pragmáticas, de construção da mente cultural do seu grupo social”. (Caria, 2000: 163). O linguista norte-americano Chomski e a sua noção de "gramática generativa" veio inovar a análise dos processos de aprendizagem da escrita e da leitura nas crianças. Segundo Chomski, a criança consegue sem imitar a linguagem dos adultos, compreender certas regras que governam a estrutura da língua. Também elas, cada vez mais cedo começam a familiarizar-se com a língua materna (e também a língua estrangeira), pelo simples facto de crescerem rodeadas de informação escrita. (exemplo: publicidade). Estes fenómenos vieram transformar a noção de aprendizagem da escrita. Na própria sala de aula, esta transformação tem-se observado: o professor é levado a construir a finalidade da escrita com a ajuda do aluno, partindo das próprias ideias construídas ao longo da vida de criança. Esta "escrita do quotidiano" representa, segundo Filipe Reis (1995: 49), um desafio para os "dispositivos pedagógicos" actuais das escolas. Os professores, supostamente reprodutores do saber hegemónico, têm actualmente que fazer uma ponte entre os "saberes incorporados" dos alunos, e os "saberes codificados" da instituição escolar. “Os efeitos da escrita sobre as mudanças intelectuais e sociais não são de fácil compreensão (...) a escrita não produz uma nova maneira de pensar, mas a posse de um registo escrito pode permitir que se faça algo antes impossível: reavaliar, estudar" reinterpretar, e assim por diante (...). A escrita não provoca a mudança social, a modernização e a industrialização. Mas ser capaz de ler e escrever pode ser crucial para o desempenho de certos papéis na sociedade industrial (…). A escrita é importante em termos da realização do que possibilita às pessoas: o alcance daquilo que objectivam ou a produção de novos objectivos." (Olson, & Torrance, 1985:14) Nesta obra, Olson e Torrance pretendem revelar como as funções do discurso escrito se relacionam com as proporcionadas pela oralidade nas culturas tradicionais; e como nas sociedades com escrita, o discurso oral cerca e condiciona os usos do texto escrito.

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Certas funções atribuídas à escrita são exercidas, nas sociedades que a desconhecem, por formas orais de grande poder e subtileza. Num segundo momento, a obra de Olson e Torrance (1985), ocupam-se com a evolução das formas especializadas do discurso, as quais funcionam como modos de reflexão do início da Era Moderna. Aí Barry e Sanders descreve os Contos da Cantuária de Chaucer (l.º exemplo de ficção) como contexto de articulação entre oral e escrito (nomeadamente no “Conto do Moleiro”) que faz do autor uma espécie de contador de histórias. Jerome Bruner e Susan Weisser examinam o desenvolvimento de técnicas de auto-registo (estilo autobiográfico), e embora reconheçam a escrita como instrumento da modernidade, argumentam que o determinante maior é a transformação histórica da auto-consciência com a contextualização da própria vida torna-se possível a sua interpretação e reinterpretação. David Olson tece considerações sobre as duas formas pela qual a escrita contribui para o pensamento científico moderno - a visão instrumental: difusão da imprensa permite o "arquivo da pesquisa" e fornece uma "versão original dos textos", livre: de erros dos copistas e a visão de mudança conceptual: escrita como responsável pela compreensão da distinção entre o "objectivamente dado" (encontrado nos textos ou na natureza) e as percepções e interpretações subjectivas do leitor. Jeffrey Kittay defende uma consideração da escrita - como "prática significante?" - dentro de uma descrição mais ampla da comunicação: i. e., algo mais importante do que a mera codificação e descodificação da linguagem oral Discute ainda duas questões: a descontextua1ização e a universalidade do efeito da escrita. Por fim, nessa obra de Olson e Torrance (1985), examinam-se as questões da cultura escrita e da linguagem de um ponto vista psicológico. R. Narasimhan critica a tese das consequências dos desenvolvimentos do alfabeto grego pós Homero, da escrita manuscrita na cultura da Europa ocidental e da escrita textual no desencadear da cultura científica empírica pós - medieval europeia. Paul Saenger discute como a forma do sistema de escrita determina as habilidades mentais relevantes para a leitura, p. ex., a escrita com espaços entre palavras ou sem espaços (para ser lida em voz alta, por leitores especializados e com um corpus de textos limitados) e as suas vantagens intelectuais. Refere-se a importância da leitura silenciosa como separador entre cultura antiga e moderna. Robert Scholes e Brenda Willis afirmam que a linguística não tem considerado

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a maneira pela qual a aquisição da escrita afecta o conhecimento que o falante tem da língua. Analisam-se algumas das possíveis maneiras pelas quais a aquisição de um sistema escrito poderia alterar o processo cognitivo e lista 4 possibilidades: meio, habilidade mental e hipótese metalinguística. A última parece ser a melhor hipótese de explicação sobre as vantagens intelectuais da escrita (a escrita per se constitui uma actividade metalinguística; do mesmo modo que a fala representa o mundo e torna-o objecto de reflexão, a escrita representa a fala e torna-a objecto de reflexão). De acordo com Olson, & Torrance, (1985:14) existem duas posições contrastantes na tentativa de registar as diferenças entre a cultura escrita e oralidade: •

a «teoria da continuidade "que reclama que a escrita e oralidade são dois meios linguísticos equivalentes para o desempenho de funções semelhantes; embora os objectivos possam ser diferentes (a escrita é uma instrumento de construção de uma «tradição acumulativa arquivada", sendo o seu papel mais social e institucional que psicológico ou linguístico);



a “grande teoria da divisão” que as separa embora ressalve a importância interactiva; mas reclama que a escrita realinha e melhora os processos psicológicos e de organização social e é um instrumento de mudança social e psicológica nas sociedades ocidentais.

Ambas as teorias revelam o etnocentrismo implícito em teorias anteriores que viam a escrita como um «caminho mais nobre para o esclarecimento e a modernidade. “A comunicação escrita, relativamente à comunicação oral, acentua ainda as exigências de explicitação. De facto, os intervenientes não podem recolher informação expressiva acessível na oralidade a partir do tom de voz ou de indicadores corporais. Enquanto escritores ou leitores, geralmente, não estão sequer integrados numa mesma situação, verificando-se, ainda, um diferimento temporal. A linguagem interiorizada e a linguagem escrita encontram-se nos dois pólos opostos quanto aos requisitos de explicitação (Vygotsky, 1991, p. 124) […]. A redacção tem de corresponder às exigências de explicitação próprias da comunicação escrita. Não se pode limitar à transcrição dos conhecimentos ou representações mentais tal como surgem na linguagem interior, pois a escritas pretende prolongá-los para além desse momento e alargá-los a outros sujeitos “(Barbeiro, 2001:61).

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"O trabalho de Bernstein foi usado, por exemplo, para apoiar a afirmação simplista de que fracasso escolar é fracasso linguístico" (Stubbs, 1987: 77) e efectivamente não parece que tenha sido isto que o professor de sociologia da educação da universidade de Londres tenha querido dizer: “Podemos generalizar [...] e dizer que certos grupos de crianças, através das suas formas de socialização, estão orientadas para receber e oferecer significados universalistas [código elaborado] em certos contextos, ao passo que outros grupos de crianças estão orientados para significados particularistas [código restrito]. [...] Ora, quando consideramos as crianças na escola, vemos que é provável que existam dificuldades. Porque a escola se ocupa necessariamente da transmissão e do desenvolvimento de ordens de significação universalistas”. (Bernstein, 1982: 26). Uma investigação recente do psiquiatra português Castro Caldas44 será também referida nesta aula, para abordar o que a cultura, nas suas variantes da oralidade e da escrita, produz, diferenciadamente, no cérebro. Para o efeito, usa-se um artigo de Filipe Reis, que sugere que “a ideia – recentemente reforçada por experiências na área da neurobiologia – segundo a qual as aprendizagens escolares da escrita e leitura afectam o funcionamento cerebral, constitui um bom ponto de partida para examinar o papel da escola na designada «sociedade cognitiva» […]”(Reis, 2002: 87). Neste artigo, Reis faz uma boa abordagem a essa pesquisa conduzida em 1998 pelo professor Alexandre Castro Caldas. “E os resultados são: quando confrontadas com a tarefa de, num ambiente laboratorial repetir palavras e pseudopalavras, um conjunto de mulheres divididas entre as que há 50 anos haviam frequentado a escola, e as outras que nunca a haviam frequentado, «produzem», num rigoroso ambiente laboratorial, imagens cerebrais distintas” (Idem: 95).

Por fim, frisar-se-á, nesta aula, o facto de que, de entre todas as instituições socializadoras, é na escola que se “ opera mais sistematicamente e de modo mais durável a ruptura com o senso prático linguístico” (Lahire, 2002: 103). Por isso Lahire diz que, no tocante à escola, deveríamos falar de «língua» e não de «linguagem» (idem: 104): “a escrita divide a cadeia sonora, o fluxo contínuo de enunciados orais, em sinais 44

Experiência referida num artigo de Filipe Reis (2002) sobre literacia e cognição.

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descontínuos e leva a tomar consciência desta realidade que se chama «termo» e que não pré existia à sua descoberta pela escrita” (idem: 105).

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Esta aula, dedicada a pensar a cultura e o saber dos alunos que acedem à escola, essencialmente a daqueles que provêm dos meios rurais e que estão mais distantes da linguagem e lógica da escola, assenta basicamente em dois pontos: a ideia de que a criança não é uma tábua rasa, que possui uma mente cultural, uma epistemologia própria, que muitas vezes os professores ignoram na vida da escola. Numa segunda parte, exploram-se algumas das aprendizagens que a criança faz em contexto familiar e, em particular, no jogo infantil. 7.1. Os Saberes da Infância Começa-se por explorar o livro coordenado por Raul Iturra (1996) com textos de Raul Iturra, Amélia Frazão Moreira, Filipe Reis, Paulo Raposo e Ricardo Vieira, a propósito dos diferentes saberes que os diferentes contextos culturais ensinam às crianças. Discute-se, em seguida, o conceito de infância. A infância é uma construção social que emerge a partir do Renascimento e que se vai consolidando com o século das Luzes (cf. Ariès).

Várias questões / perguntas: Há uma infância ou várias infâncias? Diferentes crianças? Diferentes “escolas” da infância? Diferentes estilos cognitivos, consoante a proveniência cultural da criança? Diferentes preparações para acesso à cultura hegemónica do estado e cultura dominante? Uma epistemologia / versus a epistemologia dos adultos? Ou várias epistemologias nas crianças? Há, talvez, infâncias diferentes dentro duma infância global, umas mais em desigualdade que outras como alicerces dum futuro de sucesso.

De acordo com Raul Iturra (2002: 136) “falar de epistemologia da infância acaba por ser um problema duplo: o problema da epistemologia como conceito que procura definir ou explicar a lógica das relações sociais; e o da infância, como processo de relações sociais de épocas conjunturais da vida de um ser humano em qualquer grupo social, cultura, hierarquia ou em qualquer classe social”. Mas ainda que vivendo infâncias diferenciadas no espaço e no tempo e sempre de forma heterogénea, a criança tem sempre

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um conhecimento cultural com o qual observa o mundo que a rodeia. “O que a criança não tem é palavras para explicitar o que entende à sua medida em pequena. Mas sabe aplicar esse conhecimento, primeiro nas suas brincadeiras e, num dia mais tarde, no trabalho que vai necessitar para sustentar o seu lar, para poder, ou procurar, melhorar a sua economia. Economia tal e qual definiu Aristóteles: o trabalho em conjunto de todos os membros do lar, de cada um conforme a sua possibilidade, para cada um conforme a sua necessidade.” (Iturra, 2002: 151).

Aborda-se, de seguida, a ideia das trajectórias sociais e da recuperação constante da infância em cada presente etnográfico. a. A ideia da biografia, da entrevista etnobiográfica, da história de vida que leva a um recuperar da infância como modelo e tempo vivido que em muito é responsável pelas atitudes da adultez (cf. Vieira, 1996). b. A questão de saber se a infância que vive dentro de nós, através da memória, se é anulada e recuperada apenas na racionalização das práticas ou, se, pelo contrário, há coexistência de vários eus dentro de nós, sendo que um deles é a criança que pode, eventualmente, nunca morrer.



Discussão sobre o que a brincadeira ensina e sobre a ideia do trabalho infantil e da brincadeira – os vários pontos de vista: ético e émico.

A propósito de semelhanças e diferenças entre crianças, reflecte-se sobre o binómio campo-cidade, que é um modelo simples mas que ajuda a pensar comparativamente.

Semelhanças no fazer e ser Criança Prazer desinteressado das tarefas e actividades realizadas; Ludicidade; Interculturalidade

(linguagem

comum?

Epistemologia

comum

para

além

da

verbalização?). De facto as crianças entendem-se e funcionam bem em grupo. Se forem provenientes de países com línguas diferentes, as crianças encontram, mesmo assim, outras formas de se comunicar, para além do domínio comum de uma mesma língua.

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Com o crescimento, parece que é o domínio comum ou não da gramática escolar que é vital para continuarem ou não a comunicar interculturalmente. É como se a escola destruísse esse know-how to live bettween different cultures e precisasse, mais tarde, de o voltar a recuperar com projectos como “educação intercultural”

Que sabe fazer a criança? Antes de mais, a criança sabe aprender e desenvolver o seu imaginário perante a materialidade da vida. Saberá ser criança. Isto se os adultos a deixarem ser, se não a forçarem a subir a escada da vida de uma só vez, obrigando-a a ser adulta desde que começa a poder fisicamente colaborar nos trabalhos domésticos. É na rua e no quintal, com os amigos, que muitas crianças são criança. Aí é ela própria. Na sala de aulas, prestando prova à atenção dos adultos, e tantas vezes submetida à pedagogia do silêncio, não passa de um boneco de cartão (cf. Vieira, 1992). Fora do espaço e lógica escolares, as crianças são rainhas e reis do seu tempo e do seu espaço, ambas aproveitadas de forma organizada pelo jogo, actividade que cimenta a sociedade infantil, já que “pelo jogo a criança conquista, pela primeira vez, a autonomia, a personalidade e até os esquemas práticos de que a actividade adulta terá necessidade” (Chateau, 1975: 29). O tempo da infância acaba por ser um espaço onde se forjam saberes, um espaço cheio de significados e construções sociais. Através do contacto com a areia, com a água, com a natureza, com os brinquedos, com o jogo, etc. a criança vive situações privilegiadas de interacção e de desenvolvimento social. Trata-se de um desenvolvimento social e também de um desenvolvimento de aptidões: da atenção, da concentração, da impulsividade, da reflexividade e, ainda, como nos referem Iturra e Reis, “ O jogo desenvolve aptidões que passam por fora das categoria abrangentes e oficiais, e organizam um saber de vários degraus que começa na repetição do real e acaba na abstracção […] O jogo é, enfim, a estrutura onde se forma e se constrói o saber local”. ( Iturra e Reis, 1990: 30 e 31).

Como diz Manuel Sarmento, “a questão fundamental no estudo das culturas da infância é a interpretação da sua autonomia, relativamente aos adultos. Com efeito, há muito que se vem estabelecendo a ideia de que as crianças realizam processos de significação e estabelecem modos de monitorização da acção que são específicos e genuínos. O

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«mundo da fantasia» das crianças constitui, na expressão vulgar dos adultos, o reconhecimento, no senso comum, dos modos de construção de significado pelas crianças. […] Não obstante, a autonomia cultural das crianças, continua a ser um tema envolto em alguma controvérsia (cf. Iturra, 1997; Sarmento e Pinto, 1997; FrazãoMoreira, 2000). O debate não se centra no facto, de as crianças produzirem significações autónomas, mas em saber se essas significações se estruturam e consolidam em sistemas simbólicos relativamente padronizados, ainda que dinâmicos e heterogéneos, isto é, em culturas.” (Sarmento, 2004: 21).

Relativamente aos traços distintivos da cultura de infância, analisar-se-á, ainda, nesta primeira parte da aula, a proposta de Sarmento a propósito do que ele chama a gramática das culturas da infância e que, em sua opinião se exprimem nas seguintes dimensões: semântica (o «era uma vez» de uma criança que serve para construir significados autónomos); sintaxe ( a articulação na ordem do discurso do real e do imaginário; do ser e do não ser) e morfologia ( os jogos, os brinquedos, os rituais, os gestos e as palavras). A propósito desta metáfora tomada de empréstimo da linguística para estudar as culturas da infância, Sarmento salienta, contudo, que “falei de gramática, mas importa destacar que as culturas da infância não se reduzem a elementos linguísticos, antes integram elementos materiais, ritos, artefactos, disposições cerimoniais e também normas e valores” (Sarmento, 2004:23).

A Escola de Cultura e Personalidade, o culturalismo, autores como Ruth Benedict, Margaret Mead, Ralph Linton, Kardiner, etc., interessaram-se também pela relação etnopsicológica entre a cultura e o pensamento. Contudo, tratava-se de uma visão algo monolítica: a pessoa é o papel químico do grupo social que habita. Hoje, cada vez mais, as crianças vivem, convivem e habitam, objectiva e subjectivamente vários mundos desde a infância, o que resulta na construção idiossincrática de cada criança.

