UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

Author José Bergmann Garrau

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIEL DALLA FAVERA DE OLIVEIRA

A PESQUISA JURÍDICA SOB O PÁLIO DO REALISMO BUNGEANO: O ESTUDO DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO PSEUDOCIÊNCIA

Salvador 2014

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GABRIEL DALLA FAVERA DE OLIVEIRA

A PESQUISA JURÍDICA SOB O PÁLIO DO REALISMO BUNGEANO: O ESTUDO DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO PSEUDOCIÊNCIA

Artigo científico apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para aprovação na disciplina Metodologia da Pesquisa Científica.

Salvador 2014

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A PESQUISA JURÍDICA SOB O PÁLIO DO REALISMO BUNGEANO: O ESTUDO DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO PSEUDOCIÊNCIA?

Gabriel Dalla.1

RESUMO: No bojo do presente trabalho visa-se a explorar – criticamente – a aplicação [ou não] dos pressupostos da metodologia científica no âmbito da pesquisa em direito. Circundase o exame precipuamente à depuração do estudo do instituto da reincidência criminal sob as premissas do realismo de Mario Bunge, de maneira a verificar se tal instituto pode ser confundido com a categoria de pseudociência. ABSTRACT: With this paper we intent to explore – critically – the application [or not] of the assumptions of scientific methodology in the search scope in law. The limitation of the exam consists in the study of the recidivism under the premises of the Mario Bunge‘s realism, in order to verify if the institute may be confused with the category of pseudociência. Palavras-chave: Mario Bunge. Pseudociência. Reincidência. Realismo.

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Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm-Faculdade Baiana de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Coordenador Adjunto da pós-graduação em Ciências Criminais do Juspodivm, da Faculdade Baiana de Direito e do Ciclo. Professor de Direito Penal da Faculdade ISEC-FACSAL. Autor de obras em Direito e Processo Penal.

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1. INTRODUÇÃO. Pretende-se, no presente estudo, examimar as premissas metodológicas do realismo de Mario Bunge, de maneira a responder ao seguinte problema orientador: o estudo da reincidência criminal pela doutrina pátria confunde-se com a categoria de pseudociência? No desenvolvimento do presente texto, far-se-á fundamental, já no capítulo 2, abordar as mais relevantes premissas do realismo do autor argentino. Frise-se, desde já, que evidentemente não se objetiva esgotar as impressões da referida teoria, mas, sim, garantir um plexo de noções críticas que bem traduzam-na suficientemente bem, tendo em vista o objetivo final de utilizá-las como parâmetro no exame da atividade de pesquisa em torno da reincidência criminal. No terceiro capítulo, ocupar-se-á de perfazer um panoram tocante ao estudo e desenvolvimento da justiificação do instituto da reincidência criminal no país. Note-se, novamente, que não há pretensão de esgotar o escorço histório derredor de tal fato, mas garantir igualmente uma concepção suficiente do contexto da pesquisa do referido tema e, assim, permitir o seu exame sob o prisma das concepções Bungeanas. Devidamente apreendidos as aspectos firmados nos caítulos 2 e 3, no capítulo 4, realizar-se-á a análise crítica em que se cotejará a aplicação ou não dos postulados de Mario Bunge no desenvolvimento da pesquisa do instituto da reincidência criminal realizada no Brasil. No capítulo 5, condensar-se-ão as conclusões obtidas no desenvolvimento do presente texto. 2. OS PRESSUPOSTOS DO REALISMO DE MARIO BUNGE. De maneira a adimplir satisfatoriamente com os fins pretendidos no presente trabalho, convém fixar os pressupostos do realismo de Mario Bunge que servirão, mais à frente, como parâmetro de exame da pesquisa desenvolvida na área jurídica, notadamente quanto ao instituto da reincidência criminal, objeto concreto de análise. Tem-se por fundamental que, para BUNGE, a ―La ciencia es un estilo de pensamiento y de acción: precisamente el más reciente, el más universal y el más provechoso de todos los estilos‖.2 Mais do que meramente um estilo de pensamento, a ciência é caracterizada, portanto, igualmente por um estilo de ação a ser adotado; isto significa dizer, 2

BUNGE, Mario. El enfoque científico in: La investigación científica. 2ªed., Editorial Ariel, Barcelona, 1985, p. 1.

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então, que – necessariamente – o conhecimento científico pressupõe a adoção de uma[s] determinada[s] postura[s]. Importante que se fixe tal observância, porquante na seara jurídica há uma plêiade de instrumentos a serem potencialmente utilizados para conferir a etiqueta de científica à determinada conclusão: o mais usual pode ser reconhecido no argumento de autoridade, igualmente aplicável à doutrina e jurisprudência. Tais questões, todavia, não se mostram passíveis de serem analisadas neste incipiente momento. No particular, é interessante notar que esta ideia tocante ao risco representado pelo argumento de autoridade ao desenvolvimento de conhecimento científico não é inovação destes tempos. A utilização do argumento de autoridade aproxima-se absolutamente do conceito desenvolvido por BACON referente aos ―ídolos do foro‖ 3, na publicação de Nova Organum, ainda em 1620, porquanto sustenta o referido autor que as próprias relações sociais – notadamente em razão da simbologia da linguagem e da dominação de classe – são capazes de deturpar a obtenção do conhecimento científico. Retomando-se, pois, é preciso que se esclareça que postura é essa que caracteriza a atividade científica e, assim, distingue-a do conhecimento ordinário [senso comum]. Há de se considerar, de saída, que ciência e conhecimento ordinário ocupam-se diuturnamente dos mesmos objetos de análise, razão pela qual a substância examinada não pode, em si, diferenciá-las. Partindo-se do referido pressuposto, força é convir que o traço distintivo consiste no procedimento [forma] adotado para a obtenção do conhecimento e, sobretudo, o objetivo pretendido pelo autor.4 Malgrado Bunge reconheça que tanto forma quanto objetivo caracterizem o método científico, frisa-se a preponderância – para o objeto recortado do presente estudo – desta em detrimento daquela. Sucede que, quanto ao método a ser adotado, há uma plêiade de variações e composições distintas, as quais não serão objeto de análise, porque tal feito representaria o quebrantamento das pretensões do presente texto. Quanto ao objetivo, todavia, não existe tão

3

Na concepção de Bacon, o intelecto humano restava ocupado com noções falsas, as quais obstaculizavam a possibilidade de sua utilização satisfatória para prescrutar a natureza. Essas falsas noções foram subdividades em quatro categorias alcunhadas pelo autor de ―ídolos‖, dentre as quais existem: ―[...] os ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso e da associação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que chamamos de ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre os homens. Com efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto.‖ BACON, Francis. Novum Organum. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 15. 4 BUNGE, Mário. op. cit. p. 4.

