PERGUNTA 1

“O cristão moveu o passo vacilante. De repente, entre os ramos das árvores, seus olhos viram, sentada à porta da cabana, Iracema com o filho no regaço e o cão a brincar. Seu coração o arrastou de um ímpeto, e toda a alma lhe estalou nos lábios:

— Iracema!...

A triste esposa e mãe soabriu os olhos, ouvindo a voz amada. Com esforço grande, pôde erguer o filho nos braços e apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu amor.

— Recebe o filho de teu sangue. Chegastes a tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!

Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe desfaleceu como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu então como a dor tinha murchado seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá.”

(Iracema, José de Alencar)


Considerando o trecho do romance Iracema e a formação de um caráter nacional brasileiro imaginado durante o século XIX, assinale a alternativa correta.


A) Desde suas primeiras formulações, um caráter nacional brasileiro abriga mulheres como sujeitos, convidadas a se imaginarem como parte da irmandade horizontal da nação, tendo seu valor atrelado a outras funções que não sejam a capacidade reprodutora.


B) a construção da genealogia brasileira, houve espaço para a alteridade e a produção literária local traduziu a intenção programática de construção de uma literatura nacional e autônoma, liberta de etnocentrismos. (ERRADA)


C) A construção desse caráter propunha diversidade étnica e celebração da mulher indígena, devido a sua beleza e recato naturais, como requisitos para o protagonismo feminino no ideário de nação desde suas primeiras formulações.


D) Um caráter nacional brasileiro baseou-se na miscigenação pretensamente harmoniosa do elemento branco e do indígena, entretanto, representa as relações de poder que resultam na eliminação da mulher indígena e na vitória do herói português.


E) A explicação histórica da nação se consolida nas bases de uma ordem social simbólica pautada na imagem da um sujeito nacional universal, cindido e diversificado por materialidades como raça, classe e gênero.



PERGUNTA 2

“Eu e Luisinha passamos um dia, esta semana, na casa de tia Aurélia com as nossas primas. Elas são muito boazinhas, mas vivem metidas numa casa da cidade que não tem vista nem jardim para se brincar e não se pode ficar na rua. Temos de ficar brincando só de fazer comidinha de boneca o dia inteiro. Antigamente eu ainda gostava, mas hoje, com treze anos, não gosto mais desses brinquedos”.

(Minha vida de menina, Helena Morley)



A escritora Helena Morley - pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant - publicou Minha vida de menina em 1942. Embora muito elogiado e traduzido em sua época, esse diário ficou esquecido até ser incluído na lista de livros obrigatórios da Fuvest, em 2018. Esse exemplo demonstra como uma crítica literária feminista:





(CORRETA) valoriza narrativas em que estejam presentes o mundo interior e as experiências de vida de mulheres e, desse modo, redimensiona as noções de centro e de margens, modificando-se o cânone literário.


PERGUNTA 3

“Que engraçada é a cabeça da gente, não é, Barbie? mas você não deve perceber que mistério é a cabeça da gente, você não é gente, sua pobre cabecinha oca. ... Mas, “be a good girl”*, fique quieta aí, durma bem, que amanhã mesmo volto cedo pra fazer você subir comigo à Vila Maria Degolada. Fique tranquila: ali não há mais o costume de degolarem Marias e nem sequer de jogar xadrez com peças vivas. Nem eu nem você somos Marias.”


*seja uma boa menina


(Quarenta dias, Maria Valéria Rezende)


O trecho “Nem eu nem você somos Marias”, no romance de Maria Valéria Rezende, demonstra:




(CORRETA) como a narrativa contraria expectativas sociais com relação a uma personagem de meia-idade, que transgride a domesticidade tradicionalmente atribuída a esse perfil identitário, além de ridicularizar ideais de beleza e de feminilidade.