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Daí as Diferenças Cada criança constrói, reconstrói, a seu modo, no jogo, na aprendizagem, na interacção, uma nova dimensão: um terceiro45. Não se trata de copiar; de imitar, apenas. Há uma dimensão da autoaprendizagem; da autoformação. Não se trata da psicologia behaviorista, comportamentalista, do estímulo-resposta. Como diz Filipe Reis (1991), “entre os que os adultos dizem e o que as crianças aprendem, medeia a prática, especialmente numa sociedade cuja lógica é resultado de experimentar directamente no real. Só que a prática da criança é altamente simbólica e o mundo no qual vive é feito de representações elaboradas no desenvolvimento do seu entendimento. É isso que significa o jogo infantil como processo de aprendizagem. É a introdução do real dentro do mundo da criança que ainda o entende através dos seus próprios conceitos, o que faz do jogo um processo pedagógico.” (Reis, 1991: 27). De seguida discute-se a infância como um “Entre Lugar”46: a criança entre dois mundos; entre dois modos. Por um lado, temos a criança e o que é considerado pelos adultos ( desde a concepção até o desenvolvimento do entendimento, pelos 4, 5 anos de idade, como define Wilfred Bion em 1962; entre outros grupos, até ao começo da puberdade); por outro, ainda, temos o que é inventado pelas crianças. Relativamente aos adultos, estamos perante a norma axiológica, gnoseológica; no tocante às crianças, estamos perante um novo mundo construído por elas mesmo.

As trajectórias sociais, os vários mundos culturais que habitamos e a recuperação consciente ou inconsciente da infância Quando o avô brinca com os netos é um adulto, um idoso ou uma criança que brinca, que passou a ter tempo, de novo, para brincar. E como é que os outros, as crianças, vêem os que designamos de adulto e que às vezes brincam com elas? A este propósito, vale a pena lembrar o artigo de Teresa Vasconcelos (1996) que descreve a interacção feita com a Tina, uma menina negra de 4 anos, em contexto de

45

Ver a este propósito os conceitos de terceiro instruído de Michel Serres, de terceiro homem de Gellner e de terceira pessoa de Vieira (1999 a e b) (cf. bibliografia geral final) 46 cf. Marc Auge na sua obra “Os não lugares” (cf. Bibliografia Final do relatório).

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etnografia numa sala de educação pré-escolar, em que a miúda ordena à etnógrafa que vive a situação de jogo com ela, que se sentasse porque ainda não tinha comido: “ao ordenar senta-te!, a Tina convidou-me a tomar parte do seu jogo, mas deu uma mensagem clara de que era ela que estava a orientar a situação. Eu não podia limitar-me a «passar» … Não havia também forma, como etnógrafa, de deixar de me tornar vulnerável, de me esconder para não ser vista. […] A Tina continuava a controlar a situação quando questionou o facto de eu tentar sair sem comer as suas panquecas. Ao perguntar aonde pensas tu que vais? Ela estava implicitamente a falar das relações de poder no seu jogo. […] Devo confessar o meu embaraço quando a Tina referiu que estava pronta a sair da «sua casa» - do seu jogo, da sua «representação secreta» - sem ter comido as panquecas cuidadosamente preparadas por ela. Quando comemos uma refeição na casa de alguém, não partilhamos a sua intimidade? […]” (Vasconcelos, 1996: 26 e 27). Reflectir-se-á também sobre o papel da transgressão da criança na sua própria aprendizagem e na construção de capacidades de relativização e de inovação social. A transgressão em relação ao instituído é vista como uma forma de constatar e experienciar a diversidade cultural. Consoante a história de vida de cada indivíduo e os adultos que mediaram a arrumação de ideias, a diversidade pode ou não ser interiorizada duma forma relativizada, dando ou não origem a atitudes e práticas interculturais. “O acto de preverter ou de transgredir47 que é habitualmente considerado como processo transtornador, no sentido de desvirtuar, é contudo, se o considerarmos numa perspectiva factual, não valorativa e como apenas perturbador duma ordem, a possibilidade de entrar em contacto com o diferente. É no fundo uma eventual possibilidade de constatar o outro, o estrangeiro, o exótico, o diferente, a alteridade, as alternativas à monocromia, à ordem instituída, enfim à monocultura. Pode ser o experienciar duma racionalidade diferente, consciente e enriquecedor, porque ensaiado comparativamente com a ordem da socialização primária. O resultado da comparação com o diferente, quer quando se rompe com a rotina e se busca a alternativa que se experimenta, quer porque na caminhada da vida se observou e se viveu diferentes contextos de interacção humana, é a arrumação de pelo menos duas ideias: a da constatação da diversidade cultural - a factualidade da multiculturalidade, e a da potencialidade de integração dessas diferenças numa experiência de vida que se torna mais híbrida, mais diversificada e portanto mais enriquecida quer do ponto de 47

ITURRA (1992) fala de aprendizagem pela transgressão.

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vista dos saberes e da aprendizagem cognitiva, quer do ponto de vista das atitudes para com o próximo - o que designo de construção da interculturalidade”. (Vieira, 1996: 130131). É no jogo e na brincadeira que as crianças provam as suas habilidades para cimentar recursos de lazer, assim como criar os seus próprios modelos de relações sociais. É na transgressão (aquilo que as crianças fazem em vez de fazer aquilo que os adultos mandam) que a criança recria a sua autopedagogia. A transgressão é uma desobediência planificada à autoridade dos pais ou professores, é antes uma auto-afirmação e uma procura de entendimento do real não entendido.

7.2. Jogo, Brinquedo e Aprendizagem Que pode ensinar o jogo a uma criança? Muita coisa:

O cálculo; a questão do género; os papéis sociais; a arrumação, a estruturação, do espaço e das ideias; a ordem, ordens; o social em miniatura; o desempenho performance; a convicção; a persistência, etc. As crianças são inteligentes, curiosas, tagarelas, animadas (não precisam de ânimo), brincalhonas; têm bom humor, são inquietas, querem descobrir, são encantadas, fascinadas, cooperativas, solidárias e por isso é preciso descobrir e conhecer todo este conhecimento e capacidades, ao invés de considerar a criança um adulto em miniatura, desprovido de cultura. E o brinquedo? E o brinquedo tradicional? Que importância podem ter no desenvolvimento infantil? “É cada vez maior a importância que se atribui a brincar e ao brinquedo; por um lado, multiplicam-se os defensores dos direitos das crianças, com especial destaque para o direito ao brincar, fundamentando-o nos mais variados argumentos de origem interdisciplinar; por um lado, a generalização mundial do movimento das ludotecas, além de pôr em prática as novas concepções sobre o sentido fundamental do lúdico, desperta, com a sua problemática, uma nova área de investigação e de saber a que nenhum responsável pode ficar alheio”. (Amado, 1992: 393).

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João Amado tem dedicado grande parte da sua investigação à recolha, sistematização e análise dos brinquedos populares portugueses48. Considera que a produção do brinquedo pela própria criança é já em si uma brincadeira ou um jogo que pode ser considerado «uma introdução ao mundo»: “a esta luz, não há dúvida que se desfaz a aparente familiaridade de objectos simples e silenciosos como estes… para quem se dê ao trabalho de os estudar, na variedade das suas formas e usos, na riqueza de seus efeitos e na profundidade da sua história, eles transformam-se numa verdadeira «introdução ao mundo». Mas, antes disso, eles foram e continuam a ser «uma introdução ao mundo» para todas as crianças que os construíram, ao longo de séculos, e manusearam em mil jogos e brincadeiras. Uma «introdução ao mundo», sem terem sido nunca uma lição… mas uma descoberta! Sem terem sido uma simples imitação dos adultos…mas um reino de magia, de mistério e de liberdade sem limites” (Amado, 2002: 11).

O Jogo infantil contém uma primeira estrutura, a divisão sexual de actividades. Rapazes e raparigas separam-se frequentemente. Eles organizam-se por capacidades que só eles conhecem, para cada jogo específico. “As chefias estabelecem-se diferentemente, consoante as características exigidas por cada jogo. A liderança entre os rapazes é estabelecida pela força ou destreza física. Os jogos em que a demonstram com mais frequência são: o futebol, a corrida, o berlinde e o peão. Mas essa hierarquia de força, essa estratificação de poderes não é, contudo, estática. Há reajustamentos das chefias com a apresentação de uma simples habilidade, com o conhecimento apresentado sobre as regras de determinado jogo, etc. É suficiente por vezes um simples «passe de bola», a título de exemplo, para que o líder se veja destronado”.(Vieira, 1992: 107).

Vejamos, em particular, alguma pesquisa sobre o jogo e a aprendizagem. Jorge Crespo tem trabalhado os jogos tradicionais portugueses, as suas virtualidades na aprendizagem e no equilíbrio social das comunidades. “Na medida em que se assumiam como elementos de desenvolvimento da cultura comunitária, os jogos adquiriam uma importância destacada no o processo de socialização das crianças e dos jovens, dado 48

João Amado é doutorado em Ciências da Educação e professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Reparte os seus interesses investigativos entre a problemática da relação pedagógica e da formação de professores e a etnografia infantil.

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que facilitavam a apropriação de códigos culturais e instauravam as condições propícias à comunicação dos mais novos com os restantes membros da sociedade.” (Crespo, 1999: 93). Raul Iturra e Filipe Reis fizeram trabalho de campo em Vila Ruiva, uma aldeia de mil habitantes pertencente ao concelho de Nelas, onde a cultura é transmitida via oral. Hoje em dia, mais de quarenta jovens são profissionais da Psicologia, do Ensino, da Gestão, do Direito e do Design. Estes autores estudaram as crianças desta aldeia durante os seus (das crianças) tempos livres com o objectivo de mostrar que os jogos e as brincadeiras das crianças são um suplemento ou complemento ao saber/ aprendizagem que se faz na escola, na catequese e dentro do núcleo familiar. Por tempo livre entende-se, nesta aldeia, todo o tempo em que a criança não está na escola, não está no campo a ajudar os pais ou não está em casa a fazer alguma tarefa doméstica. Quando uma criança não está ocupada com nenhum destes trabalhos e anda na brincadeira os adultos dizem que anda na “móina”, ou seja, não anda a fazer nada que se considere produtivo. Mas, de acordo com os dois autores, as coisas não se passam bem assim uma vez que: "[...] o jogo é um texto onde se aprende a fabricar o código das relações sociais indispensáveis para a fabricação do quotidiano." (Iturra e Reis,1990: 24). É através dos jogos e das brincadeiras que as crianças aprendem a gerir parte da vida social, uma vez que é jogando/brincando que compreendem e reproduzem o mundo dos adultos. É, ainda, através dos jogos e brincadeiras que se estabelecem e se começam a compreender as relações sociais entre as crianças. Os petizes iniciam o seu entendimento sobre que tipo de relação se tem e com quem se tem, que tipo de direitos e deveres se tem e para com quem se tem, que tipo de dependências existem e o que se pode, ou não, esperar uns dos outros. Tudo isto não é mais do que uma criação/recriação do que os adultos lhes transmitem oralmente e através da escrita; Durante os jogos/brincadeiras cada criança retira o seu papel da sua observação quotidiana ao comportamento dos adultos com os quais convive, ou seja, as crianças brincam, por exemplo às casinhas onde existe uma mãe, um pai e filhos, entre outros, e ao representarem cada um desses personagens transmitem o que lhes foi dado a observar

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em casa e na vizinhança. É no grupo de brincadeira que se discutem a força, a autoridade e as possibilidades de relação de cada um. Isto mostra-nos que "jogar não é só realizar uma habilidade de forma concorrencial - correr, esconder-se, lançar o pião, saltar, etc. -, como também pensar e manipular as condições em que a concorrência acontece - decidir quem joga e quem não joga, quem faz batota e quem é justo, quem escolhe e quem é escolhido, quem ganha e quem perde." (idem:18); É no jogo que as crianças aprendem a ver o outro como recurso (cada um tem as suas capacidades/habilidades). Isto é, através das suas brincadeiras as crianças começam a conhecer-se umas às outras, a saber com quem interessa jogar ou não, e quem joga melhor este ou aquele jogo, daí o facto de poder haver uma manipulação do jogo. No jogo o petiz reflecte, através do seu comportamento, a pertença a determinado grupo social. O jogo é assim um facto social no qual é visível o entendimento que as crianças têm da sua época e do seu tempo, como afirmam Mélanie Klein em 1939, Wilfred Bion em 1970, Alice Miller em 1998 e outros estudosos da mente cultural, entre os quais Iturra (2000, 2003 e 2004). Associados aos brinquedos estão um conjunto de valores que os adultos tentam incutir nas crianças. - Bem económico: os brinquedos são avaliados economicamente, uma vez que é dito à criança o seu preço para que esta se aperceba que o dinheiro é um bem que tem de ser preservado e que é necessário para coisas muito mais importantes que os brinquedos. - Valor taxativo (raro e caro): ou seja, é dito às crianças que o brinquedo é um objecto raro e caro o que os leva a utilizá-lo como um tesouro muito pessoal pertencente ao património da casa. Através disto podemos ver que as crianças aderem às noções económicas explicadas pelos adultos. Daqui decorre, ainda, o facto de haverem dois tipos de brinquedos - os brinquedos para guardar/exibir e os brinquedos para jogar/brincar. -Desigualdade económica e social: uma vez que havendo desigual distribuição de riqueza na população é natural que haja também uma desigualdade na posse dos brinquedos, o que faz com que a criança tenha um entendimento dessas desigualdades.

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- Reciprocidade ou seja, os brinquedos que podem circular, com os quais se pode jogar, permitem que haja uma reciprocidade infantil já que podem circular entre as crianças (carros em miniatura, bonecas de plástico, etc.).

Segundo Erickson (1976), o jogo infanti1 é uma forma de aprendizagem "[…] é a forma infantil da capacidade humana para manejar a experiência criando situações-modelo e para dominar a realidade por meio da experimentação e do planejamento." (p.204) Para este autor, existem três fases no jogo da criança: 1- jogo autocósmico (o jogo da criança começa no seu próprio corpo); 2- microsfera (o mundo das coisas, dos brinquedos em que se pode tocar); 3- macrosfera (o prazer lúdico é compartilhado com os outros).

Erickson considera ainda: Terapia do jogo: o jogo tem uma tendência autocurativa, através dele as crianças conseguem recuperar a segurança e a tranquilidade Jogo e identidade: o jogo infantil não é diversão pura e simples é um objecto de construção de identidade.

.

Sociedades civilizadas: oposição entre educação infantil e realidade social.

Segundo Ângela Nunes (1999), brincadeiras infantis não são uma mera incorporação de regras e valores. Ao brincar a criança aprende a conhecer-se a si própria e o mundo que a rodeia, o brincar é pois, uma forma de se construir como pessoa, num processo gradual de ordenação, integração e identificação tanto em relação a si mesmo como em relação aos outros. A propósito da sua pesquisa sobre as crianças Xavante, Nunes diz que elas se expressam essencialmente através das brincadeiras, até mesmo no desempenho das tarefas domésticas produtivas. Considera o processo educativo Xavante: - livre de preconceitos, de tabus ou imposições - participação na realização das tarefas "(…) é uma das mais importantes maneiras de se ensinar e se aprender aquilo que é necessário saber no mundo Xavante." (Nunes, 1999:159) - tolerância: a autoridade dos adultos é exercida sem recurso a normas impositivas ou

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reprovadoras - interiorização, consciente ou por imitação, das regras necessárias à vivência em sociedade. A Transição A aula seguinte, aula n.º oito, dará conta não só da especificidade do ensino e aprendizagem na escola como, também, da descontinuidade tantas vezes existente entre a epistemologia da criança e os conteúdos e métodos da cultura escolar. O lar apresenta-se à criança como as portas de um primeiro saber. É através da observação do que os adultos fazem e da sua imitação que a criança inicia os seus saberes. Na escola a criança é introduzida nas técnicas de repetição do saber oficial do seu tempo como uma finalidade em si. O primeiro tipo de aprendizagem é feito através de relações emotivas entre pais e filhos, enquanto que no segundo caso a aprendizagem é do tipo concorrencial pela padronização do conhecimento do real. Entre o lar e a escola a criança não encontra uma explicação personalizada para a sua procura intelectual. Os pais não conseguem dar respostas aos filhos porque aprenderam um saber de uma outra conjuntura política e o professor porque se encontra perante um grupo heterogéneo de crianças de diversas origens e diversos entendimentos do real. Os conhecimentos do professor encontram-se então desfasados perante a diversidade cultural, cingindo as aulas ao silêncio e ao texto. Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 7 AIRES, Levy Ana (1999). “ Avós, Mães e Netos. «Genealogias» de Afectos e Sabores. A Aprendizagem do Gosto Alimentar na Infância” in Arquivos da Memória, Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa, Lisboa: Edições Colibri, nº 6/7, pp. 9-18. AMADO, João (2002). Universo dos Brinquedos Populares, Coimbra: Quarteto Editora. AMADO, João da Silva (1992). “Função Educativa dos Brinquedos Tradicionais Populares” in Revista Portuguesa de Pedagogia nº 3, pp. 393-433. ARIÈS, Philippe, (1981) [1973]. História Social da Criança e da Família, Rio de Janeiro: Zahar Editores.

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8.

