Aninhaalice624
Apenas um curumim Toda história que nos é contada exige atenção. O leitor/ouvinte precisa entrar no jogo que o autor promove, e isso se faz entregando-se à história, com cumplicidade e atenção. E há histórias que exigem, além da atenção, uma profunda reflexão. Pedem a reflexão de quem lê/ouve porque falam a eles e sobre eles. Um exemplo disso é esse livro de Werner Zotz. Ao falar da triste história do povo indígena que é dominado pelo povo caraíba, perdendo sua cultura, e da tentativa de alguns de resgatá-la, o autor fala da nossa histórias. Nós, os brasileiros. E mais do que isso: através das reflexões do velho pajé e das inquietações do jovem Jari, Zotz nos mostra o homem em si. Seus medos, desejos e suas buscas interiores. Nós, os homens. São dois personagens, o velho Tãima, último remanescente de uma tribo que um dia foi unida e livre, celebrando seus costumes, e que cedeu às mentiras e imposições dos caraíbas, os homens brancos. E há também o curumim, o menino Jari, que foi criado já com os costumes caraíbas, pois seus familiares estavam no grupo daqueles que adquiriram os hábitos dos brancos, incluindo suas formas injustas de trabalho. Assim, dentro de Jari havia um "índio morto". Tãima, o pajé resistente que luta pela manutenção de sua cultura, vê em Jari uma chance de que ele passe a ouvir sua "voz interior", para então fazer renascer o seu espírito índio. O curumim, desorientado, pois sem os pais (são mortos), segue Tãima. Não sabe o destino dele nem por que o segue. Seu coração está cheio de dúvidas, medos e inquietações. O fato dele seguir o pajé já marca a primeira vez que ele segue sua voz interior. Mesmo sem saber o que busca, o menino parte. O caminho é cheio de dificuldades. O cansaço, o medo do caraíba e de suas armas, a fome, a incerteza: são provações que o menino passa em sua jornada. A seu lado, muito silencioso, o velho Tãima. A figura do pajé é a do sábio que muito viveu, logo muito sabe. E pouco diz: um homem de silêncios. Fala apenas o necessário. Espera sempre a atitude do curumim: deixa o menino pensar e agir, para só depois comentar, quiçá repreendê-lo com algum ensinamento. Afinal, é o curumim quem tem que descobrir a si mesmo, sua identidade. Só ele pode ouvir sua voz. O papel do sábio é, pois, de silêncios e ausências. Nesse espaço, o curumim vai se tornando cada vez mais livres de suas angústias. Aos poucos, vai descobrindo qual é o seu caminho. Aceita a proposta do pajé de procurar outra terra e encontra o caminho. Já é outro menino: um índio guerreiro, agora, pois aprendeu aprendeu a ouvir sua voz interior. Aprendeu a refletir. Vendo a evolução do menino, o velho percebe que com seus seus ensinamentos e seus silêncios ele cumpriu sua parte. Agora é hora de sua ausência. Sabe que é chegada a sua hora. Morre feliz. Morre sabendo que Jari torno-se outro menino. Um índio guerreiro, cônscio de sua história, que aprendeu a sua voz interior e aprendeu a refletir. Através de um tema sério (o choque violento de duas culturas), Werner Zotz nos conta uma história universal: o homem que busca sua voz interior. O homem que precisa renascer. Olhar para seu passado. Recuperar sua identidade. Toda história exige atenção. E esta de Zotz, que fala a nós - homens -, que fala da nossa história, esta história cala fundo no peito. O livro todo é um dialógo entre os dois, o menino o velho, as duas gerações. Num capítulo a voz é de Tãima, noutro é de Jari. Uma grande história numa linguagem muito simples: não havia melhor modo de construir esse enredo que nos faz olhar para a nossa história e para nós mesmos. Essa história exige cumplicidade e atenção. Estive pensando: cumplicidade e atenção do leitor... não foi com isso também que o curumim conseguiu entender seu passado e descobrir sua voz interior? Sim, o livro de Zotz faz como o pajé: mostra nossos erros. Mas não diz o que devemos fazer para consertar tudo o que foi feito de errado. Isso depende de cada leitor. O livro falou, contou uma história. Ouvi sua voz como um curumim. E gostaria que outros ouvissem essa voz.