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viva divergência, podendo-se trabalhar com a ideia central de Mario Bunge5 de que o método científico é empregado para, em primeiro lugar, incrementar nosso conhecimento e, derivadamente, para expandir nosso bem-estar e nossas possibilidades. O déficit do senso comum ou conhecimento ordinário consiste, pois, na restrição do seu objetivo, que é limitado pela sua absoluta vinculação à percepção e à ação. Consoante sustenta Bunge, ―apenas a ciência cria teorias que, embora não se limitam a condensar nossas experiências, podem ser contrastadas com estas para serem verificadas ou falseadas‖6 Nota-se, neste passo, uma aproximação declarada à ideia de falseabilidade de KARL POPPER enquanto instrumento imprescindível a uma atividade que se pretenda científica. Sustentou o referido autor que: [...] portanto, o método da ciência consiste em tentativas experimentais para resolver nossos problemas por conjecturas que são controladas por severa crítica. É um desenvolvimento crítico consciente do método de ‗ensaio e erro‘; [...] a assim chamada objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico. Isto significa, acima de tudo, que nenhuma teoria está isenta do ataque da crítica; e, mais ainda, que o instrumento principal da crítica lógica — a contradição lógica — é o objetivo.7

O fundamental no desenvolvimento de atividade pretensamente científica é a submssão da teoria aventada à crítica e, mais do que isto, à contradição lógica: à falseabilidade, pois! A falseabilidade nada mais é do que a propriedade que uma determinada ideia ou teoria possui de ser provada como falsa – de ser falseada. Mario Bunge partilha da referida percepção, tanto assim que fixa como regra de contrastación: não declarar verdadeira uma hipótese satisfatoriamente confirmada; considerála, no melhor dos casos, como parcialmente verdadeira.8 A relevância fulcral a ser creditada ao predicativo da falseabilidade consiste no fato de que, como aclarou bem FRANCIS 5

Nas palavras do próprio autor: ―¿Para qué fines se emplean el método-científico y las varias técnicas de la ciencia? En primer lugar, para incrementar nuestro conocimiento (objetivo intrínseco, o cognitivo); en sentido derivativo, para aumentar nuestro bienestar y nuestro poder (objetivos extrínsecos o utilitarios). Si se persigue un fin puramente cognitivo, se obtiene ciencia pura. La ciencia aplicada y la técnica utilizan el mismo método general de la ciencia pura y varios métodos especiales de ella, pero los aplican a fines que son en última instancia prácticos. Si estos fines utilitarios no concuerdan con el interés público, la ciencia aplicada puede degenerar en ciencia impura, tema que se ofrece a la sociología de la ciencia para su estudio.‖ Ibidem, p. 23. 6 Ibidem, p. 3. 7 POPPER, Karl. A Lógica das ciências sociais. 3ª ed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004, p. 16. 8 BUNGE, Mario. op. cit. p. 8.

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BANCON9: há uma reconhecida e reconhecível predisposição em, após a assunção de determinada posição, teoria ou opinião, envidar esforços no sentido exclusivo de comprová-la – ou, pelo menos, subsidiá-la de uma maneira mais robusta. Existe uma inclinação ao descuramento da contraprova, o que é absolutamente prejudicial à consolidação do conhecimento. Neste contexto, ressoa como absolutamente imprescindível à pesquisa científica – e, por consectário lógico, à obtenção do conhecimento – a falseabilidade da teoria aventada como explicativa ou justificadora da posição. Na terminologia de Bunge, ainda que satisfatoriamente comprovada, esta teoria apenas pode ser declarada como parcilmente verdadeira. A submissão da teoria à contrastación é, então, verdadeiro mecanismo de controle, tendo em vista que se verifica uma tendência de que a pesquisa seja realizada meramente com o propósito de defender uma posição anterior e – ainda que inconscientemente – já assumida. Realizar estudo para o fim de justificar uma posição preteritamente assumida certamente obscurece tanto a metodologia [forma] empregada quanto o resultado [conhecimento] obtido. Nao é diversa a lição de ÉMILE DURKHEIM, ao versar – como regra da ―disciplina rigorosa‖ a ser empreendida no estudo dos fatos sociais – a necessidade de se ―descartar sistematicamente todas as prenoções‖.10 Um adendo neste ponto se faz necessário quanto ao esclarecimento de que não se advoga, aqui, a tese concernente à neutralidade científica absoluta. Concepção esta que, comprovadamente, trata-se de verdadeiro mito, haja vista a impossibilidade de se despir o ―cientista‖ social de seus pré-conceitos, pré-concepções, noções e/ou opiniões para o exame de um objeto que, pretensamente, explicar-se-ia de per si. A referida teoria da neutralidade serviu, inclusive, muito apropriadamente para a consolidação do argumento de autoridade do conhecimento produzido, pois, como advertiu HILTON JAPIASSU, ―a verdade encontrada por um indivíduo íntegro e rigoroso estaria mesmo isenta de discussão‖.11

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BACON, Francis. op. cit. p. 16. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 57. 11 Sobre concepção da neutralidade científica, suas consequências e crítica, Hilton Japiassu assevera: ―O saber especializado desperta a admiração temerosa por parte daqueles que o ignoram. Há todo um respeito admirativo em relação à linguagem científica, dotada de uma universalidade de direito, habilmente restringida aos iniciados. Seu esoterismo protege o segredo, sobretudo pela matematização e pela formalização. O poder de dominar a matéria de fazer coisas, da ciência, acarreta, nos não-iniciados, uma atitude de submissão. É por isso que ela exerce sobre muitos um poder quase mágico, um ―poder dogmático‖. E é por isso, igualmente, que muitos vêem nos cientistas os detentores do ―magistério da realidade‖: só eles estão habilitados a dizer o sentido, a propor a verdade para todos, como se fossem taumaturgos ou verdadeiros alquimistas. O que se pede a eles, através das 10

