JEJUM INTERMITENTE & IMPLICAÇÕES METABÓLICAS Ana Beatriz Baptistella Gustavo Barbosa dos Santos
As recomendações usuais para ingestão alimentar sugerem maior fracionamento do número de refeições diárias, com intervalos de 2 a 3 horas, totalizando 5 a 6 refeições por dia. Alguns possíveis efeitos metabólicos dessa intervenção para a saúde incluem (a) maior saciedade; (b) redução de episódios compulsivos; (c) maior biodisponibilidade dos nutrientes; (d) manutenção de níveis sanguíneos constantes de compostos bioativos; (e) melhor regulação glicêmica; (f) redução do nível de cortisol sanguíneo; entre outros. De uma forma geral, o aumento do fracionamento das refeições (> 3 refeições/dia) tem sido associado com maior tempo de esvaziamento gástrico, aumento das concentrações de hormônios intestinais envolvidos na saciedade e menores níveis plasmáticos de insulina e glicose1,2. Além disso, essa conduta contribuiria para o controle de peso, por evitar longos períodos de jejum e aumentos na secreção de cortisol que, em longo prazo, poderiam prejudicar o processo de emagrecimento.
Neste sentido, a revisão sistemática e metanálise de Nakamura, Walker e Ikuta (2016)3 avaliou os efeitos do jejum e da restrição calórica sobre os níveis de cortisol plasmático como um indicador de estresse durante estas condições. Foram analisados 13 estudos (n=357), dos quais 4 empregaram o jejum em sua metodologia (com duração entre 2,5 a 6 dias; n=39) e os demais a restrição calórica (duração de até 360 dias; n=318). Em comparação à restrição calórica, o jejum ocasionou elevação mais significante do cortisol, o que sugere, segundo os autores, a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em condições de restrição alimentar severa3. Contudo, em situações menos severas de restrição calórica, os níveis de cortisol foram aumentados apenas durante o primeiro período, e tendem a reduzir ao longo do tempo da intervenção se aproximando aos níveis basais, indicando que esta elevação é transitória e mais expressiva apenas durante o jejum mais severo em curto prazo3. Vale ressaltar que o cortisol sérico não é considerado padrão-ouro na avaliação do estresse e, ademais, os estudos incluídos apresentaram grande heterogeneidade de metodologias e baixo número amostral, o que, em conjunto, impossibilita estabelecer uma relação causal.
Com o objetivo de avaliar os efeitos do fracionamento de refeições em parâmetros metabólicos de mulheres com síndrome do ovário policístico (SOP), pesquisadores da Grécia4 compararam os efeitos de dois padrões alimentares: seis versus três refeições ao dia. Para
 tanto foram randomizadas, 40 mulheres com SOP, com IMC médio de 27 kg/m 2, recebendo uma dieta padrão isocalórica com 40% de carboidratos, 25% de proteínas e 35% de lipídios durante 12 semanas, consumida em três ou seis refeições ao dia; após esse primeiro período os grupos foram cruzados e seguiram a nova intervenção por mais 12 semanas. Durante esse período foram realizadas, quinzenalmente, avaliações antropométricas, aceitação da dieta, fome subjetiva, saciedade e o desejo por alimentos. Com relação aos parâmetros metabólicos, foram realizadas as seguintes avaliações pré- e pós-intervenção: glicemia e insulinemia de jejum; hemoglobina glicada (HbA1c), marcadores hepáticos e do perfil lipídico, além do teste de tolerância oral a glicose (com carga de 75g de glicose)4.
Não houve, entre os grupos, diferença significativa na saciedade ou no desejo de comer. Ou seja, consumir um número menor de refeições ao longo do dia não interferiu negativamente na saciedade e no desejo de comer, apesar de os indivíduos consumindo seis refeições ao dia terem apresentado menor sensação de fome4.
Com relação aos parâmetros antropométricos, as duas intervenções levaram a reduções semelhantes na circunferência da cintura e no IMC. Já para os marcadores metabólicos, o maior número de refeições ao longo do dia promoveu menores níveis plasmáticos de insulina de jejum e aumento significante na sensibilidade a insulina após o teste de tolerância oral a glicose4.
