É, eu gostaria de falar um pouquinho sobre o colegial, por causa da importância do curso de Filosofia no 2.° grau, só por esta razão. Fiz o colegial numa escola pública em São Paulo, considerada na época das melhores do país, o Colégio Presidente Roosevelt da Rua São Joaquim. Quatro professores foram decisivos para minha trajetória intelectual. A professora de literatura, que nos iniciou através de Carlos Drummond e de Guimarães Rosa. O impacto de, aos 16 anos, você lidar com este tipo de trabalho literário foi imenso. A professora de História, que nos fez ler Caio Prado Jr. foi realmente, para mim, uma verdadeira revolução a descoberta da História do Brasil através da obra de Caio Prado Jr. A professora de latim, com quem se aprendia a ter uma extrema sensibilidade para questões de linguagem lendo Cícero e Virgílio. Acho que o interesse pela linguagem, eu adquiri menos com professores de português e muito mais com o curso de latim. E a figura definitiva, a do professor de filosofia. Esse professor entrou na classe do 1. ° ano colegial, portanto, numa classe de jovens entre 15 e 16 anos e, sem nenhuma introdução, expôs Heráclito e, em seguida, Parmênides. Fiquei absolutamente fascinada, não tanto porque eu fosse capaz de compreender o significado do que estava sendo exposto, mas por ver, pela primeira vez e em estado puro, o pensamento funcionando. A ideia de que o pensamento trabalha, e trabalha num registro que destrói todas as certezas visíveis, imediatas, foi uma descoberta espantosa. Sobretudo o modo como o professor apresentou os filósofos. Era inconcebível que tudo pudesse ser movimento, pois a sensação da permanência e muito forte e, de repente, alguém, através exclusivamente da operação intelectual, demonstra que tudo é movimento e quando você começa a se convencer dessa mobilidade, você descobre que o pensamento e capaz de trabalhar no sentido inverso e provar que a verdade é a identidade, a imobilidade. Demorou muito tempo para que eu pudesse saber o que isso queria dizer, mas o fascínio, na época, foi descobrir o trabalho do pensamento. Foi decisivo para mim. Houve um tempo em que eu havia pensado em fazer Letras, mas a descoberta da Filosofia mudou meu rumo.
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É, eu gostaria de falar um pouquinho sobre o colegial, por causa da importância do curso de Filosofia no 2.° grau, só por esta razão. Fiz o colegial numa escola pública em São Paulo, considerada na época das melhores do país, o Colégio Presidente Roosevelt da Rua São Joaquim. Quatro professores foram decisivos para minha trajetória intelectual. A professora de literatura, que nos iniciou através de Carlos Drummond e de Guimarães Rosa. O impacto de, aos 16 anos, você lidar com este tipo de trabalho literário foi imenso. A professora de História, que nos fez ler Caio Prado Jr. foi realmente, para mim, uma verdadeira revolução a descoberta da História do Brasil através da obra de Caio Prado Jr. A professora de latim, com quem se aprendia a ter uma extrema sensibilidade para questões de linguagem lendo Cícero e Virgílio. Acho que o interesse pela linguagem, eu adquiri menos com professores de português e muito mais com o curso de latim. E a figura definitiva, a do professor de filosofia. Esse professor entrou na classe do 1. ° ano colegial, portanto, numa classe de jovens entre 15 e 16 anos e, sem nenhuma introdução, expôs Heráclito e, em seguida, Parmênides. Fiquei absolutamente fascinada, não tanto porque eu fosse capaz de compreender o significado do que estava sendo exposto, mas por ver, pela primeira vez e em estado puro, o pensamento funcionando. A ideia de que o pensamento trabalha, e trabalha num registro que destrói todas as certezas visíveis, imediatas, foi uma descoberta espantosa. Sobretudo o modo como o professor apresentou os filósofos. Era inconcebível que tudo pudesse ser movimento, pois a sensação da permanência e muito forte e, de repente, alguém, através exclusivamente da operação intelectual, demonstra que tudo é movimento e quando você começa a se convencer dessa mobilidade, você descobre que o pensamento e capaz de trabalhar no sentido inverso e provar que a verdade é a identidade, a imobilidade. Demorou muito tempo para que eu pudesse saber o que isso queria dizer, mas o fascínio, na época, foi descobrir o trabalho do pensamento. Foi decisivo para mim. Houve um tempo em que eu havia pensado em fazer Letras, mas a descoberta da Filosofia mudou meu rumo.