Quantas vezes, conversando com alguém, ou mesmo ouvindo alguém falar, ou lendo um texto qualquer, saímos com a velha e conhecidíssima frase: "Ih! Fulano cometeu um erro de gramática aqui!"
Isso é muito comum, mas o tal erro do fulano não impede que a gente o entenda, não é verdade? Pois é. Acontece que existe uma diferença entre o que é erro e o que é agramatical na nossa língua. Para começarmos nossa conversa, leia primeiro o texto de Luís Fernando Veríssimo:
Papos
- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te"e o "você"não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece"ou "esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por quê?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.
Você deve ter se lembrado de alguém conhecido que, no afã de se adequar ao padrão da língua, acaba exagerando na dose e cometendo os excessos do personagem do texto que acabou de ler. No texto, você viu que, apesar das inadequações e dos excessos cometidos pelo personagem, sua mensagem pode ser compreendida, ou seja, a gente acaba se entendendo.
Muitos estudiosos da linguística afirmam que não existe erro quando se trata do uso da língua. Para eles, existe adequação a uma determinada situação comunicativa, já que o certo e o errado estão ligados a um uso da língua padronizado socialmente. Nesse caso, estaríamos falando do que é aceitável ou não, de acordo com o nível de adequação à norma padrão exigida por determinada situação. O fato de um falante dizer, por exemplo, "nós fomo" em lugar de "nós fomos" não impede que se faça entender, mas, obviamente, o compromete diante daqueles que o escutam. O entendimento não é afetado, mas o falante fica socialmente marcado de forma negativa. Como se vê, esse tipo de erro - e aqui estamos falando, sim, de erro, que é compatível com a ideia de inadequação - não impede a comunicação. Por isso, ele tem um caráter extralinguístico, que extrapola o nível da produção da fala e transborda para um nível de aceitabilidade social.
Para que haja o que os linguístas chamam de agramaticalidade, é necessário que o falante viole as regras do seu sistema linguístico, o que dificilmente acontece. Quando isso acontece, a comunicação torna-se inviável, e não é porque houve uma inadequação que compromete a aceitação social do falante, mas porque a violação das regras tem um caráter estritamente ligado à construção linguística. Assim, se alguém resolve, por exemplo, alterar determinadas regras de organização de palavras num enunciado, impedirá que o ouvinte o compreenda, impedindo, consequentemente, a própria comunicação. Se eu disser: "Não hoje a criança o viu brinquedo lá", estarei infringindo regras segundo as quais o artigo tem um lugar no enunciado, assim como o verbo, o advérbio, etc. É claro que essas infrações podem ser mais complexas, de modo a inviabilizar a comunicação.
Espero ter ajudado
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Brunamh
Obrigado, porém, por que não devo usar o vê se me esquece ?
Lista de comentários
Quantas vezes, conversando com alguém, ou mesmo ouvindo alguém falar, ou lendo um texto qualquer, saímos com a velha e conhecidíssima frase: "Ih! Fulano cometeu um erro de gramática aqui!"
Isso é muito comum, mas o tal erro do fulano não impede que a gente o entenda, não é verdade? Pois é. Acontece que existe uma diferença entre o que é erro e o que é agramatical na nossa língua. Para começarmos nossa conversa, leia primeiro o texto de Luís Fernando Veríssimo:
Papos
- Me disseram...
- Disseram-me.
- Hein?
- O correto é "disseram-me". Não "me disseram".
- Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é "digo-te"?
- O quê?
- Digo-te que você...
- O "te"e o "você"não combinam.
- Lhe digo?
- Também não. O que você ia me dizer?
- Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
- Partir-te a cara.
- Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me.
- É para o seu bem.
- Dispenso suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. Mais uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem?
- Eu só estava querendo...
- Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar certo é elitismo!
- Se você prefere falar errado...
- Falo como todo mundo fala. O importante é me entenderem. Ou entenderem-me?
- No caso... não sei.
- Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?
- Esquece.
- Não. Como "esquece"? Você prefere falar errado? E o certo é "esquece"ou "esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.
- Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por quê?
- Porque, com todo este papo, esqueci-lo.
Você deve ter se lembrado de alguém conhecido que, no afã de se adequar ao padrão da língua, acaba exagerando na dose e cometendo os excessos do personagem do texto que acabou de ler. No texto, você viu que, apesar das inadequações e dos excessos cometidos pelo personagem, sua mensagem pode ser compreendida, ou seja, a gente acaba se entendendo.
Muitos estudiosos da linguística afirmam que não existe erro quando se trata do uso da língua. Para eles, existe adequação a uma determinada situação comunicativa, já que o certo e o errado estão ligados a um uso da língua padronizado socialmente. Nesse caso, estaríamos falando do que é aceitável ou não, de acordo com o nível de adequação à norma padrão exigida por determinada situação. O fato de um falante dizer, por exemplo, "nós fomo" em lugar de "nós fomos" não impede que se faça entender, mas, obviamente, o compromete diante daqueles que o escutam. O entendimento não é afetado, mas o falante fica socialmente marcado de forma negativa. Como se vê, esse tipo de erro - e aqui estamos falando, sim, de erro, que é compatível com a ideia de inadequação - não impede a comunicação. Por isso, ele tem um caráter extralinguístico, que extrapola o nível da produção da fala e transborda para um nível de aceitabilidade social.
Para que haja o que os linguístas chamam de agramaticalidade, é necessário que o falante viole as regras do seu sistema linguístico, o que dificilmente acontece. Quando isso acontece, a comunicação torna-se inviável, e não é porque houve uma inadequação que compromete a aceitação social do falante, mas porque a violação das regras tem um caráter estritamente ligado à construção linguística. Assim, se alguém resolve, por exemplo, alterar determinadas regras de organização de palavras num enunciado, impedirá que o ouvinte o compreenda, impedindo, consequentemente, a própria comunicação. Se eu disser: "Não hoje a criança o viu brinquedo lá", estarei infringindo regras segundo as quais o artigo tem um lugar no enunciado, assim como o verbo, o advérbio, etc. É claro que essas infrações podem ser mais complexas, de modo a inviabilizar a comunicação.
Espero ter ajudado