Esses resultados são corroborados por outros trabalhos com metodologia semelhante, em mulheres eutróficas e obesas, indicando efeitos benéficos do maior fracionamento das refeições nos marcadores de insulina5-8. Entretanto, há estudos com resultados conflitantes aos citados, que não encontraram melhora significativa nos níveis de insulina, mesmo entre indivíduos com sobrepeso e/ou obesidade9-11. Assim, não há um consenso sobre os efeitos desse tipo de intervenção em outros marcadores bioquímicos e antropométricos, nem resultados com estudos de longo prazo.
Outro ponto de discussão com relação ao fracionamento diário das refeições é a sensação de fome. A princípio, um maior fracionamento das refeições levaria ao controle da fome. De fato, Bachman & Raynor (2012)12 encontraram essa relação: mulheres recebendo dietas (entre 1200 e 1500 calorias) fracionadas a cada 2 a 3 horas (totalizando cerca de 6 refeições/dia) apresentaram redução significante da fome, após 6 meses de acompanhamento, quando comparadas ao fracionamento diário de 3 refeições. Esses resultados são corroborados por
 diversos estudos apresentados no simpósio “Eating Patterns and Energy Balance: A Look at Eating Frequency, Snacking, and Breakfast Omission”, em 2009, indicando melhor controle do apetite com o fracionamento de 6 refeições ao dia, quando comparado a 3 refeições/dia13. Entretanto podemos destacar também resultados conflitantes: Leidy e colaboradores (2010)14 observaram que uma dieta hiperproteica é capaz de promover saciedade e plenitude independentemente do fracionamento das refeições; porém quando comparado ao consumo de 3 refeições por dia, o padrão com 6 refeições por dia promoveu menor plenitude, independente da quantidade de proteína ingerida em indivíduos obesos ou com sobrepeso. Contrariamente, indivíduos magros apresentaram mais fome e maior desejo de comer quando consumiram 6 refeições ao dia, em comparação com 3 refeições/dia, associada com maior área sobre a curva para as análises de glicemia e menores valores para a curva de insulinemia15. Esses resultados indicam que essa intervenção não promoveu reduções nos níveis de glicemia e insulina entre as refeições que pudessem influenciar a sensação de fome – efeitos atribuídos ao consumo de dietas isocalóricas entre os dois modelos de intervenção15.
Diante desses resultados, é importante refletirmos sobre as práticas nutricionais adotadas no consultório em relação ao fracionamento das refeições, com o objetivo de respeitar a rotina alimentar do paciente. É importante considerar quais aspectos clínicos podem ser beneficiados com a manipulação do número de refeições ao longo do dia e a real aplicabilidade prática na rotina alimentar do paciente. Será que todos os pacientes se beneficiarão do maior fracionamento das refeições? Até que ponto devemos “obrigar” o paciente a se alimentar a cada 2,5 a 3 horas? Não seria mais prudente e prático respeitar o fracionamento usual do paciente, fazendo a correção da qualidade e da quantidade nutricional dessa dieta?
De acordo com a Academia Americana de Nutrição e Dietética, em seu mais recente Position Paper sobre intervenções para o tratamento de adultos com sobrepeso e obesidade16, há poucos estudos randomizados, controlados e de longo prazo sobre a influência da frequência alimentar na perda de peso – e esses estudos não encontraram efeitos benéficos na perda de peso com maior fracionamento das refeições.
Nesse sentido, fica evidente a importância de novas pesquisas sobre o efeito do fracionamento das refeições e tempo de ingestão, já que esses fatores têm sido associados como possíveis influenciadores da obesidade e desequilíbrios metabólicos. Ainda não há consenso sobre a real influência dos padrões alimentares, como o hábito de “pular” refeições, realização de lanches
 intermediários, padrão irregular e a frequência e momento da ingestão alimentar, no controle do peso.
Quando pensamos em individualidade bioquímica, é importante considerar o padrão alimentar individual, tais como, número de refeições realizadas, horários das refeições e quantidade alimentar consumida. O sucesso da intervenção nutricional é dependente dessas variáveis, já que a proposta de alimentação deverá respeitar as preferências alimentares do paciente, bem como sua rotina alimentar e hábitos de vida. Desta forma, é importante avaliar criteriosamente qual fracionamento dietético será proposto.