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Devidamente compreendidas as premissas, insta que se repise: o que não se pode admitir em pesquisa que se pretenda científica é a adoção prévia de uma resposta ou solução ao problema enfrentado e a elaboração de estudo direcionado à sua fundamentação. De igual modo, tem-se por fundamental a submissão do resultado ao instrumento de controle denominado contrastación por Bunge ou falseabilidade para Popper. O desenvolvimento de determinada pesquisa nestes tortuosos termos pode conduzir ao que Bunge alcunhou de pseudociência, que consiste num ―corpo de crenças e práticas cujos cultivadores desejam, ingênua ou maliciosamente, dar como ciência, malgrado

não

compartam com esta nem a colocação, nem as técnicas, nem o corpo de conhecimento.‖12 A pseudociência assume, assim, uma posição de evidente destaque, tendo em vista a potencialidade deletéria derivada de sua própria existência: um corpo de conhecimentos não referenciados [não falseáveis] obtido sem disciplina metodológica dado por científico. Notase com suficiente clareza que a pseudociência é instrumento absolutamente valioso para o fim de manipulação ideológica ou mesmo imposição de meros pontos de vista como teorias comprovadas [lida-se aqui, muito nitidamente, composição a ser possivelmente ocupada com o argumento de autoridade]. De modo tão sintético quanto proveitoso, Bunge se ocupa de descrever os aspectos negativos da pseudocicência frisando alguns em particular: a pseudociência se nega a fundamentar suas doutrinas; a pseudociência se nega a submeter suas teorias à prova; a pseudociência é, em grande, parte incontrastável, porque: [...] porque tiende a interpretar todos los datos de modo que sus tesis queden confirmadas ocurra lo que lo ocurra; el pseudocientífico, igual que el pescador, exagera sus presas o disculpa todos sus fracasos. En tercer lugar, que la pseudociencia carece de mecanismo autocorrector: no puede aprender nada ni de una nueva información empírica (pues se la traga sin digerirla), ni de nuevos descubrimientos científicos (pues los desprecia), ni de la crítica vulgarizações, é muito menos um complemento de informações do que a forma presente das questões últimas, pois as antigas respostas teológicas foram desprestigiadas. Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivos do saber, devendo fechar todas as ―cicatrizes do não-saber‖ e fornecer os bálsamos para as angústias individuais e sociais. Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real do mundo que o cerca. O mundo cientifico nada tem de ideal, não é uma terra de inocência, livre de todo conflito e submetida apenas à lei da verdade universal, isto é, de uma verdade testável e verificável em toda parte, através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentação. Como se o cientista pudesse ser o detentor de uma verdade que, uma vez formulada em sua coerência, estaria isenta da discussão; e como se ela pudesse guardar para sempre a imagem de um indivíduo sempre íntegro e rigoroso, jamais sujeito à incoerência das paixões‖. JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. RJ: Imago Editora, 1975, p.116. 12 BUNGE, Mario. op. cit. p. 34.

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científica pues la rechaza con indignación). La pseudociencia no puede progresar porque se las arregla para interpretar cada fracaso como una confirmación, cada crítica como si fuera un ataque. Las diferencias de opinión entre sus sectarios, cuando tales diferencias se producen, dan lugar a la fragmentación de la secta, y no a su progreso. En cuarto lugar, el objetivo primario de la pseudociencia no es establecer, contrastar y corregir sistemas e hipótesis (teorías) que reproduzcan la realidad, sino influir en las cosas y en los seres humanos: como la magia y como la tecnología, la pseudociencia tiene un objetivo primariamente práctico, no cognitivo, pero, a diferencia de la magia, se presenta ella misma como ciencia y, a diferencia de la tecnología, no goza del fundamento que da a ésta la ciencia.13

A pseudociência é conceituada uma de categoria que abarca uma série de conhecimentos [não científicos], os quais são caracterizados justamente por sua infidelidade metodológica. No que diz respeito às pretensões do presente estudo, tem-se por fundamental a apreensão do conceito de pseudociência – e seus caracteres identificadores -, porquanto destina-se verificar se a pesquisa em direito, máxime quanto à reincidência criminal, compartilha destas características. O fundamental é notar que o pseudocientista possui um vício inato consistente no objetivo pretendido: visa a confirmar suas teses independentemente da natureza dos dados e argumentos contrários, deprecia a crítica e trata o fracasso como confirmação. O objetivo, ademais, da pseudociência é primariamente prático: não se preocupa ordinariamente em conhecer, mas influir. Uma vez fixadas as premissas, seguir, pois, é preciso.

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BUNGE, Mario. op. cit. p. 25. Tradução livre: [..] tende a interpretar todos os dados de modo que suas teses restem confirmadas ocorra o que ocorrer; o pseudocientista, igual ao pescador, exagera suas presas e minimiza os seus fracassos. Em terceiro lugar, que a pseudociência carecede de mecanismo autocorretor: não pode apreender nada nem de uma nova informação empírica (pois a traga sem digeri-la), nem da crítica cienttífica (pois a rechaça com indignação). A pseudociência não pode progredir porque se franqueia para interpretar cada fracasso como uma confrimação, cada crítica como se fosse um ataque. As diferenças de opinição entre seus seguidores, quando tais diferenças se produzem, dão lugar à fragmentação da seita, e não ao seu progresso. Em quarto lugar, o objetivo primário da pseudociência não é estabelecer, contrastar e corrigir sistemas e hipóteses (teorias) que reproduzem a realidade, mas influir nas coisas e nos seres humanos: como a magia e como a tecnologia, a pseudociência tem um objetivo primariamente prático, não cognitivo, mas, diferentemente da magia, se apresenta ela mesma como ciência e, diferentemente da tecnologia, não goza do fundamento que dá a esta a ciência.

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UM BREVE ESCORÇO DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA DO

INSTITUTO DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO BRASIL. Como advertido, malgrado se pretenda realizar uma análise tocante ao emprego devido das premissas fundamentais do realismo metodológico de Mario Bunge à pesquisa em direito, teve-se por imprescindível recortar o objeto de exame como forma de garantir a própria viabilidade do estudo. Desto modo, ocupava-se da verificação concernente ao estudo do instituto da reincidência criminal, dada a relevância da temática doravante salientada. Desde os mais remotos tempos, a ocorrência da reiteração ou repetição do crime reclama uma maior reprimenda sobre o delinquente; sucede que, mesmo por causa deste profundo enraizamento do censo subconsciente de maior censurabilidade, ao contrário da convicção natural14, tal instituto, nos sistemas penais legitimados numa perspectiva do Estado Democrático de Direito, sob o pálio do princípio da culpabilidade, como formalmente é o brasileiro, carece de uma necessária contextualização. Advirta-se, de pronto, que uma atividade destinada à busca do estabelecimento de um conceito universal e irrefutável de reincidência está fadada ao insucesso, haja vista que são diversos os tratamentos jurídicos conferidos àquele instituto, o que, por via de consequência, confere contornos particulares a depender da realidade sobre a qual se debruce15. Reconhecida, portanto, tal dificuldade16, há de se partir na busca de uma noção geral do que se compreende por reincidência, senão exata, no mínimo, melhor adequada para os 14