Entre a Escola e o Lar: O Ensino e a Aprendizagem na Escola 1 aula e 1 seminário

Textos de Base VIEIRA, Ricardo (1992). “O saber escolar” in VIEIRA, Ricardo (1992). Entre a Escola e o Lar, Lisboa: Escher, (pp. 21-83). ITURRA, Raul (1990). “A passagem da mente cultural ao pensamento letrado: o processo do insucesso escolar” in ITURRA, Raul (1990). Fugirás à escola para trabalhar a terra: ensaios de antropologia social sobre o insucesso escolar, Lisboa: Escher, (pp. 119-130). ITURRA, Raul (1990). “Conceito de insucesso escolar” in ITURRA (1990). A construção social do insucesso escolar, Lisboa: Escher, (pp. 14-25). MCLAREN, Peter (1992).[1986]. Rituais na escola, Petrópolis: Ed. Vozes. REIS, FILIPE, (1995) "A Domesticação escolar do pensamento infantil: perspectivas teóricas para a análise das práticas escolares" in revista Educação, Sociedade & Culturas, n.º 3. BOURDIEU, Pierre (1998). [1982]. "A linguagem autorizada: as condições sociais da eficácia do discurso ritual" in BOURDIEU, Pierre (1998). [1982]. O que falar quer dizer, Oeiras: Difel, (pp.93-121).

Palavras-chave: Mente cultural; saber escolar; lógica da escola; currículo escolar; currículo oculto; avaliação; reprodução social; reprodução cultural A hipótese que subjaz ao título desta aula bem como os objectivos da mesma poderão ser desenvolvidos segundo várias vias e com apoio bibliográfico vário. Há imensa bibliografia sobre estas questões, desde as Ciências da Educação à Sociologia da Educação, mas, considerando que não se apresenta aqui o texto da aula em si, mas, antes, itens vários para desenvolver a matéria, privilegia-se agora o trabalho de antropólogos sobre a escola e sobre a descontinuidade entre os saberes locais e globais. São sempre excepções, porque excepcionais nesta matéria, alguns trabalhos clássicos de sociologia da educação que muito se prendem com a perspectiva antropológica. É o caso dos trabalhos de Pierre Bourdieu, essencialmente sobre a reprodução, de Basil Bernstein sobre os códigos restritos e elaborados, de Peter Maclaren sobre os rituais na escola e de Bernard

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Lahire a propósito da oralidade e da escrita e do Homem Plural (cf. bibliografia base, referências bibliográficas e/ou bibliografia geral. A aula e o respectivo seminário de discussão serão estruturados em volta de três pontos: A hegemonia das práticas escolares; a avaliação escolar e a reprodução social; a descontinuidade e as estratégias de sobrevivência.

8.1. A Hegemonia das Práticas Escolares Nas sociedades contemporâneas coexistem formas sociais orais e letradas. Nesta aula começa-se por fazer uma revisão do modelo dicotómico oralidade / escrito [concreto/abstracto] [primitivo/civilizado] e das diferenças cognitivas ou racionais de cada um destes. A questão é, sobretudo, de ordem das relações de poder e autoridade entre escrita/oralidade, entre modelos hegemónicos de organização, gestão e reprodução das sociedades. Debatem-se modelos tipo: "a escrita é um bem, dá consciência, autonomiza" ou "a oralidade (saber local) deve ser valorizada, integrada na escola" E nas "sociedades da imagem / media/ net" e a descentração dos centros/ periferias nos processos

de

globalização

[folclorismos,

orientalismos,

multiculturalidade

interculturalidade, etc....] como encarar a relação oral/escrito? Disto trataremos um pouco mais em profundidade na aula n.º 9. •

A escolarização parece tornar-se um fenómeno à escala global… Então como deverá ser a escola?

Michel de Montaigne (1533-1592) nos seus ensaios sobre educação reclamava a individualização do ensino (embora confunda com ensino individual): "Aqueles que, segundo o costume, se propõem com o mesmo método e semelhante disciplina dirigir vários espíritos de tão diversos tipos e capacidades, não é maravilha que, numa multidão de crianças, dificilmente encontrem duas ou três que tirem do ensino o fruto que deviam" (p. 42-43). “É indício de azia e indigestão vomitar os alimentos tal qual se engoliram. O estômago não fez o trabalho se não tiver mudado o aspecto e a forma daquilo que se lhe deu para digerir” (idem: 43)”

139

Trata-se de um bom tópico de reflexão para as questões do insucesso escolar e da massificação da escolaridade; bem como para o propósito de universalização do modelo escolar;

O processo de ensino-aprendizagem na escola, com as suas "meta-linguagens", impõe-se hegemonicamente não só aos alunos de culturas com pouca proximidade com a escrita e a leitura, e também às suas famílias, construindo não só o insucesso e uma avaliação pela negativa, como também uma consciência de não ser capaz. Para subir os patamares da escada do saber escolar, a criança fica assim no dilema de se transformar em "pouco escolarizado", "com poucas habilitações literárias", ou "reprovado", a via mais fácil para a sobrevivência do seu próprio eu e por vezes do seu próprio grupo doméstico - fugir da escola para trabalhar a terra49 - ou então, em se deixar e conseguir (obviamente) construir como oblato, o que implica a perda da sua memória e a adulteração da sua mente cultural: “Alternativamente, a estrutura de significações da escola é explicada aos pais e imposta - e não integrada - à forma e ao conteúdo do seu mundo. Introduz-se progressivamente um hiato entre a criança como membro de uma família e de uma comunidade, e a criança como membro da escola. De qualquer das formas espera-se que a criança, e os pais também, abandonem a sua identidade social, o seu modo de vida e as suas representações simbólicas à porta da escola. Porque, por definição, a sua cultura é carenciada e os pais são inadequados tanto na ordem moral como nas inaptidões que transmitem”. (Bernstein, 1982: 22) Como muito bem refere Bernard Lahire, “a escola visa antes de tudo – antes mesmo da correcção da expressão – a uma relação com a linguagem. Uma relação reflexiva, distanciada, que permite tratar a linguagem como um objecto, dissecá-la, analisá-la, manipulá-la em todos os possíveis sentidos e descobrir aí regras de estruturação interna. Objectivar a linguagem é fazê-la passar por uma transformação ontológica radical. A criança estava na sua linguagem, doravante a criança tem a linguagem diante de si e a observa, divide, sublinha, classifica, põe em categorias”. (Lahire, 2002: 104) “A relação reflexiva com a linguagem, que a escola ao mesmo tempo constrói e solicita, é progressivamente elabora através de exercícios, de questões, de situações, de correcções, contribuindo todas elas para chamar a atenção da criança para as propriedades específicas do sistema de signos linguísticos. É a socialização prolongada 49

Metáfora pedida de empréstimo à obra de Raul Iturra, 1990a.

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num tal universo social que permite que os actores adquiram uma série de hábitos reflexivos em matéria de práticas linguageiras. Nem todos os alunos estão destinados a se tornar gramáticos, linguistas ou filólogos profissionais, […]. Mais tarde manejarão a escrita que reclama sempre um mínimo de consciência metalinguística, quer se trate de redigir (ordem textual), de fazer uma frase (ordem gramatical) ou simplesmente de praticar ortografia (ordem lexical e ortográfica)”. (idem: 112)

“Desde que a escrita só é percebida na sua função mnemotécnica, ela é pensada como uma espécie de paliativo para uma memória suficiente. As práticas de escrita podem, pois, ser percebidas negativamente por aqueles que respondem orgulhosamente que «não têm necessidade disso no momento», como se a questão fosse um par de óculos para compensar a pouca visão ou uma bengala para ajudar a andar. Utilizar a escrita marcaria, portanto, a existência de uma deficiência, de uma dificuldade “. (idem: 119) Tanto a educação escolar como a educação doméstica, correspondem a construções sociais do petiz, que não obedecem necessariamente a determinismos e a parâmetros universais, mas antes, são pautadas pelas condições e ambições dum determinado contexto específico. E "não pode existir uma teoria pedagógica, que implica em fins e meios da acção educativa, que esteja isenta de um conceito de homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma educação neutra" (Freire, 1974b: 7).

8.2. A Avaliação Escolar e a Reprodução Social O seminário correspondente a este tópico do programa será iniciado com a discussão de dois trechos de investigadores que dedicaram as suas vidas a estudar a reprodução social: um de Pierre Bourdieu; outro de Raul Iturra.

Texto 1 “O sistema de ensino reproduz tanto mais perfeitamente as estruturas de distribuição do capital cultural entre as classes (e entre fracções de uma classe) quanto mais a cultura que transmite estiver próxima da cultura dominante, e quanto menos afastado do modo de inculcação familiar estiver o seu próprio modo de inculcação. Por operar no quadro de uma relação de comunicação, e através dela, a acção pedagógica que pretende inculcar a cultura dominante pode, de facto, escapar (mesmo que só em parte) às leis gerais da transmissão cultural, de acordo com as quais a apropriação da cultura proposta ( e consequentemente o sucesso da aprendizagem, que é sancionado pelo diploma académico) depende da posse prévia dos instrumentos de apropriação; mas só

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poderá consegui-lo na medida em que, explícita e deliberadamente, forneça em meio do próprio processo de comunicação os instrumentos indispensáveis ao êxito da comunicação, os quais, numa sociedade dividida em classes, estão distribuídos de forma muito desigual pelos filhos […]” (Bourdieu, 1982: 333). Texto 2 “Portugal parece constituir um laboratório sui generis para a investigação acerca dos processos de ensino/aprendizagem. Desde logo, esta especificidade é atestada se considerarmos o facto de, em termos comparativos, o país se destacar por ter sido dos primeiros na Europa a criar legislação sobre a obrigatoriedade da escolarização (1835) e dos últimos, senão mesmo o último, a atingir taxas de frequência escolar acima dos 90% no primeiro ciclo de escolaridade básica (anos 80). Portugal apresenta igualmente elevadas taxas de analfabetismo (10,2% em 1997) e, de acordo com estudos recentes nacionais (Benavente, 1996) e internacionais (OCDE, 2000), elevados níveis de literacia. Isto leva a concluir que largas camadas da população têm mantido com a escola e os saberes escolares relações marcadas por estratégias de resistência ou de mera credencialização. Apesar de tudo isto, o país tem-se modernizado de forma tão vertiginosa quanto contraditória nas últimas duas décadas” (Iturra, 2004)50. A disciplina de Antropologia da Educação deverá alertar e sensibilizar professores, agentes educativos, políticos e sociedade civil para a necessidade de construção de pedagogias devidamente contextualizadas, capazes de permitir o sucesso escolar para todos. A questão do desencontro entre a vida na escola e a escola da vida não é só motivacional, é também cognitiva. É facto que Bernstein refere que não há nada num dialecto enquanto tal que não permita que a criança interiorize e aprenda o uso dos significados universalistas. Diz-se que a criança não está é à vontade no mundo educativo: "Se a professora tem de dizer continuadamente, «repete lá isso, minha querida; não compreendi», a criança pode acabar por não dizer nada" (Bernstein, 1982: 29). Mas o problema da hecatombe de algumas crianças no processo educativo escolar, não é só da motivação que está ausente quando presentes num contexto estranho. Está também na uniformidade do próprio contexto escolar - monolítico e monocultural.

O objectivo da educação escolar estatal é, segundo Raul Iturra, o de igualar: “Como igualar? Educando. Pelo menos um mínimo: as regras dos signos, a sequência do 50

Programa de Mestrado em Antropologia da Educação, Protocolo ISCTE / UTAD.

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discurso escrito, os elementos primários do cálculo, a verdade oficial que dá louvor aos indivíduos desta nação sobre os das outras nações. A escola vem mostrar uma verdade que é evidente porque está escrita e leva a licença do Estado e as ideias dos seus gestores – em conjunto, um novo rei […] No entanto, o saber da escola acaba por não integrar tudo o que é preciso para reproduzir a vida em matéria do saber. E como a educação não é matéria sobre a qual se possa pronunciar facilmente o povo que a consome, acaba por não se saber para que é que serve o estudo e por se pensar que a dificuldade em avançar que demonstram as crianças, provem da sua culpa individual, a sua incapacidade. Um outro efeito, ainda, é o de silenciar o discurso quotidiano e conjuntural das pessoas que, em sabendo que há um saber bom que não se conhece e outro mau que se tem, acabam por calar enquanto alguém letrado não fale em sua representação”. (Iturra, 1990a: 23).

É portanto a escola que deverá mudar. É verdade que Ana Maria Domingues, et alii, na obra que organizaram sobre a teoria de Bernstein, dizem que "as crianças da classe trabalhadora mais baixa estão em crucial desvantagem, o que não significa que crianças, famílias e comunidades devam ser vistas como sistemas deficitários patológicos e as suas formas de consciência como patológicas ou, no melhor dos casos irrelevantes" (1986: 8). Mas há que ir um pouco mais longe com a mudança da escola e a formação de professores, para que se construam pontes com os diversos contextos de aprendizagem que não podem ser reduzidos e classificados apenas de produtores de códigos linguísticos restritos. Eles são também muito heterogéneos e multiculturais, logo, não passíveis de se reduzirem a uma única sintaxe e categoria de pensamento oposta à da cultura dominante veiculada pela escola. A escola tem assim que enveredar por um processo educativo intercultural, e Bernstein não me parece tirar esta conclusão, muito embora, nos seus trabalhos mais recentes, já não defenda a relação directa que tinha estabelecido entre a classe social "de quem fala e os códigos que emprega" (Stubbs, 1987: 70). Os professores não estão treinados para entender a mente cultural quer de alguns alunos quer de alguns pais. Daí a importância da Antropologia da Educação na formação de

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professores como tenho defendido em vários textos51. O currículo operacional deverá ser sempre, possivelmente, e ainda que paradoxalmente, um currículo oculto52, não o prescrito e desejável, único para todos. Romper com o currículo formal e oficial, proposto à priori, não pode ser, de modo algum, usando um outro, aquele que deriva das práticas e da memória da escola vivida pelo professor enquanto aluno, que é autista e monocultural, que nada tem de construção e reajustamento à realidade educativa, mas, pelo contrário, com a reprodução do que o docente entende ser importante: o saber que o enformou, formou e ensinou a pensar. O currículo escolar pretende socializar o individuo (ou ressocializar?) com conteúdos e metodologias que em nada lhe são familiares, que dificilmente consegue imaginar, e que, naqueles em que produz resultados escolares de sucesso, lhes apaga a memória de origem, a mente cultural (Iturra, passim) e lhes aponta o caminho da abstracção e da descontextualização e a separação entre estudar e trabalhar: “o sucesso individual nos estudos representa para o jovem o distanciamento progressivo da sua realidade de origem – a comunidade rural – e a sua integração gradual num mundo diferente, o mundo urbano, onde trabalho intelectual e manual não se misturam” (Freire, 1983: 86). Os alunos em que o processo educativo não produz os resultados idealizados pelo currículo estatal voltam ao trabalho da terra53, à sua comunidade de origem, à procura do sucesso social num saber local onde a aprendizagem não necessite de ensino especialmente descontextualizado dos seus hábitos incorporados. Mais que reformas curriculares, pensamos que a mudança passa essencialmente pelo papel do professor na mediação entre os saberes e culturas várias dos alunos que tem pela frente com o conhecimento científico que a escola pretende ensinar.

8.3. A Descontinuidade e as Estratégias de Sobrevivência •

Parece existir uma descontinuidade entre a aprendizagem quotidiana (oral - feita na acção) e a escolar (oralidade escritural e escrita - através do texto e das suas regras) [Iturra, Reis, Frazão, Vieira, Stoer e Araújo, Benavente et all, já haviam documentado

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Ver essencialmente Vieira, 1992 e 1999a. Currículo oculto que designamos de currículo recontextualizado (Vieira, 1992: 80). 53 Veja-se a pertinência do título de Raul Iturra (1990ª): Fugirás à escola para trabalhar a terra. 52

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essa descontinuidade que cruza outras formas: rural/urbano, minorias étnicas e classes sociais baixas, maiorias e classe média/alta].

A propósito de descontinuidades entre os mundos culturais da escola e os mundos culturais dos lares donde provêm os alunos, procuro também, nesta aula, alertar para o trabalho de Pedro D’Orey da Cunha sobre a vida quotidiana de famílias portuguesas na América, contada através de pequenas histórias singulares mas representativas de camadas sociais mais amplas e que dá pelo título, justamente, de Entre dois mundos. São muitas as histórias que ele utiliza e muitas delas mostram o sentir de jovens entre a escola e o lar. Apesar de se tratar do contexto americano, serve, todavia, para relativizar e entender o fenómeno da passagem entre mundos culturais que tantas vezes ocorre com a escolarização de muitas crianças. Deixo um extracto ilustrativo para debate: “Entre dois mundos. Entre o mundo agrícola, isolado, ao ar livre, e o mundo industrializado, cosmopolita e poluído; entre o mundo onde todos se respeitam e conhecem e o mundo dos arranha-céus e das violências raciais; entre o mundo do futebol na rua, da espera dos barcos e das histórias à lareira, e o mundo do Rock’n Roll, da televisão e dos supermercados. Entre, muitas vezes, o mundo do trabalho à jorna, da casa de pedra sem chaminé e da bilha de barro, e o mundo social security, do apartamento aquecido e do frigorífico. A gente nova adapta-se depressa, dizem os que se ofuscam com as roupagens do novo mundo que, depois de um mês, observam nos filhos. Adaptam-se depressa sim, mas à custa de muita vergonha, de muita confusão e de muitos valores perdido “. (Cunha, 1997: 16). Na aula número 12, discutir-se-á mais em pormenor as transformações que ocorrem na identidade dos alunos quer vivem processos de aculturação semelhantes a esses. Também o sucesso escolar obriga a ceder à lógica da cultura letrada, a da escrita, da uniformidade, da formalidade e da globalidade versus particularidade e cultura do quotidiano. Com efeito, os programas são dispositivos retóricos que definem o que deve e pode ser ensinado e como se deve ensinar; são também um corpo normativo de procedimentos ou seja de Práticas Escolares - ("temos de cumprir o programa") que levam a transformações das identidades pessoais e a metamorfoses profundas para muitos.