Por outro lado, estratégias que incluem restrição dietética e restrição calórica têm ganhado força em virtude de recentes achados científicos indicando efeitos metabólicos benéficos.
O jejum tem sido praticado por milênios devido a crenças religiosas, sendo parte das principais culturas mundiais. Por outro lado, alguns indivíduos têm o hábito de realizar períodos de jejum por acreditarem em seus benefícios à saúde. Importante considerar que as pessoas são expostas diariamente ao jejum, durante o período noturno, associado ao ritmo circadiano humano – o corpo humano está muito bem adaptado a curtos períodos de jejum, e o jejum noturno de 8 horas ou mais, é comum para a grande maioria das pessoas17.
1. JEJUM & EVOLUÇÃO HUMANA Com exceção da sociedade atual e dos animais domesticados, o padrão alimentar de muitos mamíferos é caracterizado pelo consumo energético intermitente: animais carnívoros matam e comem suas presas apenas algumas vezes na semana ou ainda com menos frequência; os antropoides caçadores-coletores frequentemente se alimentam de maneira intermitente, dependendo da disponibilidade dos alimentos18.
Do ponto de vista evolutivo, a capacidade de resistir a períodos de escassez de alimento e ao jejum prolongado, ou seja, ao jejum intermitente, foi determinante para a sobrevivência da nossa espécie18. Muitas adaptações para a sobrevivência nestes períodos de escassez de alimentos são conservadas entre os mamíferos, incluindo função de órgãos para captação e armazenamento da glicose rapidamente mobilizada (estoques de glicogênio hepático) e substratos energéticos de longa duração (como ácidos graxos no tecido adiposo). Estas adaptações parecem ocorrer não apenas no aspecto metabólico, mas, também, cognitivo. Em mamíferos, a restrição calórica severa resulta em atrofia da maioria dos órgãos, exceto do
 cérebro19. De uma perspectiva evolucionária, isso sugere que a manutenção da função cognitiva, sob condição de escassez alimentar, seja determinante para a sobrevivência. Em teoria, esta melhora cognitiva aumentaria as chances de o animal/indivíduo criar novas maneiras de encontrar alimento. Em roedores, por exemplo, alternar dias de alimentação normal com dias de jejum (estratégia chamada de jejum intermitente) pode aumentar a função cerebral, indicada por melhora no desempenho de testes comportamentais de função sensorial e motora, além de aprendizado e memória20,21.
Análises historiográficas mostram adaptações comportamentais que permitiram a aquisição e armazenamento de alimentos em muitas espécies – incluindo os humanos, nos quais a evolução da capacidade cognitiva levou à revolução agrícola, cerca de 10 mil anos atrás, e resultou em uma disponibilidade de alimentos durante todo o ano18. Entretanto, nos últimos 50 anos, houve um aumento considerável na disponibilidade de alimentos de alta densidade calórica (grãos refinados, açúcares, gorduras, xarope de milho, entre outros) que passaram a compor as refeições diária da grande maioria da população mundial22.
O consumo diário de refeições de alta densidade energética, associado ao estilo de vida sedentário, contribui de maneira plausível para o surgimento da obesidade e doenças relacionadas, como as principais causas de morbidade e mortalidade, conforme apresentado na figura 118. Importante destacar que a obesidade também tem se tornado um problema de saúde entre animais experimentais alimentados de maneira ad libitum23-25 – entretanto essas condições não são observadas em animais selvagens e em humanos caçadores-coletores26.
Figura 1. Relação entre aumento da obesidade e fatores de estilo de vida.
 Fonte: Adaptado de Mattson et al. (2014)18.
Desta forma, podemos concluir que a ingestão alimentar de forma intermitente faz parte da evolução humana e representa um pilar importante para nossa evolução. Por outro lado, já estão bem estabelecidos os efeitos da modernização da alimentação e da maior disponibilidade de alimentos de alta densidade energética na saúde humana.
Atualmente, a prática do jejum (em seus diferentes protocolos) tem sido realizada com o objetivo de promover alteração no uso de substratos energéticos resultando assim, em respostas metabólicas adaptativas para a saúde humana. Estima-se que com a redução do glicogênio hepático induzida pelo jejum, o organismo potencializaria outras vias de geração de energia incluindo gliconeogênese, lipólise, oxidação de gorduras e cetogênese21.
