Embora nos últimos anos, no Brasil, tenha se institucionalizado uma linha de pensamento que argumenta que vivemos um ciclo virtuoso da democracia, com regras e procedimentos que regulam a vida política, eleições regulares, pluripartidarismo e eleições transparentes, seria um equívoco sugerir que uma teoria democrática, assentada em aspectos procedimentais, seja suficiente para explicar a complexidade do processo político. Embora novos padrões de participação política tenham emergido, a maior participação política formal não tem se traduzido em participação social. Tal fato tem redundado no surgimento de uma produção significativa sobre o tema democratização e política democrática, destacando-se, como uma questão central desses estudos, o papel do apoio popular no futuro da democracia.
É inegável que os avanços na engenharia institucional são essenciais para a construção de uma cultura política participativa, uma sociedade sem regras está fadada ao caos e a práticas políticas deletérias para a democracia. No entanto, atribuir um peso exclusivo a regras, instituições e procedimentos, em detrimento da compreensão do papel que a história, a cultura política e o próprio ser humano exercem na configuração das representações políticas dos cidadãos, pode subestimar os obstáculos existentes para alcançar uma democracia plena. De maneira geral, os indicadores da democracia formal são ambíguos, pois, se aceitos como válidos, sugeririam que a poliarquia brasileira está mais consolidada do que nas nações da Europa Ocidental, na medida em que tem resistido a rupturas ou retrocessos institucionais.
Nessa linha de análise, de acordo com Morlino (2007, p.4), embora o regime democrático seja aceito globalmente, o problema mais sério e importante diz respeito ao tipo de democracia, à qualidade democrática vigente nos países. Para esse autor, esta reside em três fatores: nos procedimentos, no conteúdo e no resultado. Para Molino, uma democracia com qualidade é uma boa democracia, a qual é, antes de mais nada, um regime amplamente legitimado e, portanto, estável, e com o qual os cidadãos estão plenamente satisfeitos. Nesse tipo de democracia, os cidadãos mostram respeito e obediência às regras vigentes (the rule of law). Outro elemento fundamental da qualidade da democracia é o grau de envolvimento dos cidadãos na política. A democracia contemporânea requer uma cidadania ativa que se envolva na arena política via discussões, deliberações, referendos e plebiscitos, ou seja, por meio de mecanismos formais e informais, sem que isso comprometa as instituições convencionais de mediação política. Há um consenso de que sem o envolvimento popular no processo de construção democrática ela perde em legitimidade, mantendo simplesmente sua dimensão formal.
Organizações internacionais como as Nações Unidas têm manifestado preocupação pelo estado atual da democracia em países em desenvolvimento como o Brasil. O Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgado em abril de 2004, sustenta que "a democracia não se reduz ao ato eleitoral, mas requer eficiência, transparência e qualidade das instituições públicas, bem como uma cultura que aceite a legitimidade da oposição política e reconheça e advogue pelos direitos de todos" (p.23). Nesse sentido, o Relatório propõe que a democracia seja examinada na sua dimensão social, na medida em que os elevados índices de pobreza e desigualdade social têm gerado, segundo pesquisas realizadas nos últimos anos (BAQUERO, 2000), o aumento da desconfiança dos cidadãos das instituições políticas e seus representantes, o que tem levado ao questionamento crescente de suas legitimidades. Isto está corroborado no referido Relatório, quando afirma que existe um "risco da estabilidade do próprio regime democrático" (p.23).
Esta preocupação não é surpresa para os que há muito tempo vêm alertando para a distorção da compreensão do processo democrático fundado, única e exclusivamente, no enfoque da engenharia institucional. Tal advertência ocorria em virtude da constatação de que, no período da democratização, permaneceram vícios políticos tradicionais que contribuíram para a ineficiência das instituições governamentais em responder às demandas da população, gerando predisposições das pessoas em não acreditar, e muito menos confiar, nas regras do contrato social vigente.
Nessa perspectiva, caracterizar um sistema democrático de qualidade depende, em grande parte, da forma como um país tem encaminhado seu processo de transição para a democracia. A este respeito, Carothers (2002) argumenta que as novas democracias são regimes híbridos que se situam entre a democracia e o autoritarismo, materializados pela capacidade das elites em se apropriar progressivamente dos recursos estatais, mesmo com a existência de uma oposição e instituições democráticas. Deste modo, as elites se afastam da sociedade e se encapsulam no poder.