Consoante a lição de Martínez de Zamora, ―El fenómeno del retorno al crimen tras la condena se encuentra en la realidad social de todos los tiempos y países y casi siempre el derecho penal lo ha tenido en cuenta como motivo para una más rigurosa reacción punitiva‖. MARTÍNEZ DE ZAMORA, A.: La Reincidencia, Murcia, 1971, p. 13. 15 Neste mesmo sentido, tocante à problemática na conceituação do instituto, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho asseveram: ―Tecnicamente, como observa Zaffaroni, é muito difícil fornecer um conceito satisfatório de reincidência, pois toda e qualquer construção dogmática sobre o instituto tende a se centralizar nas definições tradicionais de reincidência genérica ou específica, ficta ou real, ou ainda, nos países que adotam, na diferenciação e sistematização desta com institutos similares como os da multireincidência, habitualidade, continuidade, profissionalidade ou tendência delitiva‖. CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo: Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 62. 16 Admitindo e justificando tal dificuldade, Eugênio Raul Zaffaroni asseverou: ―Esta dificultad obedece a varias razones: a) Conspira contra una definición pacíficamente aceptada la disparidad de presupuestos exigidos en la legislación comparada, que da lugar a la clasificación más corriente entre genérica o específica y ficta o real, b) Esa misma disparidad y la incorporación legislativa de conceptos que implican a la reincidencia o que le son próximos (como la multireincidencia, la habitualidad, la profesionalidad o la tendencia), hacen inevitable la parcial superposición con éstos, c) Ocasionalmente, estos conceptos próximos y parcialmente superpuestos admiten hipótesis de reiteración, lo que confunde más las cosas al desdibujar los límites entre esta y la reincidencia, d) Por último, los intereses científicos de los juristas y de los criminólogos no suelen coincidir en esta materia, por lo cual los objetos que focalizan son diferentes y, por ello, las delimitaciones conceptuales resultan dispares‖. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Hacia un Realismo Jurídico Penal Marginal, Caracas: Monte Ávila Editores, 1992, p. 1.

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fins a que se destina o estudo. Para tanto, partir-se-á da delimitação proposta por Eugênio Raul Zaffaroni. Ocupar-se-á, então, no presente estudo, com a problemática tocante às disposições legais que criam uma consequência jurídica mais grave ou mais privativa de direitos em razão da circunstância de a pessoa ter, anteriormente, sido condenada ou cumprido pena por outro delito. Entendendo-se por mais grave a imposição de uma pena maior, a imposição de medidas de segurança ou a privação de certos institutos e benefícios17. Neste sentido, ocupar-se-á de abordar – ainda que brevemente – as raízes e o desenvolvimento do estudo da legitimidade do instituto da reincidência no Brasil para, posterioremente, verficar se se adéqua às premissas do realismo de Mario Bunge ou, por outra via, se se aproxima da categora de pseudociência. Num primeiro plano, a fim de justificar o problema, é forçoso notar que um instituto jurídico-penal que seja objeto de divergências e discussões tão duradouras18- tal como a reincidência- indica, necessariamente, que não se mostra satisfatoriamente entendido, explicado e, por conseguinte, aplicado. Conforme assinalava FRANCESCO CARRARA19 sobre o referido instituto, quando acerca de algum assunto do direito não estão de acordo as legislações contemporâneas dos povos cultos, e principalmente as que surgiram sob a égide das inspirações progressistas, deve-se convir que, a respeito do assunto, a ciência não disse sua última palavra. A reincidência é - enquanto fenômeno social - inegavelmente universal e atemporal; trata-se, em verdade, tal como o crime, de característica intrínseca à natureza de qualquer compleição societária, porquanto indelével predicado do homem20. Esta primeira constatação

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. op. cit. p. 1. Quanto ao tema, já alertava Zamora: ―Uno de los problemas más importantes entre los que la ciencia penal tiene planteados es el de la reincidencia. Es importante desde cualquier ángulo de visión: por su significado, por sus consecuencias, por la dificultad de su justificación y encuadramiento y, en una palabra, porque en tal institución se halla comprometido todo el saber penal.‖ MARTÍNEZ DE ZAMORA, A. op. cit. p. 09. Tradução livre: Um dos problemas mais importantes entre os quais a ciência penal tem se debruçado é o da reincidência. É importante vista por qualquer ângulo: por seu significado, por suas consequências, pela dificuldade de sua justificação e enquadramento e, em uma palavra, porque esse instituto compromete todo o saber penal. 19 ―La reincidencia, que a algunos les parece um assunto estéril y susceptible apenas de ser construído teoricamente , da materia para importantísimos y delicados problemas, que merecen la meditación atenta de los penalistas y legisladores. Esto se demuestra, a mi mode de ver sin Duda alguna, por medio de una rápida excursión en torno de las divergencias y cuestiones que sobre este tema dividen, no solo a las escuelas, sino también a los códigos ahora vigentes en los diversos Estado de Europa‖. CARRARA, Francesco. Opúsculos de derecho criminal. Bogotá: Temis. 1976, p. 95. 20 Segundo Tobias Barrreto: ―A reincidência não pertence, exclusivamente, ao domínio da criminalidade. É uma das formas de pertinácia no vício, no erro em geral, característica da natureza humana. Os indivíduos que, por atos de imprudência, contraem moléstias não desconhecem que eles são a causa de seu próprio mal. Todavia, 18

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deve, contudo, ser analisada cum grano salis, pois é evidente que a larga adoção do instituto nos mais diversos momentos históricos e políticos não deve ser tomada como irrefutável prova de sua justiça enquanto causa para a determinação de um maior rigor punitivo. Como adverte ASUA BATARRITA, ―são muitas as instituições que, em que pese terem vigido durante séculos, deixaram de ser consideradas legítimas afortunadamente; como exemplo, a escravidão, as penas corporais e as penas de morte‖21. No início do século XX, em momento imediatamente anterior à edição do atual Código Penal Brasileiro, que data de 1940, houve a importação acrítica de diversas concepções da Scuola Positiva por parte da doutrina brasileira, razão pela qual, quando da disposição do instituto da reincidência criminal no referido Código, por via de consequência, adotou-se a justificação italiana para a sua aplicação: a maior periculosidade do delinquente. Sucede, porém, que tal teoria que via na periculosidade o fundamento da legitimidade da reincidência foi forjada na Scuola Positiva por Cesare Lomboroso, Enrico Ferri e Rafaele Garófalo sob os auspícios da positivismo criminológico. É possível notar que o positivismo criminológico parte da premissa de que o fenômeno crime, entendido em uma perspectiva social, não mais meramente individual22, pode (e deve) ser aferido, quantificado, explicado e prevenido a partir de uma teoria objetiva do conhecimento, pautada sempre pelo modelo causal-explicativo e pelo método empírico. Nesta concepção, o conhecimento é objetivo: o indivíduo que o observa deve esvaziar-se de seu próprio mundo subjetivo23; amanhava-se, então, na criminologia, a ideia da pretensa neutralidade cientifica. Concepção esta que, consoante demonstrado em linhas que precedem, trata-se de verdadeiro mito. A periculosidade como fundamento da reincidência é, então, desenvolvida como argumento de autoridade: sim, o positivismo criminóligo se impõs como ciência presensamente neutra e, portanto, a verdade encontrada por um indivíduo íntegro e rigoroso estaria mesmo isenta de discussão, consoante advertido.24