2. PROTOCOLOS DE JEJUM
A restrição calórica voluntária, definida como uma intervenção nutricional com redução do consumo energético e manutenção da qualidade nutricional (distribuição de macronutrientes), tem sido associada a efeitos benéficos na expectativa de vida e longevidade em modelos experimentais com ratos e primatas, sendo uma das intervenções não genéticas e não farmacológicas mais estudadas27,28. Preconiza-se que a restrição calórica corresponda a redução de 20 a 40% do consumo calórico diário, porém com manutenção da frequência das refeições. Estudos iniciais, desenvolvidos em 1935, demonstraram que a simples redução do consumo calórico sem gerar desnutrição foi suficiente para praticamente dobrar a expectativa de vida em ratos29.
Outro protocolo utilizado, a restrição dietética, engloba diversas estratégias nutricionais de amplo escopo que promovem restrições específicas de macronutrientes e/ou de padrões alimentares, incluindo: jejum periódico, “starvation” de curto período, dietas que mimetizam o jejum, jejum intermitente, dietas normocalóricas com deficiências planejadas (principalmente de macronutrientes – proteínas ou carboidratos) e alimentação em períodos restritos (timerestricted feeding – que envolve a ingestão alimentar em períodos específicos de 4 a 6 horas por dia)28. Essas intervenções são relativamente recentes e têm sido associadas a efeitos benéficos na saúde geral e em alguns casos a longevidade.
 O protocolo mais frequentemente utilizado, o jejum (definido como ato consciente e voluntário de não se alimentar por períodos entre 12h a 3 semanas), é caracterizado como uma intervenção dietética extrema, com ausência total do consumo alimentar ou restrição alimentar de 60% ou mais do valor calórico total. Atualmente, diferentes protocolos foram criados com variações na duração e frequência do jejum, conforme demonstrado no quadro 1.
Quadro 1. Diferentes protocolos de jejum Protocolo
Descrição
Jejum completo em dias Dias de jejum absoluto (sem alimentos ou bebidas com energia) alternados
ou ingestão máxima de alimentos com até 25% das necessidades, alternados com dias de alimentação (consumo ad libitum)
Jejum
modificado Consumo de 0-25% das necessidades energéticas em dias de
(intermitente)
jejum programado (restrição pode chegar a 50-100%), que podem ser 1-2 dias na semana intercalados com 5-6 dias de consumo ad libitum
Restrição do tempo de Consumo energético ad libitum dentro de janelas de horários alimentação (TRF – time específicos (3-4h, 7-9h, 10-14h) criando períodos de jejum dentro restricted feeding)
da rotina (entre 10 a 21h), compreendendo entre 1 a 3 refeições ao dia. O protocolo mais comum propõe o consumo alimentar das 10h às 18h
Jejum religioso
Diferentes propostas de jejum de acordo com objetivos religiosos e espirituais, em dias fixos do calendário (por exemplo, jejum relacionado à Páscoa entre indivíduos católicos)
Jejum do Ramadã
Jejum do nascer ao pôr do sol durante o mês do Ramadã permitindo o consumo de uma grande refeição ao anoitecer e uma refeição leve ao amanhecer (cada período dura aprox. 12h)
Fonte: Adaptado de Patterson et al. (2015)30.
Por último, o protocolo do jejum intermitente se refere à prática do jejum em dias alternados ou em período específico do dia (que pode variar de 10 a 21 horas de restrição alimentar total), enquanto que o jejum periódico se refere à restrição severa por dois ou mais dias de forma periódica (a cada duas semanas, mensalmente, etc.)28.
Dentre os protocolos de jejum, alguns merecem destaque e têm sido mais estudados:
  Método 16/8: Também chamado de “O protocolo Leangains” é composto por 2 refeições diárias em uma janela de 8 horas (por exemplo, uma refeição às 13h e outra às 21h), totalizando 16 horas de jejum.  Método do jejum completo: jejum durante 24 horas, uma ou duas vezes por semana.  Dieta 5:2: Ficou conhecida popularmente pelo livro “The Fast Diet”, onde em dois dias não consecutivos da semana, os indivíduos só consomem 500-600 calorias e voltam a consumir alimentos normalmente nos outros 5 dias.