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Por fim, serão dados alguns exemplos da investigação de McLaren (1992) a propósito dos rituais na escola, obra publicada pela primeira vez em 1986, e que sintetiza a sua tese de doutoramento que resulta de uma investigação desenvolvida numa escola católica em Toronto, frequentada maioritariamente, por alunos filhos de emigrantes portugueses Açorianos. A preocupação do autor é desafiar o princípio de que as escolas se constituem como o principal mecanismo para o desenvolvimento de uma ordem social democrática e igualitária. Reflectir-se-á sobre o que McLaren designa de rituais de instrução: microritual, macro- ritual, rituais de revitalização, rituais de intensificação e rituais de resistência. (cf. Cap. 3).

Referências Bibliográficas e Bibliografia de Complementar da Aula 8 BERNSTEIN, Basil (1982). [1970]. "A educação não pode compensar a sociedade", in GRÁCIO, S. e STOER, S., Sociologia da Educação II - A Construção Social das Práticas Educativas, Lisboa: Livros Horizonte, pp. 19-31. BOUMARD, Patrick (2002). “Pierre Bourdieu et l’ethnographie” in Revista Europeia de Etnografia da Educação nº 2, pp. 91-103. BOURDIEU, P. (1982). [1971]. "A reprodução cultural e a reprodução social, in GRÁCIO, S. e STOER, S., Sociologia da Educação I – Funções da Escola e Reprodução Social, Lisboa: Livros Horizonte, pp. 327-368. DIÁLOGOS SOBRE O VIVIDO (1995). “O Que Se Aprende Na Escola: Culturas e Conteúdos de Saberes” in Educação, Sociedade e Culturas, nº 4, Porto: Edições Afrontamento, pp. 149-180. DOMINGOS, A. M., et alii (1986). A Teoria de Bernstein em Sociologia da Educação, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. FREIRE, Paulo et all (1983). Vivendo e Aprendendo, experiências do IDAC em Educação Popular, S. Paulo: Ed. Brasiliense. ITURRA, Raul (1990a). Fugirás à escola para trabalhar a terra: ensaios de antropologia social sobre o insucesso escolar, Lisboa: Escher. ITURRA, Raul (1990b). A construção social do insucesso escolar, Lisboa: Escher. MCLAREN, Peter (1992). [1986]. Rituais na escola, Petrópolis: Ed. Vozes. MONTAIGNE (1993) (1533-1592). Três ensaios: Do professorado; Da educação das crianças; Da arte de discutir, Lisboa: Veja. STUBBS, Michael (1987). [1983]. Linguagem, Escolas e Aulas, Lisboa: Livros Horizonte. VIEIRA, Ricardo (1992). Entre a Escola e o Lar, Lisboa: Escher. 146

VIEIRA, R. (1999a). Histórias de Vida e Identidades: Professores e Interculturalidade, Porto: Afrontamento. ZABALZA, Miguel A. (1999). “Diversidade e Curriculum Escolar: Qué Condicións Institucionais para dar Resposta á Diversidade da Escola” in Escola e Diversidade Currículo, Lisboa: Ministério da Educação, pp. 93-119.

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9. A Mundialização da Cultura 1 aula teórica e 1 seminário

Textos de base MILLER, Daniel (1995). "Introduction: anthropology, modernity & consumption" in Worlds Apart - Modernity through the prism of the local, London: Routledge (pp.1-22) GELLNER, Ernest (1993). [1983]. Nações e Nacionalismo, Gradiva, Lisboa (pp.11-84). CANDAU, Vera Maria (2002). “Nas teias da globalização: cultura e educação” in CANDAU, Vera Maria (2002). Sociedade, Educação e Cultura(s). Questões e Propostas, Petrópolis: Ed. Vozes, pp(13-29). HOGGART, Richard (1973) [1957]. As Utilizações da Cultura, I, Lisboa: Editorial Presença, (pp. 33-123). PINTO, Manuel (2002). “A televisão e a escola” in PINTO, Manuel (2002). Televisão, Família e Escola, Lisboa: Ed. Presença, pp. (46-80). PINTO, Manuel (2002). “Família, televisão e educação” in PINTO, Manuel (2002). Televisão, Família e Escola, Lisboa: Ed. Presença, pp. (11-31). SEIXAS, Maria José Metello (1997). “Mesmo nos concursos a gente aprende coisas – televisão e escola – um conflito de universos e discursos” in Revista Educação, Sociedade & Culturas, nº8, Afrontamento, Porto, (pp.21-43). WARNIER, Jean-Pierre (2000). [1999]. “rte Zen Contra Titanic” in WARNIER, JeanPierre (2000). [1999]. A Mundialização da Cultura, Lisboa: Ed. Notícias, pp (9-21). GIDDENS Anthony (1994). [1991]. Modernidade e Identidade Pessoal, Lisboa: Celta (pp.9-31).

Palavras-chave: tradição, modernidade, local, global, educação e media, homo communicans, Homo Videns, Homo Zappiens. 9.1. Tradição e Modernidade Inicia-se este primeiro ponto da aula n.º 9 com uma discussão sobre as representações que há sobre a antropologia como ciência de particularismos. A Antropologia tem sido concebida (senso comum e não só) como uma ciência que confronta presente e passado, aqui e ali, nós e os outros (primitivos e civilizados; urbanos e rurais, maiorias e minorias,

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etc...) - um discurso de ruptura que se constrói num jogo de contrastes e semelhanças. A abordagem da variedade cultural - o(s) modo(s), social e culturalmente definidos, como o Homem age e pensa - tem sido o mote dominante no discurso antropológico. Hoje a modernidade e a Tradição (e paralelamente, a coexistência de relações entre as manifestações locais e globais da(s) cultura(s) são refrões ou bordões particulares nessa tal dimensão de ruptura da disciplina. No domínio da análise dos processos educativos é significativo também ponderar o modo como as práticas de ensino / aprendizagem devem ser (re)pensadas à luz desse confronto entre tradição / moderno e local / global; complementarmente estamos a (re)pensar a definição de cultura e a própria prática e produção de conhecimento antropológico.

Apresenta-se, como ponto de partida, e de seguida, a obra de Richard Hoggart (fundador com Raymond Williams da linha inglesa de abordagem socio-antropológica designada por "cultural studies", ele próprio um proletário letrado). Tese central da obra As Utilizações da Cultura: debate entre processos de aprendizagem formais e informais em grupos proletários ingleses, sobretudo centrado na análise dos efeitos dos meios de comunicação de massas sobre estas classes (cinema e imprensa) – i.e., na sua não influência, já que estes grupos se exprimem e inspiram numa tradição oral e local. Usam-se, essencialmente, 2 capítulos: Cap.II "A paisagem e suas figuras - um cenário" e Cap. III "Nós e Eles". Tradição oral: resistência e adaptação Uma primeira reflexão permite ver que os novos meios de comunicação de massas não têm conseguido afectar grandemente a cultura proletária (que vê os seus membros viverem intuitivamente, verbalmente, de acordo com antigos hábitos, inspirados no mito, no ritual e no aforismo).

9. 2. Dialéctica do Local/Global Este segundo ponto da aula e seminário, dedicados a pensar a mundialização da cultura, será, evidentemente, muito articulado com o anterior e posteriores. De resto, só em termos de leccionação é possível separar estas questões, mas nunca em compartimentos estanques.

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A proposta é de iniciar esta problemática com uma citação de Warnier a propósito do que designa de moderno caleidoscópio: “Dançamos o tango argentino em Paris, o bikutsi camaronês em Dakar, a salsa cubana em Los Angeles. O MacDonalds serve os seus hambúrgueres em Pequim, e Cantão apresenta a sua cozinha no Soho. A arte Zen do tiro ao arco entusiasma a alma germânica. A baguette parisiense conquistou a África Ocidental. Em Bombaim podemos ver o Papa através da mundovisão. Os filipinos choram a princesa de Gales, enquanto vêem, em directo, as suas exéquias. A expressão «mundialização da cultura» designa esta circulação de produtos à escala global. E ela suscita as reacções mais contrastadas. Uns descodificam as promessas de um planeta democrático unificado por uma cultura universal – um planeta reduzido pelos media às dimensões de uma «aldeia global», como disse Marshall McLuhan. Outros vêem a causa de uma inelutável perda de identidade que eles deploram. Outros, ainda, militam para fazer afirmar os seus particularismos até ao ponto de fazer uso da violência.” (Warnier, 2000: 7). Para Anthony Giddens, a modernidade impõe separação do tempo e do espaço; mecanismos de descontextualização e reflexividade institucional: há uma escolha múltipla como elemento de ruptura entre modelos tradicionais e modelos modernos de delimitação das trajectórias do self; na modernidade os indivíduos seguem estilos de vida (conjunto mais ou menos integrado de práticas que podem adoptar, não só porque satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto identidade); um estilo de vida é "adoptado" e escolhido numa pluralidade de opções (não é "transmitido") e é situacional; e é através do traçar de planos de vida que os indivíduos organizam o tempo / espaço reflexivamente; por outro lado, a ruptura ou multiplicidade de acesso à informação / saber permite reformular a relação entre contexto local / globalização; finalmente, a modernidade e a tradição estão ligadas aos processos de transformação / desenvolvimento dos meios de comunicação / modos de conhecer (media). A modernidade recobre o Industrialismo, o capitalismo, instituições de vigilância e de controlo dos meios de violência - formas sociais do tipo Estado-Nação (cf. Gellner, 1993) e ascensão de (sistemas de) organização; e alteração no ritmo, âmbito ou profundidade das mudanças sociais que afectam as práticas e os modos de comportamento preexistentes.

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Para Daniel Miller (1995), uma das vertentes da ruptura está na dimensão do consumo – que os economistas (e não só) definem no quadro da discussão sobre o papel dos bens e dos serviços assumindo o consumidor como um sujeito que escolhe / opta – e que pode ser evocada como algo mais abstracto num debate potencialmente filosófico; consumidor é oposto a ideal estético ou produtor criativo; ser consumidor é ter consciência que vivemos através / com objectos e imagens que não são criação.

Há então uma dupla questão: 1) pensamos a diversidade cultural à priori – homogeneizada através da universa1ização do consumo de massas; ou 2) diversidade cultural à posteriori – criada pelo consumo diferencial do que foi concebido como / pelas instituições homogeneizantes e globalizadoras (exemplos: as diferentes formas de modernidade, de burocracia, de mundo mediático e de capitalismo; os fenómenos gerados pelo pensamento homogeneizador da religião com o florescimento de respostas regionais aos clamores universalistas religiosos ou os "novos cultos") ou pelo que foi construído por grupos sociais que não edificaram a sua auto identidade dentro de um único sistema de valores irremediavelmente contextualizado históricoespacialmente.

Conforme a interacção promovida na aula e no seminário, e de acordo com a manifestação de interesses dos alunos, poderá aqui ser convocada a questão do (re)nascimento das tribos, uma vez que se revelam dois caminhos antagónicos na sociedade. Um deles é a crescente individualização das relações sociais e humanas e, por outro lado, a retribalização ou, se se preferir, o regresso às tribos. Marc Augé diz que “nunca a história colectiva interferiu tão explicitamente nas histórias individuais, mas as referências de identificação colectiva também nunca foram tão flutuantes” (1994: 45). Esta frase marca a ponte entre os dois fenómenos de que falamos: a exclusão de um lado, e a «tribalização» do outro. Os dois fenómenos, à primeira vista são antagónicos, mas ocorrem ao mesmo tempo.

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Sente-se uma desintegração das massas e uma consequente fragmentação do público. Michel Maffesoli (2000), na obra O Tempo das Tribos, defende que a existência social faz-se através de grupos tribais fragmentados, que se reproduzem, e que rapidamente são alvos de estereótipos. Porque os elementos dessas tribos exteriorizam os seus próprios sinais identitários, como o modo de vestir, de falar, a música que ouvem, o regime alimentar, os desportos que praticam, os modos de ocupar o tempo livre, a orientação política, a linguagem gestual, etc. O reaparecimento das tribos é sinal da crescente liberdade individual, do espaço que cada indivíduo tem, do enfraquecimento das fronteiras entre nações, da massificação dos meios de comunicação social, e como estes «publicitam» novas identidades.

Para Roberto da Matta (1996), a problemática da globalização deverá passar por uma reflexão a partir de oito perspectivas: “1 – visão planetária com categoria sociológica; 2 – ancoragem em estados nacionais como a ONU, a UNESCO, o FMI; 3 – Ideologia elitista, académica ou jornalística, sintonizada como o «mais moderno», ou «mais novo» e o «melhor»; 4 – universalismo e individualismo como credos; 5 – divisão entre centro e periferia; 6 – Linguagem burocrática, legalística e abstractas como dominante; 7 – Temporalidade irreversível, cumulativa ou histórica, direccionada para o futuro e para o «progresso»; 8 – Coerção de ordem natural e histórica porque o mundo tende para esse estado globalizado e multifacetado” (Da Matta, 1996: 1). Reflectindo sobre as tensões entre o global e o local, Boaventura Sousa Santos refere não existir uma «globalização genuína» já que o elemento tornado global tem uma origem local que se impõe através da globalização, por isso, Santos (1997) enumera quatro formas de globalização: o localismo globalizado (fenómeno local mundializado com sucesso); o globalismo localizado (processo que surge de cima para baixo); o cosmopolitismo (organização transnacional em defesa de interesses comuns dos grupos excluídos que surge de baixo para cima); o “património comum da humanidade” (Emergência das problemáticas ligadas ao ecossistema e que interessa a todos os habitantes do planeta e que ilustra a globalização contra-hegemónica). “As manifestações de nacionalismos, fundamentalismos e xenofobismos que reaparecem com força, principalmente nas nações desenvolvidas pelo confronto com o acentuado contingente de emigrantes provenientes dos países periféricos, reafirmam a necessidade

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de se pensar o processo de globalização como movimento complexo e não dicotómico” (Candau, 2002: 18). Efectivamente, a “aldeia global” não é homogénea ainda que haja uma grande influência de indústrias culturais de massas. Contudo, mantêm-se fortes tensões entre o nacional e o local, entre o local e o estrangeiro. E, como diz Stuart Hall, no mundo contemporâneo coexiste, o velho e o novo, o local e o global, o moderno e o tradicional, o universal e o particular, produzindo uma heterogeneidade cultural ligada a sujeitos já não definidos por identidades unificadas e estáveis, mas por “identidades contraditórias”, “continuamente deslocadas”(cf. Hall, 2003). Para Stuart Hall, “a homogeneização cultural é o grito angustiado daqueles/as que estão convencidos/as de que a globalização ameaça solapar as identidades e a «unidade» das culturas nacionais. Entretanto, como visão do futuro das identidades num mundo pós moderno, este quadro, da forma como é colocado, é muito simplista, exagerado e unilateral” (Hall, 2003: 77). Por isso Jean- Pierre Warnier diz que falar de mundialização da cultura é um abuso de linguagem: “esta expressão, que além do mais é bem cómoda, devia ser banida de todo o discurso rigoroso. Este objecto dissolve-se na análise. Quando muito pode-se falar da globalização de certos mercados dito “culturais” (cinema, audiovisual, disco, imprensa, particularmente as revistas). Confundir as indústrias da cultura e a cultura é tomar a parte pelo todo. É privilegiar as aparências mediáticas dos países industrializados em detrimento daquilo que não é suficientemente espectacular para imergir nas zona de captação dos media e que constitui a substância das culturas do mundo. É colocar mentalmente fora do jogo as nove décimas da humanidade, cuja vida, da nascença à morte, tem outras referências que gravitam em volta do ecrã catódico. Aqueles que estão fechados no mundo das indústrias culturais não se apercebem nada do que é normal. Eles fazem prova de um etnocentrismo análogo ao de toda uma sociedade mais ou menos fechada e fortemente estruturada. Os dois debates (o da erosão das culturas singulares e o da americanização) não são mais do que um. A humanidade, hoje como antes, é uma máquina de fabricar diferenças, clivagens, distâncias, distinção de clãs, de linguagens, de domicílios, de classes, de países, de fracções políticas, de regiões, de ideologias, de religiões.” (Warnier, 2000: 105). A modernidade é inseparável dos seus "próprios" media - o texto impresso e o sinal electrónico - e daí decorre a mediação da experiência que estas formas de comunicação trouxeram consigo (por exemplo os livros produzidos à mão exigiam um público sequência); com a difusão da Imprensa e da palavra impressa as redes de leitores aumentaram; o jornal, o telégrafo, o telefone e comunicação por rádio ou pelo éter, bem

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como a TV e o sinal electrónico dos computadores transformaram os canais de comunicação, as pressões das diferenças espaço-tempo, permitiram o salto da descrição de eventos próximos e recentes e a narração desactualizada dos eventos passados e distantes para uma "coincidência" entre notícia e evento. Há dois traços fundamentais a destacar na experiência mediada em condições de modernidade: i. o efeito de colagem - uma vez que o evento se toma mais ou menos completamente dominante sobre a localização, a apresentação dos media toma a forma de justaposição de histórias e itens que nada têm em comum a não ser o facto de serem "oportunos" e consequentes. ii. a intromissão de acontecimentos distantes na consciência quotidiana - familiaridade gerada pela experiência mediada pode produzir sentimentos de "inversão da realidade": o objecto e o acontecimento reais, quando confrontados, parecem ter uma existência menos concreta do que a sua representação nos media; estes não espelham as realidades, formam-nas.

