O confronto entre os índios terenas, os latifundiários que ocupam suas terras e as forças policiais, no Mato Grosso do Sul, era previsto e foi alertado ao governo estadual e federal. Mesmo assim, nada foi feito para impedir esse conflito e a perda de vidas humanas. Morto por forças policiais, o índio Oziel Gabriel foi vítima do descaso e da ineficiência das autoridades.
Os povos indígenas estão lutando por um direito conquistado na Constituição Federal de 1988: o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionalmente ocupada pelos seus povos. A Carta Magna, no artigo 231, incorporou essa reivindicação histórica das lutas indígenas e se mostrou sensível à necessidade de assegurar um modo de vida social aos herdeiros dessas terras.
Hoje, 13% do território nacional estão demarcados e homologados como reservas indígenas. Cerca de 98% dessas terras estão localizadas na chamada Amazônia Legal. Os que esbravejam contra a quantidade de terras constitucionalmente assegurada aos índios, esquecem, ou propositalmente ignoram, que 46% das terras agrícolas estão nas mãos de 1% dos proprietários rurais, cerca de 50 mil latifundiários. Ninguém diz, nesse caso, que “há muita terra para pouco índio”.
A tensão desse conflito tende a crescer, tanto pela inoperância do governo em cumprir o que estabelece a Constituição, quanto pela voracidade de terras do agronegócio. É alvo dos latifundiários as terras dos camponeses, as reservas indígenas e das comunidades quilombolas e de pescadores.
A Via Campesina do Brasil, em nota de apoio à luta dos povos indígenas, denunciou a ofensiva do agronegócio sobre esses territórios, contando, inclusive, com a conivência do Estado para alcançar seus objetivos.
Há no Congresso Nacional uma série de propostas de emendas constitucionais que visam, se aprovadas, dificultar o processo de demarcação das terras e, inclusive, rever as áreas já homologadas.
Ninguém ignora o poder da bancada ruralista no Congresso Nacional. Seria desrespeitoso com a história desses parlamentares imaginar que eles atuariam em defesa de objetivos altruístas e humanista que favoreçam os povos indígenas. O projeto de lei que tira do Executivo o poder de demarcar as terras indígenas e repassa essa atribuição ao Legislativo enterra de vez a causa dos povos indígenas e a possibilidade do artigo 231 ser posto em prática.
No entanto, o governo, que poderia se contrapor para assegurar que os interesses das minorias não fossem massacrados por aquele rolo compressor, mostra-se frágil e, não raras vezes, conivente e impulsionador dos interesses do agronegócio.
Por esse caminho passa, além da criação de leis, o enfraquecimento da Funai, o compromisso, junto aos ruralistas, de suspender as demarcações, de mudar o procedimento de reconhecimento e demarcação das terras e a militarização da questão.
Há, ainda na esfera do governo federal, a responsabilidade do Poder Judiciário. O processo da reserva indígena Raposa Serra do Sol, julgado no STF em março de 2009, recebeu inúmeros embargos declaratórios, que até hoje não foram apreciados e mantêm aquele processo sem uma resolução final. Com isso, há mais de 200 pedidos de demarcação das terras indígenas, aguardado uma decisão do STF, atrasada em quatro anos.
Quando questionado sobre os milhares de processo atrasados no STF, o atual presidente, ministro Joaquim Barbosa, disse que isso se deve ao fato de o julgamento da AP 470, conhecido como mensalão petista (o mentirão, para o jornalista Hildegard Angel), ter sido priorizado. E que o julgamento exigiu muito da Corte, devido sua complexidade.
Assim, esse STF dá a entender que os índios devem ter paciência em ter suas terras, porque mais urgente é atender a pressão da mídia para ter aquele julgamento no mesmo período do calendário eleitoral.
Agora, passado aquele espetáculo midiático, é necessário que o STF dê agilidade aos processos das demarcações de terras indígenas. Se isso não ocorrer, crescerá a insegurança e as incertezas, fazendo com que as tensões aumentem e surjam novos conflitos, manchados de sangue.
A demarcação das terras indígenas é uma questão histórica e ainda mal resolvida. Contrário a ela, há os interesses, políticos e econômicos, das elites. Há etnias, no MS, com altíssimas taxas de suicídios.
É inadmissível que o país olhe para essa questão apenas como um conflito entre os índios e os proprietários rurais. O que está em disputa é um projeto de sociedade, no qual esteja assegurado o direito de existência, social e cultural, dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, camponesas e de pescadores. Essa conquista exigirá ainda muitas lutas.
