August 2023 2 63 Report
Elegância 1, racismo 0

O paradoxo costuma rondar sistemas democráticos. Até que ponto se pode tolerar a intolerância, ser liberal com quem pretende demolir as liberdades, assegurar os direitos dos que não os reconhecem?

Em alguns casos, a dúvida se resolve facilmente. Criminaliza-se a tentativa de derrubar pela força um governo legítimo. Atentados terroristas recebem sanções severas, não importando a fundamentação política que possam ter.

Nos chamados crimes de opinião, todavia, o debate se toma mais complexo. Poucas coisas são mais repugnantes e estúpidas do que o preconceito racial, e têm sido frequentes manifestações desse tipo nos estádios de futebol

Do Reino Unido ao Peru, do Japão ao Brasil, registram-se atos de insulto a jogadores afrodescendentes por parte de alguns (ou muitos) torcedores que estão prontos a aplaudir o jogador negro ou mulato quando estes fazem gols para seus times de dileção.

Várias iniciativas se tomam para punir os responsáveis. Uma equipe peruana foi condenada a pagar multa (meros US$ 12 mil) depois de seus torcedores terem emitido gritos de "macaco" para agredir o jogador Tinga, do Cruzeiro. No Brasil, um time gaúcho perdeu nove pontos e foi rebaixado pelo fato de seus fãs terem atirado bananas contra um árbitro.

A questão é saber se punições como essas cumprem um papel determinante, pedagógico e civilizatório, no sentido de modificar a mentalidade do torcedor racista.

A repressão a um sentimento, por mais odioso que seja, não o desarma. Pode-se desencorajar, pela lei, certos comportamentos que o manifestem de forma explícita. Seu fundo de ressentimento e destrutividade permanece e pode até fermentar, depois de recalcado.

Não poderia ser mais educativa — no que teve de superioridade, humor e indiferença — a reação do brasileiro Daniel Alves, que soberanamente comeu a banana que lhe fora atirada.

Uma agência publicitária tomou daí a inspiração, a pedido do atacante Neymar, também hostilizado nos campos espanhóis, para campanha contra o racismo.

"Somos todos macacos'', diz o slogan, obtendo a adesão de inúmeras celebridades. Torna-se moda, nas redes sociais, divulgar fotos com a fruta em mãos; o insulto se neutraliza, o agressor se desconcerta, o símbolo inverte o sentido.

É no campo das formas de expressão que o embate se leva a efeito. Gesto contra gesto, solidariedade contra particularismo, ironia contra estupidez: ainda que essa luta jamais tenha fim, é bom que seu lado mais inteligente tenha, também, as armas mais inteligentes a seu dispor.

Nesse texto, o editorialista

A)
condena as críticas aos atos preconceituosos em estádios, por considerá-las incompatíveis com as liberdades democráticas e o direito de expressão.

B)
defende a repressão implacável das manifestações preconceituosas, ainda que se atente contra a liberdade de expressão.

C)
critica o slogan, considerando-o paradoxal ao usar uma expressão preconceituosa para combater o preconceito.

D)
defende que a escolha das ações contra o preconceito deve levar em conta principalmente a eficácia dos resultados.

E)
ao defender a validade do “gesto contra gesto”, defende também, implicitamente, as reações violentas.
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