continuam a marchar pelo caminho uma vez trilhado.‖ LYRA, Roberto. Direito Penal Científico- Criminologia. Rio de Janeiro: José Konfiko Editor, 1974, p. 42-43. 21 Aduziu Asua de Bataritta que: ―[...] son muchas las instituiciones que pese a sua larga vigencia durante siglos han dejado afortunadamente de considerarse legitimas; pensemos em la esclavidad, las penas corporales, o la pena de muerte‖. ASUA BATARITTA, A. La reincidencia. Su evolución legal, doctrinal y jurisprudencial en los códigos penales españoles S. XIX, Bilbao, 1982, p. 8. 22 Sobre a transição, refere Pablos: ―A Escola Positiva se apresenta como superação do liberalismo individualista clássico, na demanda de uma eficaz defesa da sociedade. Fundamenta o direito a castigar na necessidade da conservação social e não da mera ‗utilidade‘, antepondo os direitos dos ‗honrados‘ aos direitos dos ‗delinquentes‘.‖. GOMES, Luiz Flávio; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. op. cit. p. 188. 23 GOMES, Luiz Flávio; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. op. cit. p. 186. 24 JAPIASSU, Hilton. op. cit. p.116.

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Em que pese o Código Penal de 1940 formalmente não tenha adotado nenhuma linha ou escola de pensamento25, quanto à reincidência, é nítida a aproximação do legislador ao movimento ideológico da Scuola Positiva Italiana. Consoante demonstrado, com o Código Penal de 194026, ocorreu a nítida agravação dos efeitos da reincidência delitiva, atribuindo-se uma série de consequências deletérias ao delinquente. A concepção da reincidência no Código Penal de 1940 está umbilicalmente ligada às arcaicas noções positivistas em razão da utilização do conceito de periculosidade que fundou uma concepção de direito penal do autor.27 O positivismo criminológico serviu convenientemente às pretensões das elites, porquanto fundamentou as diferenças em uma concepção natural - impassível de discussão porque objeto de ciência - e, com isso, concentrou o foco punitivo naqueles diferentes que, ato contínuo, eram alcunhados de perigosos28. O fundamental é, todavia, que se apreenda que o fundamento do instituo da reincidência adotado no Brasil residia na periculiosidade da Scuola Positiva.

25

Como consta da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: ―3. Coincidimos com a quase totalidade das codificações modernas, o projeto não reza em cartilha ortodoxas, nem assume compromissos irretratáveis ou incondicionais com qualquer das escolas ou das correntes doutrinárias que se disputam o acerto na solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal, inclina-se para uma política de transação ou de conciliação. Nele, os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva.‖ PIERANGELI, José Henrique. op. cit. p. 406 26 Sobre a natureza do Código Penal de 1940, bem esclarecem ZAFFARONI e PIERANGELI: ―O código de 1940 possui uma parte especial ordenada da mesma maneira que apresentava o projeto Galdino Siqueira, ou seja, encabeçada com os delitos contra a pessoa, mas com uma estrutura decididamente neoidealista, própria do código italiano de 1930. É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de ‗medidas de segurança‘ pós-delituosas, que operavam através do sistema ‗duplo-binário‘ ou da ‗dupla via‘. Através deste sistema de ‗medidas‘ e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegavase a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um ‗tecnismo jurídico‘ autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de ‗indesejáveis‘, pelas simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada‖. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 194. 27 De modo a corroborar tal constatação, oportuno recorrer às lições de ROBERTO LYRA, revisor do Código Penal em vigor, que, comentando acerca da disposição do instituto, asseverou: ―A reincidência (de recidere, recair) não se subordina aos critérios de responsabilidade e sim aos da periculosidade.Não é à técnica jurídica, porém à política criminal, que devem ser pedidos os seus fundamentos, as suas modalidades e os seus efeitos.‖ LYRA, Roberto. op. cit. p. 331. 28 Neste ponto específico, válido o escólio de João Paulo de Aguiar Sampaio: ―É, portanto, através do positivismo criminológico que os juristas podem reforçar, agora com o status de cientista social, o seu papel de preceptor da vida social, atuando como protetor da sociedade hierárquica, não apenas justificando a desigualdade - a ponto de legitimar o extermínio - mas também incutindo o discurso do trabalho, e divulgando, portanto, a ideologia de submissão útil à florescente burguesia industrial‖. SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio. op. cit.

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O método positivo, empírico, trata de submeter constantemente a imaginação à observação e os fenômenos sociais às leis férreas da natureza; a ‗cosmogonia da ordem e do progresso‘29, a fé cega na onipotência do método científico e na inevitabilidade do progresso. Ocorre que o natural desenvolvimento do próprio método de estudos nas ciências humanas, notadamente a propositura de uma autonomia fundada na impossibilidade de importação acrítica da metodologia empregada nas ciências naturais derivou no descredenciamento do positivismo jurídico, nisto incluído o positivismo criminológico.30 Não se deve descurar, então, que a reincidência fora justificada no Brasil com supedâneo numa pretensa maior periculosidade do sujeito que reincide na prática delitiva, explicação esta que – como advertido – foi cunhada pela Scuola Positiva, no bojo da qual Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaele Garófalo tiveram participação preponderante. É possível, assim, vislumbrar a existência de defeito congênito na fundamentação da reincidência criminal, porquanto se deu sob o pálio de uma metodologia absolutamente questionável, em especial pela ausência de mecanismo de controle dos resultados e, consequntemente, a inexistência da possibilidade de falsibilização.31 Em última análise, a utilização da periculosidade enquanto caráter legitimador do instituto da reincidência criminal 29