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O confronto entre os índios terenas, os latifundiários que ocupam suas terras e as forças policiais, no Mato Grosso do Sul, era previsto e foi alertado ao governo estadual e federal. Mesmo assim, nada foi feito para impedir esse conflito e a perda de vidas humanas. Morto por forças policiais, o índio Oziel Gabriel foi vítima do descaso e da ineficiência das autoridades.
Os povos indígenas estão lutando por um direito conquistado na Constituição Federal de 1988: o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionalmente ocupada pelos seus povos. A Carta Magna, no artigo 231, incorporou essa reivindicação histórica das lutas indígenas e se mostrou sensível à necessidade de assegurar um modo de vida social aos herdeiros dessas terras.
Hoje, 13% do território nacional estão demarcados e homologados como reservas indígenas. Cerca de 98% dessas terras estão localizadas na chamada Amazônia Legal. Os que esbravejam contra a quantidade de terras constitucionalmente assegurada aos índios, esquecem, ou propositalmente ignoram, que 46% das terras agrícolas estão nas mãos de 1% dos proprietários rurais, cerca de 50 mil latifundiários. Ninguém diz, nesse caso, que “há muita terra para pouco índio”.
A tensão desse conflito tende a crescer, tanto pela inoperância do governo em cumprir o que estabelece a Constituição, quanto pela voracidade de terras do agronegócio. É alvo dos latifundiários as terras dos camponeses, as reservas indígenas e das comunidades quilombolas e de pescadores.
A Via Campesina do Brasil, em nota de apoio à luta dos povos indígenas, denunciou a ofensiva do agronegócio sobre esses territórios, contando, inclusive, com a conivência do Estado para alcançar seus objetivos.
Há no Congresso Nacional uma série de propostas de emendas constitucionais que visam, se aprovadas, dificultar o processo de demarcação das terras e, inclusive, rever as áreas já homologadas.
Ninguém ignora o poder da bancada ruralista no Congresso Nacional. Seria desrespeitoso com a história desses parlamentares imaginar que eles atuariam em defesa de objetivos altruístas e humanista que favoreçam os povos indígenas. O projeto de lei que tira do Executivo o poder de demarcar as terras indígenas e repassa essa atribuição ao Legislativo enterra de vez a causa dos povos indígenas e a possibilidade do artigo 231 ser posto em prática.
No entanto, o governo, que poderia se contrapor para assegurar que os interesses das minorias não fossem massacrados por aquele rolo compressor, mostra-se frágil e, não raras vezes, conivente e impulsionador dos interesses do agronegócio.
Por esse caminho passa, além da criação de leis, o enfraquecimento da Funai, o compromisso, junto aos ruralistas, de suspender as demarcações, de mudar o procedimento de reconhecimento e demarcação das terras e a militarização da questão.
Há, ainda na esfera do governo federal, a responsabilidade do Poder Judiciário. O processo da reserva indígena Raposa Serra do Sol, julgado no STF em março de 2009, recebeu inúmeros embargos declaratórios, que até hoje não foram apreciados e mantêm aquele processo sem uma resolução final. Com isso, há mais de 200 pedidos de demarcação das terras indígenas, aguardado uma decisão do STF, atrasada em quatro anos.
Quando questionado sobre os milhares de processo atrasados no STF, o atual presidente, ministro Joaquim Barbosa, disse que isso se deve ao fato de o julgamento da AP 470, conhecido como mensalão petista (o mentirão, para o jornalista Hildegard Angel), ter sido priorizado. E que o julgamento exigiu muito da Corte, devido sua complexidade.
Assim, esse STF dá a entender que os índios devem ter paciência em ter suas terras, porque mais urgente é atender a pressão da mídia para ter aquele julgamento no mesmo período do calendário eleitoral.
Agora, passado aquele espetáculo midiático, é necessário que o STF dê agilidade aos processos das demarcações de terras indígenas. Se isso não ocorrer, crescerá a insegurança e as incertezas, fazendo com que as tensões aumentem e surjam novos conflitos, manchados de sangue.
A demarcação das terras indígenas é uma questão histórica e ainda mal resolvida. Contrário a ela, há os interesses, políticos e econômicos, das elites. Há etnias, no MS, com altíssimas taxas de suicídios.
É inadmissível que o país olhe para essa questão apenas como um conflito entre os índios e os proprietários rurais. O que está em disputa é um projeto de sociedade, no qual esteja assegurado o direito de existência, social e cultural, dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, camponesas e de pescadores. Essa conquista exigirá ainda muitas lutas.