9.3. A Educação e os Media A propósito da relação escola, media e educação, começo a apresentação da problemática com um diálogo entre o Professor Tradicionalista e o Professor Comunicólogo e 54

Tecnólogo que escrevi . Professor Tradicionalista – Estamos perdidos, a televisão está a baralhar a cabeça dos nossos alunos. Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Não é bem assim, temos é que ensiná-los a ser selectivos. E isso pode-se fazer na escola. Professor Tradicionalista – Está bem, lá vens tu com as tuas modernices. Mas como seleccionar no meio de tanta violência? Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Bom, violência... Para já é difícil definir com rigor absoluto o conceito de violência na TV. Perguntei a um rapaz de 15 anos qual o

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Diálogo inspirado num outro escrito por Dan Speber (1992: 17) entre o crítico e o ortodoxo a discutirem a Antropologia como ciência.

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programa mais violento que ele conhecia e ele respondeu-me: o Big Show Sic. Ele acha o programa uma violência por ser um insulto à sua própria inteligência. Professor Tradicionalista – Está bem, mas, para outros, possivelmente para uns milhões de pessoas, o Big Show Sic é muito divertido e nem lhes passa pela cabeça que alguém lhe chame violento. Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Bem, ambos os pontos de vista têm o seu fundo de verdade... Também se pode afirmar que muitas peças de Shakespeare estão imbuídas de violência física e verbal. Mas isso é necessariamente tornar o teatro, e aquela peça em concreto, violentos? Professor Tradicionalista – Bem, lá vais tu outra vez por essa via. Mas queres comparar isso com a violência que alguns filmes transmitem? Os filmes de guerra, por exemplo, só transmitem violência. Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Há violência em todo o lado... Tu queres educar os teus alunos para uma sociedade que não existe? Os filmes de aventuras também têm violência, a violência está nas ruas, nas frases que tantas vezes tu próprio usas, nas relações sociais em geral... Professor Tradicionalista – Então e não te parece que, por isso mesmo, deveríamos desaconselhar os alunos os pais, os nossos filhos a não verem cenas violentas? Que televisão queres então usar na escola para a educação para a não-violência? Professor Comunicólogo e Tecnólogo – O assunto não pode ser visto em termos de causa-efeito. A transmissão da violência não é linear. A violência reveste-se de imensas formas e é muito difícil hoje qual ou quais os efeitos negativos sobre as crianças e as pessoas em geral. Professor Tradicionalista – Então, se não se conhecem os efeitos, o melhor mesmo é procurarmos que a escola apresente alguns cuidados a ter... talvez ensinar a saber criticar os programas televisivos?! Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Isso talvez... Por aí estou de acordo. Educar para o sentido crítico, saber ver, saber ler e pensar a televisão. Não passar a ser um homo videns passivo e acomodado no sofá. Por outro lado, repara que os palhaços do circo não

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seriam divertidos se não andassem à chapada. Também o cinema de animação não teria público se não tivesse alguma violência, mesmo o caso do Bambi... Professor Tradicionalista – Por isso te estou sempre a dizer que isso deve competir à família. A família é que deve educar. Nós temos que primar pela transmissão da cultura científica... Temos que ensiná-los a ler, não é a ver televisão. Temos que ensiná-los a pensar. O diálogo poderia continuar por aí fora. Deixemos, contudo, aqui, a última palavra ao tradicionalista, ao ortodoxo. O crítico, o professor Comunicólogo terá a palavra mais vezes à frente e, quiçá, na discussão que ocorrerá no seminário. De facto, há sempre vantagens e desvantagens que se podem encontrar, dependendo também da maneira como se vêem os programas. Como nos lembra Eduardo Cintra Torres, “a influência da televisão na vida das crianças e o tipo de conhecimentos e vivências que lhes transmite deveriam estar estudados de forma a permitir aos educadores e professores atender à relação dos mais novos com o ecrã. Para começar, deve conhecer-se quais os programas que os mais novos vêem.” (Torres, 1998: 145). “Em suma, as crianças não vêem exclusivamente programas infantis e vêem em primeiro lugar programas normalmente definidos como de adultos. Tendo em conta a vivência normal das famílias, conclui-se que as crianças vêem programas como as novelas e Big Show SIC na companhia dos pais […]. A TV dá-lhes a «cultura do trivial», da mesma forma que a escola lhes dá ou deveria dar a cultura geral. Com a televisão que os pais lhes deixam ver, as crianças aprendem depressa as manhas do amor e comportamentos da vida social nos empregos, na rua, nas festas, nos lares. Com a televisão, as crianças crescem mais depressa mesmo que não contactem com a vida real. Nesse sentido, a televisão poderá ser uma «ladra do tempo» de cultura, mas é ao mesmo tempo uma aceleradora do tempo de aprendizagem das regras da selva humana, a sociedade” (Torres, 1998: 146). É indiscutível o peso da televisão na construção do repertório enciclopédico e comunicativo das crianças e jovens. Há como que uma concorrência da televisão com a escola: há uma ideologia universalista que tende a uniformizar e normativizar discursos, comportamentos, atitudes..., mas a TV prepara para esta uniformização com modelos e

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formas sociais de relação com o mundo e a linguagem nem sempre coincidentes com os da escola. Os universos da escola e da televisão opõem-se pelas normas que os regem: À facilidade, a simplificação e imediatismo da TV, a escola contrapõe a complexidade do raciocínio, o esforço continuado e a reflexão crítica. No campo da oralidade, a TV representa os modelos orais não valorizados ou mesmo ignorados pela norma escolar, o reforço e a legitimação de situações conversacionais diversas. Como instrumento social, a TV parece ganhar à escola pela precocidade de intervenção. A crítica à televisão Durante muitos anos os intelectuais não tomaram a televisão como objecto de estudo ou mesmo de crítica. Mas, a pouco e pouco, muitos quiseram proibir o que não gostaram. A Caixinha mágica trouxe coisas para que a moral pública não estava preparada. Também os intelectuais começaram a ver entrar pelas suas casas dentro mundos e submundos culturais até então desconhecidos ou afastados para o mundo das margens. Muitos desligaram os televisores. Outros tornaram-se críticos embora continuassem a ver o que queriam proibir aos outros. Edgar Morin foi das excepções: “não sou apocalíptico, não sou dos que dizem que a TV destrói os valores e a cultura”. Entre os mais críticos da televisão posicionou-se Karl Popper (1902-1994). No final da sua vida virou-se muito para a crítica à televisão. O seu pensamento tornou-se algo utópico e autoritário. “Popper achava que havia seres inferiores sem “maturidade” para estabelecer a distinção entre a realidade e a ficção. Chegou a defender a censura, embora mais tarde evoluísse para a proposta de criação de uma “licença” individual, atribuída por uma Ordem, a cada pessoa que trabalhasse em televisão. Popper considerava que “não pode haver democracia se não submetermos a televisão a um controlo, que a democracia não pode subsistir de uma forma duradoura enquanto o poder da televisão não for totalmente esclarecido” (Torres, 1998: 200) Contrariamente, Edgar Morin refere que há muitas coisas medíocres na televisão, acrescentando que isso também ocorre na literatura e na política, mas, o facto

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fundamental é que a televisão constitui um elemento importantíssimo de afirmação da democracia. De facto “é a televisão que leva ideias novas a países ditatoriais, a sociedades fechadas que tentam impedi-las proibindo as parabólicas e através da censura. Em Portugal, foi a televisão que contribuiu para divulgar o debate político e alargar horizontes (mesmo que sofríveis) a quem não tinha nenhuns.” (Torres, 1998: 201). A televisão tem muitos defeitos mas, um que não se deverá apontar hoje é o de ser um perigo para a democracia. “ […] A televisão, que pretende ser um instrumento de registo, torna-se um instrumento de criação de realidade. Encaminhamo-nos cada vez mais para o inverso em que o mundo social é descrito pela televisão em que esta se transforma no árbitro do acesso à existência social e política” (Bourdieu, 1997: 15). 9.4. Do Homo Communicans A televisão, de um modo particular, tornou-se como um sistema nervoso que conhece os nossos hábitos, vivências, gostos, pensamentos e escolhas e tenta reagir em função deles. Estudos antropológicos feitos ao fenómeno da comunicação falam do nascimento de um «Homem Novo». Norbert Wiener, um matemático americano com interesse pela antropologia, «baptizou-o» como Homo communicans. E define-o como “um ser sem interioridade e sem corpo, que vive numa sociedade sem segredos, um ser por inteiro voltado para o social, que não existe se não através da informação e da permuta, numa sociedade tornada transparente graças às novas «máquinas de comunicar»”. ( in Breton, 1992: 46) Este novo conceito gere-se por dois princípios: graças à sua complexa capacidade comunicativa, tem o direito de ver reconhecida a sua existência enquanto ser social; depois, não é o organismo, o corpo biológico que justifica essa existência, mas antes a sua natureza «informacional». Visto por este prisma, o matemático americano coloca toda a Humanidade com a mesma condição antropológica. A “transparência social” de Wiener tem reflexos na realidade: o crescimento das novas tecnologias permite a expansão do espaço público. A oferta de programas de televisão cujo objectivo é a exibição da vida privada de pessoas, sejam elas famosas ou simples desconhecidos, é uma marca tangível dessa sociedade, comparada a uma grande casa com paredes de

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vidro, onde todos sabem de tudo, ou pelo menos idealizam. O desejo de se ser objecto mediático ultrapassa em larga escala a privacidade que se exige como respeito do espaço íntimo de cada um. O exemplo mais extremo prende-se com a pornografia: hoje não é motivo de escândalo, o seu consumo é maciço e é um símbolo da «sociedade da comunicação», na sua total (ou quase total) transparência. O «Big Brother», mais do que uma figura profetizada por George Orwell, mais do que um formato televisivo de grande êxito mundial, é uma realidade dos nossos dias e perpassa por todos os sectores da sociedade.

9.5. Do Homo Sapiens ao Homo Videns. Como será o futuro? “As pessoas serão empurradas cada uma para o seu canto? Vivendo sozinhas o tempo que estão em casa? Cada um no seu Pcvisor? “ Lutando por escolher a melhor câmara (point of view) para ver os golos do Pauleta no Euro 2004? “Mas como poderemos usar o Pcvisor sentados num sofá? Não é possível, porque as solicitações que ele permite e os estímulos para os quais exige resposta são incompatíveis com o sofá. Tem que ser uma cadeira”. (Torres, 1998: 187). “Em conclusão, o que nos querem prometer para o futuro é uma sala de estar que já não é sala de estar, com um aparelho que nos obriga a fazer imensas coisas sentados numa cadeira mas que nos permite estar a ver a Bárbara Guimarães pelo canto do olho no televisor enquanto no Pc escrevemos um texto, fazemos a contabilidade familiar ou consultamos um ficheiro na Internet, e que nos factura tudo como se estivéssemos num táxi a subir a Calçada de Carriche às oito e meia da manhã. Isto é o futuro? Se for, é melhor começarmos a mudar o futuro desde já.” (Torres, 1998: 188). Contem comigo para isso.

O medo da novidade Gutemberg, a quem se atribui a invenção da tipografia em 1436, encontrou grandes resistências por parte dos copistas que se sentiram em risco de perder os seus empregos. Não é demais dizer que, todavia, a tal invenção se deve o desenvolvimento da civilização da leitura e da escrita. Contudo, hoje, a televisão impôs-se. Vê-se televisão a todo o tempo e em todo o espaço. Ao chegar a casa acende-se a televisão. Às vezes, adormece-se com ela ainda acesa. De manhã, a caixinha é de novo acesa. Que fazer? E na escola? Qual o risco de ser aqui o espaço e o tempo, eventualmente, da excepção à primazia do telever?

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No nosso quotidiano, as conversas são tantas vezes quase exclusivamente sobre o visionado na caixinha mágica. É ela que enche as nossas vidas. Mas, fundamentalmente de imagens. O telever comanda o videoviver e dá à luz a “videocriança”. O Homem, esse Homo Sapiens produto da cultura escrita, está a transformar-se num Homo Videns. O consumo passivo da televisão inverte o progredir do sensível para o inteligível e transforma-o num regresso ao ver puro e simples. Ao contrário do ler, escrever e pensar, o telever produz imagens e apaga os conceitos. A linguagem conceptual é assim substituída pela linguagem perceptiva. Opinião dos pessimistas, pensarão. Os optimistas, esses dirão que a educação multimédia é inevitável. Contudo, tal não significa que se aceite de olhos fechados. A poluição atmosférica também era inevitável à luz da modernidade e, apesar disso, hoje combatemo-la. Qual a alternativa relativamente ao papel da escola e dos professores? No mínimo, ensinar a ler televisão. E dos alunos? No mínimo aprender a ler televisão.

Confrontos cognitivos A escola, de facto, não tem grande tradição sobre o ensino pela imagem. O telever (ver de longe) está de facto a mudar os mundos culturais. E a escola terá que incorporar esta tecnologia da primazia à imagem, sob pena de se ver afastada do seu papel de preparação dos homens para o futuro. Ainda que o futuro seja cada vez mais um futuro incerto. A questão fundamental, para além das pistas que já levantámos, é que o homo sapiens se está transformar em homo videns (Giovanni Sartori, 2000: 13). Tudo agora é visualizado. A palavra está a ser destronada pela imagem. A primazia da imagem sobre a palavra leva a uma maior ênfase do visível sobre o inteligível e o risco é o da possibilidade da visão sem compreensão. O Homo sapiens deve o seu desenvolvimento à capacidade de abstracção. As palavras que articulam a linguagem humana são símbolos que evocam representações, que evocam imagens de coisas visíveis que já vimos. Claro que isto só acontece com os nomes próprios e com as palavras”concretas”: casa, cama, automóvel, rádio, cão, etc. Quanto às palavras abstractas, que dão corpo ao nosso vocabulário cognitivo e teorético, essas não remetem para conceitos visíveis: nação, estado, soberania, democracia, etc. São conceitos

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abstractos que estão em lugar de entidades construídas pela nossa mente. Quanto ao telever – o tal ver de longe – há uma inversão do processo: a televisão inverte o progredir do sensível para o inteligível e transforma-o na maior parte das vezes, no simples ver, ou olhar. A televisão ao transmitir imagens apaga os conceitos e, assim, pode atrofiar a nossa capacidade de abstracção e compreensão: “Portanto, aquilo que nós concretamente vemos ou percebemos com os sentidos não produz “ideias”, mas insere-se em ideias (ou conceitos) que o enquadram e “significam”” (Sartori, 2000: 40). A questão última pode ser a da substituição duma linguagem mais rica (nº de palavras e riqueza de significado) por uma linguagem mais perceptica (concreta) e, por isso, mais pobre.

Por isso digo que a escola tem que dar as mãos com os media não só para os ter como instrumentos de facilitação mas, também, para os ter como objecto de estudo, de reflexão de aprendizagem. No caso da televisão, não basta tê-la na sala de aulas para ver o distante ou trazer para dentro o que está lá fora. É preciso que a escola ensine a ler televisão. Que ensine a ler o mundo. Que forme mentes selectivas capazes de dizer sim quando concordam, ou, pelo contrário, capazes de dizer não quando discordam e capazes de apresentar uma argumentação sólida. Não se trata de fazer atentados contra a cibercultura, contra a idade multimediática. Se critico, em parte, o homo videns não é para parar o inevitável. Mas, de certo modo, para que não usemos tal tecnologia como simples forma de matar o tempo. O tempo não pode ser para matar. Se pensarmos a televisão comparativamente com a rádio e outros instrumentos de comunicação que a precederam, verificamos que ela destrói mais saber do que aquele que transmite. É esta condição que tem de ser mudada melhorada. E para isso deverá servir também a escola. Se ficarmos unicamente pela condenação da mesma, o feitiço virar-seá, gradualmente, contra o feiticeiro.

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9.6. Do Homo Videns ao Homo Zappiens O concreto para o Homo Videns é a imagem; •

Consome a imagem de forma passiva, explorando-a até ser atingido pelo cansaço, pela sonolência;



Só conhece e reconhece o que vê;



Alimenta-se de muitas imagens e de poucas opiniões. Com um grave risco: por ver julga que sabe, quando o simples acto de ver não ultrapassa a dimensão do acreditar, segundo a velha máxima do «ver para crer».



