Em 2004, jornais de grande circulação noticiaram que a dona de casa Maria das Graças sofreu um derrame. O lado direito de seu corpo ficou paralisado, não falava e tinha grande dificuldade de compreensão. O médico comunicou à família de Maria das Graças que as sequelas eram permanentes, mas que poderia haver uma esperança: para esses casos, havia em andamento, no Hospital Pró-Cardíaco e na UFRJ, um estudo que envolvia a aplicação de células-tronco. A família aceitou que a paciente fosse submetida a essa experiência. Cinco dias após ter sofrido o derrame, Maria das Graças recebeu o implante de células-tronco adultas retiradas da sua própria medula óssea. Em pouco mais de duas semanas, já caminhava, conseguia falar algumas palavras e apresentava bem menos dificuldades de compreensão. A liberação pelo STF do uso de células-tronco para pesquisas científicas sem qualquer restrição, como previsto na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), causou grande revolta em religiosos fervorosos, que acreditam que a manipulação destas células consiste em assassinato, pois, para eles, os embriões são vida em formação. A Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso Nacional em 2005 foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), proposta pelo então Procurador da República Cláudio Fonteles, por entender que a norma viola o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, uma vez que de acordo com vários especialistas em bioética a vida humana inicia-se a partir da fecundação. Com o fim da calorosa discussão, o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, disse que o julgamento foi um "marco" e que "é em momentos como este que podemos perceber que a aparente onipotência do tribunal constitucional não pode restringir o legislador". Após a decisão, esclareceu ainda o Ministro do Supremo, Celso de Mello, que não haverá necessidade de nenhuma regulamentação extra no texto de lei, uma vez que o tribunal confirmou a inteira validade do artigo 5º da lei em questão, liberando as pesquisas dentro dos limites nele estabelecidos. Para entendermos melhor o debate, fundamental mencionar a previsão do artigo acima citado. Vejamos: "É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento". Acrescenta ainda o dispositivo que em todos os casos é indispensável o consentimento dos genitores, vedando a comercialização do material biológico a que se refere o artigo. O Supremo decidiu, por seis votos a cinco, que a Lei de Biossegurança não fere a Constituição Federal. Em seu voto, tais foram as palavras do ministro Marco Aurélio de Mello: "Desculpem-me a expressão, mas o destino de todos esses embriões seria o lixo sanitário. Dás-lhes, portanto, uma destinação nobre. Não vejo qualquer ofensa à dignidade humana o uso de pré-embriões inviáveis ou congelados, que não teriam como destino senão um lamentável descarte". a) Até 2005 o direito positivo não regulamentava a questão. Seria possível legitimar as experiências com células-tronco embrionárias com base no direito natural? Justifique.
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