Advinda da máxima do positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim." SOARES, Mozart Pereira. O positivismo no Brasil: 200 anos de Augusto Comte. Porto. Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998, p. 191. 30 : Como ensina Antonio García-Pablos de Molina: ―Mas, em sentido estrito, a Criminologia é uma disciplina ‗científica‘, de base empírica, que surge denominada Escola Positiva Italiana (Scuola Positiva), é dizer, o positivismo criminológico, cujos representantes mais conhecidos foram Lombroso, Garofalo e Ferri, generalizou o método de investigação empírico-indutivo. O último terço do século XIX marca a origem desta nova ‗ciência‘. Por isso, pode-se falar em duas etapas ou momentos na evolução das ‗idéias‘ sobre o crime: a etapa ‗précientífica‘ e a ‗científica‘, cuja linha divisória foi dada pela referida Scuola Positiva, isto é, pela passagem da especulação, da dedução, do pensamento abstrato-dedutivo à observação, à indução, ao ‗método positivo‘. [...] O positivismo criminológico representa o momento científico, de acordo com a famosa lei de Comte, sobre as fases e estágios do conhecimento humano: a superação, portanto, das etapas ‗mágica´ ou ‗teleológica‘ (pensamento antigo) e ―abstrata‖ ou ―metafísica‖ (realismo ilustrado). Significa, também- segundo Ferri- uma mudança radical na análise do delito: os clássicos haviam lutado contra o castigo, contra a irracionalidade do sistema penal do ‗antigo regime‘; a missão histórica do positivismo, pelo contrário, seria lutar contra o delito, lutar contra ele por meio de um c onhecimento científico de suas causas (vere scire est per causae scire), com o objetivo de proteger a ordem social: a nova ordem social da nascente sociedade burguesa industrial‖. GOMES, Luiz Flávio; GARCÍAPABLOS DE MOLINA, Antonio. op. cit. p. 185-186. 31 De maneira a ilustrar o quanto se sustenta, força é observar as lições de Stephen Jay Gould quando se ocupa de analisar o método Lombrosiano: ―Lombroso engendrou praticamente todos os seus argumentos de forma a tornálos imunes à contestação; portanto, do ponto de vista científico, eram todos inócuos. Embora mencionasse abundantes dados numéricos para conferir um ar de objetividade à sua obra, esta continuou sendo tão vulnerável que até mesmo os membros da escola de Broca se opuseram à sua teoria do atavismo. Toda vez que Lombroso topava com um fato que não se enquadrava nessa teoria, recorria a algum tipo de acrobacia mental que lhe permitisse incorporá-lo ao seu sistema. Esta atitude fica muito evidente no caso de suas teses a respeito da depravação dos povos inferiores pois, repetidas vezes, viu-se à frente de relatos que falavam do valor e da capacidade daqueles a quem pretendia denegrir. Ele distorceu todos esses relatos para que se adaptassem ao seu sistema.‖ GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1991, pp. 124-125.

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deu-se num contexto em que não se permitia sequer a discussão teórica das hipóteses e atividade de pesquisa era voltada exclusivamente para comprovar uma prenoção do pesquisador. Este fato em si [o compêndio de críticas atribuíveis à metodologia empregada pela Scuola Positiva] parece suficiente para recomendar uma revisitação do instituto da reincidência criminal. Nada obstante a suficiência em si deste argumento, é forçoson notar que, no ordenamento pátrio, deu-se o absoluto abandono da ideia de periculosidade, tendo em vista que se trata de ideia absolutamente abstrata que tinha por premissa a possibilidade científica de se aferir e quantificar o risco que um determinado sujeito possui de voltar a delinquir. Na Reforma da Parte Geral do Código Penal levada a cabo em 1984, o legislador instituiu o sistema vicariante, o qual passou a não mais permitir a aplicação de pena e medida de segurança conjuntamente.32 A mera adoção de tal sistema e a supressão das referências que o texto de lei fazia à perigosidade ou periculosidade são provas cabais do abandono desta ideia como fundamento de aplicação de pena. Em uma análise superficial, poder-se-ia imaginar resolutos os problemas atinentes à justificação do instituto da reincidência, porquanto suprimida a referência à presunção periculosidade que maculou o instituto; ledo engano. Não passou tal expediente de dissimulada tentativa de recobrar a credibilidade do instituto que já era muito questionado pela doutrina alienígena, especialmente quando fundado na periculosidade do delinquente, tendo em vista que se trata, como se demonstrou, de conceito de cunho positivista que foi cunhado em momento histórico marcado pela supressão das garantias individuais em prol da irrestrita atividade persecutória estatal. É dizer, malgrado o sempre declarado fundamento do instituto tenha sido expressamente abolido, houve – a partir deste ponto – um esforço doutrinário incomum para 32

Talvez a constatação mais relevante seja a constante do artigo 78, IV, da redação originária do diploma legal, mediante o qual ficou instituído o sistema do duplo ou binário, que consistia na aplicação ao reincidente em crime doloso tanto de pena quanto de medida de segurança pelo mesmo fato, porquanto, neste caso, sua periculosidade seria presumida: Art. 78. Presumem-se perigosos: (...) IV - os reincidentes em crime doloso; (...) § 2º A execução da medida de segurança não é iniciada sem verificação da periculosidade, se da data da sentença decorrerem dez anos, no caso do n. I deste artigo, ou cinco anos, nos outros casos, ressalvado o disposto no art. 87. § 3º No caso do art. 7º, n. II, a aplicação da medida de segurança, segundo a lei brasileira, depende de verificação da periculosidade.

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buscar fundamentação alternativa e, em tese, melhor adequada. Causa ainda mais estranheza a sorte de pretensos argumentos que passaram a ser ventilados com o fito de subsidiar uma ideia precedente, especialmente quando se nota que houve uma migração para o conceito de culpabilidade.33 Considerando a finalidade almejada no presente estudo, não se esgotará a pena no tocante às inconsistências em erigir a culpabilidade como fundamento do instituto da reincidência criminal, tem-se por fundamental fixar que o princípio constitucional da culpabilidade funda o direito penal do fato e veda o manejo de disposições características de um direito penal do autor.34 É dizer, a reprimenda penal deve recair – e somente recair – em razão e na extensão do fato praticado pelo agente, jamais se deve levar em consideração o que o agente é: aspectos de sua personalidades, opções políticas, religiosas

et cetera. O

contrassenso reside no fato de que a reincidência em si jamais se relacionou com qualquer fato, mas é mera qualidade, etiqueta atribuível a alguém, portanto claramente não se adequaria à culpabilidade.35 Na doutrina pátria, porém, a culpabilidade foi amplamente utilizada como sendo o fundamento de manutenção do instituto da reincidência criminal. A título de ilustração, é possível verificar a posição de LUIZ REGIS PRADO, para quem a “reincidência, enquanto 33