O Homo Zappiens é aquele que já não consegue fixar-se num programa ou numa imagem;



O Homo Zappiens quer ver e saber tudo ao mesmo tempo, acabando por nada ver e nada saber;



É televisivamente interactivo. Procura, com ansiedade, a imagem que lhe assalte o olhar e o paralise;



Este fixou o tempo televisivo: rápido e sequencial;

Zaping  

É a busca rápida e incessante de algo diferente que prenda o olhar; Há uma absorção rápida de sequências de imagens, algumas valendo mais pela intensidade impressiva que pelo significado;



O zaping só pára quando a imagem é instantaneamente mais forte que o nosso olhar, já que, tratando-se de uma corrida à imagem, não sobra tempo para a reflexão mediadora e libertadora.

Um espectro paira sobre O Futuro ⇒ Homem substituído por sistema electrónico? ⇒ A caminho da existência imaterial? ⇒ Ver = compreender e saber? ⇒ Abundância de meios gera abundância de saber? ⇒ O excesso de meios não poderá causar atrofia de fins (democracia)?

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O Homo Videns dá origem ao Homo Zappiens: o homem que, querendo ver tudo, acaba por não ver nada, nem nada saber, apesar da quantidade de instrumentos cognitivos de que dispõe. Este homem vive na procura desesperada de uma imagem total que o fascine e transforme o seu frenesim em contemplação (cf. Santos: 2000).

Gaiola Electrónica À “gaiola de aço” de Max Weber parece sobrepor-se a “gaiola electrónica”. •

A chave da antiga gaiola que se chamava crítica é actualmente o telecomando ou a password;



O que antes sobrava em capacidade de descodificação e reflexão sobra hoje em acesso à imagem;



O que sobra em abundância falta em distanciação crítica;



A televisão é a face mais visível da gaiola electrónica em que começamos a estar

encerrados; •

A TV põe o indivíduo em contacto com o mundo ao mesmo tempo que o retira

dele, a menos que este possua saber analítico e crítico; •

O espectacular opõe-se ao essencial;



O espectacular tem audiência.

Seria importante relativizar a gaiola electrónica, reconhecendo-lhe os enormes limites cognitivos e os seus poderosos efeitos emocionais.

9.7. Os Novos Desafios da Educação A terceira vaga tecnológica trouxe a explosão dos computadores (com as suas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª vagas), o nascimento da televisão e a sua expansão, a telemática, a inteligência artificial e a expansão da genética e biotecnologia que alcançaram resultados espectaculares. Foi nesta vaga tecnológica que emergiu o ciberespaço, que suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam o número de funções cognitivas do homem: •

Memória – Bases de Dados e Hiperdocumentos;

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Imaginação – Simulações, que desempenham hoje um papel importante nas actividades de pesquisa científica, concepção industrial, gestão, aprendizagem, jogo e entretenimento;



Percepção – Receptores Digitais, Telepresença e Realidades Virtuais;



Raciocínios – Inteligência Virtual e Modelização de Fenómenos Complexos.

Estas tecnologias são “objectivadas em documentos digitais ou softwares disponíveis em rede” o que permite que “elas possam ser partilhadas entre um grande número de indivíduos aumentando assim o potencial de inteligência colectiva dos grupos humanos”(Lévy, 1997). “Um ensino de massas põe em questão as relações entre a escola e a sociedade, de forma radical. A escola não se concebe separada da sociedade. Porém a escola e a sociedade são dois aspectos de um mesmo pensamento criador. De forma premeditada, a escola e a sociedade proporcionam a mesma aprendizagem; não fornecem aprendizagens incompatíveis entre si. Contudo, isto é o que está infelizmente a suceder” (François Perroux). A contestação escolar começou nos anos 60 do século XX e é contemporânea do aparecimento do movimento de educação permanente. Estão ligadas a esta contestação livros como A pedagogia do oprimido de Paulo Freire, Uma sociedade sem escola de Ivan Illich e A reprodução de Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron. A escola deve estar aberta ao mundo do saber como um todo e não só àquele que permite a continuação dos estudos. Deste ponto de vista a tecnologia desempenha um importante papel. Para Maria Teresa Ambrósio (2000) estamos a assistir a uma mudança de conceito – de aprendizagem escolar para um processo contínuo de educação e formação. Da massificação passamos para uma individualização baseada nas escolhas da autoaprendizagem. Neste sentido, a Comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI recomenda: «O princípio essencial é organizar a diversidade de percursos educativos sem nunca fechar a possibilidade de retornar, ulteriormente, ao sistema». Quanto à concorrência escola/TV, para terminar, citava Giovanni Sartori que diz, “espero sim, assustar bastante os pais acerca daquilo que irá acontecer à sua videocriança, de forma a torná-los pais ainda mais responsáveis. Espero que a escola saia da má pedagogia e [...], consequentemente, espero uma escola apta a contrariar aquele póspensamento que, pelo contrário, está a fomentar. Espero também jornais melhores, e,

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afinal, uma televisão melhor” (Sartori: 14 e 15). Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 9

AMBRÓSIO, Maria Teresa (2000). “Ensinar numa nova perspectiva”. Colóquio Educação e Sociedade, Nova série, nº 6, p. 69-75. AUGÉ, Marc (1994). [1992]. Não-Lugares – Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, Lisboa: Bertrand. BOURDIEU, Pierre (1997). [1996]. Sobre A Televisão, Oeiras: Celta. BRETON, Phillippe (1992). [1992]. A Utopia da Comunicação, Lisboa: Instituto Piaget. CANDAU, Vera Maria (2002). “Nas Teias da Globalização: Cultura e Educação” in CANDAU, Vera Maria (2002). Sociedade, Educação e Cultura(s). Questões e Propostas, Petrópolis: Ed. Vozes. DA MATTA, Roberto (1996). “Globalização e identidade nacional: considerações a partir da experiência brasileira”. Ensaio proferido no seminário internacional sobre pluralismo cultural, identidade e globalização, promovido pela UNESCO, realizado de 10 a 12 de Abril de 1996 no Rio de Janeiro. GELLNER Ernest (1993). [1983]. Nações e Nacionalismo, Lisboa: Gradiva GIDDENS Anthony (1994). [1991]. Modernidade e Identidade Pessoal, Lisboa: Celta. HALL, Stuart (2003). [1992]. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Rio de Janeiro: DP & A. DP & A. HOGGART, Richard (1973) [1957]. As Utilizações da Cultura, I e II Lisboa: Editorial Presença. LARANJEIRA, Alexandra (2003). Mediatização da Vida Privada, O Big Brother como rito de passagem, Azeitão: Autonomia 27. LECLERC, Gérard (2000). [1999]. A Sociedade da Comunicação, Vol. 161, Epistemologia e Sociedade, Instituto Piaget. LÉVI, Pierre (1997). [1997]. Cibercultura, Lisboa: Instituto Piaget. MAFFESOLI, Michel (2000). [1988]. O Tempo das Tribos, Rio de Janeiro: Forense Universitária. MILLER Daniel (1995). "Introduction: anthropology, modernity & consumption" in Worlds Apart - Modernity through the prism of the local, London: Routledge. MORIN, Edgar (2001).“L’enseignement des connaissances”. in Conferência Novo Conhecimento Nova Aprendizagem, Lisboa, 2000, Novo conhecimento nova aprendizagem, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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10. Teoria e Metodologia da Antropologia da Educação 1 aula e 1 seminário Textos de Base CARIA, Telmo (2003). “A construção etnográfica do conhecimento em Ciências Sociais: reflexividade e fronteiras” in CARIA, Telmo (2003) (Org.) Experiência Etnográfica em Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, (pp. 9-20). CASAL, ADOLFO Yánez (1996). “Para uma epistemologia do discurso e da prática antropológica” in Para uma Epistemologia do Discurso e da Prática Antropológica, Lisboa: Cosmos, (pp. 105-126). FERREIRA, Manuela (2003). “Os estranhos «sabores» da perplexidade numa etnografia com crianças em Jardim-de-Infância”, in CARIA, Telmo (2003) (Org.). Experiência Etnográfica em Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, (pp. 149-166). JOSSO, Marie Christine (2002). “A formação no centro das narratives de vida: contributo para uma teoria da formação na perspectiva do sujeito aprendente” in JOSSO, Marie Christine (2002). Experiências de vida e formação, Lisboa: Educa, (pp, 27-82). JOSSO, Marie Christine (2002). “As histórias de vida como metodologia de investigação-formação” in JOSSO, Marie Christine (2002). Experiências de vida e formação, Lisboa: Educa, (pp, 85-146). VASCONCELOS, Teresa (1996). “Onde pensas tu que vais? Senta-te! Etnografia como Experiência Transformadora” in Educação Sociedade e Culturas, nº 6, Porto: Afrontamento, (pp. 23-46). VIEIRA, Ricardo (2003). “Vidas revividas: etnografia, biografias e a descoberta de novos sentidos” in CARIA, Telmo (2003) (Org.) Metodologias Etnográficas em Ciências Sociais, Porto: Afrontamento, (pp. 77-96). WOODS, Peter (1990). « Entretiens avec enseignants : quelques aspects de la méthode des histoires de vie» in WOODS, Peter (1990). L´Ethnographie de l' Ecole, Paris: Armand Colin, (pp. 80-106). WOODS, Peter (1990). « L’ interaction sociale dans la classe : la perspective de l’élève » in WOODS, Peter (1990). L´Ethnographie de l' Ecole, Paris: Armand Colin, (pp. 25-35). Palavras-chave: etnografia escolar; etnografia dos contextos educativos; trabalho de campo em contextos educativos; Observação participante em contextos escolares; entrevistas etnobiográficas; (auto)biografias; diários de aula.

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“Por mais espantosa que fosse, a «vida entre os javaneses» era mais do que um quebracabeças, e era preciso mais do que categorias e definições, e bem mais do que a sagacidade de sala de aula e a facilidade com as palavras, para nos situarmos ali”. (Geertz, 2001: 24). “Quando a Tina me perguntou – Que estás a fazer na minha casa? – eu própria me questionava sobre o meu papel naquela escola. Como etnógrafa podia interpretar esta questão num sentido mais lato: «Que estás a fazer na minha sala?»; «Que estás a fazer na minha escola?»; «Que estás a fazer no meu mundo?; «Mas quem és tu, afinal?» Não restava dúvidas de que eu era uma intrusa, estava a violar o seu jogo « a sua representação secreta» (Simone de Beauvoir, 1976). Era uma estranha. A primeira parte do meu trabalho será uma reflexão sobre este ser/estar estranho da etnógrafa”(Vasconcelos, 1996:26). A organização social do processo educativo é um dos pressupostos elementares das sociedades/grupos sociais: um contexto social onde as interacções educativas se fazem formal, informal, doméstica, grupos específicos (etários, sexuais, profissionais, de actividades, vicinais, de pares, etc...), pelo jogo e brincadeira, ritualmente, escolarmente. Os processos educativos pressupõem comunicação/transmissão de: saberes, sentidos, identidade, memória e por isso são difíceis de observar; exigem contributo de várias metodologias.

Far-se-á uma revisão epistemológica sobre o objecto e método das ciências Sociais e Humanas e da Antropologia em particular para passar a descrever e a problematizar o método etnográfico em contextos educativos, quer escolares quer não escolares. “O paradoxo da metodologia antropológica é que enquanto o trabalho de campo e a observação participante assumem o papel emblemático e da actividade antropológica, conservando o estatuto de espaço-laboratório do saber antropológico por excelência, muitos raros são os antropólogos que decidem explicitar os seus métodos de forma clara e desinibida” (Casal, 1996: 105). A propósito de algumas criticas feitas ao trabalho de Malinowski que é o primeiro antropólogo a tentar explicitar o método para que os leitores possam ficar com uma imagem clara da sua própria etnografia, diz, ainda, Yáñez Casal que “embora Malinowski não seja tão explicito quanto conviria ao estatuto que lhe é atribuído enquanto fundador do método de observação participante, as críticas modernas ou pós-

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modernas que se dirigem ao seu empirismo ingénuo (deixar falar os factos por eles mesmos) são exageradas. Na verdade, Malinowski insiste, repetidas vezes, nos laços e nas relações teoria/factos, descrição dos dados/teorização dos dados” (Casal, 1996: 107).

Em continuidade, Gill Dias afirma, contudo, que hoje se vai muito mais longe com a perspectiva da metodologia etnográfica: “Se o poder descritivo e imaginativo de Malinowski ainda se mantém como fonte de inspiração para a escrita etnográfica contemporânea, revela-se hoje uma sensibilidade muito maior quanto à necessidade de elaborar textos que reflictam a interacção entre as categorias mentais do etnógrafo e dos seus informadores […] cujas representações distanciadas da experiência cultural do «outro» deram lugar a técnicas e estratégias de escrita mais reflexivas, com o objectivo de evidenciar o «diálogo» através do qual se adquirem os dados e se constroem as interpretações […]” (Dias, 1997: 50). A propósito da definição de terreno antropológico e da discussão entre se poder ou não estudar um objecto do qual se está próximo física e ou cognitivamente, convém discutir com os discentes que só a reflexividade permite pensar a realidade social de onde se parte ou que se vive. O distanciamento necessário à análise sociológica não é físico, é, antes, intelectual. Cada um de nós observa e reflecte sobre os comportamentos e atitudes dos outros, bem como de si próprio. É esta capacidade reflexiva, que nos permite tornarmonos objecto de nós próprios e observadores dos comportamentos alheios, que torna possível a existência de ciências como a sociologia e a antropologia. Esta tensão entre distanciamento e participação acaba por ser possível pela manipulação estratégica de duas identidades, a de investigador e de membro efectivo ou temporário do grupo de estudo. Efectivamente, como diz Telmo Caria “a proximidade ou a distância espaciais não são em si próprias um obstáculo ou uma vantagem. Existem sempre distâncias e proximidades culturais (Costa, 1986: 146) que implicam esforços de diferentes tipos para entender o outro (Cabral, 1983: 330).” (Caria, 2000: 34).

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Assumir uma determinada posição/opção metodológica pressupõe uma adequação da metodologia ao projecto de investigação e uma adequação entre essa opção metodológica e as posições epistemológicas do investigador. Assume-se, nesta cadeira, a pesquisa etnográfica55 como algo próximo do bricolage56, no sentido da possibilidade da autonomia versus um conjunto de imposições dogmáticas, ... De qualquer modo, trata-se de uma via distante da busca das regularidades da ciência positivista onde “qualquer proposta de uma “teoria geral” a respeito de qualquer coisa social soa cada vez mais vazia, e aquele que professa ter tal teoria é considerado megalomaníaco” (Geertz, 1999: 10). Clifford Geertz reforça bem a ideia de como o pensamento é sempre local e ligado aos seus instrumentos (idem: 11). Trata-se de uma perspectiva que pretende também contribuir para a reintrodução do sujeito no conhecimento (Morin, 1996: 46). Nas ciências humanas e sociais a objectivação é muito difícil de se conseguir e, quanto à verificação experimental, então, aí estamos muito próximos do impossível.

A emergência de estudos qualitativos no campo da educação tem vindo a aumentar progressivamente, em particular a partir dos anos sessenta, contrapondo-se aos estudos quantitativos. Dá-se hoje maior importância à compreensão que à explicação, à abordagem qualitativa do social que à quantofrenia das pesquisas sociológicas anteriores. A etnografia surge hoje referenciada como técnica fundamental para estudar processos, já não só na antropologia mas, também, na sociologia e nas ciências da educação.

As técnicas etnográficas, apesar de terem uma longa tradição nos estudos antropológicos, só recentemente se começam a implementar nas pesquisas sobre educação, facto que decorre da crescente preocupação de entender e buscar o processo e não apenas o produto. 55

Pelo menos aquela que tenho feito e que, presumo, continuarei a fazer nos tempos mais próximos. A aplicação da noção de bricolage no âmbito dos factos culturais deve-se a Lévi-Strauss (1962) quando, a propósito da sua teoria do pensamento mítico diz que esta criação é caracterizada pela arte do bricolage, por oposição à invenção técnica, baseada no conhecimento científico. A noção veio a pegar como moda e a ser usada de modo mais amplo quer às culturas populares quer à memória colectiva, entre outras. 56

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Trata-se de abrir a “caixa negra” das escolas através do trabalho dos etnógrafos que, apetrechados de um método adequado, penetraram nos esconderijos mais recônditos e secretos da escola e dos espaços e tempos onde decorrem os processos educativos a fim de os desvendar57. Investigar a “caixa negra” da escola, recorrendo a metodologias qualitativas, pressupõe uma nova relação do investigador com o sujeito e com o contexto em que decorre a pesquisa. Esta investigação58 não se estabelece mediante a operacionalização de variáveis definidas a priori, formula-se sim com o objectivo de estudar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. Um investigador que adopte metodologias qualitativas não parte dum quadro teórico com o objectivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses; pelo contrário, privilegia a compreensão dos comportamentos dos sujeitos a partir das interpretações que os mesmos fazem sobre esses comportamentos. Sem partir de verdades absolutas, o investigador preocupa-se em compreender detalhadamente e aprofundadamente o que é que os sujeitos pensam e como é que desenvolvem os seus quadros de referência. (Bogdan e Biklen, 1994).

Vários estudos antropológicos e sociológicos da escola enquanto organização, e vários estudos desenvolvidos no âmbito das recentes Ciências da Educação, relativos a processos de ensino aprendizagem, referem muitas vezes a utilização de métodos etnográficos, métodos qualitativos, observação participante, estudos de caso, estudos monográficos, interaccionismo simbólico, fenomenologia, paradigmas construtivistas, interpretativos, etc. Não sendo estes conceitos verdadeiros sinónimos uns dos outros há, no entanto, um denominador comum – inserem-se em abordagens epistemologicamente semelhantes. (cf. Vieira, 1999a).