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Embora nos últimos anos, no Brasil, tenha se institucionalizado uma linha de pensamento que argumenta que vivemos um ciclo virtuoso da democracia, com regras e procedimentos que regulam a vida política, eleições regulares, pluripartidarismo e eleições transparentes, seria um equívoco sugerir que uma teoria democrática, assentada em aspectos procedimentais, seja suficiente para explicar a complexidade do processo político. Embora novos padrões de participação política tenham emergido, a maior participação política formal não tem se traduzido em participação social. Tal fato tem redundado no surgimento de uma produção significativa sobre o tema democratização e política democrática, destacando-se, como uma questão central desses estudos, o papel do apoio popular no futuro da democracia.
É inegável que os avanços na engenharia institucional são essenciais para a construção de uma cultura política participativa, uma sociedade sem regras está fadada ao caos e a práticas políticas deletérias para a democracia. No entanto, atribuir um peso exclusivo a regras, instituições e procedimentos, em detrimento da compreensão do papel que a história, a cultura política e o próprio ser humano exercem na configuração das representações políticas dos cidadãos, pode subestimar os obstáculos existentes para alcançar uma democracia plena. De maneira geral, os indicadores da democracia formal são ambíguos, pois, se aceitos como válidos, sugeririam que a poliarquia brasileira está mais consolidada do que nas nações da Europa Ocidental, na medida em que tem resistido a rupturas ou retrocessos institucionais.
Nessa linha de análise, de acordo com Morlino (2007, p.4), embora o regime democrático seja aceito globalmente, o problema mais sério e importante diz respeito ao tipo de democracia, à qualidade democrática vigente nos países. Para esse autor, esta reside em três fatores: nos procedimentos, no conteúdo e no resultado. Para Molino, uma democracia com qualidade é uma boa democracia, a qual é, antes de mais nada, um regime amplamente legitimado e, portanto, estável, e com o qual os cidadãos estão plenamente satisfeitos. Nesse tipo de democracia, os cidadãos mostram respeito e obediência às regras vigentes (the rule of law). Outro elemento fundamental da qualidade da democracia é o grau de envolvimento dos cidadãos na política. A democracia contemporânea requer uma cidadania ativa que se envolva na arena política via discussões, deliberações, referendos e plebiscitos, ou seja, por meio de mecanismos formais e informais, sem que isso comprometa as instituições convencionais de mediação política. Há um consenso de que sem o envolvimento popular no processo de construção democrática ela perde em legitimidade, mantendo simplesmente sua dimensão formal.
Organizações internacionais como as Nações Unidas têm manifestado preocupação pelo estado atual da democracia em países em desenvolvimento como o Brasil. O Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgado em abril de 2004, sustenta que "a democracia não se reduz ao ato eleitoral, mas requer eficiência, transparência e qualidade das instituições públicas, bem como uma cultura que aceite a legitimidade da oposição política e reconheça e advogue pelos direitos de todos" (p.23). Nesse sentido, o Relatório propõe que a democracia seja examinada na sua dimensão social, na medida em que os elevados índices de pobreza e desigualdade social têm gerado, segundo pesquisas realizadas nos últimos anos (BAQUERO, 2000), o aumento da desconfiança dos cidadãos das instituições políticas e seus representantes, o que tem levado ao questionamento crescente de suas legitimidades. Isto está corroborado no referido Relatório, quando afirma que existe um "risco da estabilidade do próprio regime democrático" (p.23).
Esta preocupação não é surpresa para os que há muito tempo vêm alertando para a distorção da compreensão do processo democrático fundado, única e exclusivamente, no enfoque da engenharia institucional. Tal advertência ocorria em virtude da constatação de que, no período da democratização, permaneceram vícios políticos tradicionais que contribuíram para a ineficiência das instituições governamentais em responder às demandas da população, gerando predisposições das pessoas em não acreditar, e muito menos confiar, nas regras do contrato social vigente.
Nessa perspectiva, caracterizar um sistema democrático de qualidade depende, em grande parte, da forma como um país tem encaminhado seu processo de transição para a democracia. A este respeito, Carothers (2002) argumenta que as novas democracias são regimes híbridos que se situam entre a democracia e o autoritarismo, materializados pela capacidade das elites em se apropriar progressivamente dos recursos estatais, mesmo com a existência de uma oposição e instituições democráticas. Deste modo, as elites se afastam da sociedade e se encapsulam no poder.