Consoante o exposto por Gabriel Vieira Berlla: ―A fim de disfarçar tal inclinação positivista, muitos migraram sua fundamentação, muito embora seja a mesma motivação ideológica subsistente, para o campo mais compassivo a ideologias do direito penal na atualidade, o da culpabilidade. Dessa maneira, ainda que a reforma de 1984 do Código Penal tenha eclipsado a acuidade do conceito de periculosidade, a reincidência ainda consiste numa excrescência da legislação penal que remonta a esse conceito, ainda que pela via oblíqua da culpabilidade. Substitui-se, apenas, o caráter comportamental de distúrbio de natureza médica-determinista, para uma valoração de natureza ética baseada no livre arbítrio, mas que convergem para resultados análogos.‖ BERLA, Gabriel Vieira. Reincidência: uma perspectiva crítica de um instituto criminógeno. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 18, n. 82, p.295-338, jan./fev. 2010, p. 323.‘ 34 Sobre o conceito pontuam NILO BATISTA e EUGENIO RAÚL ZAFFARONI: Se optarmos por recolocar a questão a partir da essência do delito, poderemos reordenar as posições em função das díspares concepções da relação do delito como autor. Enquanto, para alguns autores, o delito constitui uma infração ou lesão jurídica, para outros ele constitui sintoma de uma inferioridade moral, biológica ou psicológica. Para uns, seu desvalor embora haja discordância no que tange ao objeto - esgota-se no próprio ato (lesão); para outros, o ato é apenas uma lente que permite ver alguma coisa daquilo onde verdadeiramente estaria o desvalor e que se encontra em uma característica do autor. Estendendo ao extremo esta segunda opção, chega-se à conclusão de que a essência do delito reside numa característica do autor, que explica a pena. O conjunto de teorias que este critério compartilha configura o chamado direito penal de autor”. BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 200, p. 234. 35 Ocorre que, como visto, fundamentar-se a reincidência em razão da maior culpabilidade só poderia mesmo recair em uma absolutamente inadequada culpabilidade do autor, porém se tratou da alternativa melhor adequada naquele momento. Nesta perspectiva, como assevera EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, ―a culpabilidade do autor se mostrou mais útil ao poder punitivo do que a velha periculosidade positivista, pois esta pretendia pelo menos ser um dado verificável, tanto que a culpabilidade do autor se valia de presunções de maior culpabilidade, fundada nas valorações do julgador ou do grupo dominante, sem nenhuma verificação. O estado perigoso pretendia ser um dado verificável; o estado de pecado penal (culpabilidade do autor) era mero produto de valoração subjetiva.”. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Hacia un Realismo Jurídico Penal Marginal, Caracas: Monte Ávila Editores, 1992, p. 46.

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circunstância agravante, influi na medida da culpabilidade em razão da maior reprovabilidade pessoal da ação ou omissão típica.”36-37 O referido posicionamento bem representa o entendimento majoritário firmado sobre o tema no país: em que pese careça de fundamento que legitime a sua manutenção na atual perspectiva de Direito Penal da Culpabilidade, bem como de sua ampla discussão no direito alienígena38, o instituto permaneceu indene às alterações legislativas experimentadas na seara penal pátria. Em última análise, tem-se inclusive espraiado seus efeitos e consequências em desfavor do réu, que já totalizam mais de quinze, dentre as quais a agravação obrigatória da pena.39 A pesquisa em torno da reincidência na doutrina pátria, portanto, caracteriza-se, na verdade, em uma busca pela conformação do instituto, pela sua manutenção e aplicação. Não se pretende apreendê-lo e filtrá-lo constitucionalmente, mas meramente lançar justificativa de maneira a – formalmente – justificá-lo. Isto é observável a partir da ruptura doutrinária ocorrida com a supressão da periculosidade da legislação pertinente e que motivou uma migração irrefletida para o campo da culpabilidade, terreno dos mais áridos para pretensões de justificar institutos identificados com o direito penal do autor. Neste contexto, convém de que se retome no tópico subsequente as premissas do realismo de Mario Bunge, de maneira a verificar se, no estudo da reincidência criminal, é possível verificar sua aplicação. 4.

MARIO BUNGE E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL: PSEUDOCIÊNCIA? A fundamentação do instituto da reincidência consoante se demonstrou surge e se

sedimenta através – utilizando-se da nomeclatura de Francis Bacon – dos ídolos do foro, que, no âmbito da Scuola Positiva impuseram a categoria da periculosidade. Consoante já se teve a 36

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 200. Ora, de modo a aclarar a inexistência de nexo entre a reincidência e o fato criminoso praticado, convém perquirir sobre o grau de divergência entre a censurabilidade de dois homicídios praticados, nas mesmas condições, por um reincidente e um réu primário. É de se perguntar, então, em que bases o fato de ser reincidente pode indicar que o homicídio cometido pelo sujeito seja objeto de maior censurabilidade? Outra razão óbvia que indica a inexistência de diferença qualquer entre o fato cometido pelo reincidente e pelo réu primário é tão lógica quanto é segura: se a reincidência só ―surge‖ após a prática do segundo fato criminoso (considerado os pressupostos legais, máxime a prescrição da reincidência), como poderia- evento posterior que é- refletir-se na prática da conduta criminosa? 38 No Colômbia, em 1980, a reincidência fora revogada do Código Penal; na Alemanha, em 1986, a reincidência foi derrogada por incompatibilizar-se com o princípio da culpabilidade; na Espanha, há uma clara tendência de limitação aos efeitos da reincidência, traduzida nas reformas de 1983 e 1995; na Itália, de outro modo, a lei nº 251/2005, exasperou a pena obrigatória cominada ao reincidente. 39 FREITAS, Ricardo de Brito Albuquerque Pontes. Reincidência e repressão penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 17, n. 81, p.92-138, nov./dez. 2009, p. 101. 37

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a oportunidade de demonstrar, o positivismo criminológico caracterizou-se pela vedação do debate em torno do conhecimento produzido, bem como pela subsequente conformação dos fatos e evidências às soluções previamente encontradas. Não se havia de questionar, pois, da falseabilidade da teoria desenvolvida. Presumiase verdadeira e as tentativas de contraprova, para além de serem caracterizadas como ataque, eram amoldadas de maneira a confirmar o fato que contradiziam. Notadamente, a periculosidade foi um fim previamente almejado e dado como certo, que motivou a construção científica. Vê-se, então, que um dos elementos caracterizadores da atitvidade científica para Bunge claramente não se reconhece no estudo da reincidência criminal, qual seja: o objetivo. O positivismo criminológico jamais pretendeu ampliar o campo de conhecimento através do estudo da reincidência ou da periculosidade, mas, sim, garantir a manutenção do instituto, porquanto era uma premissa imprescindível da orientação política desenvolvida [defesada estruturação da sociedade, máxime da ascendente burguesia].40 Vislumbra-se, então, uma plêiade de défcits metodológicos no desenvolvimento da referida pesquisa e – como já se ocupou de demontrar linhas acima – tal roteiro de fundamentação e conclusões foram adotados acriticamente na doutrina pátria. Mais do que isto, inobstante tenha havido evidente ruptura dogmática com a superação da ideia de periculosidade, os estudos tocantes à reincidência foram meramente deslocados para o campo da culpabilidade. É evidente a incompatibilidade, todavia, entre reincidência e culpabilidade e tal tentativa dissimulada de justiticar o deletério instituto indica mesmo o direcionamento prévio do estudo à justificação do instituto, independentemente de sua conformidade ou não. Analisando, em geral, a posição da doutrina acerca do tema, frisa bem RICARDO DE BRITO ALBUQUERQUE PONTES FREITAS: ―quem não se põe indiferente demonstra