57

cf. Woods, P. (1987) La escuela por dentro – La etnografia en la investigación educativa, Barcelona, M.E.C. Ed. Paidós (p.164-165) 58 À expressão investigação qualitativa, utilizada por Bogdan e Biklen (1994), estão associadas outras expressões, nomeadamente as expressões “Investigação de campo” (Junker, 1960), “naturalista” (Guba, 1978, Wolf, 1978), “etnográfica” (Goetz e LeCompte, 1984), “interaccionismo simbólico”, “perspectiva interior”, “Escola de Chicago”, “fenomenologia”, “estudo de caso”, “etnometodologia”, “ecologia” e “descritivo”.

171

Peter Woods considera que a etnografia “interessa-se pelo que fazem as pessoas, como se comportam, como interactuam. Propõe-se descobrir as suas crenças, valores, perspectivas, motivações, e o modo como tudo isso muda com o tempo ou de uma situação para outra. Procura fazer tudo isso dentro do grupo e a partir das perspectivas dos membros do grupo. O que conta são os seus significados e interpretações” (Woods, 1989:18).

Assegurar estratégias de validade, interna ou externa, num estudo de natureza etnográfica pode ser possível recorrendo ao que Burgess designa por “estratégias múltiplas de pesquisa de terreno” (1997: 128) e ao que outros autores designam por “triangulação” de dados. (Elliot e Adelman, 1976).

Yin (1987: 23) define o estudo de caso como “um método de investigação que permite um estudo holístico e significativo de um fenómeno contemporâneo no seio de um contexto real, quando as fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são claramente evidentes e nos quais são utilizadas muitas fontes de informação”. Esta visão do estudo de caso distingue-o de outras investigações, nomeadamente da investigação experimental, que deliberadamente separa o fenómeno do seu contexto; da investigação histórica que estuda fenómenos passados; da investigação descritiva onde se procura estudar o fenómeno e o contexto, mas em que o estudo do contexto é extremamente limitado.

A observação participante envolve ora uma superficial ora profunda interacção com uma diversidade de indivíduos; a sua especificidade é frequentemente perdida ou sublimada pelos modelos de standard monograph que tendem a apresentar a sociedade através da autoridade do autor; no entanto, na construção do texto etnográfico muitas vozes se cruzam, inclusive a do autor - quantas vezes o "eu" desaparece da escrita antropológica para ser apenas "elas(es)" ou "os e as nativos de..." - Tal como o trabalho de terreno, o processo de escrita e criação do texto final envolve uma série de escolhas que dependem dos interesses selectivos do etnógrafo. A conjunção entre Antropologia e autobiografia é manifesta em muitos textos etnográficos. Etnografia, ela mesmo, implica escrever. O estatuto autorial do etnógrafo

172

tem sido cada vez mais realçado59. A questão, agora, é dirigida ao problema de como escrever etnografia e porquê?

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Palavras-chave: (auto)biografias e formação; metacognição, reflexividade; conscientização; professor investigador; histórias de vida e formação; idiossincrasia.

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11. 1. Quem eu era e quem eu sou

“Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais pela sua atitude durante aquela noite estranhamente vazia da Primavera de 1964. Lembro-me da luz gritante do candeeiro de pé amarelo-vermelho-verde em plástico e, sobretudo, dos silêncios, dos intermináveis silêncios. Após meses de estágio como operário não especializado para aprender «no local» o ofício de pedreiro, ficara combinado que devia preparar-me para tomar a direcção da pequena empresa familiar. E, para isso frequentara uma escola técnica de construção, no Creuse. O formulário estava em cima da mesa. Uma simples assinatura e o meu futuro ficava selado. Eu nada dizia, não sabia o que pensar. Quanto aos meus pais, sentiam o indizível mal-estar. O formulário não foi enviado. Teria bastado que o grão de areia rolasse de maneira diferente; teria sido patrão da construção civil e este livro nunca teria existido. Agradeço, igualmente, àquele camarada estudante cujo nome esqueci, pela sua intervenção durante a noite tão difícil de Abril de 1968. Um dirigente do movimento revolucionário, duro, glacial, aterrador, viera da capital para escolher aqueles de nós que deveriam «estabelecer-se». O seu olhar pouco pousou em mim e descobri que os suores frios não eram somente uma metáfora. Os meus conhecimentos indicavam-me para o sector da construção civil. Teria sido pedreiro; este livro nunca existiria. Camarada contentou-se em anunciar, num momento mais crucial e sem ter consciência da importância da sua intervenção, que o meu carro estava a estorvar no parque se estacionamento. Permitiu, assim, que eu fugisse cobardemente (saí da cidade por alguns dias) e que os outros fossem escolhidos no meu lugar. Grão de areia providencial”.(Kaufmann, 2003: 8). “A nossa questão central de investigação é a seguinte: o que é a formação do ponto de vista do aprendente? Ou, para sermos mais claros, quais são os processos que caracterizam a formação de um individuo, de uma singularidade, no que ela tem de semelhanças com outras, ainda que seja irredutível? Conhecendo o que é a educação enquanto acção de um colectivo sobre o indivíduo, procuramos conhecer o que é a formação enquanto actividade de um indivíduo em relação consigo próprio, com o seu meio humano e natural no seu percurso de vida”. (Josso, 2002: 160). É importante o docente ter um conhecimento comparativo para além das circunstâncias imediatas do seu meio local. Há professores cuja trajectória social lhes deu esse treino de reflectir as acções, de pensar o que se está a fazer, e porque se faz assim, e, no tocante aos outros, de procurar entender o seu entendimento. São pessoas que, no dia a dia, acabam por reflectir a todo o momento e porem assim em prática a sua metacognição. Surge então, por continuidade, um conhecimento comparativo dos diferentes meios sociais por parte deste tipo de sujeitos.

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Por outro lado, há também assim uma melhoria qualitativa do seu próprio conhecimento e do entendimento das suas acções e saberes locais, já que o considerar das relações entre um determinado contexto e o seu ambiente social mais amplo, ajuda a esclarecer o que se passa no próprio contexto. E parece que os professores só desejam mudanças, novos materiais de ensino e outras alternativas, quando constatam que há muito que fazem tudo da mesma maneira, que usam sempre o mesmo manual, utilizam sempre as mesmas estratégias, etc. E comparar-se com o outro, que faz de modo diferente, implica em primeiro lugar, conhecer-se a si próprio, tornar visível as suas práticas e representações sociais correlacionadamente com a sua própria biografia que suporta tais atitudes e condutas. Depois, em segundo lugar, implica contactar com a alteridade e perceber as alternativas à monoculturalidade, porventura do seu eu profissional. Por outras palavras, a mudança só pode acontecer primeiro quando se conhecem as alternativas; segundo, quando se identifica com outro modus operandi ou tem pelo menos curiosidade e vontade em agir de modo diferente da rotina. À partida, o docente (e não só), cai não raras vezes na tentação de considerar o que sucede habitualmente na sua vida quotidiana como o modo como efectivamente devem ser as coisas, as práticas e as ideias, para sempre e em todas os espaços. É o etnocentrismo comum a todos os mortais e a todas as culturas que urge ser relativizado. É também por isso que defendo a necessidade de colocar a antropologia da educação como estudo curricular obrigatório na formação de professores, independentemente do ramo de ensino60. Obviamente que, mais que ao nível técnico61, é ao nível da formação pessoal, social e profissional do docente, do ser professor, que ela terá um importante papel a desempenhar. Ao nível das atitudes e da necessária comunicação intercultural entre todos os protagonistas do acto educativo: professores, alunos, famílias e comunidades. 11.2. Histórias de Vida e Formação Há que pensar na formação contínua sempre, e não apenas para adequação a uma reforma que se impõe normativamente. E há que pensar numa nova forma de fazer formação contínua, uma forma baseada essencialmente na investigação - na investigação por

60

61

Para além duma introdução à antropologia no ensino básico e secundário, onde o etnocentrismo tem que começar a ser relativizado para que efectivamente se construa um cidadão mais pluralista e reflexivo. Onde apesar de tudo os estudos antropológicos da educação podem ajudar, designadamente com a perspectiva da contextualização de qualquer matéria a ensinar com a mente cultural e saberes locais do aluno (cf. Iturrra, 1990a e 1991a).

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exemplo das histórias de vida dos alunos que se tem, da própria autobiografia do docente e dos colegas, para se saber quem se é, quem se quer ser e como e quem são os outros. Enfim, uma formação contínua muito baseada também na reflexão: “A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente da identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência”. (Nóvoa, 1991b: 23). É nessa perspectiva de que as pessoas, os professores que, sendo adultos, tendo pilares profissionais, culturais e cognitivos, e, portanto, um inconsciente prático, o habitus de Bourdieu, se tem de pensar numa formação que passe pela reflexão das suas próprias práticas e dos contextos onde actuam ou actuaram. Perrenoud (1993: 35), refere que a mudança de práticas passa justamente por essa transformação do habitus62, a que junta "a disponibilização de modelos de acção [...]", já que a prática pedagógica "nunca é mera concretização de receitas, modelos didácticos, esquemas conscientes de acção". É partindo deste pressuposto que também Gaston Pineau (1990) considera a reflexão sobre a história de vida como caminho fundamental para operar mudanças nas representações e práticas dos professores: “Fazer a sua história de vida é então menos recordar que acontecer. É apoiar-se sobre o passado para dele descolar e entrar nos movimentos plenos de contradições de começar a ser, utilizando-as de forma motriz” (p. 98). A prática de confrontar a actividade das aulas da "nossa escola" com as de outras escolas, de outras sociedades contemporâneas, ou mesmo do passado, ou ainda mesmo com outros contextos institucionais, de fazer uma releitura da experiência (Huberman, 1983 a), serve para ampliar a visão da gama de possibilidades existentes quanto à eficácia da organização do ensino e aprendizagem nos vários grupos humanos. À medida que se aprende mais acerca do mundo exterior, vai-se aprendendo mais acerca de nós mesmos. Por outro lado, a prática de pensar a própria aula, de conseguir ser actor da mesma e simultaneamente investigador, de conseguir estar assim dentro e fora, pode tornar o professor não só mais reflexivo e crítico de si mesmo, como contribui também para evitar a rotina e os anacronismos que tantas vezes acompanham o seu quotidiano escolar. 62

Também Francisco Caboz (cf. Vieira, 1999 a), pseudónimo do indivíduo que analisa a sua própria biografia, que saiu de uma aldeia onde nasceu, entrou no Seminário e se fez padre, quando mais tarde quis voltar à vida civil a comunidade religiosa considerou-o um trânsfuga), se foi desconstruindo para abandonar o habitus da obediência e da subordinação - a vida de padre - para se vir a casar e transferir a paixão do simbólico para o real (Fernandes, 1995: 136). Foi através da reflexão que delimitou a identidade que queria assumir para por ela se debater.

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“Para que o ensino primário e secundário alcance a sua maioridade profissional - para que o papel do docente não continue sendo institucionalmente infantilizado -, os docentes devem assumir a responsabilidade adulta de investigar a sua própria prática de forma sistemática e crítica mediante métodos apropriados. Na actualidade, há uma crescente tendência para responsabilizar os docentes pelas suas práticas na aula. Estes devem também tornar-se responsáveis do que fazem e da profundidade com que percebem as suas práticas como docentes. Deve-se destinar determinado tempo, no dia escolar, para esta prática. Não levar a cabo pelo menos este tipo básico de mudança institucional, significa perpetuar a passividade que caracterizou a profissão docente nas suas relações com as supervisões administrativas e com o público em geral: a investigação interpretativa do ensino, realizada pelos docentes com o apoio e o estímulo de colegas estranhos à aula, pode fomentar em grande medida a transição à idade adulta do docente como profissional”. (Erikson, F., 1989: 292). A este propósito, uma das muitas propostas que tenho feito no domínio da formação de professores na minha própria escola é a da necessidade duma autoreflexão do aluno estagiário63, seguida da opinião dos outros - colegas, professores cooperantes e professor supervisor. A observação e feedback desse "outro" pode dar pistas do não percepcionado pelo próprio estagiário. Por outro lado, ainda, a opinião do "outro", dá ao estagiário uma imagem do seu agir, que pode e deve comparar com a sua própria auto-imagem. É neste comparar de diferentes perspectivas que se autodefine um modelo próprio de ser professor. Quer dizer, quem opta é o próprio professor ou futuro professor. Ele é quem envereda por uma ou outra filosofia de ensino-aprendizagem, por esta ou aquela metodologia. Enfim, trata-se também na formação de professores, de levar o estagiário a fazer aprendizagens, não tanto de lhe dar ferramentas prontas e in aeternum, extensíveis a todo o processo educativo e formativo, como em parte, e com outras palavras nos diz Fenstermacher (1989): A educação consiste em proporcionar a outros seres humanos meios que lhes permitam estruturar a sua experiência com o fim de ampliar continuamente o conhecimento, a crença racional, a compreensão, a autonomia, a autenticidade e o sentido da própria situação no passado, o presente e o futuro da raça humana. Educar um ser humano consiste em proporcionar-lhe os meios para estruturar as suas próprias experiências de modo que contribuam para ampliar o que a pessoa sabe, tem razões para crer (ou duvidar) [...]. Não consiste em proporcionar o conhecimento, as crenças racionais, etc., mas antes em proporcionar os meios para lograr o acesso ao conhecimento, à compreensão, etc.,. e para continuar a aumentá-los (p. 172). É também a este assunto que se está já a referir Paulo Freire na sua obra Pedagogia do oprimido (1974a). Nela há a ideia de que a função da educação é domesticar ou libertar 63

Futuro professor.

181

as pessoas. Freire fala mais de "conscientização" do que propriamente da construção de um pensamento reflexivo, embora não se descortine grandes diferenças entre os dois processos: “Quando eu, deste modo, penso numa arqueologia da consciência, estou a pensar que através da problematização das relações entre os homens e o mundo é possível ao homem recriar, refazer, o processo natural através do qual surgiu a consciência no processo da sua evolução [...]. O homem pode agora não apenas saber, mas saber que sabe. [...]. Apenas quando compreendemos a "dialecticidade" entre consciência e mundo - isto é, quando sabemos que não temos a consciência aqui e o mundo acolá, mas, pelo contrário, quando ambos, a objectividade e subjectividade, se incarnam dialecticamente, é possível compreender o que é a "conscientização" - E compreender o papel da consciência na libertação do homem” (Freire, 1974b: 25 e 30). E esta reflexividade, esta tomada de consciência, de acordo com o método de Paulo Freire é muito procurada também a partir de histórias de vida e narrativas dos quotidianos. A ideia é que "podemos conhecer aquilo que conhecemos colocando-nos por trás das nossas experiências passadas e precedentes. Quanto mais formos capazes de descobrir porque somos aquilo que somos, tanto mais nos será possível compreender porque é que a realidade é o que é" (Freire, 1974b: 44). Deste ponto de vista, sem uma reflexão pessoal não há verdadeiramente formação. E quem se forma, acaba, como vimos, por ser o próprio professor, que nunca parte do zero64. Por isso Pierre Dominicé (1984) prefere falar de (auto)formação: “Mesmo quando uma acção educativa se revela formadora são, na realidade, os adultos eles próprios que se formam. A formação pertence exclusivamente a quem se forma. É evidente que toda a gente depende de apoios exteriores [...] mas não devemos desvalorizar o facto de que compete unicamente a cada adulto fazer a síntese do conjunto das influências exteriores e apropriar-se do seu próprio processo de formação” (p.: 25). Esta ideia é estruturalmente próxima da de Giddens (1994), que, relativamente à terapia, refere que ela não é bem o que se faz a uma pessoa ou o que lhe acontece. "É uma experiência que envolve o indivíduo em reflexão sistemática acerca do curso do desenvolvimento da sua vida. O terapeuta é quando muito um catalizador que pode 64

O mesmo para o aluno quando aprende.

