FIAPO DE TRAPO
Espantalho tão bonito e elegante nunca se tinha visto por aquelas redondezas. Nem por outras, que ele era mesmo carregado de belezas. Precisava só ouvir a conversinha do Dito Ferreira enquanto montava o espantalho, todo orgulhoso do seu trabalho.
E era mesmo. Tudo roupa velha, claro, como, convém a um espantalho que se preza. Mas da melhor qualidade, roupa de se ir à igreja em dia de procissão e reza.
Como todo espantalho, esse não andava nem falava, mas tinha o dom de poder sentir as coisas ao seu jeito – para um boneco de palha, isso era um grande defeito.
E era só por causa do desenho que tinha bordado no peito. Linhas de cor em forma de coração – e pronto, lá estava o pobre espantalho sofrendo com a solidão! Ninguém se aproximava dele, ninguém fazia um carinho, e ele ficava tão triste, só, espantando passarinho...
De longe via uma passarada, de todo tipo e feição. Pintassilgo e saíra, cambaxirra e corruíra, rolinha e corrupião. Pássaro de toda cor, de todo canto e tamanho, de todo a-e-i-o-u - sabiá, tié, bem-te-vi, curió e nhambu.
Mas não adiantava, ninguém chegava perto. E o tempo passava. Horas e dias, dias e semanas, semanas e meses, meses e anos.
E o espantalho ficava no tempo. No bom tempo e no mau tempo. No sol que queimava e na chuva que molhava. No mormaço que fervia e no vento que zunia.
E seu cheiro se gastava, sua cor se desbotava, sua seda desfiava, seu veludo se puía.
Até que um dia...
No tempo tem sempre um dia. Um dia em que muda o tempo e um tempo novo se inicia. Pois foi o que aconteceu. Houve um dia em que choveu. Mas não foi chuva miúda, foi pra valer, de verdade, foi mesmo um deus-nos-acuda, uma imensa tempestade, de granizo, raio, vendaval, com aguaceiro e temporal, chuva de muito trovão que virou inundação.
Quando a chuvarada passou e o sol voltou, um arco-íris no céu se formou. E na beleza do dia novo, azul lavado, vieram os pássaros, em bando, ocupando todo o campo, ciscando no milharal. Livres, soltos, à vontade, numa alegria sem igual.
Foi aí que Dito Ferreira reparou:
__Cadê o espantalho velho?
Saiu todo mundo procurando. Não acharam. Nem podiam achar. Ele tinha desmanchado, tinha sido carregado, pelo vento espalhado, pela chuva semeado, com a terra misturado, plantado naquele chão, sua palha adubando muito pé de solidão.
Do que sobrou por aí, foi tudo virando ninho, protegendo com carinho filhotes que iam nascer.
E hoje em dia, sua palha misturada na terra ajuda a plantação a crescer.
Os trapos de sua seda, o seu forro de bom cheiro, farrapos de seu veludo se espalhavam desde o galinheiro até a mais alta árvore que tenha um ninho barbudo. E em cada ovo que nasce ali por aquele lugar, cada ninhada que se achega à procura de calor, em cada vida a brotar, em cada marca de amor, seu coração sobrevive num fiapinho de cor.
Ana Maria Machado
01. Você já estudou que todo autor, ao decidir o quevai contar, decide também o tipo de narrador de sua história. Então, responda:
a) No conto "Fiapo de trapo",o narrador só observa e conta a história ou ele "se intromete", dando opiniões sobre o que acontece?
b) Copie um trecho que comprove a sua resposta.
02. Como o espantalho é caracterizado no conto? Descreva-o, utilizando trechos do texto.
03. Nesse conto, o narrador localiza os fatos da história em um espaço bem delineado. Onde ocorrem esses fatos?
04. Copie do texto duas expressões utilizadas para marcar o tempo que os fatos aconteceram.
05. Este conto, apesar de ser poético, é um uma narrativa em prosa. Quantos parágrafos há no texto?
06. Identifique, no conto "Fiapo de trapo" os acontecimentos correspondentes a cada um dos momentos da narrativa e os parágrafos em que eles ocorrem, completando o esquema a seguir?
a) Situação inicial: Dito Ferreira monta um bonito espantalho.
Parágrafos:
b) Conflito: O espantalho tinha um dom de sentir as coisas e isso lhe trazia problemas.
Parágrafos:
c) Climax:
Parágrafos: do 18º ao 24º
d) Desfecho:
Parágrafos:
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