40

uma

O referido ideal é limpidamente traduzido quando se observa o pensamento de Enrico Ferri: ―Além disso, a defesa social por meio da justiça penal pode e deve realizar-se não só com a coerção repressiva do condenado; mas, se para uma parte dos delinquentes, pelas suas condições pessoais de patologia, anomalia ou degeneração não é possível mais do que o seu seqüestro do convívio civilizado, para a grande maioria deles é pelo contrário possível também a readaptação à vida livre e honesta e portanto, para esses, a defesa social, como sempre tem sustentado a escola positiva, deve se realizar com um regime carcerário que seja ao mesmo tempo de reeducação social. Para a minha defesa pessoal de um inimigo, eu posso aniquilá-lo ou reduzi-lo à impotência por meio de uma ação violente, mas posso também persuadi-lo a que não me moleste mais, quando as circunstâncias a isso se prestem.‖ FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. Campinas: Russel Editores, 2003, p. 109.

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propensão para defender a sua manutenção na legislação penal que não tem paralelo na doutrina de outros países de tradição jurídica semelhante à brasileira‖41. Essa propensão de defesa em si é suficiente para viciar o estudo e para descaracterizá-lo enquanto ciência, porquanto a atividade científica deve objetivar exclusivamente ampliar o campo de conhecimentos disponíveis, e nunca comprovar uma prenoção existente. A questão referente ao estudo da reincidência no Brasil padece, pois, da mácula – já tão advertida por diversos pensadores da metodologia científica -: o direcionamento da atividade de pesquisa para a confirmação de um assentimento prévio [no caso, a necessidade de manutenção de todos os efeitos deletérios da reincidência]. A seguinte passagem da lavra de FRANCIS BACON bem ilustra o quadro ora experimentado: O intelecto humano, quando assente em uma convicção (ou por já bem aceita e acreditada ou porque o agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo. Graças a isso, a autoridade daquelas primeiras afirmações permanece inviolada.42

A existência, pois, do já mencionado censo subconsciente da relevância e justificação da atribuição de efeitos deletérios à pena do réu reincidente causa, no Brasil, ―efeito paralisador‖43 na atividade de pesquisa. Parte-se do pressuposto de que o instituto

da

reincidência deve existir e, portanto, ―não oberva a força das instâncias contrárias‖. Avalizando o presente desenvolvimento, tratando da reincidência, mencinou EUGÉNIO RAÚL ZAFFARONI que: ―Nos homens, como nos povos, velhos costumes não se mudam facilmente, porque eles deformam a visão da inteligência e viciam a vontade. E, ainda, depois de ser vistos com clareza e repudiados pela razão, contam com a inércia de propósito‖.44 Como asseverou THOMAS KHUN: ―O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver. Na ausência de tal treino, somente pode haver o que William James chamou de "confusão

41

FREITAS, Ricardo de Brito Albuquerque Pontes. op. cit. p. 94 BACON, Francis. op. cit. p. 16. 43 Consoante Bunge:‖ Pero el sentido común, reticente como es ante lo inobservable, ha tenido a veces un efecto paralizador de la imaginación científica.‖ BUNGE, Mario. op. cit. p. 2-3.3 44 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Reincidencia. Revista de Ciencias Penales 2. Montevideo, 1996, p. 127. 42

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atordoante e intensa".45 Logo, ao se olhar para a reincidência querendo vê-la justificada e legitimada, não se franqueia sequer a possibilidade de questionar a sua [in]adequação ao princípio da culpabilidade. Com supedâneo nas razões deduzidas, pode-se verificar a íntima aproximação existente entre o estudo do instituto da reincidência no Brasil e a categoria Bungeana de pseudociência, porquanto aquela compartilha de diversos caracteres identificadores desta. Observe-se, no particular, que a atividade de pesquisa em torno da reincidência tende a intepretar todos os dados de modo que a tese da legitimidade do instituto reste confirmada ocorra o que ocorrer, bem como que tal atividade de pesquisa possui um objetivo primáriamente prático e não cognitivo: visa a fundamentar a reincidência, tendo em vista uma necessidade política pressuposta de sua imprescindibilidade ao revés de verificar se tal instituto se adéqua, por exemplo, ao princípio constitucional da culpabilidade.

5.

CONCLUSÕES.

i.

Inequívocamente, o realismo de Bunge parte de um núcleo duro de premissas as quais são imprescindíveis para a caracterização do empreendimento enquanto cinetífico, notadamente a estipulação de um modelo de comportamento [forma] e um objetivo [aumento do nível de conhecimento sobre determinado aspecto];

ii.

Na referida teoria, o mecanismo de controle denominado contranstación ou falseabilidade apresente um papel crucial, porquanto, em última análise, é ele quem confere a qualidade de científico ao conhecimento apreeendido;

iii.

Não se pode, portanto, na pesquisa científica deixar de submeter a teoria à prova, bem como partir na pesquisa norteado por qualquer objetivo que seja diverso do consistente em aumentar a gama de conhecimentos sobre determinado campo;

iv.

O estudo da reincidência criminal apresentou a periculosidade enquanto fundamento do instituto desde a Scuola Positiva italiana, a qual se denominava igualmente positivismo criminológico. O referido conceito de periculosidade foi importado acriticamente pelo Brasil no momento anterior à

45

KUHN, Thomas. A estrurura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 150.

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confecção do Código Penal ainda em vigor e, a partir daí, foi largamente aceito e utilizado; v.

Houve, com a reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984 e a promulgação da Constituição Federal em 1988, abandono declarado da ideia de periculosidade, inclusive com a revogação de dispositivos do Código Penal que faziam referência ao instituto;

vi.

Automáticamente, a doutrina nacional moveu-se no sentido de verificar na culpabilidade o fundamento da reincidência, o que absolutamente

descompassado,

porquanto

a

se

apresenta

culpabilidade

é

constitucionalmente exclusivamente do fato, e não do autor; vii. Com a análise aproximada da pesquisa em torno da reincidência no Brasil, constata-se que compartilha uma série de caracteres identificadores da pseudociência de Bunge, especialmente quando se nota a fixação de uma meta [aplicação e legitimação do isntituto da reincidência] como objetivo da atividade de pesquisa. viii. Pode-se dizer, então, que as indeléveis máculas derredor da pesquisa do instituto da reincidência criminal conduzem à categorização do referido estudo enquanto pseudociência.

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