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acelerar aquilo que tem de ser um processo de autoterapia" (p. 64). O desenvolvimento pessoal e profissional de cada professor acaba, assim, por ser visto como um percurso de vida e formação em que a pessoa que habita no professor, se constrói por um processo global de autonomização, em busca da sua própria identidade. Uma identidade que se pretende capaz de entender e comunicar com a alteridade, de "fazer alongar as racionalidades" (Stoer, 1994: 22), logo, uma identidade intercultural. O professor deve construir-se como uma pessoa intercultural. A este propósito, também Zeichner (1993: 102), refere que há consenso sobre o facto de "o desenvolvimento da identidade cultural de cada um, ser um elemento precursor necessário à compreensão multicultural". Miguel Zabalza (1994), quando trabalha sobre a investigação com diários de aula, também para entender o pensamento didáctico dos professores e sua actuação pedagógica, coloca também a ênfase na construção do pensamento reflexivo. Para ele, o diário pode ser uma das vias para conhecer o docente e os seus problemas e para estimular a quem o faz, o auto-esclarecimento na sua própria verbalização, e a consciência individual da sua própria existência. E tudo isto a partir da própria perspectiva do professor, de como vive e experimenta o ensino (idem: 10). O método biográfico e o método comparativo ao serviço da formação, permitem relativizar as formas de construção social das atitudes e uma tomada de consciência sobre as mesmas (cf. Leray, 1995: 81), bem como entender ainda a construção do próprio entendimento (Kelchtermans, 1995). E escrever um diário ou uma autobiografia, não só obriga a uma paragem para pensar por parte de quem o faz, como também "faz com que o significado pessoal dessas experiências fique documentado por escrito. [...] Um olhar sobre páginas anteriores do diário, a releitura de experiências passadas pode revelar processos de desenvolvimento pessoal" (idem: 16). Trata-se de mais um contributo para a construção de um modelo reflexivo ou da racionalidade prática para a formação de professores. "Desta forma, a prática converte-se em momento e campo de investigação e consequentemente, o professor em investigador do fenómeno educativo" (Gonçalves, 1996: 35). Trata-se do professor investigador de que já tinha falado (Vieira, 1992) e que Zeichner (1993: 90) também defende, entre outros: “A investigação obriga a ver de forma precisa e diferenciada os fenómenos de que geralmente nos apercebemos de uma maneira global e difusa. Por exemplo, ao assumirmos uma atitude de investigação etnológica, podemos, durante um trajecto de elevador, descobrir um mundo de interacções, de códigos, de estratégias que nos tinham passado despercebidos, quando é bem verdade que apanhamos o elevador frequentemente. Da mesma forma, podemos descobrir nuances, categorias, e até factos que não estavam assim tão escondidos, quando é necessário codificar as interacções professor-alunos ou registar as sucessivas 183

actividades de apenas um aluno. A investigação obriga a escutar e a olhar com mais atenção [...]. A investigação obriga a ter em conta a diferença e a diversidade [...]. O que a investigação traz de insubstituível é o confronto com o real [...] “. (Perrenoud, 1993: 122, 123). Por isso, de acordo com esta perspectiva, a formação de professores deverá ter uma dimensão antropológica e simultaneamente ecológica, que consiga fomentar cada vez mais o pensamento comparativo, o pensamento reflexivo, o pensamento compreensivo, o relativismo cultural, a integração do local e do global na aprendizagem (Geertz, 1983; Benavente, 1987; Iturra, 1990a; Henriot-Van Zanten, 1990; Carraher, 1991; Nunes, 1992; Vieira, 1992 e Zeichner, 1993), a "desocultação da história das professoras, da escola e dos seus próprios percursos nesta instituição" (Benavente, 1990a: 295). Tudo isto, num programa que operacionalize os estudos comparativos de biografias e de autobiografias (Vieira, 1996b) e a educação e pedagogia intercultural (Silva e Vieira, 1996). "É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser" (Nóvoa, 1992a: 9). E, como já dizia Dewey, há um século atrás, o conhecimento é exterior, mas o conhecer, o processo de conhecimento, esse é interior. Daí que qualquer mudança educativa apresentada pelo governo ou outras entidades exteriores ao micromundo cultural de cada escola e de cada pessoa que vive em cada professor, acabe por ser um facto65 que para ser assimilado tem que ocorrer comparação com o próprio entendimento e processo de construção do seu Eu - a sua história de vida. A reflexão sobre esse processo, a autoreflexão biográfica, é quanto a mim uma via fundamental para o sujeito se compreender a si próprio - aceder à sua própria hermenêutica - e assimilar ou rejeitar a novidade duma forma argumentada e contextualizada. Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 11 AUGÉ, Marc (1994). [1992]. Não - Lugares. Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, Lisboa: Bertrand. ARAÚJO, Helena Costa (2000). “ Percursos e subjectividades das professoras primárias através das suas histórias de vida” in ARAÚJO, Helena Costa (2000). Pioneiras na Educação. As Professoras Primárias na Viragem do Século.1870-1933, Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

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No sentido de Durkheim (1980). No sentido de que é exterior ao indivíduo.

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ii. Nas culturas tradicionais as transições nas vidas dos indivíduos exigiam marcações rituais (ritos de passagem) mas a identidade mudada era claramente delimitada ao nível colectivo; nos contextos da modernidade, em contraste, o self alterado tem de ser explorado e construído como parte de um processo reflexivo de ligação entre mudança pessoal e a mudança social; iii Os sistemas abstractos tornam-se envolvidos na ordem institucional da modernidade e também na formação e continuidade do self (ex. a socialização primária das crianças tende cada vez mais a depender do conselho e indicações de peritos mais do que de iniciação directa de uma geração pela outra; ou na ascensão de modos de terapia e de aconselhamentos de todo o tipo, numa espécie de versão secular do confessionário) iv. A auto-identidade torna-se problemática na modernidade. Porém, não é apenas uma situação de perca, e, tão pouco, implica que os níveis de ansiedade aumentem necessariamente. Uma abordagem da auto-identidade tem de tomar em linha de conta uma imagem da totalidade da constituição psicológica do indivíduo - o "modelo de estratificação" i.e., ser-se humano significa conhecer o que se faz e porque se faz. A consciência reflexiva é característica de toda a acção humana e é a condição específica dessa reflexividade institucional enquanto componente intrínseca da modernidade. Os agentes são normalmente capazes de fornecer interpretações discursivas sobre a natureza do comportamento e das razões para o comportamento em que estão envolvidos (cf. Gidens, 1994).

12.2. Encruzilhadas da Construção Identitária “No final de contas, cada um de nós poderia ter sido qualquer outro. Cada um de nós é uma virtualidade que poderia ter actualizado em outro tempo, em outro lugar, em outra cultura. Analogamente, cada outro é uma virtualidade de mim, que eu mesmo não concretizei: mas é eu em estado potencial, é aspecto de minha manifestação plena. Desse modo, cada um de nós contém em si a humanidade inteira. Quando Gilles Deleuze [Foucault: 1982: 70] pergunta respondendo: «Quem fala e age? É sempre uma multiplicidade, mesmo que seja uma pessoa que fale e aja», está inteiramente correcto, desde que se alargue esta multiplicidade à humanidade inteira, concebida como conjunto também aberto. A diferença localizada é preciso compreendê-lo como expressão de semelhança geral que permite aos homens diferir; de estruturas para além das «identidades» grupais, étnicas ou sociais, que as possibilitam em seus aspectos relacionais” (Rodrigues, 2003: 169-170).

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“Alguma pessoas argumentam que o «hibridismo» e o sincretismo - a fusão entre diferentes tradições culturais – são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas de cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e contestadas identidades do passado. Outras, entretanto, argumentam que o hibridismo, com a indeterminação, a «dupla consciência» e o relativismo que implica, também tem seus custos e perigos. O romance de Salman Rushdie sobre migração, o Islão e o profeta Maomé, versos Satãnico com sua profunda imersão na cultura islâmica e sua secular consciência de um «homem traduzido» e exilado, ofendeu de tal forma os fundamentalistas iranianos que eles decretaram-lhe a sentença de morte acusando-o de blasfémia. Também ofendeu muitos muçulmanos britânicos. Ao defender seu romance, Rushdie apresentou uma defesa forte e irresistível do «hibridismo»”(Hall, 1997: 91). 12.3. A Mestiçagem “A mestiçagem autoriza, portanto, a mudança e a transformação cultural, mas pela base, quer dizer através do processo de ordem individual, ainda que estes se repitam o bastante para darem a impressão de um processo de grupo. Autorizam uma criatividade e uma inventividade que transparecem sem dificuldade na produção artística […]. A mestiçagem seria, por outras palavras, factor de subjectivação, na medida em que confere ao sujeito a faculdade de se construir e de se traduzir em actos. O mesmo é dizer que a mestiçagem não implica unicamente a mistura das culturas. Quando entre culturas fortes há um encontro que as não destina a desaparecer, poderão ter lugar processos de influência recíproca, (de aculturação, como se diria num outro vocabulário) de transformações inovadoras e não necessariamente empobrecedoras […] podem inventar-se formas culturais originais que não suplantem por inteiro aquelas das quais extraem a sua origem. […]. (Wieviorka, 2002: 92-93). Aprender significa, sempre, de alguma forma, transformar-se. Esta metamorfose cultural, ocorrida a propósito do acesso à cultura dominante, pode levar à construção de dois modelos extremos. Ou se ignora e esquece o passado cultural donde se provém, que dá uma mente cultural para o entendimento da vida, ou, pelo contrário, se consegue tirar partido dessa riqueza da cultura original, como experiência, como quotidiano entre os vários quotidianos da vida, para assim praticar uma pedagogia do relativismo cultural, uma pedagogia contra o racismo, contra a xenofobia, contra a segregação social, contra a discriminação social e sexual, enfim uma pedagogia que eu tenho chamado de intercultural. Por outras palavras, e metaforicamente, ou se assume o mundo a preto e branco e com o sucesso escolar se acede ao branco, refutando o preto donde se parte, e se tem assim um perfil pessoal multicultural pois atravessa-se pelo menos duas culturas, mas uma atitude monocultural, porque o passado passa a ser visto como não cultura; ou se assume o mundo como policromático e, sendo-se pessoa também multicultural, actua-

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se, pensa-se e comunica-se duma forma intercultural não se estratificando as diferenças culturais. O primeiro modelo que enunciei, aplica-se às pessoas, aos profissionais, aos professores também, que tendo medo de falar do seu eu, pois falar do seu eu significa pôr a nu todo o seu background cultural, nunca falam das suas origens, onde nasceram, cresceram e viveram, antes do passaporte que a escola lhes concedeu e que lhes permite aceder à cultura global e letrada. Este modelo, o oblato, aplico-o justamente a essas pessoas que rejeitam as origens socioculturais. O oblato é, assim, um resultado possível da metamorfose cultural. Corresponde aos indivíduos que adquirem essa nova roupagem educacional, cultural, quando acedem a um grupo social e deixam outro cujos valores renegam. O segundo modelo dessa metamorfose extremista é o trânsfuga. O indivíduo recebe o novo, mas não rejeita o velho. Incorpora no seu universo pessoal a aquisição cultural que dá uma nova dimensão à cultura de origem mas que não a aniquila nem a substitui. Antes sim, dá-lhe uma terceira dimensão, resultante da integração comparativa entre o nós e o ele (Corresponde ao terceiro instruído de Michel Serres, 1993). Todos nós acabamos por atravessar uma multiplicidade de culturas, códigos linguísticos, mais restritos, mais elaborados, mais locais, mais universais, crenças, valores, saberes, etc., que das três uma: ou nos identificamos exteriormente apenas com uma dessas culturas – normalmente a detentora de mais capital; identificamo-nos com várias. Somos multiculturais; sentimo-nos divididos; somos por vezes até hipócritas; ou conseguimos conscientemente ligar os vários quotidianos que atravessamos, as várias visões do mundo dos estratos sociais por onde navegamos; estabelecer pontes entre elas, sendo cidadãos reflexivos e trânsfugas sim mas interculturais.

Considerando a identidade como processo de identificação, nesta aula procurar-se-á justamente perceber o que ocorre no mundo interior dos sujeitos que vivem entre várias culturas e como é que essas trajectórias levam à transformação dos processos de identificação de cada um. No fundo, para além do trânsfuga e do oblato, que outras

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metamorfoses ocorrem nos sujeitos que vivem situações de diáspora ou que encontram na educação escolar um mundo cultural absolutamente diferente do da cultura de origem. Ver-se-á, a este propósito, também a dimensão da hetero e da auto formação na construção de um novo self como resultado de processos de aculturação vividos. Referências Bibliográficas e Bibliografia Complementar da Aula 12 CORTEZÃO, Luiza (2000). Ser Professor: Um Ofício em Risco de Extinção? Reflexões sobre práticas educativas face à diversidade, no limiar do século XXI, Porto: Afrontamento. CORTEZÃO, Luiza (2001). “Gulliver entre Gigantes: Na Tensão entre Estrutura e Agência, que Significados para a Educação?” in STOER, Stephen; CORTESÃO, Luíza e CORREIA, José A. (orgs) (2001). Transnacionalização da Educação: Da Crise da Educação Á «Educação» da Crise, Porto: Edições Afrontamento, pp. 293-300. GIDDENS, Anthony (1994). [1991]. Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras: Celta. HALL, Stuart (1997). [1992]. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Brasil: DP&A Editora. O’NEILL, Brian Juan (1999). “La Triple Identité des Creoules Portugais de Malaca” in Ethnologie Française nº 29, pp. 237-253. RODRIGUES, José Carlos (2003). Antropologia e Comunicação: Princípios Radicais, São Paulo: Edições Loyola. SERRES, Michel, (1993). [1992]. O Terceiro Instruído, Lisboa: Instituto Piaget. STOER,

Stephen (2001). “Desocultando o voo das andorinhas: Educação inter/multicultural crítica como movimento social” in STOER, Stephen; CORTESÃO, Luíza e CORREIA, José A. (orgs) (2001). Transnacionalização da Educação: Da Crise da Educação Á «Educação» da Crise, Porto: Edições Afrontamento, pp. 245-292.

TEODORO, António (2001). “Organizações Internacionais e políticas Educativas Nacionais: A Emergência de Novas Formas de Regulação Transnacional, ou uma Globalização de Baixa Intensidade” in STOER, Stephen; CORTESÃO, Luíza e CORREIA, José A. (orgs) (2001). Transnacionalização da Educação: Da Crise da Educação Á «Educação» da Crise, Porto: Edições Afrontamento, pp. 126-162. TORRES, Carlos Alberto (1998). [1998]. Democracia, Educação e Multiculturalismo, Petrópolis: Editora Vozes. WIEVIORKA, M. (2002). [2000]. A Diferença, Lisboa: Fenda.

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III Parte Opções Pedagógicas e critérios de avaliação

1. Funcionamento da Cadeira A cadeira de Antropologia da Educação tem uma carga horária de 3 horas semanais, originando 2 aulas por semana em volta dum mesmo tema e um sistema de tutoria semanal com meia hora para debater com um grupo de até 4 discentes.

No total, apresentam-se estruturados 12 grandes temas, sendo que cada um é tratado duas vezes por semana: 2 X 1,20h. O tempo é assim dividido em dois tipos de actividades lectivas: •

num, mais teórico, o docente expõe as problemáticas fundamentais e caracteriza e contextualiza as palavras-chave e as noções operatórias de base da aula;



num segundo tempo, em regime de seminário, o grupo-turma ou os grupos de 3 / 4 alunos, aos quais foram distribuídos, previamente, a bibliografia de base do tema da semana, apresentam e debatem os textos atribuídos e deles entregam uma pequena ficha de leitura até 6 páginas dactilografadas. Esse tema poderá vir a ser aprofundado e desenvolvido para trabalho final individual.

Alguns seminários poderão incluir visionamento de filmes ou servir de debate e reflexão sobre os mesmos que terão sido vistos previamente (neste caso, o docente cede aos alunos cópias para o visionamento prévio). 2. Programação e Bibliografia Cada aula teórica é subordinada a uma temática e é apoiada por um conjunto de referências bibliográficas específicas que neste relatório são designadas de “textos de base”. A bibliografia aqui indicada trata-se, salvo correcção eventual posterior, daquela que será objecto de discussão nos seminários e nas aulas. Todavia, informações bibliográficas complementares serão fornecidas em cada aula (neste relatório surgem depois do desenvolvimento de cada aula com o nome de “referências bibliográficas e bibliografia complementar”).

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3. Sistema, Critérios e Parâmetros de Avaliação A avaliação é contínua, ou seja, implica a assistência às aulas, a inscrição nos seminários, nas tutorias, e nas discussões dos planos de trabalho individual e/ou grupal, e apresentação de um trabalho final. Cada grupo deverá fazer uma intervenção no seminário e escrever uma pequena ficha de leitura até 6 páginas A4, a dois espaços, com entrega na semana seguinte à intervenção no seminário. Em cada seminário os alunos inscritos deverão apresentar ao grupo-turma um esquema guião (limite de 1 página A4). O trabalho escrito final será individual e será preparado ao longo do semestre através da leitura dos textos referidos para essas aulas e será discutido com a turma e o docente, mediante inscrição prévia, depois da 12.ª semana de aulas. O trabalho final deve apresentar um argumento central, desenvolvimento do mesmo com base em bibliografia, fundamentação empírica e/ou etnográfica. Não deve ultrapassar as 15 páginas A4, redigidas em português correcto e deve seguir normas coerentes de citação e referências bibliográficas. A não participação (injustificada) nas aulas teóricas e práticas (seminário) implica a exclusão da avaliação contínua e a realização de exame. O exame final é, portanto, ainda outra das modalidades avaliativas estando devidamente regulamentado pelas directivas gerais do ISCTE. No caso da avaliação contínua, as ponderações conducentes à classificação final são as seguintes: •

40% para a apresentação do(s) texto(s) no(s) seminário(s);



40% relativamente ao trabalho escrito final;



20% de apreciação pelo docente da participação nos diferentes seminários e de capacidade de defesa na apresentação e discussão final do trabalho individual.

O trabalho final, individual, será classificado de acordo com os seguintes parâmetros: . Domínio das noções operatórias e problemáticas abordadas nas aulas …………... 40% . Reflexão crítica das questões tratadas …………………………………………….. 40% . Apresentação, rigor linguístico e formal em termos de bibliografia, citações, etc... 20%

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Bibliografia Geral (excluindo a referenciada em cada aula)

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