Essas intervenções compartilham efeitos similares, mas frequentemente distintos, sobre diferentes biomarcadores (incluindo níveis de glicemia e insulinemia) sugerindo o envolvimento de mecanismos sobrepostos31.
Um efeito metabólico de destaque é que tanto o jejum intermitente quanto o periódico podem aumentar a expectativa de vida mesmo quando há pouca ou nenhuma restrição no consumo calórico32,33 – entretanto, mais estudos clínicos são necessários para sustentar a aplicabilidade e segurança do jejum à saúde. Contudo, em alguns casos específicos, o jejum intermitente pode ser uma estratégia nutricional útil na prática clínica, devendo ser aplicada com critério e responsabilidade, de acordo com a individualidade bioquímica de cada paciente.
3. MECANISMOS DE AÇÃO & RESPOSTAS ADAPTATIVAS
Sabe-se que o jejum resulta em cetogênese, promove importantes alterações em vias metabólicas e processos celulares, incluindo resistência ao estresse, lipólise e autofagia, e pode ter aplicações clínicas (sendo, em alguns casos, tão efetivo quanto o uso de medicamentos – como em convulsões e danos cerebrais associados e modulação da artrite reumatoide)19,21.
O jejum com duração entre 12 e 24 horas pode resultar em redução de 20% ou mais dos níveis de glicose e grande depleção do glicogênio hepático, além de levar a mudanças de vias metabólicas onde a glicose extra-hepática, corpos cetônicos derivados de lipídios e os ácidos graxos livres são utilizados como fontes de energia19. Esse mecanismo é essencial já que o cérebro utiliza, preferencialmente, glicose como fonte de energia, diferente da maioria dos tecidos corporais que pode usar ácidos graxos como fonte de energia. Em situações de estresse energético como o jejum, o cérebro passa a utilizar, também, corpos cetônicos (especificamente beta hidroxibutirato e acetoacetato) como substrato energético. O beta-
 hidroxibutirato é tão importante para a saúde cerebral que seus níveis plasmáticos durante o jejum são cerca de 5 vezes maiores do que os outros substratos.
Os corpos cetônicos são produzidos, principalmente, nos hepatócitos a partir do acúmulo de acetil-coA, induzido pelo jejum. Nesta situação, o oxaloacetato que seria utilizado na primeira reação do ciclo de Krebs, com o acetil-coa, para a formação de citrato, é desviado para a formação de piruvato e glicose, num processo chamado gliconeogênese. Isso levaria ao acúmulo de acetil-coa vindo da beta oxidação dos ácidos graxos liberados na corrente sanguínea pelos adipócitos, ou a partir da conversão de aminoácidos cetogênicos. Os corpos cetônicos são, então, transportados para a corrente sanguínea e levados aos outros órgãos, servindo de substrato energético após serem novamente convertidos à acetil-coa nos tecidos. Assim, a síntese dos corpos cetônicos é uma forma do fígado transferir esqueleto carbônico oxidável, provenientes do acetil-coa, para os tecidos periféricos e para o sistema nervoso central.
Com a depleção do glicogênio hepático, os corpos cetônicos, o glicerol derivado da gordura e os aminoácidos contribuem com cerca de 80g/dia de glicose gerada pela gliconeogênese (quantidade praticamente toda consumida pelo cérebro) (figura 2). Dependendo da composição corporal essas diferentes fontes energéticas permitem que o organismo humano sobreviva por até 30 dias sem nenhum suprimento alimentar.
Figura 2. Esquema representativo da formação dos corpos cetônicos
 As respostas adaptativas ao jejum sofrem influências de mecanismos de regulação cerebral, conforme demonstrado na figura 3. Com o objetivo de otimizar a função cerebral e o metabolismo energético periférico, durante o jejum ocorrem alterações neuroquímicas e na atividade neuronal, já que o cérebro se comunica com todos os órgãos periféricos envolvidos no metabolismo energético. O jejum aumenta a atividade do sistema parassimpático, por meio da acetilcolina, nos neurônios autonômicos que inervam o intestino, coração e artérias, resultando em melhora da motilidade intestinal e redução da frequência cardíaca e pressão arterial. Ainda, como parte das respostas adaptativas, o jejum aumenta a sensibilidade a insulina nas células musculares e hepáticas, e reduz a produção de IGF-1, além de promover redução da inflamação e estresse oxidativo19.