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Toda história que nos é contada exige atenção. O leitor/ouvinte precisa entrar no jogo que o autor promove, e isso se faz entregando-se à história, com cumplicidade e atenção. E há histórias que exigem, além da atenção, uma profunda reflexão. Pedem a reflexão de quem lê/ouve porque falam a eles e sobre eles. Um exemplo disso é esse livro de Werner Zotz. Ao falar da triste história do povo indígena que é dominado pelo povo caraíba, perdendo sua cultura, e da tentativa de alguns de resgatá-la, o autor fala da nossa histórias. Nós, os brasileiros. E mais do que isso: através das reflexões do velho pajé e das inquietações do jovem Jari, Zotz nos mostra o homem em si. Seus medos, desejos e suas buscas interiores. Nós, os homens.
São dois personagens, o velho Tãima, último remanescente de uma tribo que um dia foi unida e livre, celebrando seus costumes, e que cedeu às mentiras e imposições dos caraíbas, os homens brancos. E há também o curumim, o menino Jari, que foi criado já com os costumes caraíbas, pois seus familiares estavam no grupo daqueles que adquiriram os hábitos dos brancos, incluindo suas formas injustas de trabalho. Assim, dentro de Jari havia um "índio morto". Tãima, o pajé resistente que luta pela manutenção de sua cultura, vê em Jari uma chance de que ele passe a ouvir sua "voz interior", para então fazer renascer o seu espírito índio. O curumim, desorientado, pois sem os pais (são mortos), segue Tãima. Não sabe o destino dele nem por que o segue. Seu coração está cheio de dúvidas, medos e inquietações. O fato dele seguir o pajé já marca a primeira vez que ele segue sua voz interior. Mesmo sem saber o que busca, o menino parte.
O caminho é cheio de dificuldades. O cansaço, o medo do caraíba e de suas armas, a fome, a incerteza: são provações que o menino passa em sua jornada. A seu lado, muito silencioso, o velho Tãima. A figura do pajé é a do sábio que muito viveu, logo muito sabe. E pouco diz: um homem de silêncios. Fala apenas o necessário. Espera sempre a atitude do curumim: deixa o menino pensar e agir, para só depois comentar, quiçá repreendê-lo com algum ensinamento. Afinal, é o curumim quem tem que descobrir a si mesmo, sua identidade. Só ele pode ouvir sua voz. O papel do sábio é, pois, de silêncios e ausências.
Nesse espaço, o curumim vai se tornando cada vez mais livres de suas angústias. Aos poucos, vai descobrindo qual é o seu caminho. Aceita a proposta do pajé de procurar outra terra e encontra o caminho. Já é outro menino: um índio guerreiro, agora, pois aprendeu aprendeu a ouvir sua voz interior. Aprendeu a refletir.
Vendo a evolução do menino, o velho percebe que com seus seus ensinamentos e seus silêncios ele cumpriu sua parte. Agora é hora de sua ausência. Sabe que é chegada a sua hora. Morre feliz. Morre sabendo que Jari torno-se outro menino. Um índio guerreiro, cônscio de sua história, que aprendeu a sua voz interior e aprendeu a refletir.
Através de um tema sério (o choque violento de duas culturas), Werner Zotz nos conta uma história universal: o homem que busca sua voz interior. O homem que precisa renascer. Olhar para seu passado. Recuperar sua identidade.
Toda história exige atenção. E esta de Zotz, que fala a nós - homens -, que fala da nossa história, esta história cala fundo no peito. O livro todo é um dialógo entre os dois, o menino o velho, as duas gerações. Num capítulo a voz é de Tãima, noutro é de Jari. Uma grande história numa linguagem muito simples: não havia melhor modo de construir esse enredo que nos faz olhar para a nossa história e para nós mesmos. Essa história exige cumplicidade e atenção.
Estive pensando: cumplicidade e atenção do leitor... não foi com isso também que o curumim conseguiu entender seu passado e descobrir sua voz interior? Sim, o livro de Zotz faz como o pajé: mostra nossos erros. Mas não diz o que devemos fazer para consertar tudo o que foi feito de errado. Isso depende de cada leitor.
O livro falou, contou uma história. Ouvi sua voz como um curumim. E gostaria que outros ouvissem essa voz.