Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma
expressão de rosto, há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta incompreensível. O moleque dos jornais ria carregando-lhe o volume. Mas os ovos haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras.
tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida. Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal está feito. A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. (Clarice Lispector. "Amor". In: Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 22.)

O que simboliza em amor a quebra dos ovos que passa incomodar Ana
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O que precisa ficar claro é que a língua padrão, ou a norma culta, a mais prestigiada das variedades lingüísticas, tem a força que tem em função de dois fatores, ambos desligados de sua estrutura: pelo fato de ser utilizada pelas pessoas mais influentes, donde se deduz que seu valor advém não de si mesma, mas de seus falantes: e por ter merecido, ao longo dos tempos, a atenção dos gramáticos, dos dicionaristas e dos escribas em geral, que se esmeraram em uniformizá-la ao máximo, em adicionar-lhe palavras e regras que acabaram por torná-la, efetivamente, a variedade capaz de expressar maior número de coisas. Não necessariamente de expressar melhor, mas de expressar mais. As outras variedades ou foram confinadas ao uso no dia-a-dia ou para finalidades muito bem definidas pela sociedade. É preciso dizer com todas as Ictras que todas as variedades são boas e corretas, e que funcionam segundo regras tão rígidas quanto se imagina que são as regras da "língua clássica dos melhores autores" . (...) O que há são inadequações de linguagem, que consistem não no uso de uma variedade ao invés de outra, mas no uso de uma variedade ao invés de outra numa situação em que as regras sociais não abonam aquela forma de fala. Assim é tão inadequado dizer-se "Vossa Senhoria quer fazer o obséquio de me passar o sal" numa refeição em família quanto dizer-se "Ô, meu chapa, qué fazê o favor de demiti o Ministro X. a0 Presidente da República numa reunião de Ministério. . Assinale verdadeiro (V) para as afirmativas abaixo que estiverem de acordo com o ponto de vista expresso no texto e (F) para as que estiverem em desacordo com o mesmo. () Entende-se por norma culta uma variedade lingüística de prestigio, ligada aos grupos sociais hegemônicos, descrita por gramáticos e dicionaristas e acolhida pelos escritores. ( ) A língua padrão - descrita pelos compêndios gramaticais e assentada nos dicionários e na literatura - tem uma estrutura lingüística mais complexa do que a de outras variedades, constituindo-se, por isso, como o melhor meio de expressão. (A lingua portuguesa tende, cada vez mais, a uniformizar-se: procura, pois, estratificar as suas formas de dizer, fugindo ao sincretismo, que deve ser um fenômeno antes das linguas ainda em formação do que de um idioma já emancipado e construído. () Não faz sentido, a não ser por uma metáfora, dizer "isso está errado em português". Nunca há um erro no português, haverá sempre um erro numa variedade de lingua.
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