Como dito anteriormente, o estresse energético severo, induzido pelo jejum resulta em redução do tamanho de diversos órgãos (fígado, coração e rins) exceto do cérebro – refletindo, de uma perspectiva evolucionária, a importância da manutenção da função cognitiva sob condições de escassez alimentar.
Figura 3. Papel central dos sistemas nervoso e endócrino como mediadores das respostas adaptativas nos principais órgãos em resposta ao jejum
BDNF: fator neurotrófico derivado do cérebro, FGF2: fator de crescimento de fibroblasto 2, HSP-70: proteína de choque térmico 70, GRP-78: proteína-78 regulada pela glicose, HO-1: heme oxigenase 1, IGF-1: fator de crescimento símile à insulina 1.
 Fonte: Adaptado de Longo & Mattson (2014)19.
O jejum é capaz de induzir ainda, diferentes respostas neuroendócrinas. Inicialmente, ocorre ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal devido a redução da disponibilidade de glicose cerebral, redução dos níveis de insulina e leptina e sensação de fome34 – essa ativação do eixo HHA leva ao aumento inicial nos níveis de noradrenalina, adrenalina, dopamina e cortisol, seguido por redução a médio prazo, indicando um processo de adaptação. Tal efeito metabólico sugere que o jejum pode ter importante efeito hormético (um equilíbrio entre benefícios em longo prazo do jejum com possíveis prejuízos imediatos do insuficiente aporte calórico).
Os neurotransmissores cerebrais também podem estar implicados nas respostas centrais e neurobiológicas34. O sistema serotoninérgico está intimamente envolvido na regulação do consumo alimentar e também serve como um sistema transmissor que é prontamente influenciado por fatores nutricionais: períodos de jejum promovem elevação na liberação e turnover de serotonina, devido ao aumento na disponibilidade de triptofano cerebral, seu precursor. Leva ainda, a downregulation de transportadores de serotonina e alteração no padrão de liberação (conforme estudos experimentais)35,36. Esse aumento na disponibilidade de serotonina parece ser induzido pelo BDNF37,38. Desta forma, a modulação da disponibilidade central de serotonina induzida pelo jejum pode ser um potencial mecanismo de resposta adaptativa, estando associada às adaptações cerebrais.
4. EFEITOS METABÓLICOS À SAÚDE HUMANA
4.1 Jejum & Doenças Crônicas
Dentre os possíveis mecanismos propostos para os efeitos benéficos do jejum, Patterson et al. (2015)30 postulam que o jejum intermitente pode influenciar positivamente a regulação metabólica por meio de efeitos no ciclo circadiano, na microbiota intestinal e fatores de estilo de vida (Figura 4).
Figura 4. Associação do jejum intermitente com microbiota intestinal, ciclo circadiano e fatores de estilo de vida e relação com regulação metabólica e doenças crônicas
 Fonte: Adaptado de Patterson et al. (2015)30.
Diversos estudos já demonstraram os efeitos benéficos da restrição calórica na melhora de índices funcionais, redução de fatores de risco metabólicos para doenças crônicas e melhora da expectativa de vida39-43.
Dados clínicos e epidemiológicos são consistentes em demonstrar a capacidade do jejum em retardar o processo de envelhecimento e doenças associadas. Os principais fatores implicados no envelhecimento que podem ser acelerados pelo estilo de vida com excesso de consumo alimentar e retardados pela restrição energética incluem: (a) dano oxidativo a proteínas, DNA e lipídios; (b) inflamação; (c) acúmulos de proteínas e organelas disfuncionais; (d) elevação da glicose, insulina e IGF-1 (embora o IGF-1 reduza com a idade e sua deficiência severa esteja associada com algumas patologias)19.
Entre os principais efeitos relevantes do jejum sobre o envelhecimento e doenças, estão as mudanças nos níveis de IGF-1, IGFBP1 (proteínas carreadoras do IGF-1), glicose e insulina19. Períodos de jejum de três ou mais dias podem levar a uma redução de 30% nos níveis de insulina e glicose, bem como à rápida queda nos níveis de IGF-1 – o principal fator de crescimento em mamíferos que, assim como a insulina, está associado com envelhecimento acelerado e câncer44. O jejum por 5 dias em humanos parece reduzir os níveis de IGF-1 em até 60%, além de aumentar em até cinco vezes os níveis de IGFBP1, diminuindo a fração livre de IGF-145 – entretanto esses efeitos foram promovidos pelo jejum associado à restrição proteica,
 já que a restrição calórica não leva a redução do IGF-1 se não for associada à restrição proteica46.
Além dos efeitos metabólicos supracitados, o jejum parece representar um forte estímulo fisiológico equivalente a um estresse biológico moderado, ativando assim diferentes respostas endócrinas e neurobiológicas (tanto ao nível sistêmico como em vias de sinalização molecular). Diante disso, algumas hipóteses têm sido propostas para explicar seus efeitos benéficos à saúde34: 1. Hipótese de resistência ao estresse: sugere que após o jejum (ou restrição calórica) ocorra
aumento na resistência ao estresse, o que permite que as células se tornem mais resistentes a danos metabólicos, oxidativos e genotóxicos, indicando um possível efeito hormético do jejum47-49. 2. Hipótese do estresse oxidativo: propõe que, sob jejum, há menor produção de radicais
livres na mitocôndria devido a redução na utilização energética, reduzindo o dano celular50. 3. Hipótese de adaptação a escassez: o jejum poderia levar a reprogramação metabólica
celular gerando adaptação a escassez nutricional, retardando processos metabólicos envolvidos em diferentes fisiopatologias, incluindo modulação da ativação do NFB (envolvido na inflamação celular)51. 4. Hipótese da autofagia: a autofagia age como um mecanismo de defesa, por degradar e
reciclar organelas celulares envelhecidas ou defeituosas, e é estimulada sob condições de estresse, preservando estruturas celulares e prevenindo a morte celular; tanto o jejum como alguns nutrientes são potentes reguladores fisiológicos da autofagia52,53. 5. Hipótese do AGE (Produtos finais da glicação avançada): a ligação dos AGE’s com seus
receptores resulta em ativação celular, com aumento da expressão de mediadores inflamatórios e estresse oxidativo – fato que associa os AGE’s com a patogênese e progressão de doenças inflamatórias e aumento da atividade do NFB. Assim, o jejum parece reduzir a exposição do organismo humano aos AGE’s54.
Mais recentemente, Yang e colaboradores (2016)55 avaliaram os efeitos do protocolo de jejum em dias alternados (ADF, do inglês alternate-day fasting) na melhora da obesidade, hiperglicemia, resistência a insulina, inflamação e esteatose hepática em modelo animal. Para tanto, 30 animais foram divididos em três grupos: grupo 1 (recebendo dieta padrão), grupo 2 (recebendo dieta rica em gordura de forma ad libitum) e grupo 3 (recebendo dieta rica em gordura de forma ad libitum em dias alternados com jejum absoluto). Ao final de 12 meses de acompanhamento, os animais do grupo 3 apresentaram maior redução do peso corporal e dos
 níveis de glicemia de jejum, além de melhora da resistência a insulina e da esteatose hepática, quando comparados aos animais recebendo dieta rica em gorduras55. Ainda, o ADF levou a menores níveis de transaminases, indicando menor dado hepatocelular. Concomitantemente, o jejum suprimiu a expressão do TLR-4 (toll-like receptor 4) e do NF-B, Interleucina 1, TNF- e amiloide-A (genes inflamatórios)55. Assim, pode-se concluir que o jejum em dias alternados atenuou danos hepáticos, além de promover modulação dos marcadores inflamatórios.
Teng et al. (2013)56 desenvolveram um estudo com o objetivo de determinar o efeito do jejum intermitente sobre parâmetros metabólicos e dano ao DNA. Para tanto, foram selecionados 56 indivíduos, aleatoriamente divididos em dois grupos para seguir o protocolo de jejum intermitente (redução de 300-500 calorias/ dia combinado com dois dias de jejum Ramadã – consumo de uma refeição leve pela manhã seguido de 13 horas de ausência total do consumo alimentar com consumo de uma refeição completa após o pôr-do-sol) ou controle (manutenção dos hábitos alimentares usuais). Ao final de 12 semanas, os indivíduos do grupo jejum apresentaram redução significativa do peso corporal, IMC, porcentual de gordura, tecido adiposo, pressão arterial, colesterol total e lipoproteína de baixa densidade. Houve ainda, redução no dano ao DNA no grupo jejum, em comparação ao controle56.
Outro estudo conduzido pelo mesmo grupo de pesquisadores e utilizando o mesmo protocolo de jejum, mostrou redução nos sintomas de depressão e no nível de estresse emocional57. Corroborando com este, Hussin e colaboradores (2013)58 apontam que a prática de jejum intermitente em indivíduos saudáveis esteve associada com melhora do estado de humor (redução significativa dos sentimentos de tensão, raiva e confusão). Em ambos os estudos, pode ser observada a redução significativa do peso corporal, IMC e porcentagem de gordura nos participantes que seguiram o protocolo de jejum intermitente57,58.
Apesar da escassez de estudos clínicos com desenho experimental adequado e comprovação clínica, uma revisão de três ensaios clínicos sobre os efeitos do jejum em humanos demonstrou melhora no controle do peso e de desfechos metabólicos, incluindo menor prevalência de doenças cardiovasculares e diagnóstico de diabetes59.
Varady (2016)60 elaborou uma revisão de estudos com humanos que avaliaram o impacto do jejum intermitente na homeostase da glicose. Os principais estudos avaliados são apresentados a seguir, no quadro 2. O autor concluiu que ainda não está claro que essa conduta é uma medida efetiva na regulação da glicemia devido à escassez de estudos,
 indicando a necessidade de pesquisas clínicas para a recomendação do jejum como alternativa para a prevenção e tratamento de desordens metabólicas.
Quadro 2. Principais estudos avaliando a relação do jejum com homeostase da glicose
Fonte: Adaptado de Varady (2016)60.
Nesse sentido, devido às diferentes respostas adaptativas que o jejum é capaz de promover em marcadores inflamatórios e metabólicos, pressupõe-se que tal estratégia de manipulação nutricional, quando bem aplicada e controlada, poderia contribuir para o manejo clínico de doenças crônicas com fisiopatologia permeada por estados inflamatórios. Entretanto são necessários mais estudos clínicos bem delineados, de longa duração, para estabelecer os reais efeitos do jejum no controle metabólico.
4.2 Jejum & Composição Corporal
Os estudos sobre os efeitos do jejum no controle de peso em humanos ainda são escassos e limitados. Entretanto, há indicadores de que diferentes protocolos podem contribuir com a perda de peso, além de promover efeitos positivos em parâmetros metabólicos.
Estudos experimentais com o protocolo de jejum intermitente indicam efeitos benéficos, incluindo65-68: 
Redução da gordura abdominal;
Redução dos níveis de leptina e resistina;
Aumento dos níveis de adiponectina;
Redução do tamanho do adipócito, da proliferação celular e dos níveis de IGF-1.
 No ano de 2012, foi publicado um estudo em modelo animal na conceituada revista científica Cell Metabolism avaliando o efeito da administração de uma dieta normal vs. uma dieta com alto conteúdo de gordura, de forma livre (ad libitum) ou com restrição no tempo de alimentação durante a noite (momento em que esses animais normalmente ficam acordados) sobre o aumento de peso e tecido adiposo em ratos69. Para tanto, os animais foram expostos a ciclo claro/escuro de 12h, sendo que os grupos alimentados em horários restritos recebiam a ração (normal ou hiperlipídica) 1 hora após a suspensão da iluminação e 3 horas antes do início da iluminação, totalizando 8 horas. Foi encontrado que, independente da composição da dieta, o protocolo de restrição da ingestão alimentar promoveu menor ganho de peso comparado ao consumo ad libitum69.
Em outro estudo sobre o tema70, um grupo de pesquisadores da Universidade de Illinois avaliou os efeitos do jejum em dias alternados (dias de jejum com até 25% das necessidades energéticas, alternados com dias de alimentação ad libitum) sobre o peso corporal em indivíduos eutróficos e com sobrepeso, por 12 semanas. O grupo que seguiu o protocolo do jejum em dias alternados apresentou redução de 5,2 kg do peso corporal (p